7.12.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 302/70


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu — Tributação dos dividendos das pessoas singulares no mercado interno»

COM(2003) 810 final

(2004/C 302/15)

Em 19 de Dezembro de 2003, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supra mencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, emitiu parecer em 8 de Junho de 2004, tendo sido relator D. RETUREAU.

Na 410.a reunião plenária de 30 de Junho e 1 de Julho (sessão de 30 de Junho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor, 1 voto contra e 12 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

A Comunicação em apreço diz respeito principalmente à tributação dos dividendos recebidos por pessoas singulares, na qualidade de investidores em títulos.

1.2

A Comunicação vem na sequência de uma outra sobre o estudo sobre a fiscalidade das empresas (1), na qual se propunha a definição de linhas orientadoras para a aplicação dos principais acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias neste domínio e, quanto aos dividendos recebidos por pessoas singulares, remete para o acórdão Verkooijen (2). A assimilação dos dividendos a uma circulação de capitais é uma construção judicial; os dividendos não são mencionados expressamente nem no Tratado nem na directiva.

1.3

As divergências, entre os sistemas fiscais dos Estados-Membros, na «dupla tributação dos rendimentos das empresas distribuídos a pessoas singulares accionistas sob forma de dividendos» (3) constituiriam uma forma de discriminação importante e um obstáculo à livre circulação de capitais no Mercado Único.

1.4

As linhas orientadoras propostas referem-se à incidência do Direito Comunitário nas variantes de tributação dos dividendos pelos Estados-Membros e visam, também, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, eliminar os obstáculos enfrentados pelas pessoas singulares no plano da tributação de rendimentos provenientes de dividendos de carteiras de acções. Acresce que a proposta visa também reduzir as taxas de tributação demasiado elevadas nos Estados de origem dos dividendos.

1.5

O objectivo consiste, por um lado, em «ajudar estes últimos (os Estados-Membros) a assegurar a compatibilidade dos referidos sistemas com as exigências do mercado interno em conformidade com os princípios do Tratado no que respeita à livre circulação de capitais».

1.6

Se os Estados-Membros não aceitarem o método proposto para suprimir os obstáculos à livre circulação dos investimentos de rendimentos de títulos em acções, a Comissão poderia, nesse caso, fazer uso do disposto no artigo 226.o do Tratado CE, na qualidade de guardiã dos Tratados.

1.7

A este respeito, recorde-se que o Tribunal de Justiça pode deduzir do texto das questões prejudiciais suscitadas por um tribunal nacional, com base nos dados que lhe foram submetidos, os elementos que tenham a ver com a interpretação do Direito Comunitário, permitindo, assim, ao juiz nacional resolver o problema jurídico de que deve conhecer (4).

2.   Tributação dos dividendos no mercado interno

2.1

A tributação dos resultados obtidos por uma sociedade inclui um imposto sobre o lucro, cuja taxa varia segundo os países entre 12,5 e 40 % (sendo a média de 30 % aproximadamente). A tributação de dividendos distribuídos de lucros após o pagamento do imposto sobre as sociedades pode efectuar-se mediante retenção na fonte e ser deduzida do dividendo distribuído, mas pode igualmente estar sujeita ao IRS à taxa marginal ou a uma taxa específica.

2.2

A tributação dos resultados de uma sociedade e dos dividendos pode constituir, segundo a Comissão, uma «dupla tributação económica», podendo as pessoas singulares ser passíveis de dupla tributação jurídica internacional (tributação por dois países diferentes sobre os dividendos recebidos no estrangeiro).

2.2.1

O modelo de convenção proposto pela OCDE para evitar a dupla tributação jurídica internacional não trata a dupla tributação económica.

2.2.2

Segundo a convenção-modelo da OCDE, o imposto sobre dividendos retido na fonte no Estado de origem deveria ser deduzido do imposto a pagar no Estado de residência fiscal do accionista, havendo lugar a uma simples tributação limitada ao montante do imposto que pode ser devido sobre os dividendos no Estado de residência fiscal.

2.2.3

O modelo da OCDE aplica-se, segundo a Comissão, a todos os sistemas de tributação de dividendos, numa forma pura ou mista (sistema clássico, cedular, imputação, isenção).

3.   Acórdão Verkooijen e outros acórdãos pertinentes

3.1

No acórdão no processo Verkooijen, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a recusa, a este último, de isenção de impostos sobre o rendimento quanto aos dividendos recebidos de acções de sociedade com sede em Estado-Membro diferente dos Países Baixos.

3.2

Esta isenção aplicava-se ao rendimento de acções ou partes sociais sobre o qual foi efectuada retenção do imposto neerlandês na fonte pelos Países Baixos, o que excluía os rendimentos de acções obtidos noutros países.

