23.3.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 74/39


Parecer do Comité Económico E Social Europeu sobre «O papel das organizações de mulheres como agentes não governamentais na aplicação do Acordo de Cotonou»

(2005/C 74/08)

Em 17 de Janeiro de 2002, o Comité Económico e Social Europeu decidiu elaborar, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, um parecer sobre «O papel das organizações de mulheres como agentes não governamentais na aplicação do Acordo de Cotonou».

A Secção Especializada de Relações Externas, incumbida de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu o parecer em 7 de Julho de 2004, com base no projecto da relatora, S. FLORIO.

Na 411.a reunião plenária (sessão de 15 de Setembro de 2004), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 115 votos a favor, 8 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

No âmbito das actividades respeitantes às políticas da União Europeia nos países em desenvolvimento, e em particular nos ACP, o Comité Económico e Social Europeu teve o ensejo de analisar a forma como a política de cooperação da UE tem evoluído. A evolução vai cada vez mais no sentido de uma abordagem participativa, isto é, inclusão dos agentes não estatais e reconhecimento do seu papel na definição e aplicação das pertinentes políticas, pelo que as instituições e os agentes não estatais (ANE) exercem uma função complementar no reforço do impacto dos programas de desenvolvimento.

O Acordo de Cotonou é até à data o único caso em que esta participação foi institucionalizada, ao exigir dos governos que associem plenamente os agentes não estatais às diversas fases das estratégias nacionais de desenvolvimento.

1.2

Atendendo a estas orientações e ao facto de que o Comité já se exprimiu num precedente parecer sobre o «Papel da sociedade civil na política europeia de desenvolvimento» (REX 097/2003), é importante que se aprofunde o tema da participação das mulheres e do seu contributo fundamental e específico para a definição e execução das políticas de desenvolvimento nos países ACP, incluindo as estabelecidas nos Acordos de Cotonou; reputamos útil sublinhar a importância de que se reveste o papel das mulheres e a necessidade de o valorizar no âmbito destes Acordos, bem como no quadro de todas as políticas de desenvolvimento.

1.3

De resto, enquanto organismo da UE representativo da sociedade civil, o Comité já afirmou no passado «o papel fundamental das mulheres enquanto agentes de desenvolvimento de primeira linha e vinca a necessidade de promover as suas organizações e assegurar-lhes participação equitativa nos órgãos de consulta e decisão.» («parecer sobre o Livro Verde sobre as relações entre a União Europeia e os países ACP no limiar do séc. XXI — desafios e opções para uma nova parceria», relator H. MALOSSE, EXT 152/1997).

A participação efectiva dos agentes não estatais, em geral, e das mulheres, em particular, está muito longe de ser uma realidade.

2.   Observações na generalidade

2.1

O último relatório do Banco Mundial (World Development Report 2004) reconhece explicitamente que o mercado global já não se adequa ao desenvolvimento económico e social e ao crescimento do emprego, mostrando-se sobretudo incapaz de remover os obstáculos que impedem o crescimento equitativo e sustentável de todos os países dos hemisférios Norte e Sul. Em 2002, o rendimento per capita de cinco sextos da população mundial era inferior a 1 200 dólares, contra um rendimento médio de mais de 26 000 por habitante para o resto da população, que na sua esmagadora maioria vive nos países mais ricos.

2.2

Actualmente, nenhuma instituição internacional (FMI, BM, OMC, OIT, ONU, etc.) pode agir como instância «reguladora» democrática e global nem consegue, só por si, reduzir as disparidades de desenvolvimento económico entre países e estratos sociais.

2.3

Além disso, e particularmente num período de fraco crescimento económico na maioria dos países, os países em desenvolvimento vêem-se impelidos a adoptar políticas económicas de ajustamento estrutural, preconizadas ou impostas por organismos internacionais, que impõem medidas dificilmente sustentáveis que penalizam sobretudo as camadas mais desfavorecidas da população. As mudanças estruturais, porque não acompanhadas de políticas de protecção social adequadas, provocaram o aumento da pobreza, da precariedade e da insegurança nas camadas mais vulneráveis, e isto tanto nos países do hemisfério Norte como nos do Sul.

