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Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre "Os cuidados de saúde"

Jornal Oficial nº C 234 de 30/09/2003 p. 0036 - 0044


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre "Os cuidados de saúde"

(2003/C 234/11)

Em 21 de Janeiro de 2003, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre "Os cuidados de saúde".

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 30 de Junho de 2003 (relator: A. Bedossa).

Na 401.a reunião plenária de 16 e 17 de Julho de 2003 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 61 votos a favor, 5 votos contra e 6 abstenções, o seguinte parecer.

1. Introdução

1.1. Na Comunicação da Comissão Europeia de Dezembro de 2001(1), que teve origem na iniciativa aprovada pelo Conselho Europeu de Lisboa de Março de 2000, e no relatório preliminar destinado ao Conselho Europeu de 2002, é abordado de modo claro um dos temas mais difíceis de tratar (depois da questão das pensões) para a construção de uma Europa social em conformidade com os valores referidos na Carta dos Direitos Fundamentais.

1.1.1. A saúde é frequentemente definida como um bem superior nas nossas sociedades, tanto para os cidadãos e respectivas famílias, como para os Estados.

- Não há dúvida de que este conceito é interpretado de maneira diferente por cada cidadão, e que as respostas dos Estados-Membros da União Europeia são muitas vezes diferentes, tanto em relação à organização dos cuidados, como ao nível da cobertura financeira.

- Há um certo número de desafios que se colocam em todo o território da União Europeia e que requerem uma boa compreensão para aplicar respostas adaptadas e comuns, que respeitem a diversidade actual.

- De acordo com a definição da "Organização Mundial da Saúde" (OMS), a saúde deve ser considerada como um conjunto constituído pela "saúde física, mental e social" da cada indivíduo.

- A saúde não pode limitar-se aos cuidados ligados às patologias, mas tem que ter em conta, em sentido mais geral, os esforços desenvolvidos em matéria de prevenção e de melhoria das aptidões e dos ambientes ao nível individual e colectivo.

- Sendo encarada como um bem superior, a saúde não pode ser considerada exclusivamente do ponto de vista das despesas sociais e das dificuldades económicas latentes.

A saúde é um investimento e constitui um sector indispensável, rentável e útil da economia, que produz um importante valor acrescentado no desenvolvimento das sociedades e que possibilita o crescimento.

1.1.2. A acessibilidade sem discriminação, a qualidade e a viabilidade financeira dos sistemas de cuidados de saúde, em particular quando se destinam aos idosos e aos grupos sociais menos favorecidos, suscitam uma série de desafios e de problemas comuns a todos os Estados-Membros da União Europeia, que já existiam antes do alargamento e que vão continuar depois dele. Estes problemas não suscitaram as mesmas respostas em todos os Estados-Membros, embora todos tivessem aceitado os princípios da solidariedade, da equidade e da universalidade.

1.1.3. É verdade que a procura dos europeus em relação ao sistema de cuidados de saúde com as prestações propostas não deixou de aumentar durante as últimas duas décadas. As respostas de cada um dos países da União Europeia sempre foram encontradas ao nível estatal, num contexto político nacional cada vez mais sensível, senão mesmo exacerbado. Se os desafios suscitados pela evolução dos sistemas de saúde são comuns a todos os Estados-Membros, também o serão para os Estados candidatos em 2004. Os desafios são incontestavelmente importantes para todos os Estados e, sobretudo, passaram a ser interactivos.

1.2. O projecto de parecer em apreço pretende alcançar vários objectivos:

- Favorecer uma acção de desenvolvimento de conhecimento, intercâmbio e comparabilidade entre os sistemas de saúde europeus;

- Apoiar a acção das instituições da União Europeia, principalmente da Comissão Europeia, na procura de medidas mais precisas e eficazes no âmbito da saúde;

- Encorajar as iniciativas dos meios socioprofissionais nos Estados-Membros, no sentido de melhorarem as suas políticas comuns.

Em todo o caso, este projecto de parecer pretende ser um apoio e complemento à acção desenvolvida pela Comissão Europeia através do programa de saúde pública para 2003-2008.

1.3. Desde a aprovação do Tratado de Roma, a percentagem do consumo em matéria de saúde, expressa em termos de riqueza nacional, alcançou um crescimento médio anual superior a 2,2 % em relação ao PIB do conjunto dos países desenvolvidos, em particular na União Europeia, tendo aumentado de 4 % em 1960 para mais de 8 % actualmente. (Fonte: OCDE 2002, ainda que este crescimento pareça ter abrandado nos últimos tempos.)

