52001DC0566

Comunicação da Comissão sobre o direito comunitário aplicável aos contratos públicos as possibilidades de integrar aspectos sociais nesses contratos /* COM/2001/0566 final */

Jornal Oficial nº 333 de 28/11/2001 p. 0027 - 0041


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO sobre o direito comunitário aplicável aos contratos públicos as possibilidades de integrar aspectos sociais nesses contratos

ÍNDICE

RESUMO

INTRODUÇÃO

I CONTRATOS ABRANGIDOS PELAS DIRECTIVAS «CONTRATOS PÚBLICOS»

1.1 Definição do objecto do contrato

1.2. Especificações técnicas

1.3. Selecção dos candidatos ou proponentes

1.3.1. Exclusão dos candidatos ou proponentes por desrespeito da legislação social

1.3.2. Consideração de aspectos sociais na verificação da aptidão da capacidade técnica dos candidatos ou proponentes

1.4. Adjudicação do contrato

1.4.1. Critério da proposta economicamente mais vantajosa

1.4.2. «Critério adicional»

1.5. Propostas anormalmente baixas

1.6. Execução do contrato

II CONTRATOS PÚBLICOS NÃO ABRANGIDOS PELAS DIRECTIVAS

III DISPOSIÇÕES EM MATÉRIA SOCIAL APLICÁVEIS AOS CONTRATOS PÚBLICOS

3.1. Introdução

3.2. Determinação das condições de trabalho aplicáveis

3.2.1 Limites impostos pelo direito comunitário à aplicação das disposições nacionais

3.2.1.1 O Tratado

3.2.1.2 Disposições de direito derivado especialmente pertinentes para os contratos públicos

Resumo

* O objectivo da presente comunicação, que dá seguimento à Comunicação da Comissão "Os contratos públicos na União Europeia" de 11 de março de 1998 [1], é esclarecer quais as possibilidades oferecidas pelo quadro jurídico comunitário em vigor para integrar aspectos sociais nos contratos públicos. Esta comunicação faz igualmente parte das acções anunciadas na Agenda de Política Social, adoptada aquando do Conselho de Nice, em Dezembro de 2000 [2]. A Agenda de Política Social constitui um elemento da abordagem europeia integrada que visa a renovação económica e social descrita em Lisboa. Ela visa, em particular, garantir uma interacção positiva e dinâmica das políticas económica, social e de emprego que se reforçam mutualmente.

[1] COM(98)143.

[2] "Agenda de Política Social", COM(2000) 379 de 28.6.2000.

* A introdução de outras possibilidades e, em particular, a instauração de práticas que excedam o regime actual das directivas «contratos públicos», tornariam necessária a intervenção do legislador comunitário.

* Todas as regras nacionais pertinentes em vigor no domínio social, incluindo as que transponham a regulamentação comunitária na matéria, vinculam as entidades adjudicantes, desde que sejam compatíveis com o direito comunitário. Aqui se incluem especialmente as disposições relativas aos direitos dos trabalhadores e às condições de trabalho.

* O não-cumprimento de certas obrigações sociais pode, em certos casos, implicar a exclusão dos proponentes. Cabe aos Estados membros determinar quais são esses casos.

* É, antes de mais, na fase da execução, isto é, depois de feita a adjudicação, que um contrato público pode constituir, para as entidades adjudicantes, um meio de encorajar a prossecução de objectivos sociais. Aquelas entidades têm, efectivamente, a possibilidade de impor que o titular do contrato respeite cláusulas contratuais relativas ao modo de execução do contrato e compatíveis com o direito comunitário. Estas cláusulas podem incluir medidas a favor de certas categorias de pessoas e acções positivas no domínio do emprego.

* Além disso, as directivas «contratos públicos» oferecem várias possibilidades de tomar em consideração, na adjudicação de um contrato, os aspectos sociais que se relacionem com as prestações ou os produtos requeridos, em especial na definição das especificações técnicas e dos critérios de selecção.

* Quanto aos contratos não abrangidos pelas directivas, os adquirentes públicos podem prosseguir objectivos sociais no âmbito dos respectivos contratos públicos, dentro dos limites das regras e dos princípios gerais do Tratado CE. Compete aos Estados-membros determinar se as entidades adjudicantes podem, ou devem, prosseguir aqueles objectivos através dos contratos públicos.

Introdução

A presente comunicação, que se segue à Comunicação sobre os contratos públicos, de 11 de Março de 1998, tem por objectivo clarificar o leque das possibilidades oferecidas pelo quadro jurídico comunitário actual para integrar aspectos sociais na adjudicação dos contratos públicos. Neste sentido, esta comunicação deverá permitir integrar, da melhor forma possível, os diferentes aspectos sociais nos contratos públicos e, portanto, contribuir para o desenvolvimento sustentável, conceito que integra o crescimento económico, o progresso social e o respeito pelo ambiente.

A política dos contratos públicos é uma das componentes da política do mercado interno. A este respeito, as directivas na matéria [3] pretendem garantir «a realização da livre circulação de mercadorias», bem como «a realização da liberdade de estabelecimento e de uma livre prestação de serviços efectivos em matéria de contratos públicos» [4]. A realização destes objectivos implica uma coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos, necessária para garantir uma abertura à concorrência efectiva e não discriminatória dos contratos públicos e a melhor afectação possível dos dinheiros públicos, através da escolha da melhor proposta. Esta coordenação deverá também permitir que as entidades adjudicantes [5] obtenham a melhor relação qualidade/preço, observando simultaneamente determinadas regras relativas, nomeadamente, à selecção dos candidatos em conformidade com os requisitos objectivos e à adjudicação apenas com base no preço ou na proposta economicamente mais vantajosa, assente num conjunto de critérios objectivos.

[3] Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18.6.1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de serviços, Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14.6.1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, e Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14.6.1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, com a última redacção que lhes foi dada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho; Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14.6.1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 98/04/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.

[4] Este objectivo carece da «transparência dos processos e das práticas de celebração dos contratos de empreitada de obras públicas, a fim de melhor poder velar pela proibição das restrições e diminuir, simultaneamente, a disparidade das condições de concorrência entre nacionais dos Estados-membros» (6.º considerando da Directiva 89/440/CEE do Conselho, de 18.7.1989, que altera a Directiva 71/305/CEE, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, JO L 210 de 21.7.1989, p. 1).

[5] Na versão portuguesa (ao contrário do que sucede, por exemplo, na versão francesa em que se empregam dois termos distintos) o termo "entidade adjudicante" é utilizado sem distinção quer nas Directivas "clássicas" (Directivas 92/50CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE), quer na Directiva "sectores" (Directiva 93/38/CEE).

A política do mercado interno pode ser realizada integrando a prossecução de outros objectivos, entre os quais os da política social.

A política social europeia desempenhou um papel essencial na construção do poder económico da Europa graças à elaboração de um modelo social único no género [6]. O progresso económico e a coesão social, aliados a um elevado grau de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente, são os pilares complementares do desenvolvimento sustentável e inscrevem-se no âmago do processo de integração europeia. Aumentar o nível de vida, promover um grau elevado de emprego e de protecção social, melhorar as condições de vida e de trabalho e promover a qualidade de vida são alguns dos objectivos da União Europeia [7]. A Agenda de Política Social, adoptada no Conselho de Nice em Dezembro de 2000, é um elemento da abordagem integrada europeia para alcançar a renovação económica e social definida em Lisboa. Especificamente, pretende assegurar a interacção positiva e dinâmica das políticas económica, social e do emprego e social e atingir um consenso político que mobilize todos os agentes-chave para trabalharem juntos para o novo objectivo estratégico [8].

[6] Prefácio da comunicação sobre a Agenda de Política Social, atrás referida.

[7] Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social - "Promover as normas laborais fundamentais e melhorar a governação social no contexto da globalização", COM(2001) 416 de 18.7.2001.

[8] Prefácio da comunicação atrás referida sobre a Agenda de Política Social.

Por outro lado, o Tratado de Amesterdão estabelece como uma das prioridades da União Europeia a eliminação das desigualdades e também a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em todas as políticas e actividades da União Europeia. O Tratado estipula igualmente, no artigo 13.º, a necessidade de combater qualquer tipo de discriminação [9]. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada solenemente em Nice, reitera o objectivo da União Europeia de integrar plenamente os direitos fundamentais no conjunto das respectivas políticas e acções [10].

[9] O artigo 13 visa todo o tipo de discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.

[10] Comunicação atrás referida sobre as normas fundamentais do trabalho, parte 3.

As directivas «contratos públicos» actualmente em vigor não contêm qualquer disposição específica quanto à prossecução de objectivos de política social no âmbito do processo de adjudicação de um contrato público [11]. A Comissão, tal como já havia afirmado na comunicação de 1998 atrás referida, considera, porém, que o actual direito comunitário aplicável aos contratos públicos oferece um leque de possibilidades que, devidamente exploradas, devem permitir atingir o objectivo pretendido.

[11] As únicas disposições que se referem explicitamente a disposições de tipo social são o artigo 23.º da Directiva 93/37/CEE, o artigo 28.º da Directiva 92/50/CEE e o artigo 29.º da Directiva 93/38/CEE. Por outro lado, o artigo 9.º da Directiva 93/37/CEEcontém disposições que prevêem um processo especial de adjudicação para a concepção e realização de habitações sociais. Convém lembrar que esta disposição, que remonta aos anos 70, tinha, no entanto, como único objectivo permitir que os Estados-membros previssem a possibilidade de adjudicar a construção de habitações sociais a um único adjudicatário, que se encarregaria tanto da concepção como da execução. Além disso, aplicam-se as outras disposições pertinentes da directiva.

A expressão «aspectos sociais» utilizada na presente comunicação abarca acepções e domínios muito diversos. Tanto pode designar medidas que garantam o respeito dos princípios fundamentais, dos princípios de igualdade de tratamento e de não-discriminação (por exemplo, entre homens e mulheres) como legislações nacionais em matéria social, assim como as directivas comunitárias aplicáveis na matéria [12]. A expressão «aspectos sociais» abrange também as noções de cláusulas preferenciais (por exemplo, em matéria de reinserção das pessoas desfavorecidas ou excluídas do mercado do emprego, de acções ou de discriminações positivas, designadamente no âmbito da luta contra o desemprego ou a exclusão social).

