52001DC0125

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu - Realização do mercado interno da energia /* COM/2001/0125 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU - Realização do mercado interno da energia

1. Introdução

A abertura do sector da energia à concorrência foi concretizada muito mais tarde do que a dos outros sectores da economia, no contexto do objectivo estabelecido em 1985 de criar, até 1992, um mercado único na Europa sem fronteiras internas. As directivas da electricidade e do gás [1], adoptadas em 1996 e 1998 e cuja transposição deveria estar concluída em Fevereiro de 1999 e Agosto de 2000 respectivamente, preencheram em parte esta lacuna e representam um passo importante no sentido da criação de um mercado interno nesses sectores. O objectivo das directivas é abrir os mercados da electricidade e do gás através da introdução gradual da concorrência, aumentando, assim, a eficiência do sector da energia e a competitividade de toda a economia europeia.

[1] Directivas 96/92/CE, JO L 27 de 30.1.1997 e 98/30/CE, JO L 204 de 21.7.1998.

A abertura completa dos mercados da energia é um factor-chave para a melhoria da competitividade europeia e do bem-estar dos cidadãos. A electricidade é a principal fonte secundária de energia na União Europeia e o sector da electricidade é um dos mais importantes da economia europeia, com uma produção anual de cerca de 2500 terawatts-hora [2] e um volume de negócios de cerca de 150 mil milhões de euros. A importância do gás natural no abastecimento de energia primária na UE está a aumentar, entre outras razões por se tratar de um combustível particularmente indicado para a produção de energia. Calcula-se que o valor total das vendas de gás na UE ascenda a cerca de 100 mil milhões de euros por ano (incluindo impostos).

[2] Ou 2 500 milhares de milhão de Kilowatts/hora.

Os custos de energia representam uma parte importante dos custos de produção europeus. Num mercado mundial e competitivo, é essencial assegurar eficiência no abastecimento de energia a preços concorrenciais. Os preços elevados do petróleo registados nos últimos meses, conjugados com a ligação do preço do gás ao do petróleo, tradicional na Europa, tornaram claros os potenciais benefícios da concorrência entre empresas de gás, um elemento essencial para a criação do mercado interno da energia.

A presente Comunicação conclui que, até à data, os efeitos da abertura do mercado se têm revelado positivos no que se refere ao desenvolvimento do mercado em si e ao impacto da abertura do mercado em importantes áreas conexas, como os objectivos de serviço público, o ambiente e a segurança do abastecimento. Não obstante, para concretizar o mercado interno da energia e dele beneficiar plenamente, são agora necessárias novas medidas. Tais medidas, essenciais para impulsionar esse processo, já foram identificadas e dizem respeito ao grau de abertura do mercado ("propostas quantitativas") e às obrigações mínimas relativas ao acesso à rede, à protecção do consumidor, à regulamentação e à dissociação da função de transporte e de distribuição em empresas de gás e electricidade verticalmente integradas ("propostas qualitativas").

Com base nestas conclusões, a Comissão apresentou uma proposta formal tendo em vista a alteração das directivas da electricidade e do gás. É igualmente proposto um regulamento que prevê os princípios e procedimentos respeitantes às condições de acesso à rede para as trocas comerciais transfronteiras de electricidade.

A Comunicação responde, assim, à solicitação do Conselho Europeu de Lisboa de 23-24 de Março de 2000 de desenvolver trabalhos rápidos no sentido de completar o mercado interno da electricidade e do gás. A Comunicação responde igualmente ao pedido endereçado pelo Parlamento Europeu à Comissão para que adoptasse um calendário detalhado para a realização de objectivos bem definidos com vista à liberalização gradual mas completa dos mercados da energia [3]. Com base numa Comunicação anterior da Comissão [4], que apresentou uma análise sucinta da situação actual no que respeita à abertura do mercado da electricidade e examinou as acções a levar a cabo para assegurar o bom funcionamento do mercado interno da electricidade, o Conselho Energia de 30 de Maio de 2000 fez eco do pedido do Conselho Europeu de Lisboa. [5]

[3] Resolução "Liberalização dos mercados da energia" A5-0180/2000, de 6 de Julho de 2000.

[4] COM (2000) 297 "Progressos recentes na realização do mercado interno da electricidade".

[5] A presente comunicação dá continuidade à Comunicação de 16 de Maio de 2000, na qual a Comissão apresentou as suas primeiras ideias sobre o modo como poderia ser concretizada a liberalização do sector da electricidade.