1.3.1. Todavia, note-se que, embora se verifique uma diminuição do crescimento do rácio "despesas de saúde/PIB", a importância desta rubrica orçamental continua a ser significativa e está a aumentar de forma regular. O sentimento colectivo leva-nos a interrogações sobre a pertinência deste crescimento contínuo nos resultados que garante às populações relativamente aos benefícios esperados de uma melhor saúde colectiva e individual. O aumento contínuo das despesas não é acompanhado por uma redução das desigualdades, sobretudo socioprofissionais, em termos de qualidade e esperança de vida. O objectivo de uma redução destas desigualdades deveria passar a ser o principal indicador para a avaliação das políticas de saúde na Europa e o elemento impulsionador da alteração de estratégias que necessariamente exige.

1.4. Os actuais factores determinantes fundamentais em matéria de saúde são numerosos e variam em função dos diferentes países da União Europeia.

Podemos referir cerca de dez factores determinantes essenciais que exercem uma influência decisiva:

1.4.1. Os efeitos demográficos

1.4.1.1. A idade ou o envelhecimento de uma população são factores que influem irremediavelmente sobre as despesas de saúde.

1.4.1.2. Vários estudos recentes realizados em sete países industrializados, parecem confirmar que, ao longo da última década, o efeito demográfico sobre o ritmo de progressão das despesas representa 1 % em termos de volume. Esta progressão divide-se, em partes iguais, entre o aumento global da população e o efeito do envelhecimento.

1.4.1.3. Mesmo que a percentagem relativa aos factores que produzem este efeito varie de país para país, a sua influência é portanto real. Todavia, os factores demográficos quantitativos tradicionais não podem ser considerados como os únicos elementos a ter em conta.

1.4.1.4. Por outro lado, deve ter-se ainda em consideração o que certos peritos designam por "o efeito geração". Concretamente, verifica-se que as gerações recentes de usuários dos sistemas de saúde estão habituadas a desfrutar de prestações de saúde mais importantes do que as gerações anteriores, que nem sempre tiveram acesso a cuidados equivalentes aos que existem actualmente.

1.4.1.5. É razoável pensar que estes factores poderão eventualmente produzir um efeito acelerador das despesas de saúde quando estas gerações atingirem uma idade mais avançada, se o acesso aos cuidados for favorecido correctamente e a montante durante a vida activa desde o período de formação inicial.

1.4.2. As representações da saúde

1.4.2.1. As diferentes concepções da saúde também exercem uma influência significativa sobre as expectativas e os comportamentos dos beneficiários dos cuidados de saúde. A saúde é percebida como um bem absoluto, um direito do cidadão que terá de ser salvaguardado pelas autoridades competentes. Para satisfazer esta expectativa, os custos aumentarão e haverá o risco de perder o consenso político de cada vez que, por motivos orçamentais, seja preciso limitar o âmbito dos serviços de saúde gratuitos ou quase gratuitos.

1.4.3. A epidemiologia

1.4.3.1. A protecção da saúde vê-se hoje a braços com novos desafios derivados sobretudo das novas pandemias relacionadas com determinadas afecções contagiosas ou com o ressurgimento de doenças conhecidas que já não se pode curar facilmente e cujo impacto nos custos e na organização dos cuidados de saúde é muito difícil de quantificar.

1.4.4. O crescimento económico

1.4.4.1. Vários estudos demonstraram a relação existente entre o crescimento económico e a evolução das despesas de saúde, ou seja, quando aumenta o nível dos rendimentos há um aumento, mais do que proporcional, nas despesas de saúde. A uma escala macroeconómica, esta correlação não se repercute, porém, na evolução conjuntural: não foi observada qualquer diminuição significativa das despesas de saúde, nem sequer quando abranda o crescimento económico.

1.4.4.2. Isto revela que existe uma forma de desconexão entre a procura de cuidados de saúde e o estado da economia, o que contribui para as dificuldades das políticas de limitação das despesas médicas adoptadas nos Estados-Membros que pretendem responsabilizar mais os profissionais e os consumidores.

1.4.5. A organização societária

1.4.5.1. A evolução dos modos de vida, a organização da vida familiar, as transformações no mundo do trabalho e o aumento da precariedade alteram as referências tradicionais dos sistemas de saúde.