2.4

Nos últimos anos acentuou-se, além disso, o fosso entre a economia global formal e a economia local informal. As pessoas que vivem no sector da economia informal não gozam de direitos nem participam no crescimento económico do país, se bem que para ele contribuam.

2.5

As mulheres são maioritárias nesta faixa da população, pelo que são as que mais sofrem com esta situação. As mulheres que vivem na pobreza nos países em desenvolvimento não só não acedem a bens e serviços como também são vítimas de graves violações de direitos humanos, sociais e económicos.

2.6

A pobreza, o desemprego e o subemprego afectam sobretudo as mulheres.

2.7

As várias conferências organizadas pelas Agências e Comissões das Nações Unidas desembocaram em numerosas propostas respeitantes a políticas, acções e projectos em prol das mulheres. Na mais recente – a Conferência sobre «Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio» — foram aprovados dois documentos essenciais, nos quais figuram, entre os temas mais debatidos, os direitos das mulheres à igualdade de oportunidades e à plena participação nos processos de decisão, bem como a necessidade de prevenção das doenças e a defesa da saúde.

3.   As instituições europeias e as políticas de integração das questões de género

3.1

O artigo 3.o do Tratado dispõe que a UE procura eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres em todas suas actividades, incluindo a cooperação para o desenvolvimento.

3.2

A Comunidade e seus Estados-Membros são signatários da Declaração de Pequim e da Plataforma de Acção, aprovadas na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim em 1995, que lançavam uma verdadeira estratégia para remover todos os obstáculos existentes em matéria de igualdade entre os sexos e consagravam o princípio de integração das questões de género (mainstreaming) para promover essa igualdade. Na sequência do compromisso assumido em Pequim com a assinatura da Plataforma, foi aprovado o Regulamento CE n.o 2836/98 relativo à integração das questões de género na cooperação para o desenvolvimento.

3.3

Este texto, que chegou ao seu termo de vigência em Dezembro de 2003, foi substituído por um novo regulamento para o biénio de 2004-2006, que reforça substancialmente os seus objectivos, isto é, apoiar o mainstreaming juntamente com medidas específicas a favor das mulheres e com a promoção da igualdade entre homens e mulheres como importante contributo para reduzir a pobreza. O documento insiste também no apoio a acções empreendidas pelos sector público e privado nos países em desenvolvimento, cujo objectivo é favorecer a igualdade entre homens e mulheres.

3.4

O regulamento do Parlamento e do Conselho relativo à «promoção da igualdade entre homens e mulheres na cooperação para o desenvolvimento» pode ser considerado importante ponto de referência para as políticas de cooperação. Os sectores de intervenção tidos por prioritários e objecto de particular atenção são o controlo por parte das mulheres dos recursos e dos serviços, em especial na área da educação, do emprego e da participação no processo decisório. O documento insiste na necessidade de se dispor de estatísticas discriminadas por sexo e por idade, para que se possa desenvolver e difundir novos métodos de intervenção, análises, estudos de impacto, etc.

4.   Cotonou: abordagem participativa e questões de género

4.1

O Acordo de Cotonou, assinado em 23 de Junho de 2000 com os países ACP, constitui um ponto de viragem nas políticas comerciais e de desenvolvimento da UE, já que é a primeira vez que os agentes não estatais vêem garantida a sua participação na definição das estratégias de desenvolvimento nacionais e reconhecida uma função complementar da das instituições estatais. O Acordo define como agentes não governamentais o sector privado, os parceiros económicos e sociais, incluindo as organizações sindicais, a sociedade civil sob todas as suas formas segundo as características nacionais.

4.2

O texto dispõe que os agentes não estatais devem ser informados e consultados sobre as políticas de cooperação, as prioridades de cooperação nos domínios que lhes dizem respeito e sobre o diálogo político; beneficiam de recursos financeiros para apoiar os processos de desenvolvimento local; devem participar na execução de projectos e programas nas zonas ou sectores que lhes dizem respeito; por último, recebem apoio para reforçar as suas capacidades e aumentar as suas competências, em particular no atinente à organização, representação e execução de mecanismos de consulta, de intercâmbio e de diálogo para promover alianças estratégicas.