Na preparação da presente Comunicação e antes de retirar conclusões, a Comissão considerou importante ouvir o parecer de todas as partes interessadas, designadamente os parceiros sociais, os produtores, os produtores de gás, os operadores de redes de transporte (a seguir denominados ORT), os distribuidores, os consumidores e outras partes. Por isso, foi organizada uma audição pública em Setembro de 2000, em que participaram cerca de 120 associações e empresas.

2. Os mercados internos da electricidade e do gás - progressos realizados até ao momento

2.1 Enquadramento jurídico

As directivas da electricidade e do gás (96/92/CE e 98/30/CE) entraram em vigor em 19 de Fevereiro de 1997 e 10 de Agosto de 1998, respectivamente, prevendo-se a sua transposição para o direito nacional no prazo de dois anos.

Apesar de as duas directivas reflectirem as diferentes características técnicas e comerciais específicas de cada um dos dois sectores, elas baseiam-se, em grande parte, nas mesmas medidas essenciais destinadas a abrir os mercados à concorrência. Os direitos de exclusividade de importação e exportação de gás e electricidade, bem como de construção e exploração de instalações de gás e electricidade, foram abolidos com a aplicação das directivas. Relativamente à electricidade, a construção de novas capacidades de produção também foi plenamente aberta à concorrência.

No que se refere ao grau de abertura do mercado, as directivas fixam objectivos mínimos: no caso da electricidade, 30% do consumo doméstico em 2000 e 35% em 2003; no caso do gás, 20% em 2000 e 28% até 2003. Esta abertura oferece aos principais consumidores a possibilidade de escolherem livremente os seus fornecedores. Relativamente ao gás, os produtores de electricidade a partir do gás beneficiam da mesma possibilidade, independentemente do respectivo nível de consumo anual.

Apesar de a abertura de uma parte importante do mercado (abertura quantitativa) ser vital para o desenvolvimento da concorrência, ela não garante, por si só, o funcionamento do mercado na prática. Neste contexto, o acesso à rede é uma questão fundamental, em especial tendo em conta que a rede permanecerá, provavelmente, um monopólio natural. De facto, não se revelará económico, na maioria dos casos, duplicar as redes existentes que, por conseguinte, constituem uma infra-estrutura essencial. É, pois, essencial que os intervenientes no mercado tenham um acesso equitativo às redes de transporte e distribuição, incluindo todos os serviços auxiliares conexos necessários ("acesso de terceiros"). A prossecução deste objectivo é mais provável se o funcionamento das redes de transporte e distribuição (as quais, na prática, pertencem, muitas vezes, a empresas verticalmente integradas) se encontrar funcionalmente separado de outros interesses comerciais, nomeadamente a geração/produção e o abastecimento.

As directivas proporcionam aos Estados-Membros a escolha entre um sistema de acesso de terceiros baseado em tarifas publicadas, aplicáveis a todos os consumidores ("acesso de terceiros regulamentado") e um sistema baseado em negociações entre as partes, com a publicação das principais condições comerciais ("acesso de terceiros negociado"). Relativamente à dissociação ("unbundling"), as empresas integradas são obrigadas a dissociar as suas diferentes actividades comerciais, separando as suas contabilidades e preservando a confidencialidade das informações comercialmente sensíveis através de "biombos". Além disso, a directiva da electricidade prevê que seja designado um operador de rede de transporte ("ORT") independente (pelo menos no plano da gestão), a fim de evitar a discriminação entre as empresas já constituídas e as novas empresas a nível da utilização da rede. A fim de garantir essa não-discriminação, os Estados-Membros são também obrigados a designar uma autoridade responsável pela "resolução de litígios" competente e independente.

2.2 Aplicação prática [6]

[6] Para informações mais detalhadas, consultar o sítio Web da Comissão , para a electricidade: http://europa.eu.int/comm/energy/en/elec_single_market/index_en.html para o gás: http://europa.eu.int/comm/energy/en/gas_single_market/index_en.html.

Já todos os Estados-Membros transpuseram para o direito nacional as disposições da directiva no que se refere às regras comuns para o mercado interno da electricidade. A Bélgica tem ainda de adoptar os actos legislativos secundários (decretos-lei) necessários à aplicação das leis.