1.4.5.2. Por isso, assiste-se por vezes a um aumento da "medicalização" dos problemas sociais. Embora a abordagem deste factor determinante seja complexa e exija ulteriores desenvolvimentos, convém no entanto não a subestimar, sobretudo porque a exigência do princípio de precaução é cada vez mais forte nas sociedades europeias. As inseguranças sociais de toda a ordem (desemprego, precariedade, stress, discriminação, poluição, etc.) têm um impacto crescente no estado de saúde e nas respectivas despesas, bem como na exigência, cada vez maior, de aplicação do princípio de precaução.

1.4.6. As exigências sobre o ambiente e a nutrição

1.4.6.1. Actualmente, já não é preciso demonstrar o papel fundamental que o ambiente desempenha, no seu sentido mais geral, ao nível da evolução das despesas de saúde.

1.4.6.2. No entanto, já podemos afirmar, com base num estudo realizado ao nível europeu no quadro de um programa chamado "Poluição atmosférica e saúde", que mesmo uma redução mínima dos níveis de poluição atmosférica tem um efeito benéfico para a saúde pública e justifica a aplicação de medidas preventivas.

1.4.6.3. De igual modo, convém ter em conta a incidência dos consumos de risco como o tabaco, as drogas e o álcool.

1.4.6.4. A qualidade da alimentação é um desafio importante: hábitos alimentares errados estão na base de uma série de mecanismos que conduzem a uma maior morbilidade e até à morte, sendo, designadamente, a principal causa de mortalidade por cancro. Este desafio é tanto mais preocupante quanto afecta toda a população, especialmente os jovens (fenómeno de obesidade).

1.4.7. O progresso técnico

1.4.7.1. Todos temos consciência da ambivalência do progresso técnico, que pode favorecer ou prejudicar a evolução das despesas de saúde. Dito isto, o progresso técnico é um dado inevitável.

1.4.7.2. Note-se que o aparecimento de uma terapia permite muitas vezes identificar uma afecção que "não existia" antes, por falta de terapia.

1.4.7.3. Este fenómeno observa-se sobretudo no âmbito da inovação, quer ao nível do medicamento quer ao nível de determinadas técnicas de investigação.

1.4.7.4. Sem dúvida que é preciso evitar a sobreposição entre as novas técnicas diagnósticas ou terapêuticas e as técnicas antigas.

1.4.7.5. Trata-se assim de favorecer a aplicação de técnicas apropriadas ou de substituir as técnicas antigas pelas novas técnicas, assinalando porém que esta substituição tropeça frequentemente em obstáculos socioculturais, que por vezes são causados por atitudes corporativistas dos profissionais da saúde.

1.4.7.6. Podemos referir o exemplo das técnicas da radiologia, coexistindo actualmente a radiografia tradicional, o scanner, a IRM (Imagem de Ressonância Magnética) e recentemente a PET (Positron Emission Tomography).

1.4.8. Os comportamentos socioculturais

1.4.8.1. Os comportamentos socioculturais exercem uma influência considerável sobre a evolução das despesas de saúde.

1.4.8.2. As acções colectivas e individuais que se prendem com eles têm principalmente a ver com a prevenção primária.

1.4.8.3. Os seus resultados, que comportam incontestáveis margens de manobra, melhoraram consideravelmente nos últimos anos, em paralelo com o desenvolvimento dos procedimentos de avaliação.

1.4.8.4. Além do tabagismo, da droga, do consumo excessivo de álcool ou do excesso de peso, é de destacar a grande importância dos acidentes da circulação, dos acidentes domésticos e das doenças que podem conduzir nomeadamente ao suicídio dos jovens, bem como dos acidentes do trabalho e das doenças profissionais.

1.4.8.5. Estes comportamentos estão associados à conjugação de factores individuais, familiares e sociais. Importa que estes comportamentos, que estão frequentemente na origem do que poderá ser designado por mortalidade prematura, sejam devidamente identificados, já que, dessa forma, poderão ser elaboradas estratégias de erradicação de factores de risco e de custos perfeitamente evitáveis.

1.4.8.6. A educação e a prevenção constituem um investimento indispensável. Se estas práticas forem conduzidas numa lógica participativa que permita que os indivíduos e as populações, sobretudo os mais vulneráveis e os mais expostos aos riscos, nelas participem plenamente, estarão assegurados os ganhos em termos económicos e de saúde.

1.4.9. A dinâmica da oferta e da procura de cuidados de saúde

1.4.9.1. Estamos neste caso perante factores incontestáveis, mas com um impacto diferente em cada um dos Estados-Membros.

