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Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a "Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao estabelecimento de normas de qualidade e segurança em relação à dádiva, recolha, análise, processamento, armazenamento e distribuição de tecidos e células humanos" (COM(2002) 319 final — 2002/0128 (COD))

Jornal Oficial nº C 085 de 08/04/2003 p. 0044 - 0051


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a "Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao estabelecimento de normas de qualidade e segurança em relação à dádiva, recolha, análise, processamento, armazenamento e distribuição de tecidos e células humanos"

(COM(2002) 319 final - 2002/0128 (COD))

(2003/C 85/14)

Em 2 de Julho de 2002, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 152.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a proposta supramencionada.

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 25 de Novembro de 2002 (relator: A. Bedossa).

Na 395.a reunião plenária de 11 e 12 de Dezembro de 2002 (sessão de 11 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 97 votos a favor, 1 voto contra e 7 abstenções, o seguinte parecer.

1. Situação actual

1.1. Todos os anos, milhares de pacientes (mais de 500000) são sujeitos, na Europa, a enxertos de tecidos e células humanos.

Estes enxertos comportam tanto enxertos "tradicionais", cujo interesse terapêutico foi reconhecido há dezenas de anos (córnea, ossos, pele, vasos sanguíneos, válvulas cardíacas e células hematopoiéticas), como biotecnologias em pleno desenvolvimento.

1.2. Não obstante as várias recomendações da Organização Mundial de Saúde e do Conselho da Europa, bem como a publicação de regras de boas práticas pelas diferentes academias europeias, a situação regulamentar europeia está longe da harmonização e impõe-se uma clarificação: quando a autoridade sanitária não organiza inspecções, compete essencialmente ao utilizador de substâncias de origem humana seleccionar, através de um produto, a fileira dos responsáveis pela sua recolha, processamento e distribuição. O utilizador não pode controlar a utilização destas substâncias e fia-se nos resultados dos seus enxertos e nas opiniões dos seus pares. A inspecção não está organizada. A segurança é maior nos Estados-Membros dotados de regulamentação, mas o corolário desta situação é a diversidade das regras nos vários países.

1.3. Em vésperas de alargamento e no quadro da "mundialização" das relações, impõe-se pois um ordenamento da situação.

1.4. A abordagem europeia necessária

1.4.1. Uma circulação cada vez maior dos produtos

São muitas as trocas intracomunitárias e extracomunitárias, quer se trate de enxertos tradicionais ou de produtos derivados da biotecnologia. Por exemplo, a percentagem dos enxertos importados pode atingir 25 %, como é o caso das córneas em França.

1.4.1.1. A diversidade das regulamentações nacionais torna mais difícil o controlo adequado dos produtos importados, que podem entrar na União através de um Estado-Membro que não disponha de disposições nesta matéria e, seguidamente, começar a circular na União sem todas as garantias de segurança apropriadas. A existência de normas harmonizadas permitiria um comércio mais seguro e mais controlável.

1.4.2. A diversidade das regulamentações nacionais complica o trabalho dos fabricantes ou dos bancos de tecidos que pretendem exportar dos Estados-Membros da União Europeia. A harmonização de que beneficiam os medicamentos ou os dispositivos médicos, como, por exemplo, os dispositivos de diagnóstico in vitro, não vai escapar à observação dos profissionais deste sector e não deixará de suscitar uma procura comparável.

A confrontação que se está a desenvolver com outros países avançados não deixará de desfavorecer a União Europeia se esta continuar a actuar de modo disperso.

1.4.3. Produtos que exigem um elevado nível de segurança e que têm uma forte dimensão ética

Como qualquer actividade que utiliza produtos de origem humana, estas técnicas implicam um risco de complicações específicas ligadas, em particular, à transmissão de doenças infecciosas. Comportam uma dimensão ética particular ligada à origem dos enxertos e, designadamente, ao respeito do consentimento dos dadores, do anonimato e do carácter gratuito da dádiva.