No tocante ao gás, em 10 de Agosto de 2000, a maioria dos Estados-Membros já tinha transposto a directiva para o direito nacional. No que respeita a estes países, a Comissão está actualmente a analisar a respectiva legislação de aplicação, a fim de garantir o cumprimento de todos os requisitos pormenorizados das directivas. No entanto, três Estados-Membros (França, Luxemburgo e Alemanha) ainda não completaram este processo, tendo-se dado início a processos de infracção.

Não obstante, a experiência inicial em termos da aplicação das directivas tem sido animadora. No que se refere à abertura do mercado, por exemplo, a grande maioria dos Estados-Membros está a ir mais longe do que o juridicamente exigido e muitos já decidiram avançar progressivamente no sentido da abertura total do mercado.

Abertura do mercado comunitário do gás e da electricidade - 2000

>POSIÇÃO NUMA TABELA>

Além disso, a grande maioria dos Estados-Membros decidiu fazer acompanhar a abertura do mercado de medidas estruturais, muito provavelmente para promover uma verdadeira concorrência. Na realidade, a maioria dos Estados-Membros optou pelo acesso de terceiros regulamentado, o processo de autorização para a construção de novas capacidades de produção, a dissociação legal completa entre operadores de redes de transporte e a criação de autoridades reguladoras independentes.

Todavia, a tendência para o acesso de terceiros regulamentado e a dissociação rigorosa é menos pronunciada no sector do gás do que no da electricidade; só seis Estados-Membros estão a efectuar ou a considerar seriamente uma separação jurídica ou em termos de propriedade entre as actividades de transporte e de abastecimento comercial das empresas integradas.

Cabe por conseguinte afirmar, nesta fase, que a situação, no plano da aplicação, é animadora. Contudo, a experiência prática já mostrou que são necessários novos progressos e esforços para garantir o bom funcionamento dos dois mercados.

Como indicado acima, o grau de abertura do mercado difere consideravelmente entre os Estados-Membros e, na ausência de uma nova acção, é provável que esta tendência se mantenha. Apesar de estar actualmente prevista, na grande maioria dos Estados-Membros, a liberalização total do fornecimento de electricidade até 2007 e do gás até 2008, o quadro está longe de ser uniforme. Esta situação suscitou grandes preocupações em quase todos os Estados-Membros e a nível dos intervenientes no mercado. Estes encaram com apreensão a possibilidade de não serem criadas condições homogéneas no mercado interno, caso esta situação se mantenha por período prolongado. As disposições respeitantes à reciprocidade das directivas da electricidade e do gás foram concebidas, numa base temporária, tendo em vista a resolução dos desequilíbrios quantitativos na abertura do mercado. No entanto, a experiência no mercado da electricidade tem mostrado que essa cláusula pode não conseguir resolver todos os aspectos da criação de condições de base efectivamente equitativas entre os Estados-Membros e os operadores [7].

[7] Por exemplo, a complexidade crescente dos acordos comerciais tornam impossível a identificação da origem do gás ou da electricidade.

De facto, na audição pública, a importância desta questão foi salientada por uma esmagadora maioria dos intervenientes. As diferenças significativas de condições de concorrência entre os Estados-Membros, por exemplo em termos de possibilidade, para as PME, de comprarem electricidade mais barata, foram consideradas um importante factor de distorção da concorrência. Na realidade, mais de 80% dos inquiridos na audiência defenderam a abertura total do mercado a curto ou médio prazo.

A abertura do mercado é importante, mas, para ser eficaz na prática, deve ser garantido o acesso equitativo e não-discriminatório à rede. Apesar de terem sido alcançados grandes progressos neste domínio, em especial no sector da electricidade, ainda são necessários novos avanços. As numerosas reclamações recebidas pela Comissão, pelas administrações nacionais, autoridades reguladoras e autoridades em matéria de concorrência indicam que o objectivo final do acesso não-discriminatório à rede ainda não foi plenamente realizado na prática. Foi ainda referido à Comissão por algumas empresas que sempre que não existe uma dissociação clara e eficaz, associada a tarifas normalizadas e publicadas para o acesso de terceiros, cria-se um obstáculo importante à entrada no mercado, dada a incerteza sobre o acesso efectivo e não-discriminatório à rede. Isto representa, por si só, uma séria limitação ao desenvolvimento de um mercado interno da electricidade eficiente. Os sistemas e normas de acesso de terceiros, bem como o grau de dissociação, desempenham um papel fundamental neste domínio. Estes elementos fundamentais na criação de uma concorrência equitativa foram igualmente salientados no recente Livro Verde sobre segurança de aprovisionamento [8].