[12] A nível comunitário, existe efectivamente um conjunto de textos legislativos que se podem aplicar, incluindo no âmbito dos contratos públicos. Trata-se, nomeadamente, de textos em matéria de segurança e saúde no trabalho (por exemplo, a Directiva 89/391/CEE do Conselho, de 12.6.1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, JO L 183/1 de 29.6.1989, ou a Directiva 92/57/CEE de 24.6.1992, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis), de condições de trabalho e de aplicação do direito do trabalho (por exemplo, a Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16.12.1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, JO L 18/1 de 21.1.1997) e de manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de «transferência de empresa» (Directiva 2001/23/CE de 12.3.2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitante à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, JO L 82/16 de 22.3.2001, que codifica a Directiva 77/187/CEE).

A presente comunicação pretende explicitar as possibilidades oferecidas pelo direito comunitário aplicável aos contratos públicos de poder atender, da melhor forma, aos aspectos sociais dos referidos contratos. Esta comunicação seguirá as várias fases de um processo de adjudicação, explicitando, em cada uma delas, se, e em que medida, se poderá ter em conta aspectos sociais.

Convém lembrar que, de qualquer modo, é ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que compete, em última instância, interpretar o direito comunitário.

Se se considerar que o actual regime de contratação pública não permite possibilidades adequadas de ter em conta os aspectos sociais, será necessário, então, alterar as directivas «contratos públicos». Note-se que nas propostas de alteração destas directivas, adoptadas pela Comissão a 10 de Maio de 2000, são expressamente referidas condições de execução de um contrato que tenha como objecto favorecer o emprego de pessoas desfavorecidas ou excluídas, ou lutar contra o desemprego [13].

[13] Ver o considerando 22 da proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à coordenação dos processos de adjudicação de fornecimentos públicos, de prestação de serviços públicos e de empreitadas de obras públicas, COM(2000) 275 final (JO C 29E de 30.1.2001, p. 11-111), que se refere ao artigo 23.º, n.º 3, da proposta, bem como o considerando 32 da proposta de directiva relativa à coordenação dos processos de adjudicação nos sectores da água, da energia e dos transportes, COM(2000) 276 final (JO C 29E de 30.1.2001, p. 112-188), que se refere ao artigo 33.º, 3.º parágrafo, da proposta.

i contratos abrangidos pelas directivas «contratos públicos»

1.1 Definição do objecto do contrato

A primeira oportunidade para atender aos aspectos sociais num contrato público é a fase imediatamente anterior à aplicação das directivas na matéria, que respeita à escolha propriamente dita do objecto do contrato ou, para simplificar, a questão «o que é que eu, entidade pública, pretendo construir ou adquirir»* Nesta fase, as entidades adjudicantes têm amplas possibilidades de atender aos aspectos sociais e escolher um produto ou um serviço que corresponda aos seus objectivos sociais. A resposta à questão de saber em que medida se tratará efectivamente de um destes casos depende, essencialmente, do grau de sensibilização e dos conhecimentos da entidade adjudicante.

Tal como a Comissão precisou na comunicação sobre o direito comunitário aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais nestes contratos, essas possibilidades diferem consoante o tipo de contrato em causa [14]. O mesmo se pode dizer dos aspectos sociais. É no âmbito de contratos públicos de obras públicas e de serviços, que implicam a possibilidade de prescrever, nomeadamente, um modo de execução, que a entidade adjudicante encontra as melhores oportunidades para ter em conta as preocupações em matéria social. No caso dos contratos públicos de fornecimento, além da escolha fundamental do objecto do contrato («o que devo adquirir*»), as possibilidades de tomar em conta os aspectos sociais são mais limitadas. Uma entidade adjudicante poderá, por exemplo, escolher adquirir bens ou serviços que visem satisfazer necessidades específicas de determinada categoria de pessoas, designadamente desfavorecidas ou excluídas [15]. A este respeito, convém salientar que os contratos de serviços que tenham uma finalidade social se referem, na maior parte dos casos, a serviços na acepção do anexo IB da Directiva 92/50/CEE ou do anexo XVIB da Directiva 93/38/CEE, não estando, assim, sujeitos às regras de procedimento especificadas nas directivas, como as regras em matéria de selecção e de adjudicação [16] (ver infra, capítulo II, último parágrafo).

[14] Ver o capítulo sobre a definição do objecto do contrato na comunicação interpretativa sobre o direito comunitário dos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais nestes contratos, COM(2001) 274 final, adoptada pela Comissão a 4.7.2001.

[15] Determinados contratos de serviços que se dirigem a uma dada categoria social têm, enquanto tais, uma finalidade social (contrato de formação destinado aos desempregados de longa duração, por exemplo). Pode também citar-se o exemplo dos contratos relativos à compra de material/serviço informático adaptado às necessidades de pessoas deficientes.

[16] Por exemplo, os serviços sociais e sanitários, os serviços de educação e de formação profissional ou ainda os serviços recreativos ou culturais. Com efeito, os serviços indicados no anexo IB da Directiva 92/50/CEE, bem como no anexo XVIB da Directiva 93/38/CEE, estão apenas sujeitos às disposições das directivas «contratos públicos» em matéria de especificações técnicas e de publicação de um anúncio de adjudicação. Porém, a adjudicação de contratos referentes a tais serviços está sujeita às disposições do Tratado, o que implica, em especial, uma transparência adequada e o respeito pela igualdade de tratamento dos concorrentes.

No caso de existirem diferentes soluções para responder às necessidades da entidade adjudicante, esta é livre de definir o objecto do contrato que considera melhor corresponder às suas preocupações em matéria social, inclusivamente através de variantes (ver infra, parte 1.2).

No entanto, essa liberdade não é totalmente ilimitada. A entidade adjudicante, como órgão público, deve respeitar as normas e os princípios gerais do direito comunitário, mais precisamente os princípios da livre circulação de mercadorias e serviços previstos nos artigos 28.º a 30.º (ex-30.º a 36.º) e 43.º a 55.º (ex-52.º a 66.º) do Tratado CE [17].

[17] Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho - "Mercado Único e ambiente", COM(1999) 263 final de 8.6.1999, pp. 8 e 9.

Tal implica que o objecto de um contrato público não pode ser definido tendo como finalidade ou resultado que o acesso ao contrato fique limitado às empresas nacionais, em detrimento de concorrentes de outros Estados-membros.

A legislação existente, em matéria social ou outra, comunitária ou nacional, desde que esta última seja compatível com o direito comunitário, é igualmente susceptível de limitar ou de influenciar esta liberdade de escolha.

De forma geral, qualquer entidade adjudicante é livre de, na definição dos produtos ou serviços que pretende comprar, escolher adquirir bens, serviços ou obras que correspondam às suas preocupações em matéria social, inclusivamente em termos de variantes, contanto que essa escolha não tenha como resultado um acesso restrito ao concurso em questão, em detrimento dos concorrentes de outros Estados-membros.

De qualquer modo, o facto de um contrato se destinar a uma utilização «social» (por exemplo, construção de uma escola, de um hospital ou de um lar de terceira idade) não constitui um problema do ponto de vista das directivas «contratos públicos»; estes contratos deverão ser adjudicados de acordo com as regras previstas nas referidas directivas, contanto que caiam sob a respectiva alçada.

A escolha do objecto do contrato efectuada por uma entidade adjudicante traduz-se, inicialmente, em especificações técnicas.

1.2. Especificações técnicas

Tal como a Comissão já explicitou na comunicação atrás referida sobre a integração de considerações ambientais nos contratos públicos [18], as directivas «contratos públicos» [19] contêm um conjunto de disposições relativas às regras em matéria técnica, segundo as quais as especificações técnicas a que devem corresponder os fornecimentos, serviços ou obras públicas devem ser indicadas nos documentos gerais ou no caderno de encargos relativos a cada contrato.

[18] Ver capítulo II, ponto I, da comunicação referida, no qual a Comissão explicita nomeadamente a noção de «especificação técnica» na acepção das directivas «contratos públicos».

[19] Ver artigos 14.º da Directiva 92/50/CEE, 8.º da Directiva 93/36/CEE, 10.º da Directiva 93/37/CEE e 18.º da Directiva 93/38/CEE.

Nos termos das directivas «contratos públicos», as entidades adjudicantes têm a possibilidade de impor especificações técnicas que definam mais precisamente o objecto da compra ou da prestação, desde que estas prescrições sejam feitas em conformidade com as referências visadas pelas directivas citadas e que não tenham como efeito eliminar ou favorecer um concorrente [20].

[20] Ver, a este respeito, os artigos 8.º, n.º 6, da Directiva 93/36/CEE, 10.º, n.º 6, da Directiva 93/37/CEE, 14.º, n.º 6, da Directiva 92/50/CEE e 18.º, n.º 5, da Directiva 93/38/CEE.

Na comunicação atrás referida, a Comissão precisa designadamente que as disposições das directivas «contratos públicos» respeitantes às especificações técnicas aplicam-se sem prejuízo das regras técnicas nacionais obrigatórias compatíveis com o direito comunitário [21]. Estas poderão incluir exigências referentes, por exemplo, à segurança dos produtos, à protecção da saúde e da higiene ou o acesso dos deficientes a certos edifícios ou meios de transporte público (por exemplo, normas de acessibilidade relativas à largura dos corredores e das portas, casas de banho adaptadas e rampas de acesso) ou a certos produtos ou serviços (por exemplo, no domínio das tecnologias da informação) [22].

[21] Isto significa que devem ser essencialmente conformes com a jurisprudência do TJ relativa às medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas.

[22] A iniciativa eEurope, no intuito de atingir o objectivo de uma «sociedade da informação para todos», convida todas as entidades adjudicantes a garantir o acesso mais alargado possível às tecnologias da informação das pessoas com necessidades especiais, bem como a adoptar as orientações da iniciativa «acessibilidade da Web» para os sites da Internet.

Assim, no domínio das obras públicas, por exemplo, as entidades adjudicantes são susceptíveis de estar sujeitas às disposições da Directiva 92/57/CEE em matéria de saúde e de segurança nos estaleiros [23]. Esta directiva tem repercussões sobre a organização técnica dos estaleiros, que se pode traduzir, no caderno de encargos, em prescrições técnicas específicas de um contrato que tenham como objectivo garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores do estaleiro, bem como de terceiros. Essas prescrições incluem medidas para evitar acidentes de trabalho, como, por exemplo, a sinalização, a armazenagem dos produtos perigosos ou ainda a definição de um plano de circulação das máquinas.