1.4.4. Relativamente à segurança, impõem-se as seguintes observações:

- Não pode ser descurada a incidência de casos detectados. Mesmo que o risco seja mínimo em relação a outras patologias, é comparável ao risco que conduziu à recolha ou retirada do mercado de produtos derivados do sangue.

- O desenvolvimento de novas biotecnologias acelera as trocas, mas aumenta os riscos em cadeia. Surgem obstáculos cada vez mais difíceis de ultrapassar por força das regulamentações dos Estados-Membros.

- As solicitações das populações sensibilizadas pelo caso do sangue contaminado e da doença de Creutsfeld-Jacob são maiores, designadamente, por causa da mediatização cada vez maior dos assuntos relacionados com a saúde.

2. Arquitectura da regulamentação

2.1. Na introdução da exposição de motivos, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) aprova que a Comissão proponha uma regulamentação forte mas flexível, que permita uma regulamentação comunitária específica para todos os sectores e que garanta, sobretudo, um nível elevado de protecção da saúde em matéria de qualidade e segurança, em conformidade com o disposto no artigo 152.o do Tratado, tanto mais que estão em jogo questões éticas muito vastas.

2.2. O CESE tomou conhecimento, com convicção, dos seguintes aspectos definidos pelo Grupo Europeu de Ética no domínio da Ciência e das Novas Tecnologias (GEE), que confirmou a necessidade urgente de controlar as condições em que os tecidos humanos circulam no mercado europeu.

- O imperativo ético da segurança sanitária.

- O respeito da integridade do corpo humano.

- O consentimento prévio, livre e informado do dador vivo.

- A protecção da identidade através da garantia do anonimato.

Importa, além disso, promover a doação de órgãos, tecidos e células.

2.3. Nestas condições, a dádiva deve continuar a ser gratuita, pois constitui um acto de solidariedade que favorece este objectivo comum e que aumenta a disponibilidade das substâncias de origem humana.

2.4. O CESE constata que, actualmente, existem grandes divergências entre os Estados-Membros, e, por maioria de razão, nos países candidatos à adesão, quanto aos aspectos ligados à protecção dos dadores, aos processos de obtenção dos tecidos, às actividades dos bancos de tecidos, à elegibilidade dos dadores, à importação de substâncias de origem humana, etc.

2.5. Na Conferência do Porto, realizada em 2002, e, sobretudo, na Conferência de Peritos realizada em Málaga, em Março de 2002, parece que estes chegaram finalmente a um acordo sobre a necessidade da presente directiva, ou seja, de uma directiva comunitária sobre o estabelecimento "de normas elevadas de qualidade e segurança em relação à recolha, análise, processamento, armazenamento e distribuição de tecidos e células humanos".

A questão resume-se a isto, pois os limites destas disposições têm de ser convenientemente definidos.

3. Regras aplicáveis ao sector em geral

3.1. Regras gerais comuns, obrigatórias e evolutivas

3.1.1. Foram definidas regras de segurança com base nas regras de boas práticas existentes. Estas regras comportam critérios obrigatórios de selecção ética e biológica dos dadores.

3.1.2. A rastreabilidade é exigida, no respeito porém do anonimato do dador no que toca à rotulagem e aos documentos de acompanhamento, inspirando-se nomeadamente nas recomendações sobre a segurança da dádiva de sangue.

3.1.3. Se as regras nacionais em matéria de ética continuarem a ser aplicáveis, poderiam fazer referência:

- À Convenção sobre Bioética do Conselho da Europa (resíduos operatórios e dadores vivos).

- À Resolução 78-29 do Conselho da Europa sobre a harmonização das legislações dos Estados-Membros relativamente à recolha, enxerto e transplante de substâncias de origem humana.

- Ao parecer n.o 16, de 7 de Maio de 2002, do Grupo Europeu de Ética no domínio da Ciência e das Novas Tecnologias sobre uma patente para as células humanas.

3.2. Instauração do regime de autorização e inspecção dos organismos de conservação e processamento (sendo público o seu estatuto jurídico)

- Sob a responsabilidade dos Estados-Membros.