[8] COM(2000) 769, p. 71.

Pode, por conseguinte, concluir-se que é necessária uma dissociação eficaz e condições de acesso às redes europeias de gás e electricidade adequadas, equitativas e não-discriminatórias, para que se desenvolva uma verdadeira concorrência, susceptível de produzir resultados tangíveis para os fornecedores e os consumidores. Caso não sejam cumpridas ambas as condições mencionadas, a probabilidade de distorções da concorrência subsistirá sempre. No que respeita à estrutura do sector do gás, revela-se igualmente fundamental o desenvolvimento de uma concorrência real na extremidade a montante da cadeia de abastecimento de gás. A directiva do gás e a política da concorrência podem desempenhar um papel importante na consecução deste objectivo.

Estas questões qualitativas foram igualmente salientadas pelos participantes na audiência como sendo fundamentais para assegurar o desenvolvimento de uma concorrência verdadeira, eficiente e equitativa. De facto, mais de 70 % dos inquiridos na audição pública defenderam o reforço das disposições de dissociação existentes. Na verdade, para além dos representantes da indústria do gás, apenas duas das organizações e empresas presentes consideraram adequadas as actuais disposições da directiva destinadas a garantir uma concorrência equitativa. Relativamente ao acesso de terceiros, ninguém defendeu o sistema de acesso de terceiros negociado caso a caso, actualmente permitido pela directiva.

Inúmeros participantes salientaram igualmente neste contexto a importância de uma entidade reguladora nacional independente e, de facto, alguns insistiram na necessidade de se dispor de uma entidade reguladora a nível europeu. Esta é importante na consecução de um mercado verdadeiramente competitivo, nomeadamente para garantir um acesso não-discriminatório à rede. As entidades reguladoras têm competências para estabelecer e aprovar tarifas de acesso à rede e intervir ex-ante no mercado, por oposição às autoridades responsáveis pela concorrência, que apenas podem resolver os problemas de concorrência ex-post e ao abrigo de procedimentos que não se encontram adaptados para tratar da fixação de tarifas.

Finalmente, é importante desenvolver uma abordagem comum sobre esta questão, com base em normas elevadas, a fim de garantir condições equitativas, designadamente face ao desenvolvimento de normas semelhantes nos países candidatos à adesão.

Assim, em conclusão, embora o processo de abertura do mercado existente esteja a ter um impacto positivo na concorrência europeia em geral, parecem existir, já nesta fase inicial, diversos pontos fracos no actual quadro jurídico, que terão de ser corrigidos, para se conseguir realizar um mercado interno do gás e da electricidade plenamente operacional.

2.3 Evolução dos preços [9]

[9] A principal fonte neste capítulo é o Eurostat, que publica, de dois em dois anos, estatísticas sobre os preços da electricidade e do gás.

Os preços da electricidade para os consumidores industriais baixaram em quase todos os Estados-Membros desde a aplicação da directiva da electricidade. De um modo geral, as reduções de preços mais significativas registaram-se nos Estados-Membros que abriram o mercado a um nível superior ao mínimo legalmente exigido e que expuseram o mercado a uma concorrência efectiva a nível doméstico ou da importação. Isto é demonstrado no gráfico infra, que descreve a evolução dos preços para os grandes consumidores industriais desde 1995.

>REFERÊNCIA A UM GRÁFICO>

Fonte: Eurostat

Nota: Os preços excluem os impostos sobre a energia e o IVA e foram deflacionados. A "indústria" define-se como apresentando um consumo anual de electricidade de 2 GWh.

No Reino Unido, que foi o primeiro país a liberalizar, registaram-se grandes reduções de preços desde o início da abertura do mercado em 1990; os preços para os utilizadores industriais britânicos, por exemplo, foram reduzidos em média 35% em termos reais, desde essa data, sendo a média comunitária de 25%. Na Finlândia e na Suécia, onde a abertura do mercado se iniciou mais tarde, também se registaram reduções de preços significativas: 20% na Finlândia e 15% na Suécia desde 1996. Estes dados são notáveis, tendo em conta que o preço da electricidade nesses dois países se encontrava já entre os mais baixos da Europa antes da abertura do mercado. Finalmente, na Alemanha, onde a abertura do mercado começou apenas recentemente, os preços desceram rapidamente, numa média de 25% entre Março de 1998 e Agosto de 2000.