4.3

Além disso, e em conformidade com as políticas da União Europeia, o Acordo põe em evidência a relação existente entre política, comércio e desenvolvimento. Com efeito, a parceria assenta em cinco pilares interdependentes: dimensão política global, promoção da abordagem participativa, objectivo de redução da pobreza, estabelecimento de um novo quadro de cooperação económica e comercial e reforma da cooperação financeira.

4.4

Além disso, as estratégias de desenvolvimento deveriam ter sistematicamente em consideração as questões de género, que constituem um dos três temas transversais do Acordo (artigos 8.o e 31.o).

4.5

Neste quadro, o Acordo de Cotonou institucionaliza o papel do Comité como interlocutor privilegiado dos grupos de interesse económicos e sociais dos países ACP, conferindo-lhe expressamente um mandato de consulta das organizações da sociedade civil.

5.   Participação das associações, ONG e organizações de mulheres

5.1

Tendo em conta as orientações da União em matéria de participação e de perspectiva de género, bem como a função cometida ao Comité pelo Acordo, parece-nos útil aprofundar o papel específico das mulheres e da sua participação no diálogo civil no âmbito do Acordo de Cotonou.

5.2

Atendendo ao grande número de países ACP, para além do mais pertencentes a áreas geográficas diferentes, as mulheres destes países não constituem um grupo homogéneo. As diferenças são profundas consoante a região, o contexto cultural, a categoria económica e social, o nível de rendimento, o meio — rural ou urbano — em que vivem. Mas porque não podemos fugir a determinadas generalizações, é importante estudar de que modo podem as mulheres ser associadas aos processos de participação previstos nos Acordos de Cotonou.

5.3

Uma primeira dificuldade reside no facto de as «Orientações sobre os princípios e as boas práticas para a participação dos intervenientes não governamentais nas consultas e no diálogo sobre desenvolvimento» só marginalmente mencionarem as questões de género, e de as avaliações preliminares das disposições do Acordo de Cotonou sobre a participação de agentes não estatais na definição das estratégias nacionais (23 de Janeiro de 2004) não fornecerem dados quantitativos nem qualitativos sobre a presença das mulheres.

5.4

De testemunhos recolhidos em fóruns e seminários regionais infere-se que a participação das associações, ONG e organizações de mulheres na definição das estratégias nacionais é muito escassa na maioria dos casos.

5.5

É grande o fosso entre, por um lado, intenções proclamadas e dispositivos do Acordo e, por outro, a sua aplicação prática. Igualmente escassas são, de resto, as acções e medidas que visam facilitar a participação das mulheres.

5.6

Não há dúvida que em contextos onde já é difícil criar e estruturar um diálogo com a sociedade civil, mais difícil é pretender aumentar o espaço de acção das mulheres. Acresce que a aplicação das disposições do acordo sobre participação é um processo ainda in fieri que tem como protagonistas a Comissão, cujo papel pode, segundo se crê, ser fundamental, os governos, ou os próprios agentes não governamentais, cuja potencialidade, competências e nível de organização variam de área para área.

5.7

Os obstáculos à realização de uma abordagem participativa são vários e de natureza diversa. Entre eles importa mencionar, como já foi assinalado em anterior parecer (1):

forte resistência por parte da maioria dos governos nacionais a dialogar com os agentes não estatais;

reduzidas possibilidades de os agentes não estatais (ANE) terem uma acção concreta na definição dos programas e das estratégias de desenvolvimento, mesmo quando esse diálogo está previsto;

elevado grau de centralização administrativa que existe naqueles países que, ao não favorecer a participação dos ANE em geral, tende a marginalizar as realidades locais periféricas, em particular as rurais, que são as mais difíceis de alcançar e, amiúde, as mais pobres;

falta de regras e normas precisas que rejam efectivamente a participação dos agentes não estatais;

escasso nível de organização da sociedade civil dos países terceiros; não raro, o principal problema é desenvolver as potencialidades dos agentes que deveriam participar no processo;

acesso ao financiamento, que está estreitamente ligado à difusão e acesso à informação; com efeito, os agentes não estatais dos países terceiros queixam-se da falta de um sistema de difusão das informações e de os procedimentos previstos para a concessão de financiamento serem, na maior parte dos casos, demasiado dispendiosos e complicados.