- A autorização destes organismos deve ser concedida em conformidade com um sistema de referências comum estabelecido ao nível comunitário, no respeito pelas regras comunitárias. Compete a cada Estado-Membro a organização desta inspecção.

- O regime de inspecção é indispensável em relação a todos os estabelecimentos.

- A construção de bases de dados europeias permite acompanhar a introdução dos produtos nos Estados-Membros.

- A aplicação de um sistema de inspecção pelos Estados-Membros, centralizado ao nível comunitário.

3.2.1. Sanções

Deve prever-se um regime de sanções para os estabelecimentos visados que não respeitem a regulamentação, sanções que poderão ir até ao encerramento do estabelecimento por razões de saúde pública.

4. Observações na generalidade

O CESE aprova a Comissão quanto à formulação precisa e pormenorizada do âmbito de aplicação.

A sua delimitação é necessária, pois sendo as definições exactas, devemos ter o cuidado de não nos alargarmos a problemas que não são do âmbito da saúde pública, ou seja, deve ser tida em conta unicamente a aplicação no corpo humano.

A dádiva, recolha e análise são especificadas, pois é imperativo garantir um elevado nível de qualidade e de segurança neste contexto.

Assim, o CES nota com agrado:

- que o sangue, os produtos derivados do sangue e os órgãos humanos foram excluídos desta directiva;

- que o transplante de órgãos humanos obedece a outra estratégia;

- que os órgãos, tecidos e células utilizados em xenoenxertos não foram abrangidos por este texto, visto que este sector ainda precisa de muita investigação;

- que os tecidos e enxertos para fins autólogos beneficiam de disposições específicas, porque as regras de qualidade e de segurança são diferentes;

- que, no caso de células estaminais, bem como de células ou de tecidos embrionários ou fetais, o processo implica imensas considerações de ordem ética e, actualmente, não existe nem consenso nem harmonização das decisões; se, no entanto, um Estado-Membro aceitar uma aplicação específica destas células, aplicam-se as disposições pertinentes da presente directiva.

4.1. Âmbito de aplicação

O CESE é particularmente sensível ao facto de esta directiva ser preciosa e justificada.

Sendo o âmbito de aplicação muito vasto e de difícil apreensão, carece de definições mais claras que se prestem menos a confusão entre a origem homóloga (alógena) ou autóloga, e a menção de certas disposições particulares ou derrogatórias.

Devem ser incluídos certos tipos de produtos e outros deveriam ser referidos a disposições particulares.

As células da reprodução não devem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva, tendo em conta os seus processos muito específicos de qualificação no quadro já regulamentado da procriação médica assistida, o que significa que pode ou deve prever-se uma directiva específica.

4.2. Processamento, preservação, armazenamento e distribuição de tecidos e células destinados a transplantes humanos

4.2.1. O CESE aprova pelo menos duas disposições:

Se os tecidos e as células destinados a transplantes humanos devem ser objecto de uma preparação ou de uma diferenciação, devem ser aplicadas medidas adicionais de qualidade.

Se estes tecidos ou células tiverem de ser modificados por processos de elevado tecnicismo, como, por exemplo, os "processos de engenharia de tecidos orgânicos", este processo deveria ser abrangido por uma legislação específica ainda por estabelecer.

4.3. Obrigações das autoridades dos Estados-Membros

4.3.1. O CESE congratula-se com a descrição muito estruturada das obrigações das autoridades dos Estados-Membros.

4.3.2. A presente proposta não prejudica as decisões adoptadas pelos Estados-Membros em relação à utilização ou não de um determinado tipo de células ou de tecidos humanos; se, no entanto, um Estado-Membro autorizar um tipo específico de utilização de tais células, a proposta obriga à aplicação de todas as disposições necessárias para a protecção da saúde pública e assegura o respeito dos direitos fundamentais.

- Cada Estado-Membro mantém a sua responsabilidade na organização e no fornecimento dos serviços de saúde e dos cuidados médicos.

- A directiva respeita todas as organizações nacionais existentes, centros de recolha e/ou bancos de tecidos.