As reduções do preço da electricidade não se limitam à indústria, embora os efeitos tenham sido menos acentuados no sector doméstico. As maiores reduções de preços verificam-se nos Estados-Membros em que os consumidores são livres de mudar de fornecedor e, sobretudo, em que é, de facto, fácil fazê-lo. A experiência da Finlândia e da Suécia mostra, por exemplo, que o consumo doméstico conseguiu beneficiar da abertura do mercado quando foi abolida a exigência de investir em equipamento de medição dispendioso e foi introduzido o conceito de perfil de carga normalizado [10]. Desde 1998, a média de preços no consumo doméstico desceu 13% na Finlândia e 16% na Suécia [11].

[10] Para estabelecer um perfil normalizado de carga, é feita uma estimativa do consumo-tipo de electricidade de um pequeno consumidor, em termos do volume e da periodicidade da procura. As eventuais discrepâncias do consumo real face à estimativa do consumo-tipo são objecto de ajustamentos aquando da leitura periódica do contador existente, dispensando assim leituras constantes e dispendiosas do consumo real do cliente.

[11] De acordo com a Associação Sueca de Distribuidores de Electricidade, 10% de todos os agregados familiares mudaram de fornecedor entre 1 de Novembro de 1999 e 31 de Agosto de 2000. Contudo, os preços da electricidade também desceram para os outros agregados familiares. A Associação calcula que 2/3 dos fornecedores de electricidade baixaram os seus preços.

Assim, a evolução dos preços da electricidade tem sido positiva desde que se iniciou o processo de abertura do mercado na União Europeia. No entanto, não podemos concluir que os preços vão continuar a baixar à medida que a abertura do mercado progride. Um dos factores mais determinantes do preço da electricidade é o combustível utilizado na sua produção. A União Europeia tem, por exemplo, pouca influência na evolução do preço do crude e, pelo menos neste momento, do gás natural, que, na maioria dos Estados-Membros, está associado ao preço do petróleo. Porém, o que um mercado verdadeiramente competitivo garante na prática é que o preço reflicta devidamente a procura e a oferta e que se consigam ganhos de eficiência, coisa que a antiga estrutura de mercado dominada por monopólios nacionais impedia.

O quadro referente ao gás é menos claro. O efeito da abertura do mercado nos preços do gás foi significativamente distorcido pelo aumento dos preços do petróleo e pela evolução da taxa de câmbio entre o euro e o dólar americano. Em certa medida, isto reflecte as diferenças estruturais entre a produção de gás e de electricidade e as disposições contratuais relativas ao abastecimento de gás, incluindo a indexação do preço do gás ao do petróleo. Enquanto não se desenvolver uma verdadeira concorrência entre as empresas de gás, os preços não poderão reflectir devidamente a situação da oferta e da procura do mercado do gás, independentemente da situação do mercado do petróleo. Não obstante, no Reino Unido, por exemplo, a abertura à concorrência, em conjugação com outros factores como a abundância de fornecedores de combustível e o isolamento relativo do mercado britânico, conduziu inicialmente à redução dos preços do gás. Entre 1990 e 1999, a média dos preços do gás industrial no Reino Unido baixou cerca de 45% e, no consumo doméstico, cerca de 20% [12]. No entanto, após a entrada em funcionamento do gasoduto de Bacton, no Reino Unido, para Zeebrugge, na Bélgica, em Outubro de 1998, os preços do gás no Reino Unido praticamente duplicaram em 2000, o que se deve principalmente ao aumento dos preços do gás no continente, associados ao preço do petróleo, que aumentou consideravelmente nos últimos 18 meses.

[12] Fonte: Ministério do Comércio e Indústria: "UK Energy Sector Indicators - 1999".

Existem grandes disparidades de preços do gás entre os Estados-Membros. Esta situação poderá levar a distorções do mercado para os sectores utilizadores de energia. Cabe também notar que, em termos de preços, as PME estão neste momento muitas vezes em desvantagem em comparação com os grandes clientes industriais, especialmente se continuam a ser clientes cativos, sem poderem mudar de abastecedor.