[23] Esta obriga as entidades adjudicantes a ter em consideração a segurança e a saúde dos trabalhadores nos estaleiros, tanto na adjudicação como na execução das respectivas empreitadas de obras públicas.

Além destas especificações que integram uma regulamentação em matéria social, registam-se casos de especificações técnicas de conotação social que servem para caracterizar objectivamente um produto ou uma prestação [24].

[24] Por exemplo, a compra de material ou de serviços informáticos adaptados às necessidades dos invisuais. Tais exigências servem para definir as características técnicas do produto e estão, portanto, ligadas ao objecto do contrato.

As entidades adjudicantes podem, nomeadamente, exigir que os produtos solicitados sejam fabricados segundo um determinado modo de produção, na medida em que este caracterize o produto relativamente a outros produtos concorrentes e de forma a que o mesmo corresponda às necessidades da entidade adjudicante [25]. No que se refere à utilização dos «rótulos sociais» que se refiram à capacidade «social» de uma empresa, é conveniente consultar o ponto 1.3.2 da presente comunicação [26].

[25] Como é referido na comunicação citada sobre as possibilidades de integrar considerações ambientais nos contratos públicos, as exigências que não tenham qualquer relação com o produto ou com a própria prestação, como, por exemplo, uma exigência relacionada com o modo de gestão de uma empresa, não são especificações técnicas na acepção das directivas «contratos públicos» e não podem, portanto, ser impostas. Mencionam-se como exemplos de exigências que não podem ser consideradas especificações técnicas : a utilização de papel reciclado nos escritórios da empresa dos adjudicatários, a aplicação de métodos específicos de eliminação de resíduos nas instalações dos adjudicatários ou ainda o emprego de grupos específicos de trabalhadores (minorias étnicas, deficientes, mulheres).

[26] Um «rótulo social» que se refira à capacidade «social» de uma empresa não poderá, actualmente, ser considerado uma «especificação técnica» na acepção das directivas «contratos públicos».

Por outro lado, as entidades adjudicantes podem tomar em consideração a apresentação de variantes [27]. Estas permitem que as entidades adjudicantes escolham a opção mais adequada aos respectivos imperativos, tanto em termos financeiros como sociais, satisfazendo os requisitos mínimos constantes do caderno de encargos. Estas variantes poderão, por exemplo, dizer respeito a diferentes soluções técnicas respeitantes ao carácter ergonómico de um produto ou destinadas a garantir a acessibilidade de pessoas deficientes a determinado material ou serviço, incluindo as ferramentas e os serviços fornecidos «em linha» ou de natureza electrónica ou informática.

[27] Todas as directivas «contratos públicos» prevêem a possibilidade de as entidades adjudicantes, caso o critério seja a proposta economicamente mais vantajosa, terem em consideração variantes propostas por um proponente que satisfaçam os requisitos mínimos exigidos por essas mesmas entidades. As entidades adjudicantes devem especificar no caderno de encargos as especificações técnicas mínimas a respeitar pelas variantes, bem como os requisitos específicos a que estas devem responder. Se não forem autorizadas variantes, as entidades adjudicantes farão menção desse facto no anúncio de concurso (artigos 24.º da Directiva 92/50/CEE, 16.º da Directiva 93/36/CEE, 19.º da Directiva 93/37/CEE e 34.º, n.º 3, da Directiva 93/38/CEE).

1.3. Selecção dos candidatos ou proponentes

As directivas contêm, essencialmente, dois conjuntos de regras em matéria de selecção.

Por um lado, incluem uma lista exaustiva dos casos em que a situação pessoal de um candidato ou proponente pode levar à sua exclusão de um processo de adjudicação. Esses casos dizem respeito essencialmente, à falência, condenação por delito, falta profissional grave ou não-pagamento de contribuições obrigatórias. As causas de exclusão são interpretadas restritivamente. No entanto, para as entidades adjudicantes, a aplicação das disposições em matéria de exclusão é facultativa.

Por outro lado, as directivas estatuem que a verificação da aptidão dos proponentes ou candidatos para participar num concurso ou a apresentar uma proposta deve fazer-se com base em critérios assentes na sua capacidade económica, financeira ou técnica [28]. As directivas enumeram, de forma exaustiva e imperativa, os critérios de selecção qualitativa, ou seja, os critérios de capacidade técnica, económica e financeira que podem justificar a escolha dos candidatos ou dos proponentes [29]. Por conseguinte, os critérios de selecção diferentes daqueles previstos pelas directivas não estarão em conformidade com as directivas actuais.

[28] Artigos 15.º da Directiva 93/36/CEE, 18.º da Directiva 93/37/CEE, 23.º da Directiva 92/50/CEE e 31.º, n.º 1, da Directiva 93/38/CEE.

[29] No acórdão de 21.9.1988, do processo 31/87, «Beentjes», o Tribunal de Justiça precisou, com efeito, que resulta das disposições das directivas «contratos públicos» que «as entidades adjudicantes não podem efectuar a verificação da aptidão dos empreiteiros, a não ser com base em critérios assentes na sua capacidade económica, financeira e técnica» (n.º 17).

No acórdão «Beentjes» já mencionado, o Tribunal de Justiça considerou que uma condição sobre o emprego de desempregados de longa duração não tinha que ver com a verificação da aptidão dos empreiteiros com base na sua capacidade económica, financeira e técnica (n.º 28 do acórdão) [30]. A este respeito, a Comissão salienta que as entidades adjudicantes podem impor condições relativas à execução do contrato e de integrar, nesta fase, uma condição relativa ao emprego de desempregados de longa duração (ver ponto 1.6).

[30] De igual modo, por exemplo, um critério relativo à honorabilidade dos dirigentes de uma empresa, na medida em que esta «constituía um meio de prova estranho aos previstos limitativamente pela directiva» (71/305/CEE) em matéria de capacidade económica e financeira das empresas, foi rejeitado pelo TJ no acórdão de 10.2.1982, do processo 76/81, «Transporoute» (n.os 9 e 10).

No que respeita à capacidade económica e financeira, as directivas prevêem várias referências que podem fornecer a prova da capacidade dos candidatos ou proponentes adequada a determinado contrato. A lista das referências mencionadas não é limitativa. No entanto, qualquer outra referência exigida pela entidade adjudicante deve ser «determinante», isto é, de molde a provar a aptidão de um ponto de vista estritamente económico e financeiro dos proponentes no âmbito de um contrato específico [31]. As referências que podem ser pedidas para apreciar a capacidade económica e financeira dos proponentes actuais não contemplam a possibilidade de referência a elementos de ordem social.

[31] Ver, neste sentido, o acórdão «Transporoute» atrás referido, n.º 9.

No que toca à prova de capacidade técnica, as regras das directivas permitem, em certa medida, a consideração de aspectos sociais. As possibilidades previstas por estas regras são enunciadas mais abaixo (ver ponto 1.3.2).

As directivas especificam [32] que as informações necessárias para provar tanto a capacidade económica e financeira como a capacidade técnica devem limitar-se ao objecto do contrato.

[32] Ver, por exemplo, o artigo 32.º, n.º 4, da Directiva 92/50/CEE.

Nos «sectores especiais», o poder de apreciação das entidades adjudicantes na matéria é maior, na medida em que o n.º 1 do artigo 31.º da Directiva 93/38/CEE impõe apenas a utilização de «critérios e regras objectivos» definidos de antemão e colocados à disposição dos candidatos ou proponentes interessados.

1.3.1. Exclusão dos candidatos ou proponentes por desrespeito da legislação social

Na comunicação de 1998 atrás referida, a Comissão lembrou que as directivas «contratos públicos» actualmente em vigor contêm disposições que permitem excluir, na fase da selecção, candidatos ou proponentes «que violem as legislações em matéria social, incluindo as relativas à promoção da igualdade de oportunidades».

Com efeito, as directivas permitem, por um lado, a exclusão de proponentes que «não tenham cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento das contribuições para a segurança social em conformidade com as disposições legais do país onde se encontram estabelecido ou as do país da entidade adjudicante» [33].

[33] Ver os artigos 20.º, n.º 1, alínea e), da Directiva 93/36/CEE, 24.º, n.º 1, alínea e), da Directiva 93/37/CEE, a que se referem os artigos 31.º, n.º 2, da Directiva 93/38/CEE e 29.º, n.º 1, alínea e), da Directiva 92/50/CEE.

Por outro lado, as directivas permitem a exclusão de proponentes que «tenham sido condenados por sentença transitada em julgado por qualquer delito que afecte a sua honorabilidade profissional» ou que «tenham cometido uma falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam apresentar» [34].

[34] Ver os artigos 20.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Directiva 93/36/CEE, 24.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Directiva 93/37/CEE, a que se referem os artigos 31.º, n.º 2, da Directiva 93/38/CEE e 29.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Directiva 92/50/CEE.

Um proponente que tenha sido condenado por sentença transitada em julgado por desrespeito da legislação nacional relativa, por exemplo, à proibição do trabalho clandestino, pode ser afastado de um processo de adjudicação de um contrato público, nos termos das disposições atrás referidas [35].

[35] Uma condenação pelo desrespeito da proibição de empregar trabalhadores clandestinos pode, nos termos do artigo L 362-6.2 do Código Laboral francês, conduzir à exclusão temporária (no máximo cinco anos) ou definitiva da participação em contratos públicos.

Além disso, as directivas permitem que as entidades adjudicantes excluam de um processo de adjudicação, nos Estados-membros que tenham adoptado disposições com este fim na respectiva legislação nacional, um candidato ou proponente que não tenha respeitado o disposto nessa legislação.

Assim, podem conceber-se hipóteses de exclusão de proponentes por violação da legislação em matéria social, violação essa que constituiria uma falta profissional grave ou um delito que afectasse a honorabilidade profissional. Estas cláusulas de exclusão podem incluir, por exemplo, o desrespeito das disposições em matéria de igualdade de tratamento ou de saúde e segurança, ou a favor de categorias de pessoas [36]. Uma entidade adjudicante poderá, por exemplo, excluir um proponente nacional que não tenha aplicado medidas a favor da igualdade de oportunidades, como prescrito na legislação nacional do Estado da entidade adjudicante, contanto que o desrespeito dessa legislação constitua uma falta grave nesse mesmo Estado-Membro.

[36] Em Espanha, a violação da legislação sobre o emprego de deficientes constitui falta grave em matéria profissional e pode levar à exclusão do proponente em questão. Em França, há cerca de trinta casos de exclusão por violação da legislação do trabalho (por exemplo, a legislação do trabalho obriga as empresas com mais de 100 empregados a empregar 2 deficientes; o director da empresa pode ser punido pela inspecção do trabalho, o que é susceptível de permitir a uma entidade adjudicante a sua exclusão por falta profissional grave).