1.4.9.2. Por outro lado, embora a procura de cuidados de saúde esteja em constante aumento, nem sempre depende de uma necessidade objectiva e é influenciada pela importância qualitativa e quantitativa da oferta de cuidados de saúde.

1.4.10. O impacto da protecção social

1.4.10.1. A procura de garantias sociais e médicas cada vez mais elevadas exerce uma pressão constante sobre a dinâmica dos sistemas de protecção social. Este último factor determinante, muito ligado ao anterior, tem mais a ver com a procura de cuidados de saúde, que satisfaz mais ou menos, do que com a oferta.

1.4.10.2. Cada Estado organiza o seu sistema de protecção social em função de critérios próprios.

1.4.10.3. A questão que se coloca actualmente com o aumento dos deslocamentos no interior da União Europeia impõe um conhecimento aprofundado de cada sistema de protecção social e induz, quer queiramos quer não, certos elementos de comparação.

1.4.10.4. A livre circulação dos pacientes passou a suscitar muitas questões, em primeiro lugar o conhecimento da situação actual e das perspectivas de evolução.

2. Observações na generalidade

2.1. Com base nas observações do ponto 1, o Comité Económico e Social Europeu deseja que sejam tidos em consideração, de forma urgente e séria, os múltiplos aspectos das políticas de cuidados de saúde. Considera que esta necessidade de reforço dos conhecimentos técnicos especializados e a procura de objectivos comuns deve completar o debate sobre a Convenção Europeia e ter em conta a dinâmica do alargamento da União Europeia.

2.2. O Comité Económico e Social Europeu apoia a preparação de um programa de trabalho ambicioso e necessário sobre determinados temas transversais, designadamente:

- A avaliação do impacto das várias determinantes sobre a saúde;

- A saúde nos países candidatos;

- As desigualdades no acesso aos cuidados de saúde;

- O envelhecimento e a saúde;

- A promoção das boas práticas e da eficácia no sector da saúde.

Neste sentido, o Comité Económico e Social Europeu apoia as acções empreendidas pela Comissão Europeia.

2.3. Estes temas abordados pela Comissão Europeia e o programa de saúde pública revestem-se de particular interesse para os debates futuros sobre a elaboração da política intersectorial, a mobilidade dos pacientes e o futuro dos cuidados de saúde para os idosos.

2.4. O Comité Económico e Social Europeu nota que a análise comparada dos sistemas de cuidados de saúde conduz a considerações estratégicas complexas, como por exemplo, a questão do envelhecimento: em cada país da União Europeia, o tratamento desta questão depende da estrutura familiar, da mobilidade dos idosos, das tipologias de consumo médico e do encarecimento das tecnologias.

2.5. A qualidade e a acessibilidade, tão universal quanto possível, dos sistemas exigem o estabelecimento de limites como garantia de viabilidade financeira.

2.6. O Comité Económico e Social Europeu considera igualmente que são afectadas todas as políticas, em particular as económicas e sociais, devendo a esse nível dar-se particular atenção à relação íntima entre saúde e empregabilidade, bem como à idade e às pensões de reforma, e que, por vezes, as expectativas são goradas.

Todas se baseiam em três princípios: o apoio de uma sociedade civil organizada bem informada, o princípio da solidariedade, que constitui um valor europeu fundamental, e uma política de prevenção inteligente e eficaz.

2.7. A coordenação das políticas relativas aos sistemas de saúde, à semelhança do que acontece com as pensões e as reformas, suscita várias questões:

- A definição do sistema de cuidados de saúde;

- O papel e a importância dos sistemas complementares de cuidados de saúde;

- A necessidade de estabelecer uma distinção entre cuidados, saúde e conforto.

2.8. Outros motivos considerados pelo Comité Económico e Social Europeu:

- Para algumas pessoas, a consideração dos cuidados de saúde como serviço de interesse geral suscita inevitavelmente uma reflexão sobre a sua qualificação de "serviço de interesse geral" dos cuidados de saúde, em particular sobre a necessidade de circunscrever as consequências práticas desta qualificação.

- Os cuidados exigem pessoal formado e altamente qualificado, e a importância destas profissões, sobretudo aquelas que estão ao serviço dos idosos, exige a criação de programas de formação ao longo de toda a vida.

- A viabilidade financeira destas políticas de cuidados de saúde exige, de modo permanente ou recorrente, o alargamento do campo de reflexão num futuro próximo, especialmente no que se refere à afectação dos recursos e aos seus destinatários.