- O estabelecimento de normas elevadas de qualidade e de segurança tranquiliza as populações dos Estados-Membros, o que facilita as dádivas provenientes de outros Estados-Membros.

- A inspecção e aprovação das estruturas nacionais permitem obter normas elevadas de segurança e qualidade. O mesmo acontece em relação aos níveis de formação do respectivo pessoal.

- A rastreabilidade de todos os tecidos e células, do dador até ao receptor, é essencial, do mesmo modo que o seguimento das reacções e dos incidentes.

- Por fim, a importação, em aumento crescente, de tecidos e de células a partir de países terceiros deve ser efectuada apenas pelos estabelecimentos autorizados a proceder, sob a vigilância da autoridade de tutela, ao controlo da equivalência, pelo menos, entre as normas aplicadas e as normas em vigor na União Europeia.

4.4. Avaliação dos dadores: Preocupações de qualidade, segurança e ética

- Normas elevadas de qualidade e de segurança ligadas à selecção e avaliação do dador, a fim de proteger a saúde dos receptores.

- Protecção elevada dos direitos e da saúde do dador e do receptor. As actividades de intercâmbio e atribuição devem ser realizadas sem fins lucrativos, numa base voluntária e como dádivas gratuitas, em conformidade com os textos do Conselho da Europa e do GEE.

- A recolha de tecidos e de células humanos deve respeitar a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e atender plenamente aos princípios da Convenção sobre os Direitos do Homem e da biomedicina.

- O CESE aprova a importância atribuída aos bancos de tecidos, que devem garantir a qualidade e a segurança ao longo do processo.

5. Observações na especialidade

5.1. Os objectivos da directiva são evidentes, em particular, a necessidade, no plano europeu, de um quadro regulamentar forte, claro e transparente para todas as partes interessadas, bem como de regras gerais válidas para toda a União Europeia, nas vésperas do seu alargamento.

5.2. A sua base jurídica está definida (artigos 152.o e 4.o-A).

5.3. Os princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade foram sem dúvida respeitados, mas esta directiva, devido à sua dimensão transnacional, estabelece uma abordagem comum que requer uma cooperação e coordenação eficazes.

5.4. Assim, a presente proposta estabelece uma base regulamentar e administrativa necessária ao actual desenvolvimento espectacular dos fluxos cada vez maiores de tecidos e de células humanos.

5.5. A proposta coloca a União Europeia no cerne dos debates em curso sobre este tema ao nível da Organização Mundial de Saúde.

6. Propostas específicas do CESE

6.1. A palavra "dádiva" é demasiado limitativa para o âmbito da directiva, que visa todas as utilizações, tanto autólogas como alogénicas. Propõe-se a sua substituição pelo termo "recolha", que visa as intervenções operatórias que têm como objectivo o enxerto dos elementos recolhidos e "colhidos" para designar a recolha dos resíduos operatórios com vista à sua reutilização para fins terapêuticos.

Estes termos substituem-se ao termo "obtenção" ["recolha" na versão portuguesa], daí a sua supressão no resto da directiva; trata-se também de harmonizar a terminologia da presente directiva com a da directiva sobre o sangue.

Por outro lado, o termo "análise" permite eliminar a ambiguidade quanto ao facto de a análise incidir na colheita e na recolha e não no produto.

6.2. É preferível o termo "conservação" em vez da simples noção de armazenamento, que é mais restritiva.

6.3. O artigo 1.o deveria ser redigido como segue: "A presente directiva estabelece normas de qualidade e segurança em relação aos tecidos e células humanos destinados a ser aplicados no homem (em vez de 'destinados a ser aplicados no corpo humano'), por forma a assegurar um elevado grau de protecção da saúde humana". Esta nova formulação permite abranger todo o tipo de aplicações no corpo humano (também dentro do corpo).

6.4. O artigo 2.o contém uma imprecisão grave quando se refere a "produtos fabricados industrialmente": é preferível que as disposições da presente directiva se apliquem a todos os produtos que não são medicamentos, como, por exemplo, os tecidos e as células incorporados em dispositivos médicos.