A falta profissional grave é uma noção que, enquanto tal, não se encontra ainda definida nem pela legislação europeia nem pela jurisprudência [37]. Por esta razão, cabe aos Estados-membros determinar esta noção nas respectivas legislações nacionais e, designadamente, decidir se o desrespeito de certas obrigações sociais constitui uma falta grave em matéria profissional.

[37] Relatório final sobre o Estudo Falcone relativo aos contratos públicos e ao crime organizado (1998), Volume I: 24.5.1999 - Institute of Advanced Legal Studies, University of London.

1.3.2. Consideração de aspectos sociais na verificação da aptidão da capacidade técnica dos candidatos ou proponentes

As directivas «contratos públicos» determinam os meios através dos quais pode ser apresentada prova da capacidade técnica de um candidato ou proponente. Incluem uma lista exaustiva das referências ou meios de prova que os candidatos ou proponentes podem ser obrigados a fornecer a fim de provar a sua aptidão, de um ponto de vista técnico, em função da natureza, da quantidade e da finalidade do contrato em questão [38]. Assim, cada condição especial relativa à capacidade técnica do candidato ou proponente, determinada pela entidade adjudicante, deve resultar de uma das referências enumeradas nas directivas.

[38] Artigos 23.º da Directiva 93/36/CEE, 27.º da Directiva 93/37/CEE e 32.º da Directiva 92/50/CEE.

O objectivo da fase de selecção é escolher os proponentes que a entidade adjudicante considere capazes de executar o contrato em questão. As diferentes condições devem estar, portanto, directamente relacionadas com o objecto do contrato em questão [39].

[39] O artigo 32.º, n.º 2, da Directiva 92/50/CEE indica explicitamente que estas condições devem ser determinadas em função da natureza, da quantidade e da finalidade dos serviços a prestar.

Nesta fase da selecção, uma entidade adjudicante terá a possibilidade de exigir referências relativas à experiência e ao saber-fazer dos proponentes [40]. Poderá verificar, por exemplo, a composição e o enquadramento do pessoal da empresa, o seu equipamento técnico, o sistema relativo ao controlo da qualidade, tudo isto para se certificar de que esta tem as capacidades, em termos de qualificação do pessoal e de meios, para executar o contrato em boas condições.

[40] Para os contratos de serviços, a capacidade de os fornecedores para prestar determinados serviços pode ser avaliada, nomeadamente, através dos respectivos saber-fazer, eficácia e experiência mas também da sua fiabilidade (artigo 32.º, n.º 1, da Directiva 92/50/CEE). Ver , a este respeito, o acórdão «Beentjes», atrás referido, n.º 31.

Se o contrato carecer de um saber-fazer específico em matéria «social», é possível exigir, de forma legítima, uma experiência especial como critério de capacidade e de conhecimentos técnicos destinados a provar a aptidão dos candidatos [41].

[41] Experiência específica em matéria de gestão de uma creche, por exemplo, ou de serviços de formação para desempregados de longa duração.

As referências autorizadas pelas directivas «contratos públicos» [42] só permitem ter em conta a «capacidade social» da empresa (por vezes também qualificada como «responsabilidade social» [43] na condição de esta atestar a aptidão técnica, na acepção atrás referida, da empresa para executar determinado contrato.

[42] Entre todas as referências enumeradas de modo exaustivo nas directivas «contratos públicos» para determinar a capacidade técnica de um proponente podem referir-se nomeadamente: (1) uma lista dos trabalhos efectuados nos últimos 5 anos, acompanhada de certificados de boa execução para os mais importantes, uma lista dos principais serviços fornecidos nos últimos 3 anos; (2) uma descrição do equipamento técnico, das medidas tomadas para garantir a qualidade, bem como dos meios de estudo e de investigação; ou (3) a indicação dos técnicos ou dos organismos técnicos a que o candidato pode recorrer para a execução do contrato, pertencentes à empresa ou não, especialmente os responsáveis pelo controlo da qualidade.

[43] Estes termos de «responsabilidade» ou de «capacidade social» ilustram uma tendência segundo a qual as empresas são progressivamente levadas a integrar cada vez mais aspectos sociais e éticos (e ambientais) nas respectivas políticas de empresa e de investimento, que ultrapassam, algumas vezes, o simples respeito pela legislação em matéria social. As abordagens em matéria de responsabilidade social das empresas variam consideravelmente em função dos sectores e das diferenças culturais nacionais, ou mesmo regionais. No Livro Verde «Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas», COM(2001) 366 de 18.7.2001, a Comissão sublinhou a importância da responsabilidade social das empresas, visto que esta pode dar um contributo positivo ao objectivo estratégico de Lisboa (cf. ponto 6 do Livro Verde). Com este Livro Verde, a Comissão pretende lançar um debate generalizado sobre o modo como a União Europeia poderá promover esta responsabilidade social, tanto a nível europeu como internacional (ponto 7). Além disso, desenvolvem-se actualmente no mercado vários «rótulos sociais» de tipo voluntário. No referido Livro Verde, a Comissão define o conceito de "rótulo social" como "palavras e símbolos apostos aos produtos, que visam influenciar as decisões de compra dos consumidores mediante o fornecimento de uma garantia quanto ao impacto ético e social de um processo comercial sobre outras partes interessadas".

1.4. Adjudicação do contrato

Uma vez seleccionados os candidatos ou proponentes, as entidades adjudicantes entram na fase da avaliação das propostas, que irá resultar na adjudicação do contrato.

A selecção dos candidatos ou proponentes e a adjudicação do contrato são duas operações orientadas por regras diferentes.

Para a adjudicação dos contratos públicos, as directivas «contratos públicos» [44] admitem dois tipos de critérios, o do preço mais baixo, que é inútil comentar, e o da «proposta economicamente mais vantajosa».

[44] Artigos 26.º da Directiva 93/36/CEE, 30.º da Directiva 93/37/CEE, 36.º da Directiva 92/50/CEE e 34.º da Directiva 93/38/CEE.

Quando o contrato deve ser adjudicado à proposta economicamente mais vantajosa, as directivas exigem que a entidade adjudicante indique no caderno de encargos ou no anúncio de concurso os critérios de adjudicação que prevê aplicar na avaliação das propostas, se possível por ordem decrescente de importância. Isto significa que a entidade não só deve prever todos os critérios que pretende utilizar na avaliação das propostas como não deve utilizar, nessa mesma avaliação, critérios diferentes dos previstos no anúncio de concurso ou no caderno de encargos.

1.4.1. Critério da proposta economicamente mais vantajosa

As directivas «contratos públicos» enumeram, a título de exemplo, um determinado número de critérios nos quais se podem basear as entidades adjudicantes para identificar a proposta mais vantajosa do ponto de vista económico [45]. É igualmente possível aplicar outros critérios.

[45] Os critérios citados a título de exemplo pelas directivas são o preço, o prazo de entrega ou de execução, o custo de utilização, a rentabilidade, a qualidade, o carácter estético e funcional, o valor técnico, o serviço pós-venda e a assistência técnica.

As directivas «contratos públicos» impõem duas condições relativas aos critérios a aplicar para a determinação da proposta economicamente mais vantajosa. Em primeiro lugar, o princípio da não-discriminação terá de ser respeitado [46] e, em segundo lugar, os critérios aplicados terão de criar uma vantagem económica para a entidade adjudicante. O Tribunal de Justiça confirmou que o objectivo das directivas «contratos públicos» é excluir o risco de ser dada preferência aos candidatos ou proponentes nacionais aquando de qualquer adjudicação pelas entidades adjudicantes e a possibilidade de um organismo financiado ou controlado por autoridades da administração central, regional ou local, ou por outros organismos de direito público, decidir guiar-se por considerações que não sejam económicas. [47]

[46] Um critério que favoreça os proponentes locais e que seja de molde a tornar mais difícil a possibilidade de os potenciais proponentes estabelecidos noutros Estados-membros conseguirem a adjudicação do contrato em causa e de prestarem os serviços que integram o objecto do contrato constituiria uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 49.º (ex-59.º) do Tratado CE.

[47] Acórdão do TJ de 3.10.2000 do processo C-380/98: «University of Cambridge», n.º 17, no qual o Tribunal faz referência aos acórdãos de 15 de Janeiro de 1998, «Mannesmann Anlagenbau e o.», C-44/96, Col. p. I-73, n.º 33, e de 10.11.1998, «BFI Holding» no processo C-360/96, Col. p. I-6821, n.ºos 42 e 43. Ver também acórdão de 1.2.2001 do processo C-273/99, Comissão contra República Francesa, «HLM», n.ºos 41 e 42.

O elemento comum aos critérios utilizados para avaliar as propostas é que todos eles devem, tal como os critérios mencionados a título de exemplo, referir-se à natureza da prestação que constitui o objecto do contrato ou às suas condições de prestação [48]. Devem permitir que a entidade adjudicante compare as propostas de forma objectiva, para determinar a que melhor responde às suas necessidades no âmbito de determinado contrato. Um critério de adjudicação deve permitir avaliar as qualidades intrínsecas de um produto ou serviço.

[48] Conclusões do Advogado-Geral Darmon apresentadas a 4.5.1988, no acórdão "Beentjes" atrás referido, ponto 35.

Sendo assim, estes critérios de adjudicação deverão estar ligados ao objecto do contrato ou às suas condições de execução. [49].

[49] Ver, por exemplo, o artigo 30.º, n.º 1, da Directiva 93/37/CEE. Neste sentido, ver também as conclusões do Advogado-Geral Colomer apresentadas a 5 de Junho de 2001, nos processos apensos C-285/99 e C-286/99, «Lombardini», nota de roda-pé nr. 23 das conclusões..

Nos diversos critérios dados a título de exemplo nas directivas não constam critérios sociais. No entanto, se se entende por critério «social» um critério que permite avaliar, por exemplo, a qualidade de um serviço que se destina a uma categoria de pessoas desfavorecidas [50], tal critério será legítimo desde que participe na escolha da proposta economicamente mais vantajosa na acepção das directivas.

[50] No âmbito de um contrato de fornecimento de serviços informáticos a todos os empregados de uma câmara municipal (serviços do anexo IA), um critério relativo ao método proposto pelo concorrente para assegurar, em permanência e de forma satisfatória, um serviço de qualidade que corresponda às necessidades especiais de todas as pessoas com uma deficiência poderá, em princípio, fazer parte dos critérios a ter em conta para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.