2.9. Estas interrogações transparecem de maneira diferente de país para país, consoante as respectivas tradições políticas e socioculturais. O reconhecimento destas diferenças não diminui a importância dos desafios com que se confrontam todos os Estados, nem a necessidade de procurar vias comuns para os intercâmbios, os conhecimentos e as soluções.

3. Desafios e problemáticas

Urge sublinhar o interesse do tema proposto "Cuidados de saúde e cuidados para os idosos: Apoiar as estratégias nacionais que visam um elevado grau de protecção".

Este tema é obviamente muito actual, justificando por isso uma reflexão estratégica por parte das instituições da UE.

3.1. A pertinência desta reflexão assenta em vários imperativos estratégicos:

- As dificuldades recorrentes das autoridades públicas nacionais em reduzir as desigualdades em matéria de saúde entre as diversas categorias da população e entre as diversas regiões, bem como em controlar as despesas de saúde, independentemente da natureza, organização e funcionamento dos sistemas de saúde.

- A falta de verdadeiras competências comunitárias em matéria de regimes de segurança social (exceptuando os regulamentos de coordenação 1408/71 e seguintes), bem como em matéria de políticas de saúde nacionais, não podem justificar a persistência de uma indiferença conceptual e política perante estas problemáticas, tendo em conta as observações anteriores.

- A perspectiva do alargamento da UE em 2004 a 10 novos Estados-Membros deveria incitar os actuais 15 Estados-Membros a adquirirem um conhecimento mais profundo da problemática dos cuidados de saúde e a procederem a um seguimento mais rigoroso da mesma.

- A evolução da jurisprudência do TJE (Tribunal de Justiça Europeu) no sentido de favorecer, ao longo do tempo, uma maior liberdade de acesso aos cuidados de saúde segundo critérios extranacionais.

- O aumento da livre circulação das pessoas, dos pacientes e dos profissionais, favorecido pelo desenvolvimento económico e a integração cada vez maior dos mercados nacionais em proveito do mercado único europeu, também justificam esta reflexão.

3.2. O novo artigo 137.o CE (Tratado de Nice) apenas autoriza as instâncias da UE a adoptarem directivas comunitárias sobre prescrições mínimas em matéria de protecção social e em conformidade com a regra da unanimidade.

Perante os desafios cruciais que os problemas de saúde colocam à União Europeia, à sua coesão, à sua capacidade de se tornar na economia baseada no conhecimento mais competitiva do mundo, cabe ao Comité Económico e Social Europeu promover a tomada de consciência destes desafios.

3.2.1. Relativamente à problemática da livre circulação dos pacientes, a jurisprudência do TJE evolui significativamente ao longo do tempo organizando, na prática, um direito de livre circulação dos pacientes e dos doentes, em virtude das liberdades fundamentais consagradas nos Tratados comunitários, e superando as grandes contradições que se observam nos sistemas nacionais de cuidados de saúde e de seguros de doença.

3.2.2. Esta lógica ilustra-se pelo facto de a Comunidade Europeia ter procedido, há já mais de três anos, a uma reforma do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 (artigo 22.o do Regulamento), que pretende inscrever o domínio da saúde nos artigos 49.o e 50.o do Tratado CE relativos à livre prestação de serviços.

3.2.3. Este novo estado de coisas também se reflecte no acórdão muito recente do TJE (processo C-326/00 IKA contra Vasileios Ionnidis) sobre a obrigação de um Estado-Membro de tomar a seu cargo as despesas médicas de um reformado de visita a outro Estado-Membro, sem que esta tomada a cargo seja submetida a autorização e a condições. As justificações do juízo são claras: qualquer paciente, mesmo que tenha uma doença crónica, deve ter a possibilidade de ser tratado noutro Estado-Membro quando a ele se desloca.

3.3. A mobilidade não diz respeito unicamente aos pacientes, mas também aos profissionais da saúde. A evolução dos sistemas de cuidados de saúde põe a descoberto riscos de escassez de profissionais de saúde médicos e paramédicos.

3.3.1. Este risco de escassez é cada vez maior. Alguns estados conseguem garantir a oferta de cuidados de saúde fazendo apelo cada vez mais a profissionais (médicos e enfermeiros) originários de países em que este tipo de mão-de-obra ainda abunda.

3.3.2. Actualmente, há indícios de que o equilíbrio é precário e que está iminente o despoletar de uma crise demográfica dos profissionais da saúde na Europa dos 15. Não foi ainda feito qualquer estudo sobre as consequências que o futuro alargamento da UE a 25 membros terá sobre esta situação.