Ainda neste artigo, é de notar que os medicamentos já estão excluídos da directiva desde a fase de processamento até à fase de distribuição; a referência à exclusão das células autólogas destinadas ao fabrico de medicamentos é supérflua no que diz respeito às actividades de processamento, conservação ou distribuição.

6.5. O artigo 3.o, tal como está actualmente formulado para apresentar "definições", pode provocar inúmeras reacções, pois os peritos e especialistas poderão ser compelidos a apresentar alterações mais conformes à sua concepção deste domínio de actividade. O CESE, por seu lado, faz as seguintes observações:

6.5.1. A noção de "tecido": seria preferível inspirar-se na definição que consta da Recomendação R (a4) 1 do Conselho da Europa sobre os bancos de tecidos humanos, segundo a qual devem ser igualmente excluídas todas as partes constitutivas do corpo humano, incluindo os resíduos operatórios, à excepção dos órgãos, do sangue e dos produtos derivados do sangue, bem como das células destinadas à reprodução, dos pêlos, dos cabelos, das unhas e dos resíduos orgânicos.

6.5.2. O CESE propõe limitar a noção de dador às pessoas vivas ou mortas; os elementos humanos de origem fetal ou embrionária podem originar, em cada país da União Europeia, debate ou mesmo controvérsia ética difícil de gerir no quadro da União.

6.5.3. O CESE é favorável à exclusão dos órgãos da presente directiva; isto justifica-se pelo facto de não se conservarem. De facto, cada órgão é objecto d procedimentos particulares, específicos e diferentes às exigências do transplante.

6.5.4. O CESE entende que não se deve fazer referência ao transporte na definição de "distribuição", pois este constitui uma actividade distinta da distribuição, sendo especificamente mencionado, aliás, no artigo 23.o

6.5.5. O CESE propõe que o termo "transplante" seja substituído pela terminologia comum, a saber, "enxerto" (termo utilizado, nomeadamente, nos enxertos de tecidos), "ministração" (termo utilizado, por exemplo, em certas terapias celulares) e "paciente" em vez de recipiente/receptor, já que a noção de recipiente/receptor cinge aparentemente a definição aos aloenxertos.

6.5.6. Seria desejável esclarecer melhor a expressão "fins autólogos diferidos" por analogia com a definição que é dada na directiva sobre o sangue e que é mais significativa (uma transfusão na qual o dador e o receptor são a mesma pessoa e na qual são utilizados sangue e componentes do sangue colhidos numa fase anterior).

6.5.6.1. Devem ser tomadas disposições especiais para:

- as células autólogas,

- os tecidos autólogos com utilização diferida,

- os resíduos operatórios e a placenta,

- os tecidos e células para a cirurgia estética.

6.5.7. O CESE considera que é importante definir pormenorizadamente as duas noções de "rastreabilidade" e de "Biovigilância", já que os artigos 10.o e 11.o a elas se referem especificamente.

- "Rastreabilidade": conjunto das informações e das medidas que permitem acompanhar e identificar rapidamente cada uma das etapas desde a selecção do dador à utilização terapêutica dos tecidos e das células, passando pela recolha ou colheita, análise, processamento, conservação e distribuição. A rastreabilidade permite estabelecer um elo entre o dador e o(s) paciente(s) receptor(es). É organizada a partir de uma codificação do anonimato das pessoas.

- "Biovigilância": é efectuado, nomeadamente, a partir dos dados obtidos através da rastreabilidade e inclui todos os processos de inspecção organizados relativos aos incidentes e às reacções adversas observados nos dadores e nos pacientes receptores, bem como o acompanhamento epidemiológico dos dadores.

7. Propostas gerais

7.1. Título: a definição está incompleta.

7.1.1. O termo "obtenção" [traduzido em português por "recolha"] deve ser substituído por:

- recolha: acto cirúrgico efectuado por uma equipa especializada (da unidade hospitalar ou do banco de tecidos) no próprio local ou deslocando-se a outro local.

- colheita: acto cirúrgico para os resíduos operatórios (cabeças femorais, corações extraídos) ou a placenta e um acto médico para as células estaminais.