3.2.1

Em primeiro lugar, a isenção era concebida como medida para melhorar o nível dos fundos próprios das empresas e estimular o interesse dos particulares por acções neerlandesas; em segundo lugar, em especial quanto aos pequenos investidores, a isenção tinha por objectivo compensar, em certa medida, a dupla tributação económica através de uma isenção de mil florins neerlandeses.

3.2.1.1

No caso do imposto sobre os rendimentos do recorrente Verkooijen, o inspector dos impostos não aplicou a isenção dos dividendos, por entender que não tinha direito uma vez que os dividendos que recebera «não estavam sujeitos a imposto neerlandês sobre os dividendos».

3.2.2

A questão prejudicial suscitada pelo órgão jurisdicional nacional competente, levou o Tribunal de Justiça a entender que o recebimento de dividendos estrangeiros estava indissoluvelmente ligado a um movimento de capitais; um tratamento fiscal diferente, e menos vantajoso, dos dividendos entrados em relação aos dividendos nacionais constituía, assim, uma restrição proibida à liberdade de circulação de capitais.

3.2.2.1

O Tribunal de Justiça precisou que uma disposição geral como a que está em causa «(...) tem como efeito dissuadir os nacionais de um Estado-Membro que residam nos Países Baixos de investirem os respectivos capitais em sociedades com sede noutro Estado-Membro».

3.2.2.2

«Uma tal disposição tem também efeito restritivo quanto às sociedades com sede noutros Estados-Membros na medida em que lhes levanta um obstáculo à recolha de capitais nos Países Baixos.»

3.3

No processo Schmid (5), o advogado-geral assinalou que os dividendos provenientes de acções estrangeiras, não sujeitos na Áustria à retenção na fonte de carácter liberatório a título do imposto sobre os rendimentos de capitais, estão, por isso, integralmente sujeitos ao imposto sobre o rendimento e não podem beneficiar da aplicação da taxa reduzida a metade. O advogado-geral concluiu que se estava perante uma violação à livre circulação de capitais.

4.   Observações na generalidade

4.1

Em matéria fiscal, os Estados-Membros têm uma competência limitada. Os artigos 56.o e 58.o do Tratado CE actualmente em vigor restringem esta competência nacional, cujo exercício não deve prejudicar nenhuma liberdade fundamental, nem contornar o Direito Comunitário: o artigo 56.o proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, enquanto que o artigo 58.o reconhece que as disposições fiscais nacionais podem estabelecer «uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido», e embora os Estados-Membros possam tomar «todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras (...) ou (...) medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública», essas medidas «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos».

4.2

A jurisprudência do Tribunal de Justiça exige um tratamento igual dos sujeitos passivos e condena a dupla tributação internacional.

4.3

Face ao alargamento da União, e devido às diferenças de taxas, ainda mais acentuadas, do imposto sobre as sociedades e do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares proveniente de dividendos, o Comité considera urgente encorajar todos os Estados-Membros que não tenham ainda celebrado convenções internacionais para evitar a dupla tributação, a darem, baseando-se minimamente no modelo da OCDE, igualdade de tratamento, ao nível nacional, dos dividendos obtidos pelos investidores em títulos, independentemente da sua origem na UE.

4.4

O Comité assinala que o Tratado prevê igualmente a livre circulação de capitais destinados a e provenientes de países terceiros, e que há várias convenções internacionais bilaterais entre Estados-Membros e países terceiros.

4.5

Idealmente, a plena neutralidade só poderia ser atingida, combinando todas as condições exigidas na Comunicação e limitando a acção ao espaço comunitário, através da aplicação à escala comunitária de uma única taxa de imposto sobre as sociedades no âmbito de um sistema de isenção, e na condição de que a tributação do IRS fosse igual em todos os países interessados, assente na suposição de que os rendimentos provenientes de dividendos de acções constituem o único rendimento do investidor em títulos. De facto, a Comissão é a própria a reconhecer que a plena neutralidade fiscal só pode ser assegurada através de uma completa harmonização dos regimes fiscais dos Estados-Membros.

4.6

A soberania fiscal dos parlamentos e dos Estados, que decidem quanto à tributação das pessoas singulares e colectivas e ao orçamento nacional, constitui historicamente o fundamento das democracias europeias. A igualdade dos cidadãos perante a carga fiscal constitui um princípio fundamental do valor constitucional. Tendo em conta o nível actual de integração europeia, os Estados-Membros têm ainda sérias razões para manterem, como previsto nos Tratados, as suas competências nacionais em matéria fiscal. Esta situação poderá, bem entendido, vir a alterar-se. Contudo, o Comité deseja que a liberdade de que dispõem os Estados-Membros não conduza a situações de dumping fiscal.