3.4. Esta perspectiva exige uma estratégia concertada e organizada destinada a analisar e antecipar os problemas e a favorecer a mobilidade profissional dos interessados, sem desestabilizar os sistemas nacionais dos países "novos aderentes" à União.

A previsível escassez de profissionais de saúde não poderá, porém, em caso algum ser mitigada somente pela promoção da mobilidade transfronteiriça. Para satisfazer de forma sustentável a procura de profissionais qualificados no sector da saúde devem ser adoptadas medidas de apoio que tornem estas profissões mais atraente e mais fácil a permanência no sector. Para isso, deve ser dada uma imagem positiva da qualidade destas profissões e devem ser fomentadas iniciativas de valorização e promoção da transparência das carreiras profissionais.

3.4.1. Estas limitações associadas ao alargamento da UE derivam do risco de certos Estados-Membros não procurarem encarar o desenvolvimento dos seus sistemas de saúde como uma prioridade nacional.

3.4.2. Há o risco de reduzir o nível das garantias no âmbito social e sanitário. Poderia haver uma fuga de profissionais da saúde e de pacientes para os Estados-Membros dotados de sistemas de saúde mais bem organizados. Os exemplos deste tipo abundam; sem pretender depreciar o princípio da livre circulação, convém que os Estados-Membros dotados de sistemas de cuidados de saúde menos desenvolvidos ou menos rentáveis envidem esforços orçamentais, organizacionais e qualitativos para atingirem um certo equilíbrio ao nível das políticas de saúde nacionais em todo o território da União.

3.5. Perante estes desafios, as autoridades públicas e os gestores dos sistemas parecem desamparados, pois é grande a complexidade dos desafios e a pressão sobre os custos.

3.5.1. Nenhum país da União pode pretender ter resolvido estes problemas. Não obstante, todos os Estados-Membros devem perseguir um objectivo comum, a saber, a preparação de um método de gestão e avaliação das necessidades em matéria de saúde que seja coerente em termos de princípios e flexível quanto aos métodos.

3.5.2. O envelhecimento demográfico é um dado irreversível. Segundo os peritos, este envelhecimento representa um aumento anual incompreensível das despesas de saúde entre 0,7 % e 1,5 % consoante as situações nacionais e os modos de tomada a cargo dos custos da assistência exigida pelo envelhecimento. Convém organizar políticas adaptadas que considerem os riscos de incapacidade e de dependência para as populações.

3.6. O consumo das prestações e dos medicamentos vai alterar-se pouco a pouco e vai aumentar a sua pressão financeira sobre os custos globais.

Por este motivo, as futuras reformas dos sistemas de saúde que devem ser incentivadas devem concentrar-se na prevenção, na promoção da saúde e no desenvolvimento da medicina urbana.

3.6.1. Perante problemas organizacionais e económicos tão complexos e onerosos, haverá que dirigir todos os esforços para uma utilização mais racional dos recursos existentes e para uma nova abordagem dos cuidados de saúde. Convém favorecer a criação de serviços de proximidade polivalentes e coordenados em todo o território comunitário. É necessária uma cultura de coordenação entre os actores e os operadores da saúde. De igual modo, os cuidados de saúde ao domicílio - serviço de cuidados de enfermagem, geriatria e hospitalização ao domicílio - são três dos domínios prioritários.

3.6.2. As estruturas hospitalares tradicionais têm de ser reformadas. Pretende-se deste modo favorecer uma rede articulada de serviços que vá do hospital geral até aos cuidados mais especializados. Neste sentido, são indispensáveis relações de cooperação interregionais e transfronteiriças. Já existem experiências que vale a pena fomentar.

3.6.3. Por fim, a evolução dos sistemas de saúde passa por uma dinâmica das profissões e das competências. Não é possível reconhecer novas especialidades médicas sem proceder em primeiro lugar a uma racionalização das disciplinas médicas e a uma revalorização das profissões paramédicas.

3.7. Tratando-se do problema da viabilidade financeira dos sistemas de saúde, convém notar a persistência de grandes diferenças conceptuais quantitativas e qualitativas entre os vários sistemas.

3.7.1. A elaboração e aplicação da noção de limiar-garantia de cuidados de saúde e de bens médicos tornam-se pouco a pouco uma realidade nas políticas dos Estados-Membros da União Europeia.