5.8

No que se refere à participação das mulheres, estes obstáculos avolumam-se devido a condições objectivas ligadas, por um lado, a factores socioeconómicos, culturais e religiosos e, por outro, ao facto de muitos governos estarem pouco familiarizados com os direitos fundamentais em geral, e com os direitos das mulheres, em particular.

5.9

Deste ponto de vista, o Acordo de Cotonou considera que o respeito dos direitos do homem, dos princípios democráticos e do Estado de direito são elementos essenciais da parceria e prevê a adopção de medidas contra os prevaricadores em caso de violação grave. Todavia, como o Comité teve o ensejo de referir em anterior parecer («O Acordo de associação ACP-UE», relator R. BAEZA SAN JUAN), deveria ter-se fixado critérios mais restritos para a salvaguarda desses princípios.

6.   As mulheres nos processos de desenvolvimento e os temas prioritários de intervenção

6.1

Na realidade, o tema da participação das mulheres na sociedade civil está intimamente ligado ao papel que desempenham no processo de decisão e em todo o processo de desenvolvimento e, neste sentido, seria porventura útil alargar o campo de reflexão.

6.2

As mulheres podem contribuir consideravelmente para os processos de desenvolvimento, mas também devem poder usufruir de todos os benefícios e oportunidades que o desenvolvimento proporciona.

6.3

Com efeito, nos países em desenvolvimento e, em particular nos ACP, as mulheres são o elo fraco da sociedade e as mais atingidas pela pobreza e as privações, porque não têm acesso aos recursos, que lhes permitam melhorar as condições de vida e contribuir para o desenvolvimento económico do país.

6.4

O acesso aos recursos e respectivo controlo é, pois, condição indispensável para combater a pobreza e desencadear processos de desenvolvimento sustentável e duradouro.

Além disso, quando as mulheres participam na actividade económica fazem-no principalmente no sector informal, isto é o sector mais vulnerável face às políticas macroeconómicas de reestruturação.

6.5

Não obstante os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio a que a União Europeia aderiu, tendo em vista reduzir a pobreza para metade até 2015, existe o perigo de os negociadores de ambas as partes se centrarem unicamente nos efeitos das vertentes macroeconómica e política, em detrimento dos objectivos mais vastos e do impacto das medidas negociadas sobre as diferentes camadas da população. Haverá que apoiar as acções da Comissão destinadas a criar instrumentos que avaliem os efeitos dos referidos acordos.

6.6

De entre os temas tratados em documentos das Nações Unidas, da FAO e de outros organismos internacionais, é possível referir alguns (lista não exaustiva):

—   Educação e formação

Está demonstrado que promover a educação e a formação não significa apenas melhorar as condições de vida das pessoas, antes tem repercussões positivas para toda a comunidade local. A correlação entre educação e outras áreas da economia e da sociedade e a maneira como isto se repercute no papel que as mulheres (escolarizadas) desempenham na sociedade são aspectos que muitos estudos, pesquisas e estatísticas têm posto em evidência. Por isso é fundamental favorecer o acesso à educação e à formação, designadamente nas zonas rurais e mais pobres dos países em desenvolvimento, e garantir a sua gratuidade aos homens como às mulheres. Ainda hoje, 24 % das raparigas em idade de frequentar o ensino primário não estão escolarizadas (contra 16 % de rapazes). Nos países em desenvolvimento 61 % dos homens possuem, pelo menos, uma escolaridade de base, contra 41 % das mulheres.