Ao invés, serão incompatíveis com as directivas «contratos públicos» actuais as quotas de mercado reservadas a determinada categoria de fornecedores [51] ou as preferências de preço [52]. O mesmo se pode dizer dos critérios relativos ao grau em que os proponentes empreguem determinada categoria de pessoas ou apliquem um programa de promoção da igualdade de oportunidades, ou seja, se se tratar de critérios estranhos ao objecto de um dado contrato ou às suas condições de execução. Tais critérios que não participem na escolha da proposta economicamente mais vantajosa são excluídos pelas directivas actuais, tendo em conta o objectivo que lhes é atribuído, o de permitir avaliar as qualidades intrínsecas de um produto ou de uma prestação. Além disso, tais critérios seriam considerados incompatíveis com os compromissos assumidos pelos Estados-membros no âmbito do Acordo sobre Contratos Públicos (ACP) celebrado no âmbito da Organização Mundial do Comércio [53].

[51] Nos Estados Unidos, 20% dos concursos são reservados às «small minority businesses», isto é, a empresas controladas por minorias. Este país fez inscrever uma excepção neste sentido no ACP.

[52] Hipótese em que determinadas categorias de proponentes beneficiam de uma preferência de preço segundo a qual a proposta apresentada pelo proponente A, ainda que superior à de B, é considerada equivalente à de B, visto que A aplica uma dada política social, como, por exemplo, uma política activa de promoção das mulheres.

[53] Certos Estados signatários fizeram inscrever reservas explícitas destinadas a permitir que as entidades adjudicantes aplicassem um critério social nos processos de adjudicação. Os Estados Unidos, por exemplo, incluiram uma excepção que permite reservar determinados contratos a favor, por exemplo, de minorias. Estas reservas não constam, porém, dos compromissos assumidos pela Comunidade Europeia relativamente aos seus parceiros. Aliás, em geral, estes critérios devem ser considerados contrários, às disposições das directivas, nomeadamente as que se referem aos processos de adjudicação.

Para determinar a proposta economicamente mais vantajosa podem ser utilizados critérios que atendam a considerações sociais, contanto que impliquem, para a entidade adjudicante, uma vantagem económica ligada ao produto ou ao serviço que constitui o objecto do contrato [54].

[54] Num processo que a Comissão teve de examinar, uma entidade adjudicante justificara a adjudicação de um contrato à empresa local de transportes com base, sobretudo, nos argumentos seguintes: a implantação da empresa na localidade traduzir-se-ia, por um lado, em vantagens fiscais e, por outro, na criação de empregos estáveis; além disso, a compra, naquele local, de quantidades significativas de material e de serviços pelo prestador de serviços garantiria empregos locais. A Comissão considerou que estes critérios não podiam constituir critérios nos quais a entidade adjudicante se pudesse basear para avaliar as propostas, na medida em que eles não permitiam quantificar uma vantagem económica própria da prestação que era objecto do concurso e em benefício da entidade adjudicante. Esta primeira alegação referia-se à violação de regras em matéria de adjudicação enunciadas no artigo 36, n°1 da Directiva 92/50/CEE. Por outro lado, estes elementos discriminaram outros proponentes, uma vez que levaram, na comparação das propostas, a uma vantagem para o único prestador de serviços estabelecido na localidade em questão. Tratava-se, assim, de uma violação do princípio geral de não-discriminação entre prestadores de serviços, consagrado no artigo 3° da Directiva 92/50/CEE.

Coloca-se a questão de saber se a noção de «proposta economicamente mais vantajosa» implica que cada um dos critérios de adjudicação escolhidos deverá implicar uma vantagem económica em benefício directo da entidade adjudicante, ou se basta que cada um dos critérios seja quantificável em termos económicos, sem que traga uma vantagem económica directa à entidade adjudicante, vantagem essa que se traduz na compra em questão.

Esta questão foi colocada ao Tribunal de Justiça, no processo C-513/99, cujo acórdão é aguardado para o final de 2001. O processo envolve uma questão ligada ao ambiente e o respectivo acórdão poderá, por analogia, trazer elementos de resposta no que se refere aos critérios sociais [55].

[55] Processo C-513/99, «Stagecoach Finland Oy Ab», publicado no JO C 102/10 de 8.4.2000.

Tanto no Livro Verde [56] como na comunicação já referida sobre os contratos públicos [57], a Comissão tomou inequivocamente posição em favor da primeira interpretação.

[56] Livro Verde sobre os contratos públicos na União Europeia: pistas de reflexão para o futuro, COM(1996) 583 de 27.11.1996.

[57] Ver o capítulo 4.3 da comunicação de 1998 atrás referida no que respeita à consideração de elementos ambientais na adjudicação dos contratos. [Ver também o ponto 48 da comunicação sobre os aspectos sociais e regionais dos contratos públicos. COM(1989) 400 final, adoptada pela Comissão a 22.9.1998 (JO C 311 de 12.12.1989)].

A Comissão salienta que as entidades adjudicantes têm a possibilidade de exigir determinadas condições relativas à execução de um contrato e que podem, nesta fase, tomar em consideração a prossecução de certos objectivos sociais (ver ponto 1.6).

1.4.2. «Critério adicional»

Esta noção foi desenvolvida pelo Tribunal de Justiça europeu [58].

[58] Processos 31/87, «Gebroeders Beentjes» (infra), e C-225/98, Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa, acórdão de 26 de Setembro de 2000, Construção e manutenção de edifícios escolares pela Região Nord-Pas-de-Calais e pelo Departamento do Nord (Col. 2000, I-7445). Acórdão "Beentjes" pré-citado (ver ponto 29) e acórdão de 26.9.2000 no processo C-225/98, Comissão contra França ("Edifícios escolares - Nord-Pas-de-Calais" (Col., p. I-7445).

Surgiu pela primeira vez no processo «Beentjes» atrás referido, no qual o Tribunal defendeu que um critério relativo ao emprego de desempregados de longa duração não tinha que ver nem com a verificação da aptidão económica, financeira e técnica de um candidato nem com os critérios adjudicação enumerados na directiva. O Tribunal defendeu que este critério era, porém, compatível com as directivas relativas aos «contratos públicos», desde que em conformidade com todos os princípios relevantes do direito comunitário.

No processo C-225/98 o TJ considerou [59] que as entidades adjudicantes podem basear-se numa condição ligada à luta contra o desemprego, desde que esta respeite todos os princípios fundamentais do direito comunitário e apenas no caso em que aquelas entidades se vejam confrontadas com duas ou mais propostas economicamente equivalentes. Neste sentido, o Estado-Membro em questão considerava esta condição um critério acessório não determinante, depois de se terem comparado as propostas do ponto de vista puramente económico. Por último, quanto à aplicação de um critério de adjudicação ligado à luta contra o desemprego, o TJ precisou que o mesmo não deve ter incidência discriminatória directa ou indirecta em relação a proponentes de outros Estados-membros da Comunidade e deve ser expressamente mencionado no anúncio de concurso de modo a que os empreiteiros estejam em condições de ter conhecimento da sua existência.

[59] Ver Relatório Geral sobre as Actividades da União Europeia 2000, ponto 1119, pág. 407.

Tal poderia igualmente aplicar-se a outras condições no domínio social.

1.5. Propostas anormalmente baixas

As actuais directivas «contratos públicos» [60] limitam-se a obrigar as entidades adjudicantes a pedir explicações ao proponente cuja proposta lhes pareça anormalmente baixa relativamente à prestação, antes de poder rejeitá-la. Com efeito, a entidade adjudicante deve verificar a composição da proposta em causa e, caso esta lhe pareça pouco fiável, pode rejeitá-la, sem que as directivas, porém, obriguem a fazê-lo. Nos Estados-membros que tenham adoptado disposições para este efeito, as entidades adjudicantes poderão, contudo, ser obrigadas a rejeitar as propostas anormalmente baixas, caso não se respeitem as regras em matéria de emprego ou de direito do trabalho, por exemplo.

[60] Artigos 27.º da Directiva 93/36/CEE, 30.º da Directiva 93/37/CEE, 37.º da Directiva 92/50/CEE e 34.º, n.º 5, da Directiva 93/38/CEE.

As directivas enumeram, a título de exemplo, determinados elementos que a entidade adjudicante pode ter em conta, como a economia do procedimento, as soluções técnicas e as condições excepcionalmente favoráveis de que o proponente pode dispor. Podem ser tidos em conta, para rejeitar uma proposta anormalmente baixa relativamente à prestação, elementos que tenham que ver com o desrespeito das regras em matéria de segurança ou de emprego. Nos termos da abordagem geral das directivas, as modalidades práticas dessa verificação dependem do direito nacional, entendendo-se, contudo, que essas mesmas modalidades devem ser sempre contraditórias.

1.6. Execução do contrato

Um meio de incentivar a prossecução de objectivos sociais é a aplicação de cláusulas contratuais ou de «condições de execução do contrato», contanto que a sua aplicação se faça no respeito do direito comunitário e das regras processuais das directivas e, em particular, que não discriminem directa ou indirectamente contra proponentes de outros Estados-membros [61].

[61] A título de exemplo, uma cláusula que exija que o adjudicatário empregue um número ou uma percentagem determinada de desempregados de longa duração ou de jovens aprendizes, sem exigir que estes provenham de determinada região ou que estejam vinculados a um organismo nacional, para a execução de um contrato de obras públicas, por exemplo, não deveria constituir, a priori, uma discriminação contra proponentes de outros Estados-membros.

As entidades adjudicantes têm a possibilidade de determinar as cláusulas contratuais relativas ao modo de execução de um contrato. Com efeito, a fase de execução dos contratos não é, actualmente, tratada pelas directivas «contratos públicos».

Todavia, as cláusulas ou condições de execução devem respeitar o direito comunitário e, em especial, não devem ter incidência discriminatória directa ou indirecta em relação a proponentes não nacionais (ver ponto 3.2.).

Por outro lado, a aplicação destas cláusulas ou condições deve respeitar todas as regras processuais das directivas, nomeadamente as suas regras de publicidade [62], que não podem ser especificações técnicas (dissimuladas). Não poderão, igualmente, dizer respeito nem à verificação da aptidão dos proponentes com base na sua capacidade económica, financeira e técnica nem aos critérios de adjudicação [63]. Neste sentido, a cláusula contratual «deve ser independente da avaliação da capacidade dos proponentes em executar a obra e dos critérios de adjudicação» [64].