3.7.2. Por isso, seria desejável favorecer uma iniciativa europeia que identifique as prestações, os produtos de saúde e os protocolos terapêuticos relacionados com as principais patologias conhecidas, numa óptica de valorização e de "reconhecimento mútuo". Deste modo, seria dada uma maior prioridade ao financiamento público e os sistemas de cuidados de saúde seriam mais eficazes.

3.7.2.1. Este imperativo de garantir a toda a população um amplo acesso aos cuidados de saúde, como base de direito e prestações, implica que se ultrapasse a simples reforma do mínimo previsto actualmente na legislação europeia. Está em jogo a credibilidade do desenvolvimento da UE, o seu alargamento e a estabilidade dos sistemas nacionais.

3.7.3. Este método de avaliação para a tomada a cargo das necessidades sanitárias seria compatível com a manutenção de uma lógica de solidariedade e faria um maior apelo à responsabilidade directa dos profissionais e dos pacientes.

3.7.4. Quanto aos cuidados menos prioritários que não obedecem a uma lógica de saúde pública, verificamos que se desenvolvem os seguros de tipo complementar(2).

3.8. Entendemos que o Comité Económico e Social Europeu deve recomendar a criação de um instrumento de observação, análise e intercâmbio das políticas de saúde nacionais, tendo em conta a multiplicidade de desafios com que se confrontam os sistemas de cuidados de saúde. Este exercício respeita plenamente os princípios fundamentais dos Tratados comunitários, em particular o princípio da subsidiariedade e da competência nacional. Esta abordagem completa a acção considerada recentemente pela Comissão Europeia.

3.9. Em relação ao processo de melhoria da qualidade dos cuidados, poderia ser considerada uma iniciativa de tipo "benchmarking". A maioria das reformas realizadas pela UE espelha a preocupação das autoridades públicas e dos gestores de melhorar a eficácia dos sistemas hospitalares e o recurso aos procedimentos de autorização e de certificação de qualidade dos cuidados.

3.9.1. Esta abordagem supera as diferenças de concepção e de organização dos sistemas nacionais de saúde.

3.9.2. Podemos conceber que possa ser encorajada a criação de instrumentos comunitários para a atribuição de marcas, os exercícios de qualidade e a valorização das tecnologias e das terapias inovadoras com referência a critérios médicos e económicos.

3.9.3. Neste espírito, a União deve ser capaz de garantir às suas populações pólos de excelência sanitária e hospitalar que não sejam apenas o apanágio das nações mais ricas.

4. As responsabilidades políticas

4.1. Embora a organização e o financiamento dos sistemas de cuidados de saúde dependa das políticas nacionais dos Estados-Membros, a União Europeia deve defrontar três problemáticas.

4.2. O artigo 152.o do Tratado CE relativo à saúde pública garante um nível elevado de protecção da saúde humana. Todavia, este artigo, embora se refira à saúde pública e, em particular, a todos os problemas de prevenção, tem menos força em termos de política da saúde.

4.3. Apesar das regras do mercado interno exigirem que as políticas nacionais sejam conformes com as regras que regem este mercado, existem limitações, muitas vezes justificadas, nos Estados que não estabeleceram a livre circulação das pessoas, dos bens e dos serviços neste domínio.

4.4. A viabilidade das finanças públicas e o impacto das despesas sobre os cuidados de saúde, que têm consequências para as despesas públicas dos Estados, são regulados pelo Pacto de Estabilidade e de Convergência.

5. Propostas do Comité Económico e Social Europeu

5.1. Tendo em conta as competências respectivas dos Estados-Membros e da União Europeia, os problemas apresentados e a intervenção de numerosos actores, o Comité Económico e Social Europeu propõe toda uma série de medidas derivadas da aplicação do método aberto de coordenação, no qual podemos identificar os objectivos e os princípios referidos numa abordagem dos cuidados de saúde e dos cuidados de longa duração para os idosos:

5.1.1. Intercâmbio de informações numa base contínua e realização de quadros de actividades, objectivos e princípios de todos os países da União Europeia.

5.1.2. Política do emprego forte e permanente: visto que os profissionais da saúde se estabelecem de modo irregular, é necessário adoptar iniciativas locais e nacionais para multiplicar a oferta sem esperar pelo aumento da procura. Em particular, é urgente a versão final da directiva sobre o reconhecimento mútuo dos diplomas e das competências.

5.1.3. Promoção generalizada dos indicadores de qualidade dos cuidados de saúde: boas práticas das técnicas, certificação do pessoal e licenças para as instalações.