—   Acesso aos recursos

O acesso aos recursos financeiros, em especial a possibilidade de as mulheres poderem aceder com facilidade ao empréstimo bancário, aos micro-créditos, à poupança e aos serviços de seguros, deve ser considerada uma das intervenções prioritárias. A informação sobre estes instrumentos é, porventura, uma das possíveis «chaves» da intervenção. Neste sentido, já foram apresentadas à ONU algumas recomendações, em particular sobre a melhoria do acesso das mulheres aos recursos financeiros. Além disso, tendo em conta as rápidas mutações na economia e no mercado global, todos os aspectos referentes aos recursos em prol do desenvolvimento deveriam ser analisados do ponto de vista das mulheres. As disparidades entre homens e mulheres no atinente ao acesso aos recursos económicos, aos bens públicos e serviços e à propriedade da terra privaram as mulheres de direitos fundamentais, de oportunidades económicas, de poder, bem assim da possibilidade de fazerem ouvir a sua voz independente nos processos políticos e na tomada de decisões.

—   Políticas de emprego

Se bem que a participação das mulheres no mercado de trabalho registe pequenos passos em frente, não se pode falar de igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho, formal e equitativamente remunerado, nos países ACP. O sector informal representa a primeira fonte de rendimento e de emprego nos países em desenvolvimento. As mulheres foram as primeiras vítimas da supressão de postos de trabalho em numerosos países ACP, tendo sido empurradas para o desemprego ou para formas de trabalho informal e precário, com níveis de remuneração muitas vezes aquém do limiar de sobrevivência. A possibilidade de aceder ao microcrédito, de favorecer a microempresa feminina e a posse da terra é fundamental para garantir uma vida digna, mas segundo dados da FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) as mulheres estão praticamente excluídas deste direito em muitos países em desenvolvimento. A análise dos sistemas de crédito em cinco países africanos revela que as mulheres recebem 10 % do crédito destinado aos pequenos proprietários, destinando-se os restantes 90 % aos homens.

—   A mulher e a saúde

A saúde reprodutiva e, em geral, o direito das mulheres à saúde são conceitos ainda desconhecidos em muitos países em vias de desenvolvimento, o que tem repercussões extremamente negativas não só para as mulheres, cuja vida corre perigo, mas também para a sociedade em geral. Para ilustrar a gravidade da situação basta pensar nas dificuldades que se levantam ao tratamento e à prevenção da SIDA e nas repercussões da propagação de doenças sobre os sistemas económicos e sociais de muitos países, em particular na África Subsariana.

As diferenças sexuais e biológicas entre homens e mulheres reflectem-se igualmente na área da saúde e da higiene pessoal. O papel e o estatuto conferidos às mulheres não reflectem as suas legítimas necessidades de acesso adequado à assistência sanitária e medicamentosa e, além disso, não têm em conta as responsabilidades que exercem na sociedade. É muito escassa a atenção dada às necessidades específicas das mulheres, o que tem efeitos negativos ao longo da sua vida. Este quadro é ainda mais negro quando o contexto sociocultural tende a justificar abusos físicos, psicológicos e sexuais sobre mulheres.

—   Combate a todas as formas de violência contra as mulheres

O combate à violência contra as mulheres continua a ser uma das batalhas mais árduas de travar e quantificar. Basta pensar na violência doméstica, já difícil de denunciar nas sociedades ocidentais, nas mutilações genitais e no tráfico de seres humanos, em constante expansão. As principais vítimas deste fenómeno, que se traduz por escravidão sexual, outras formas de trabalho forçado e violação dos direitos humanos, são as mulheres e as crianças e, em especial, as que vivem em países devastados por guerras e conflitos.

7.   Recomendações

7.1

É necessário definir com maior clareza e determinação os objectivos destinados a apoiar as mulheres, bem como as medidas a tomar se a União Europeia quiser realmente melhorar as condições de vida das mulheres e dos pobres. Impõe-se grande vigilância em relação às políticas de ajustamento cujos efeitos penalizaram as mulheres e, em geral, as camadas mais vulneráveis da população, por forma a que estes estratos sociais retirem vantagens das transformações operadas.