- aquisição (ingl.: procurement): procedimento administrativo e sanitário de obtenção de um tecido ou de células a partir de outro organismo habilitado (banco de tecidos, laboratório de esterilização/inactivação sem estatuto de banco de tecidos, unidades hospitalares de terapia celular).

Outra possibilidade seria introduzir o termo "obtenção" em todo o texto da directiva, mas modificar a sua definição no artigo 3.o, alínea e), utilizando as três noções supra.

7.1.2. O termo "armazenamento", deve ser substituído por "conservação" (ingl.: storage), que define simultaneamente a preservação (etapa dinâmica e técnica da preparação) e o armazenamento propriamente dito (etapa estática de manutenção dos tecidos ou das células no mesmo estado).

7.1.3. Se for acrescentada a expressão "de origem humana", a definição fica mais completa.

7.1.4. Assim, o título seria o seguinte:

"Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao estabelecimento de normas de qualidade e segurança em relação à dádiva, recolha, colheita, aquisição, análise, processamento, conservação e distribuição de tecidos e células humanos."

7.2. A directiva estabelece em sete capítulos, mais ou menos completos, o regime de autorização ao qual estão sujeitos os organismos especializados, ou seja, os bancos de tecidos. Por conseguinte, as licenças são concedidas a equipas autorizadas.

No entanto, seria sensato prever a redacção de um anexo que incluísse uma lista autorizada de produtos abrangidos por esta especialidade, especificando-os, elaborada em modalidades simples e com grande frequência, para ter em conta a rápida evolução dos conhecimentos neste campo.

7.3. Introdução no corpo da Directiva da obrigatoriedade de uma "Autorização de Procedimento para a preparação de um tipo de produto (a partir de tecidos ou de células)" que descreva os procedimentos operativos e as práticas, por tipo de produto, para todas as etapas, da recolha até à distribuição.

7.3.1. Isto poderia ser introduzido no artigo 20.o, que refere apenas os "procedimentos operativos normalizados ...".

7.3.2. Esta autorização, que poderia ser concedida pelas "autoridades competentes de tutela" a que se refere o n.o 1 do artigo 4.o, seria uma garantia de segurança sanitária e de qualidade dos enxertos.

7.4. Quando o âmbito de aplicação destinado a estes tecidos e células tem outras utilizações que exigem uma investigação mais apurada e um desenvolvimento de "elevado tecnicismo", que servem por exemplo para tratamentos cujo objectivo não é a recuperação de uma função como decorre do enxerto dos tecidos e células e que carecem de crescimento e de diferenciações "excepcionais", o CESE considera que é necessário elaborar uma directiva específica neste domínio.

7.5. Convenção entre os bancos de tecidos e os estabelecimentos de saúde que fornecem e/ou utilizam tecidos (idem para as unidades de terapia celular e os estabelecimentos de saúde)

7.5.1. Este tipo de documento não é referido no artigo 24.o (Relações dos bancos de tecidos com terceiros) nem tão-pouco no artigo 25.o (Acesso a tecidos e células humanos).

7.5.2. Estas convenções, que são uma prática corrente na maior parte dos países, regem as relações entre o fornecedor de enxertos (bancos de tecidos) e o cirurgião utilizador ou o estabelecimento de saúde, bem como entre o cirurgião ou o estabelecimento de saúde que efectua a recolha e o banco de tecidos, sob a forma de um contrato que estipula os compromissos de qualidade, quantidade, responsabilidade, técnicas de contacto e transporte, facturação e litígios.

7.5.3. Convém introduzir esta prática, provavelmente no artigo 25.o (Acesso a tecidos e células humanos), ao nível europeu.

7.6. Ensaios clínicos

Ao mesmo tempo que se mantêm no quadro da directiva os ensaios clínicos que comportam a utilização de tecidos ou de células para fins terapêuticos, há que prever disposições particulares que tenham em conta as suas especificidades (autorizações de recolha, de processamento e de aplicações no quadro do ensaio clínico) e a regulamentação existente sobre a investigação biomédica. Por definição, um ensaio clínico pode não recorrer a procedimentos que tenham beneficiado previamente de uma autorização de produto.