4.7

O Comité considera que as linhas orientadoras propostas, na condição de se limitarem às questões sobre as quais o Tribunal de Justiça efectivamente se pronunciou, inscrevem-se no quadro das respectivas competências da Comissão e dos Estados-Membros e, se assim se decidir, o Parlamento Europeu e os órgãos comunitários consultivos deveriam ser plenamente implicados no acompanhamento de um tal procedimento.

4.8

O Comité pergunta, finalmente, se a ameaça de interposição de recurso para o Tribunal de Justiça é verdadeiramente de natureza a facilitar a procura inevitável de soluções; no entanto, o Comité entende que os Estados-Membros em causa devem adoptar rapidamente disposições para evitar discriminação dos dividendos. O que poderia equivaler, por outro lado, a querer fazer do Tribunal de Justiça um «legislador comunitário» em matéria fiscal, para além das competências que incumbem aos Estados-Membros, correndo-se, assim, o risco de confundir poderes.

5.   Observações na especialidade

5.1

O Comité assinala que o modelo de análise relativamente simples da Comissão apenas considera uma das possibilidades de investimento em acções, ou seja, a de uma carteira individual composta por acções de sociedades estabelecidas em dois ou mais Estados-Membros. Uma carteira pode ser composta por acções de sociedades estabelecidas em vários Estados-Membros e fora da UE.

5.2

O Comité assinala também que os rendimentos de valores mobiliários podem também provir de sociedades de investimento colectivo ou de fundos de pensão, sob formas que não permitem apurar a origem nacional das várias partes que compõem os dividendos e as mais-valias distribuídos. Por outro lado, às mais-valias desses investimentos e aos rendimentos distribuídos são, por vezes, aplicadas regras fiscais diferentes das aplicáveis ao recebimento directo de dividendos por parte de uma pessoa singular titular da sua própria carteira de acções. A Comissão não foca estas questões.

5.3

O Comité constata que a questão da tributação de mais-valias em Bolsa também não é tratada na comunicação. A percepção de dividendos não é o único objectivo dos particulares que investem em carteiras de acções. A valorização dos títulos na Bolsa para obtenção de benefícios constitui um motivo ainda mais forte para investir, para além de fazer parte da gestão de uma carteira e dos respectivos rendimentos. Este é, sem dúvida, um problema que deveria também ser tratado.

5.4

No que diz respeito à dupla tributação económica, o Comité considera que não é ilegítimo estabelecer uma distinção entre pessoas singulares e colectivas, independentemente dos métodos e das taxas de tributação praticados. A quota distribuída aos accionistas representa para estes um rendimento disponível, mas os resultados não são necessariamente distribuídos na totalidade. Parte deles serve para o autofinanciamento da empresa, o que valoriza o título e a riqueza do accionista; nas hipóteses avançadas pela Comissão, esta parcela dos resultados não está sujeita ao IRS, mas sim ao imposto sobre as sociedades. Convém, pois, saber também se as mais-valias são tributadas ou não quando da sua realização, e em que condições. A comunicação não aborda este assunto que o Comité considera tão importante.

6.   Conclusões

6.1

O Comité considera que o tratamento não discriminatório da dupla tributação e das retenções eventuais na fonte de dividendos internos e os dividendos entrados e saídos constitui objectivo importante, sem pôr em causa o princípio fundamental da igualdade das pessoas singulares perante a carga fiscal ao nível nacional. Os Estados-Membros poderiam, também, prever formas de cooperação entre países com práticas fiscais semelhantes, para estudo das melhores práticas disponíveis.

6.2

Tendo em vista o melhor funcionamento do mercado interno, as questões abordadas pelo Comité no ponto «Observações na especialidade» poderiam ser examinadas no intuito de mais harmonização dos sistemas fiscais em matéria de impostos sobre sociedades e mais-valias resultantes de valores mobiliários.

6.3

Por fim, o Comité considera que a Comunicação da Comissão abre a perspectiva de encontrar soluções para problemas que são objecto de numerosos recursos para o Tribunal de Justiça, os quais, por constituírem uma sobrecarga inútil neste domínio, conviria, de futuro, evitar.

Bruxelas, 30 de Junho de 2004.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  «Mercado Interno sem obstáculos em matéria de fiscalidade» COM (2001) 582 final.

(2)  Processo C-35/98 Verkooijen [2000] Colectânea I-4071.

(3)  Relatório Ruding, de Março de 1992, pp. 207-208.

(4)  Acórdão de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann, CR 204/90, Colectânea pág. I-249.

(5)  Processo C-516/99, de 30 de Maio de 2002.


ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes propostas de alteração, que recolheram um número de votos favoráveis que representam pelo menos um quarto dos sufrágios expressos, foram rejeitadas:

Ponto 4.6

Elidir a última frase.

Resultado da votação:

Votos contra:

84

Votos a favor:

58

Abstenções:

9

Ponto 4.8

Elidir.

Resultado da votação:

Votos contra:

85

Votos a favor:

53

Abstenções:

16