7.2

Neste sentido, afigura-se necessário que a avaliação dos acordos comerciais da UE com os países terceiros, e especialmente os ACP, inclua análises específicas do impacto que eles terão nas condições de vida das camadas mais pobres da população e nas questões de género.

7.3

O investimento para reforçar associações e as ONG que trabalham pela igualdade entre os sexos e pela responsabilização das mulheres é essencial para melhorar as condições económicas, sociais e políticas nos países em desenvolvimento e consolidar o crescimento social e económico compatível com o desenvolvimento sustentável.

7.4

Do atrás exposto fica claro que não se trata simplesmente de promover uma maior integração das mulheres na sociedade civil, mas antes, e sobretudo, de criar as condições de base da sua real participação, valorização e apoio, a fim de que elas beneficiem das mesmas oportunidades que os homens com vista ao desenvolvimento dos respectivos países. O reforço do papel das mulheres no processo participativo constitui, de facto, um momento decisivo na aquisição de poder de decisão.

7.5

A condição de base mais importante é, em todo o caso, reconhecer às mulheres a igualdade no direito de acesso ao ensino e à formação. A este propósito dever-se-ia favorecer os programas e projectos com esse fim, desde a alfabetização ao apoio à informatização e à construção de redes de associações femininas, como pilar e garantia de participação e valorização do papel da mulher no desenvolvimento nacional.

7.6

No âmbito do processo de descentralização realizado pela Comissão, é crucial o papel das delegações tal como vem definido nas orientações gerais sobre os princípios e as boas práticas para a participação dos agentes não estatais (24.2.2002). Dado que as delegações gozam de grande flexibilidade na escolha dos meios necessários, cabe-lhes promover a participação o mais alargada possível dos agentes não estatais. Se bem que as referidas orientações não sejam explícitas quanto à participação e ao papel das organizações de mulheres, pensamos que as delegações podem desenvolver uma acção importante para favorecer a participação das mulheres no diálogo civil, criar redes e gizar uma estratégia de desenvolvimento das capacidades especificamente virada para as mulheres.

Deveriam ser conferidas responsabilidades específicas às delegações para promover a igualdade entre homens e mulheres e, pelo menos um representante deveria receber formação apropriada em questões de género.

7.7

Particular atenção deverá ser dada à identificação das realidades existentes na área do associativismo feminino e suas características próprias, já que é escassa a informação nesta matéria.

O próprio Comité poderia contribuir para identificar as associações e organizações internacionais europeias que desenvolvem esforços para promover a participação das mulheres nos países ACP.

7.8

Os documentos sobre às estratégias nacionais deveriam prever expressamente a participação das mulheres na redacção dos mesmos, bem como nas iniciativas e acções positivas de apoio às actividades das respectivas associações. Entendemos que a Comissão pode ter uma certa influência neste campo.

O Comité convida a Comissão a abrir uma linha de financiamento específica para as organizações femininas da sociedade civil dos países ACP.

7.9

Seria importante criar canais preferenciais para as organizações de mulheres quer no atinente aos critérios de elegibilidade dos agentes não estatais, quer no que diz respeito ao acesso ao financiamento.

7.10

A realização de cursos de formação para promover actividades das associações e organizações de mulheres que trabalham no terreno, no âmbito dos acordos de Cotonou, poderia revestir-se de grande utilidade para a vida dessas mesmas associações.

7.11

O Comité compromete-se a promover a organização de seminários que possam seleccionar e aprofundar temas referentes ao estatuto e à participação das mulheres nos países ACP.

7.12

O Comité solicitará uma participação igual de delegações femininas nos seminários e promoverá encontros com mulheres e respectivas associações tanto nos países ACP como em países terceiros em geral.

7.13

Compromete-se a organizar, no primeiro semestre de 2005, uma conferências com os referidos interlocutores, que tenha por objectivo valorizar o papel das mulheres nos processos de decisão, identificar os obstáculos e definir estratégias que tenham por base o ponto de vista das mulheres como protagonistas que são do desenvolvimento.

Bruxelas, 15 de Setembro de 2004.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  «O papel da sociedade civil na política europeia de desenvolvimento» (REX 097/2003).