[62] Ver n.º 31 do acórdão «Beentjes» atrás referido.

[63] Ver n.º 28 do acórdão «Beentjes» atrás referido.

[64] Comunicação sobre Aquisições Públicas, Aspectos Regionais e Sociais, atrás referida, ponto 59.

Além disso, a transparência deverá ser assegurada através da menção destas condições no anúncio de concurso, para que sejam conhecidas de todos os candidatos ou proponentes [65].

[65] «Com vista a satisfazer o objectivo da directiva de assegurar o desenvolvimento de uma concorrência efectiva no âmbito das empreitadas de obras públicas, os critérios e condições que regulamentam cada concurso deverão ser objecto de adequada publicidade por parte das entidades adjudicantes» (ver acórdão «Beentjes» já referido, n.º 21).

Por último, a execução dos contratos públicos deve, em todo o caso, realizar-se no respeito de todas as regras pertinentes em vigor, nomeadamente, no domínio social e da segurança (ver capítulo III).

A condição de execução é uma obrigação que o adjudicatário tem de aceitar e que se refere à execução do contrato. Sendo assim, em princípio, basta que os proponentes se comprometam, no momento da entrega das propostas, a observar esta exigência caso o contrato lhes seja adjudicado. Uma proposta que não aceite esta condição de execução não estará conforme com o caderno de encargos e não poderá, por isso, ser aceite [66]. Mas as condições de execução não carecem de estar preenchidas para a apresentação da proposta.

[66] Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, no acórdão de 22.6.1992 do processo C-243/89, «Storebaelt», que uma entidade adjudicante deve rejeitar as propostas que não sejam conformes com as prescrições do caderno de encargos, sob pena de violar o princípio da igualdade de tratamento dos proponentes em que assentam as directivas «mercados públicos».

A entidade adjudicante dispõe de uma vasta gama de possibilidades para determinar cláusulas contratuais em matéria social. De seguida, a título de exemplo, referimos algumas condições especiais suplementares que uma entidade adjudicante poderá impor, sem desrespeitar as condições atrás especificadas, ao titular do contrato e que permitem atender a objectivos sociais:

* obrigação de recrutar pessoas à procura de emprego, em especial os desempregados de longa duração, ou de criar acções de formação para os desempregados ou os jovens aquando da execução da prestação;

* obrigação de aplicar, no momento da execução da prestação, medidas destinadas a promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres ou a diversidade ética ou racial [67];

[67] Num contrato de serviços, pode tratar-se, por exemplo, da aplicação de uma política para a promoção da diversidade étnica e racial no local de trabalho que se traduza por instruções dadas aos responsáveis pelo recrutamento, promoções ou formação do pessoal, o que pode também incluir que o adjudicatário indique um responsável para coordenar a aplicação de uma política nesta matéria no local de trabalho.

* obrigação de respeitar, efectivamente, as disposições das convenções fundamentais da OIT aquando da execução da prestação, se estas normas não tiverem já sido instauradas pelo direito nacional;

* obrigação de recrutar, para a execução do contrato, um número de pessoas deficientes que ultrapassaria o número exigido pela legislação nacional no Estado-Membro da execução do contrato ou no do adjudicatário.

Note-se que parece mais difícil conceber cláusulas contratuais referentes ao modo de execução nos contratos de fornecimento, visto que impor cláusulas que careçam de adaptações da organização, da estrutura ou da política de uma empresa estabelecida no território de outro Estado-Membro poderia revelar-se discriminatório ou constituir uma restrição injustificada às trocas comerciais.

II contratos públicos não abrangidos pelas directivas

As directivas «contratos públicos» aplicam-se apenas a determinados contratos: àqueles cujo montante seja igual ou ultrapasse o limiar pertinente por elas estabelecido.

O direito comunitário delega aos Estados-membros a responsabilidade de decidir se os contratos públicos não abrangidos pelas directivas comunitárias devem ou não ser submetidas às regras nacionais na matéria.

Os Estados-membros têm igualmente a liberdade de decidir, dentro dos limites fixados pelo direito comunitário, se os contratos públicos não cobertos pelas directivas podem - ou devem - ser utilizados para satisfazer outros objectivos além do da «melhor relação qualidade/preço» visado pelas directivas relativas aos contratos públicos.

Sem prejuízo das legislações nacionais na matéria, as entidades adjudicantes podem, relativamente a estes contratos, definir e aplicar, no âmbito dos respectivos procedimentos de adjudicação, critérios sociais de selecção e de adjudicação, contanto que respeitem as regras e os princípios gerais do Tratado CE [68], o que implica, em especial, uma transparência apropriada e o respeito da igualdade de tratamento dos proponentes.

[68] Para maiores desenvolvimentos, ver o capítulo III da Comunicação interpretativa atrás referida sobre o direito comunitário aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais nestes contratos.

As práticas que reservem a adjudicação de contratos a determinadas categorias de pessoas, como, por exemplo, pessoas deficientes («oficinas protegidas») ou desempregados, poderão ser admitidas. No entanto, as práticas em questão não deverão constituir discriminação directa ou indirecta em relação aos proponentes dos outros Estados-membros [69] nem constituir uma restrição injustificada às trocas comerciais [70]. Assim, um concurso reservado aos proponentes nacionais será contrária às regras e aos princípios gerais do Tratado CE. Porém, os casos em que a participação nos concursos esteja também aberta às oficinas protegidas dos outros Estados-membros não deverão, a priori, ser discriminatórios. Todavia, a adjudicação deverá fazer-se no respeito, em especial, dos princípios de igualdade de tratamento dos proponentes e de transparência [71] (ver também capítulo III).

[69] No Reino Unido, o «Priority Suppliers Scheme» (programa de fornecedores prioritários), um regime de preferência que visava fomentar o emprego de trabalhadores deficientes mediante a adjudicação de contratos de fornecimentos governamentais, previa que determinadas empresas inscritas numa lista poderiam apresentar uma segunda oferta para se colocar ao nível da oferta mais baixa, vantagem de que não dispunham os proponentes análogos dos outros Estados-membros. Este regime foi revogado durante as negociações para a Directiva codificada 93/36/CEE e substituído, em 1994, pelo «special contract arrangement», um regime que respeita o direito comunitário. A elegibilidade do sistema foi estendida aos empregadores de pessoas deficientes de toda a União e a sua utilização foi limitada aos concursos cujo valor se situe acima dos limiares.

[70] O artigo XXIII do ACP («excepções ao acordo») prevê que as partes do acordo podem «instituir ou aplicar medidas relativas a artigos fabricados ou a serviços prestados por pessoas deficientes, ou em instituições filantrópicas, ou em prisões», contanto que estas medidas não sejam «um meio de discriminação arbitrária ou injustificada» e não constituam «uma restrição dissimulada ao comércio internacional». Esta possibilidade não foi contemplada pelas directivas.

[71] A este respeito, ver os acórdãos do TJ de 18.11.1999, do processo C-275/98, «Unitron», e de 7.12.2000, do processo C-324/98, «Telaustria».

Além dos contratos não abrangidos pelas directivas, convém lembrar que as entidades adjudicantes dispõem também de liberdade de manobra na adjudicação de contratos relativos aos serviços incluídos no anexo IB da Directiva 92/50/CEE, assim como no anexo XVI B da Directiva 93/38/CEE, que, na maior parte dos casos, têm uma finalidade «social» (serviços sociais e sanitários, por exemplo). Com efeito, estes contratos só são abrangidos pelas disposições das directivas «contratos públicos» em matéria de especificações técnicas e de publicidade. As regras pormenorizadas das directivas em matéria de selecção dos candidatos e de adjudicação dos contratos não se lhes aplicam. No entanto, a adjudicação destes contratos de serviços encontra-se sujeita ao direito nacional e às regras e princípios do Tratado, tal como exposto anteriormente.

III disposições em matéria social aplicáveis aos contratos públicos

3.1. Introdução

É oportuno lembrar, desde logo, que, mesmo que as directivas «contratos públicos» não contenham disposições específicas neste sentido, a execução do contrato na sequência da adjudicação de um contrato público deve fazer-se no pleno respeito por todas as normas, regulamentações, disposições e obrigações aplicáveis - nacionais, internacionais ou comunitárias - que sejam de aplicação obrigatória em matéria social. Estas obrigações serão, eventualmente, mencionadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. As directivas «contratos públicos» prevêem já [72] a possibilidade de as entidades adjudicantes poderem indicar, ou poderem ser obrigadas a indicar por um Estado-Membro, no caderno de encargos, a entidade ou as entidades nacionais competentes junto das quais os proponentes poderão obter informações pertinentes acerca das obrigações relativas às disposições de protecção e às condições de trabalho cuja aplicação for obrigatória no local onde se efectuarem as obras ou nas instalações em que se prestarem os serviços [73].

[72] Artigos 23.º da Directiva 93/37 (obras públicas), 28.º da Directiva 92/50 e artigo 29.º da Directiva 93/38 (sectores especiais).

[73] No âmbito das actuais directivas «contratos públicos», as entidades adjudicantes que façam uso da possibilidade oferecida pelas mesmas e forneçam as informações referidas acima no caderno de encargos devem, por outro lado, certificar-se de que os proponentes tiveram realmente em conta as obrigações relativas às disposições de protecção e às condições de trabalho na preparação das respectivas propostas, solicitando aos proponentes que o indiquem nessas mesmas propostas. Isto permitirá, se for o caso, que os proponentes obtenham as informações necessárias acerca das obrigações em matéria social que deverão respeitar no local de execução do contrato, se o mesmo lhes for adjudicado, e que, na preparação das propostas, atendam aos custos que essas obrigações acarretam.

Entre estas obrigações, figuram, nomeadamente, o respeito pelas regras nacionais que decorram das directivas comunitárias em matéria social. São especialmente pertinentes, no contexto dos contratos públicos, as directivas em matéria de protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores, as directivas relativas à «transferência de empresas» e ao «destacamento de trabalhadores» (ver ponto 3.2.2.2), bem como as directivas recentes sobre a igualdade de tratamento [74].

[74] Directiva 2000/43/CE de 29.6.2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180 de 19.7.2000, p. 22), e Directiva 2000/78/CE de 27.11.2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303 de 2.12.2000, p. 16).