5.1.4. Apoio a uma política de informação e de comunicação generalizada sobre os sistemas em vigor, as estruturas existentes e as políticas adoptadas.

5.1.5. Criação de um cartão europeu de seguro de doença que permita a livre circulação e o conhecimento dos direitos adquiridos, especialmente destinada às populações mais desfavorecidas e aos idosos(3).

5.2. Neste caso, ainda não está prevista a aplicação do método aberto de coordenação no âmbito dos cuidados de saúde.

5.2.1. É necessário aplicar este método com urgência.

Os seus objectivos poderão ser os seguintes:

- Modernizar os sistemas nacionais através do desenvolvimento de um programa de cuidados de saúde de qualidade;

- Melhorar a cooperação entre os Estados-Membros.

Esta cooperação deve possibilitar a definição dos objectivos comuns, na medida do possível, em matéria de cuidados de saúde e de cuidados para os idosos, objectivos estes que devem conduzir a planos de acção nacionais que permitam elaborar um relatório de síntese numa base regular.

5.2.2. Neste quadro, a escolha de indicadores pertinentes deve possibilitar o seguimento das políticas aplicadas; os desafios colocados em 2001 (acessibilidade, qualidade e viabilidade financeira) devem ter em conta as perspectivas de evolução demográfica, o aumento do número de pessoas idosas e a redução progressiva do tempo de trabalho.

5.2.3. O método aberto de coordenação, sendo bem aplicado, deve ser capaz de responder ao impacto do Direito Comunitário sobre os sistemas nacionais de seguro de doença e deve ter em conta, em particular, os progressos alcançados, dia após dia, em matéria de jurisprudência pelo Tribunal de Justiça Europeu sobre casos pendentes.

5.2.4. O método aberto de coordenação deverá responder às seguintes interrogações:

a) Quais poderão ser as próximas etapas deste processo em matéria de seguro de doença?

b) Poderão ser previstos intercâmbios de boas práticas em matéria de acreditações, avaliações ou prescrições, o estabelecimento de padrões de qualidade, a definição das condições necessárias para uma verdadeira equivalência das competências e o reconhecimento mútuo das práticas?

c) Em matéria de redução dos custos, quais poderão ser os benefícios derivados dos intercâmbios de boas práticas, tendo em conta a diversidade dos sistemas nacionais?

d) Qual é a situação actual do processo do indicador de qualidade relativo tanto às estruturas como às práticas?

e) Como melhorar a política de provimento dos produtos de saúde tendo mais em conta o imperativo da inovação, a exigência de acesso dos países em vias de desenvolvimento aos produtos indispensáveis para combater flagelos como o Hiv/Sida (cf. os futuros debates da OMC e a aplicação dos acordos de Doha) e o reforço do combate ao desperdício?

f) A coordenação das disposições nacionais no domínio do comércio transfronteiriço de medicamentos não deve levar a um abaixamento dos actuais níveis de segurança da distribuição e da qualidade do aconselhamento nos diferentes Estados-Membros.

Para aplicar este método aberto de coordenação de forma visível e credível e conferir-lhe um conteúdo sólido, o Comité Económico e Social Europeu considera que é essencial uma estrutura leve, flexível e eficaz, vocacionada para o cumprimento de uma série de prioridades de acção enunciadas no presente parecer.

6. Conclusão

O Comité Económico e Social Europeu pretende converter as questões relativas à saúde num domínio de intervenção, respeitando ao mesmo tempo o quadro político e jurídico comunitário existente. O Comité considera que é necessário desenvolver, ao nível europeu, os instrumentos da "inteligência" colectiva dos europeus ultrapassando os debates sobre o futuro dos sistemas de segurança social nacionais. O Comité constata que é necessária uma vontade política para favorecer o conhecimento das realidades do sector da saúde e para valorizar a excelência das práticas inovadoras no domínio médico e social. Por este motivo, o Comité tenciona propor a criação de instâncias eficazes, para garantir aos cidadãos da União Europeia um direito fundamental de acesso a uma melhor saúde para todos.

Bruxelas, 16 de Julho de 2003.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger Briesch

(1) COM(2001) 723 final: "O futuro dos cuidados de saúde e dos cuidados para as pessoas idosas: Garantir a acessibilidade, a qualidade e a viabilidade financeira".

(2) Cf. parecer do CESE sobre o "Seguro complementar de doença" - JO C 204 de 18.7.2000.

(3) Cf. Comunicação da Comissão relativa à introdução do cartão europeu de seguro de doença - COM(2003) 73 final.