7.7. Certificado Sanitário Europeu

7.7.1. É necessário estabelecer um "Certificado Sanitário Europeu" para todos os produtos derivados de tecidos e de células abrangidos pela presente directiva, que tenham sido preparados pelos bancos de tecidos dos Estados-Membros.

7.7.2. Deste certificado constariam os resultados e as técnicas dos testes obrigatórios de validação biológica destes produtos, o que facilitaria os intercâmbios entre países.

7.7.3. O CESE considera útil a criação de um Banco de Dados centralizado que recolha toda a informação disponível sobre estabelecimentos autorizados, produtos disponíveis e/ou processados nos bancos de tecidos ou nos outros estabelecimentos autorizados, certificados sanitários e biovigilância.

7.8. Confusão entre bancos de tecidos e unidades que tratam de células

Urge clarificar em toda a directiva e em contraposição com a definição de "Banco de Tecidos", o seguinte:

- Banco de Tecidos e de Células,

- Banco de Células,

- Unidade de Terapia Celular,

- Centro de Tecidos,

- Instalações de terceiros - Prestações de serviços de elevado tecnicismo.

7.9. O CESE considera insuficiente a avaliação de impacto efectuada e espera que não só se aprofunde esta questão como se preveja um relatório periódico, que poderia ser igualmente útil em relação aos âmbitos de aplicação actualmente excluídos, sobre os quais a Comissão apresentará propostas de directiva.

8. Conclusão

8.1. Esta directiva específica impõe-se com urgência e as disposições adoptadas são necessárias e coerentes entre si, conforme especifica a abordagem regulamentar adoptada. Além disso, estes intercâmbios de tecidos e de células baseiam-se em valores essenciais: o anonimato da dádiva, o carácter voluntário, o espírito de solidariedade que lhe é inerente e a gratuidade destes elementos do corpo humano.

8.2. O CESE repete a observação da Comissão Europeia: tendo em conta o ritmo muito rápido da evolução científica nestes sectores, convém que este texto fique em aberto para que possa ser actualizado regularmente, na sequência dos progressos científicos verificados e no respeito pelo princípio da coerência.

8.3. Seria judicioso introduzir no corpo da directiva a obrigação de redigir uma autorização do procedimento para a preparação de um tipo de produto (de tecidos ou celular) que descreva modos operatórios e ou práticas por tipo de produto, para todas as fases, da recolha até à utilização. Esta autorização seria uma garantia de segurança sanitária e uma garantia dos enxertos.

8.4. Definir bem a responsabilidade de cada um dos actores

A responsabilidade da cedência de um produto (tecido/células) é normalmente do banco de tecidos. No entanto, a responsabilidade pela segurança sanitária de um produto pode ser definida em relação a três zonas:

- Estabelecimento de saúde, sítio de recolha ou de colheita: selecção do potencial dador, condições técnicas e sanitárias, rastreabilidade e biovigilância;

- Banco de tecidos ou unidade de terapia celular: processo de preparação, controlo microbiológico (doenças transmissíveis, bactérias, etc.), validação biológica e funcional, rastreabilidade e biovigilância;

- Cirurgião que efectua o transplante: avaliação do risco/benefício em função do dossiê sanitário do produto e da urgência vital para o paciente, rastreabilidade.

8.5. É necessário prever uma convenção de âmbito europeu entre os estabelecimentos de saúde fornecedores e ou utilizadores de tecidos (idem para as unidades de terapia celular e os estabelecimentos de cuidados de saúde).

8.6. Sendo os anexos parte integrante da directiva, a sua actualização regular pode ser travada por razões administrativas. Por isso, o CESE considera que o artigo 29.o deve englobar a noção de adaptação regular dos anexos ao progresso científico e tornar obrigatória a redacção desses mesmos anexos de dois em dois anos.

Bruxelas, 11 de Dezembro de 2002.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger Briesch