Tais obrigações podem também decorrer de certas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [75]. No que toca mais precisamente às normas fundamentais do trabalho reconhecidas a nível internacional, os princípios e direitos fundamentais sobre o local de trabalho definidos pela OIT são obviamente aplicáveis na íntegra aos Estados-membros [76].

[75] Ou seja, as Convenções n.º 87, de 9.7.1948, n.º 98, de 1.7.1949 (respectivamente, relativas à liberdade sindical e à protecção do direito sindical, e à aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação colectiva); n.º 29, de 28.6.1930, e n.º 105, de 25.6.1957 (proibição dos trabalhos forçados); n.º 111, de 25.6.1958 (discriminação em matéria de emprego e de profissão); n.º 100, de 29.6.1951 (princípio da igualdade da remuneração e proibição de qualquer discriminação); n.º 138, de 26.6.1973, e n.º 182, de 17.6.1999 (idade mínima e proibição das piores formas de trabalho infantil).

[76] Comunicação já referida da Comissão sobre as normas fundamentais do trabalho. A este respeito, a Comissão precisa que, visto que uma rápida ratificação por todos os Estados-membros da União das oito convenções de base da OIT e o compromisso da União a favor da promoção das normas fundamentais do trabalho caminham lado a lado, dirigiu, a 15.9.2000, uma recomendação aos Estados-membros relativa à ratificação da convenção de base mais recente, a saber, a Convenção n.º 182 atrás referida (recomendação publicada no JO L 243 de 28.9.2000).

As propostas dos proponentes que não tenham em conta as obrigações relativas às disposições de protecção e às condições de trabalho indicadas pela entidade adjudicante no caderno de encargos não poderão ser consideradas conformes ao caderno de encargos. Por outro lado, as propostas dos proponentes que não tenham tido suficientemente em conta estas obrigações correm o risco de ser anormalmente baixas relativamente à prestação e, eventualmente, rejeitadas por essa mesma razão (ver ponto 1.5).

Várias vezes se colocaram questões [77] relativas à interpretação e à aplicação de certas regras ou regulamentações em matéria social que devem obrigatoriamente ser respeitadas na adjudicação de contratos públicos cuja identificação pareceria difícil no contexto dos contratos públicos, nomeadamente na fase da execução. É frequente colocarem-se questões relativas à aplicação do direito do trabalho e da protecção das condições de trabalho aos trabalhadores destacados por uma empresa para prestar um serviço noutro Estado-Membro, na medida em que estas condições entrem especialmente em linha de conta na preparação das propostas pelos proponentes. Os casos em que o adjudicatário mantém uma parte ou a totalidade dos assalariados do titular anterior do contrato constituem também uma questão frequentemente encontrada em torno dos contratos públicos.

[77] O desejo de uma melhor garantia da protecção social dos trabalhadores e das suas condições de trabalho tem muitas vezes na sua origem este tipo de questões. Por outro lado, o objectivo de garantir a protecção social dos trabalhadores foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça como uma exigência imperativa de interesse geral que pode justificar medidas nacionais que limitem o exercício de uma das liberdades fundamentais do direito comunitário (acórdãos de 17 de Dezembro de 1981, do processo C-279/80, «Webb», Col. 3305; de 3 de Fevereiro de 1982, «Seco» e «Desquenne & Giral», 62/81 e 63/81, Col. 223; de 27 de Março de 1990, «Rush Portuguesa», C-113/89, Col. I-345; de 28 de Março de 1996, «Guiot», C-272/94, Col. I-1905; de 23 de Novembro de 1999, «Arblade», nos processos apensos C-369/96 e C-376/96).

Além disso, a apreciação do alcance das obrigações pertinentes em matéria social pode ter um papel importante no âmbito do tratamento e da verificação das propostas aparentemente demasiado baixas.

Na presente comunicação, a Comissão faz questão de lembrar o alcance destas disposições e obrigações comunitárias especialmente pertinentes para clarificar as respostas a dar àquelas questões.

3.2. Determinação das condições de trabalho aplicáveis

Em matéria de normas e de regras - nacionais, internacionais e comunitárias - de aplicação obrigatória em matéria social, convém distinguir as situações que se revistam de carácter transfronteiriço das outras situações (que podem, em princípio, ser consideradas puramente nacionais).

Nas situações «nacionais», as entidades adjudicantes, proponentes e adjudicatários devem respeitar, como norma mínima, todas as obrigações relativas à protecção e às condições de trabalho, incluindo as que relevem de direitos colectivos e individuais decorrentes da legislação aplicável em matéria de trabalho, da jurisprudência e/ou das convenções colectivas, contanto que estas sejam compatíveis com a legislação comunitária e com as regras e os princípios gerais de direito comunitário, nomeadamente o princípio da igualdade de tratamento e da não-discriminação.

Nas situações transfronteiriças, são designadamente condições justificadas por razões imperiosas de interesse geral em vigor no país de acolhimento (o catálogo destas regras foi "comunitarizado" pela Directiva 96/71/CE - ver abaixo, ponto 3.2.1.2.) que devem ser respeitadas pelos prestadores de serviços, sem que isto atente contra o princípio da igualdade de tratamento.

Nas duas situações, porém, podem também ser aplicadas (e devem portanto, eventualmente, ser igualmente respeitadas) disposições mais favoráveis aos trabalhadores, desde que sejam compatíveis com o direito comunitário.

3.2.1 Limites impostos pelo direito comunitário à aplicação das disposições nacionais

3.2.1.1. O Tratado

Visto que a aplicação das disposições pertinentes apenas se pode fazer se estas forem compatíveis com o direito comunitário, levanta-se a questão dos limites e restrições impostos pelo direito comunitário.

Resulta de jurisprudência constante, resumida pelo Tribunal de Justiça no acórdão «Arblade» [78], que o artigo 49.º (ex-59.º) do Tratado CE exige não só a eliminação de qualquer discriminação relativa ao prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro com base na sua nacionalidade mas também a supressão de qualquer restrição, mesmo que esta se aplique indistintamente aos prestadores de serviços nacionais e aos dos outros Estados-membros, quando for de molde a proibir, entravar ou tornar menos atraentes as actividades do prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro, no qual presta legalmente serviços análogos [79]. Além disso, mesmo na falta de harmonização na matéria, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, só poderá ser limitada por regulamentações justificadas por razões imperiosas de interesse geral que se apliquem a qualquer pessoa ou empresa que exerçam uma actividade no território do Estado-Membro de acolhimento, na medida em que este interesse não se encontre salvaguardado pelas regras a que o prestador de serviços está sujeito no Estado-Membro em que se encontra estabelecido [80]. Por outro lado, a aplicação das regulamentações nacionais de um Estado-Membro aos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-membros deve ser de molde a garantir a realização do objectivo que prosseguem e não ultrapassar o necessário para o fazer [81].

[78] Acórdão «Arblade» atrás referido, designadamente n.os 33-39.

[79] Ver acórdãos de 25 de Julho de 1991, «Säger», C-76/90, Col. I-4221, n.º 12; de 9 de Agosto de 1994, «Vander Elst», C-43/93, Col. I-3803, n.º 14; de 12 de Dezembro de 1996, «Reisebüro Broede», C-3/95, Col. I-6511, n.º 25; e de 9 de Julho de 1997, «Parodi», C-222/95, Col. I-3899, n.º 18, assim como o n° 10 do acórdão Guiot, atrás referido.

[80] Ver, nomeadamente, os acórdãos «Webb» atrás referido, 279/80, Col. 3305, n.º 17; de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C-180/89, Col. I-709, n.º 17; «Comissão/Grécia», C-198/89, Col. I-727, n.º 18; «Säger», atrás referido, n.º 15; «Vander Elst», atrás referido, n.º 16; e «Guiot», atrás referido, n.º 11.

[81] Ver, nomeadamente, os acórdãos «Säger», já referido, n.º 15; de 31 de Março de 1993, «Kraus», C-19/92, Col. I-1663, n.º 32; de 30 de Novembro de 1995, «Gebhard», C-55/94, Col. I-4165, n.º 37; e «Guiot», já referido, n.os 11 e 13.

Entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal de Justiça figura, nomeadamente, a protecção dos trabalhadores [82], incluindo os do sector da construção [83]. Ao invés, as considerações de ordem puramente administrativa não poderão justificar a derrogação, por um Estado-Membro, das regras do direito comunitário, sobretudo quando a derrogação em causa conduza à exclusão ou à restrição do exercício de uma das liberdades fundamentais do direito comunitário [84]. Saliente-se que as razões imperiosas de interesse geral que justificam as disposições materiais de uma regulamentação podem também justificar as medidas de controlo necessárias para garantir o respeito da mesma [85].

[82] Ver acórdãos «Webb», atrás referido, n.º 19; «Rush Portuguesa», n° 18, assim como «Seco» e «Dusquenne & Giral», n.º 14.

[83] Acórdão «Guiot», já referido, n.º 16.

[84] Ver, nomeadamente, acórdão de 26 de Janeiro de 1999, «Terhoeve», C-18/95, Col. I-345, n.º 45.

[85] Ver, neste sentido, acórdão «Rush Portuguesa», já referido, n.º 18, bem como acórdão «Arblade», já referido, n.os 61 a 63 e 74. No entanto, ainda que o Tribunal tenha confirmado, neste último acórdão, a importância da protecção social dos trabalhadores e a correcta fundamentação de certas medidas de controlo necessárias para garantir o seu respeito, acrescentou que estas medidas de controlo não poderiam aceitar-se «sem, nomeadamente, um sistema organizado de cooperação ou de troca de informações entre Estados-membros, nos termos do artigo 4.º da Directiva 96/71» (ver ponto II.3.2.). O sistema organizado de cooperação ou de troca de informações entre Estados-membros aí previsto tornará supérfluas certas medidas de controlo após a data de expiração para a transposição desta directiva (16 de Dezembro de 1999). Ver também, neste sentido, a resposta à pergunta escrita E-00/0333 de B. Weiler.

O facto de se excluir da participação num concurso público uma empresa estabelecida noutro Estado-Membro que não seja signatária da convenção colectiva nacional em vigor no sector em causa no país da entidade adjudicante será, assim, não só contrário às directivas «contratos públicos» mas poderá também atentar contra a livre prestação de serviços e, eventualmente, contra o direito de estabelecimento [86].

[86] Ver, neste sentido, as conclusões do Advogado-Geral no processo C-493/99, Comissão contra Alemanha, a 5.4.2001.

3.2.1.2 Disposições de direito derivado especialmente pertinentes para os contratos públicos

Directiva 96/71/CE («destacamento de trabalhadores»)

Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça [87], o direito comunitário não se opõe a que os Estados-membros estendam a sua legislação, ou as convenções colectivas de trabalho celebradas pelos parceiros sociais, nomeadamente as relativas aos salários mínimos, a qualquer pessoa que efectue um trabalho assalariado, mesmo de carácter temporário, no seu território, independentemente do país de estabelecimento do empregador.

[87] Nomeadamente no acórdão de 27.3.1990, «Rush Portuguesa» já referido, n.º 18.

Partindo desta jurisprudência do TJ e das disposições pertinentes da Convenção de Roma de 1980 [88], a Directiva 96/71/CE, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, pretende coordenar as legislações dos Estados-membros de modo a «comunitarizar» as regras imperativas de interesse geral e transformar as «possibilidades» dos Estados-membros em obrigações comunitárias nas situações transnacionais. Este acto comunitário procura garantir tanto as liberdades fundamentais do Tratado como a protecção dos trabalhadores, e destina-se a dar maior segurança jurídica às empresas, enquanto prestadoras de serviços, e aos trabalhadores destacados no âmbito da livre prestação de serviços. Em direito comunitário do trabalho, trata-se de um texto que confere uma protecção importante aos trabalhadores. Para este fim, a directiva prevê uma lista comum de regras de protecção mínima que os empregadores que destaquem trabalhadores nas situações atrás descritas devem observar no país de acolhimento. Permite também, no âmbito dos contratos públicos, garantir que sejam aplicadas regras iguais a todos os proponentes, bem como a clareza jurídica relativamente aos elementos a tomar em consideração para a preparação das propostas.

[88] Sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, JO L 266 de 1980.

Este «núcleo duro» de regras imperativas de protecção mínima assenta quer em disposições legislativas quer em convenções colectivas declaradas de aplicação geral, na acepção da directiva, e refere-se aos seguintes aspectos:

* períodos máximos de trabalho e períodos mínimos de descanso;

* duração mínima das férias anuais pagas;

* taxas de salário mínimo;

* condições de colocação dos trabalhadores à disposição (nomeadamente por empresas de trabalho temporário);

* segurança, saúde e higiene no trabalho;

* medidas protectoras aplicáveis às condições de trabalho e de emprego das mulheres grávidas e puérperas, das crianças e dos jovens;

* igualdade de tratamento entre homens e mulheres, bem como outras disposições em matéria de não-discriminação.

Convém notar que a directiva prevê que as regras fixadas pelas convenções colectivas declaradas de aplicação geral [89] são obrigatoriamente aplicáveis no sector da construção. No entanto, os Estados-membros podem estender a aplicação destas regras a outros sectores. As regras que assentem em disposições legislativas aplicam-se a todos os sectores.

[89] A directiva «destacamento de trabalhadores» especifica, no artigo 3.º, o que se deve entender por convenções colectivas ou decisões arbitrais «de aplicação geral» (n.º 1) ou «declaradas de aplicação geral» (n.º 8). Em qualquer caso, a aplicação dessas convenções colectivas deverá respeitar o princípio da igualdade de tratamento, tal como definido na alínea g) do n.º 1 do mesmo artigo. Há igualdade de tratamento, na acepção deste artigo, «quando as empresas nacionais que estejam em situação idêntica se encontrem sujeitas, no local de actividade ou no sector em causa, às mesmas obrigações que as empresas abrangidas pelos destacamentos, respeitantes às matérias enumeradas no n.º 1» e que «essas mesmas obrigações nelas produzam os mesmos efeitos».

A directiva «destacamento de trabalhadores» introduz, pois, determinadas «cláusulas sociais» nas relações entre um prestador de serviços que opera num Estado-Membro e um destinatário da prestação, que pode ser uma entidade pública, situado noutro Estado-Membro (Estado-Membro de acolhimento). O prestador de serviços que destacar os seus trabalhadores para o Estado-Membro de acolhimento tem de respeitar um conjunto de prescrições mínimas do direito do trabalho em vigor nesse Estado.

Directiva 2001/23/CE (Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de «transferência de empresa»)

A retoma, por parte de uma empresa, de certas actividades exercidas até então por outra empresa, após um processo de adjudicação de um contrato público, poderá ser abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva em matéria de «transferência de empresa». Com efeito, esta transferência poderá ter lugar no âmbito de uma adjudicação de contratos de serviço público [90], de um processo de privatização de um sector no momento da transferência de uma entidade sob a forma de regime de concessão administrativa [91] ou após um processo de adjudicação de um contrato público, por exemplo de serviços [92].

[90] Ver, por exemplo, a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à acção dos Estados-membros em matéria de obrigações de serviço público e adjudicação de contratos de serviço público no sector do transporte de passageiros por via férrea, estrada e via navegável interior, de 26.7.2000, COM (2000) 7 final, nomeadamente o n.º 3 do artigo 9.º

[91] Processo C-343/98, «Collino», acórdão de 14.9.2000, relativo à transferência a título oneroso sob a forma de concessão administrativa de uma entidade que assegura a exploração de serviços de telecomunicações de uso público (gerida por um organismo público integrado na administração do Estado) para uma sociedade de direito privado constituída por outro organismo público que detém a totalidade do capital.

[92] Processo C-172/99, «Oy Liikenne», acórdão de 25.1.2001, relativo à exploração de autocarros.

A directiva comunitária aplicável na matéria [93] pretende assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes de qualquer pessoa que esteja protegida enquanto trabalhador à luz da legislação nacional em matéria de direito do trabalho [94], independentemente da natureza das funções que essas pessoas exerçam [95].

[93] Directiva 2001/23/CE, já referida.

[94] Ver acórdãos de 11.7.1985, 105/84, «Danmols Inventar»; de 19.5.1992, C-29/91, «Sophie Redmond Stichting»; e de 10.12.1998, processos apensos C-173/96 e C-247/96, «Sánchez Hidalgo e o.».

[95] Processo «Collino» atrás referido.

O critério essencial e decisivo para determinar se a directiva «transferência de empresa» se aplica nos casos concretos, nomeadamente se houver uma transferência na acepção desta directiva, é saber se a entidade económica transferida mantém a sua identidade [96] para lá da respectiva transferência, o que resulta, designadamente, da efectiva continuação da exploração ou da sua retoma [97]. A noção de identidade remete, assim, para um conjunto de pessoas e de elementos, organizado de maneira estável, que permite o exercício de uma actividade económica que persegue um objectivo próprio [98]. Para determinar se foram observadas as condições de transferência de uma entidade económica, é necessário atender ao conjunto das circunstâncias factuais que caracterizam a operação em causa. Porém, estes elementos constituem apenas aspectos parciais da avaliação do conjunto que se impõe e não poderão, por isso, ser apreciadas isoladamente pelo juiz nacional, a quem compete proceder a esta avaliação [99].

[96] Acórdãos de 14.4.1994, processo C-392/92, «Schmidt»; de 19.9.1995, processo C-48/94, «Rygaard»; de 26.9.2000, C-175/99, «Mayeur».

[97] Acórdãos de 18.3.1986, 24/85, «Spijkers»; de 11.3.1997, C-13/95, «Süzen»; e de 10.12.1998, processos apensos C-127/96, C-229/96 e C-74/97, «Hernández Vidal», bem como o acórdão de 2.12.1999 dos processos C-234/98 «Allen e o.» e «Oy Liikenne» atrás referidos.

[98] Por exemplo, processos «Süzen», «Hidalgo e o.», «Allen e o.» e «Oy Liikenne» atrás referidos.

[99] Processos «Spijkers», «Süzen», «Sánchez Hidalgo e o.» e «Hernández Vidal» atrás referidos.

A ausência de vínculo convencional entre o cedente (isto é, o antigo titular do contrato) e o cessionário (o novo titular), ainda que possa constituir um indício de que não ocorreu qualquer transferência na acepção da directiva, não poderá, a este respeito, revestir-se de importância determinante [100]. A directiva é aplicável em todas as hipóteses de alteração, no âmbito das relações contratuais, da pessoa singular ou colectiva responsável pela exploração da empresa e que, por isso, assume obrigações de empregador relativamente aos empregados da empresa [101].

[100] Acórdão de 10 de Fevereiro de 1988 do processo C-324/86, «Tellerup», chamado «Daddy's Dance Hall», e processos «Süzen», «Hidalgo e.o.» e «Oy Liikenne» atrás referidos.

[101] Acórdão «Tellerup», «Süzen», «Hidalgo e.o.», «Mayeur» e «Oy Liikenne» atrás referidos. Por outro lado, a directiva aplica-se também no caso de decisão de transferência tomada unilateralmente pela colectividade pública (município) [acórdão de 19.5.1992, processo C-29/91, «Sophie Redmond Stichting»]. Além disso, a circunstância de o serviço transferido ter sido concedido por um organismo de direito público, como um município, não excluiria a aplicação da directiva, dado que a actividade considerada não releva do exercício do poder público [processos «Collino» (n.º 32) e «Hidalgo e.o.» (n.º 24) atrás referidos]. Mas uma reorganização de estruturas da administração pública ou a transferência de competências administrativas dentro da administração pública não constitui uma transferência de empresas [acórdão de 15.10.1996, processo C-298/94, «Henke»; cf. processo «Mayeur» atrás referido].

Como se confirma no recente acórdão do processo «Oy Liikenne» já referido [102], o facto de a transferência se fazer após um processo de adjudicação não coloca problemas específicos quanto à aplicação da directiva «transferência de empresa». Além de mais, as duas directivas não são inconciliáveis em virtude dos respectivos objectivos [103]. Por outro lado, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de contratos públicos a obrigação de as entidades adjudicantes informarem os proponentes de todas as condições de que dependerá a execução de um contrato, de forma a que os mesmos possam contar com elas na preparação das propostas. Assim, um operador deverá poder avaliar se, em caso de aprovação da sua proposta, terá interesse em adquirir activos significativos ao actual adjudicatário e manter todo ou parte do seu pessoal, ou se será obrigado a fazê-lo, e se, eventualmente, se encontrará numa situação de transferência de empresa na acepção da Directiva 2001/23/CE [104].

[102] Nomeadamente os n.os 21-22.

[103] Ver também Conclusões do Advogado-Geral Léger no processo C-172/99, n.os 28 a 37; cf. n.º 22 do acórdão.