O controlo dos mercados internos da electricidade e do gás é importante para assegurar o desenvolvimento de uma concorrência efectiva e também para garantir que a redução dos preços da electricidade e do gás não produza um impacto negativo no desenvolvimento de tecnologias respeitadoras do ambiente, no que respeita às fontes de energia renováveis e à eficiência energética. Isto refere-se não só aos preços finais da electricidade como aos indicadores de concorrência - por exemplo, análise do número de clientes que mudam de fornecedor na sequência da abertura do mercado, alteração das quotas de mercado e número de novas empresas de electricidade que entram no mercado. É todavia importante recordar igualmente que a simples ameaça de entrada no mercado pode ser suficiente para instigar os fornecedores em exercício a reduzirem os respectivos preços. A análise das quotas de mercado pode não ser um indicador rigoroso do impacto da liberalização, pelo que será igualmente importante efectuar uma análise comparativa dos preços de transporte e distribuição na Comunidade, a fim de garantir que as entidades reguladoras nacionais disponham da informação necessária para assegurar uma comparação adequada dos níveis de preços nacionais. A Comissão lançou recentemente um estudo sobre esta questão, que continuará a inserir-se nas suas actividades em curso.

2.4 Desenvolvimento das trocas comerciais no mercado interno

2.4.1 Situação actual e tendências do mercado interno

O objectivo das directivas da electricidade e do gás é a criação de um mercado único efectivamente integrado e não quinze mercados, mais ou menos liberalizados, mas em grande parte nacionais. É, por conseguinte, encorajador que o comércio transfronteiras esteja também a progredir. O volume total do comércio de electricidade, por exemplo, equivale a cerca de 8% da produção total de electricidade na Comunidade. Conforme mencionado no Livro Verde sobre segurança de aprovisionamento [13], este nível de comércio é muito inferior ao de outros sectores que beneficiaram muito do mercado interno, nomeadamente telecomunicações, serviços financeiros e produtos industriais.

[13] COM(2000) 769, p. 69.

O quadro que se segue mostra o nível de exportações e importações físicas de cada país em 1999 [14]:

[14] Não estão incluídas as trocas comerciais dentro da rede escandinava (NORDEL) nem entre a Irlanda e o Reino Unido.

>POSIÇÃO NUMA TABELA>

Embora o comércio transfronteiras continue a ser limitado, isto não significa que a concorrência não produziu efeitos. De facto, conforme já referido anteriormente, o preço da electricidade diminuiu em quase todos os Estados-Membros desde a aplicação da directiva da electricidade. A concorrência a nível nacional e a pressão da concorrência externa implicaram que, não obstante condicionalismos físicos, os produtores de electricidade tenham sido obrigados a baixar os preços para manter os seus clientes.

Por outro lado, um indicador importante da escala a que se está a desenvolver um verdadeiro mercado interno integrado é o número de clientes que decidiram mudar de fornecedor e o facto de os novos fornecimentos provirem ou não de um fornecedor situado noutro Estado-Membro. A Comissão deu, por conseguinte, início a um exercício de controlo neste domínio, tendo solicitado as informações necessárias, quando disponíveis, à indústria, aos Estados-Membros e às entidades reguladoras nacionais. Embora não se disponha ainda de dados respeitantes a todos os Estados-Membros, já é possível identificar uma série de indicadores.

De acordo com as informações de que a Comissão dispõe actualmente e que conseguiu recolher, o número de clientes que mudaram de fornecedor é mais elevado nos Estados-Membros onde a abertura do mercado teve início mais cedo. Na Finlândia, por exemplo, cerca de 20% mudaram de fornecedor e, na Suécia e no Reino Unido, julga-se que a maioria dos clientes industriais mudaram de fornecedor pelo menos uma vez desde a introdução da concorrência em 1996. Mas também nos Estados-Membros onde a abertura do mercado foi introduzida mais tarde, é perceptível uma tendência para a mudança de fornecedor. No que respeita à França, Alemanha, Espanha e Portugal, por exemplo, calcula-se que cerca de 5% dos clientes elegíveis mudaram de fornecedor.

No que se refere ao país de origem do novo fornecedor escolhido pelos clientes, apenas se dispõe de informações muito limitadas. Aparentemente, porém, a maioria dos clientes tende a optar por um fornecedor nacional, à excepção dos países dominados por um único fornecedor nacional. É importante acompanhar os progressos registados, podendo esperar-se mais informações a este respeito através dos indicadores que a Comissão está actualmente a desenvolver, através do EUROSTAT, a fim de acompanhar e avaliar o funcionamento do mercado interno.

Esta evolução demonstra o começo de um verdadeiro mercado comunitário concorrencial. No entanto, ela mostra também que tal mercado está longe de estar concluído.

Nos países cujo mercado da electricidade se encontra dominado por um ou dois produtores que produzem toda a electricidade consumida no país, só é possível obter um ambiente competitivo, ou seja, uma verdadeira concorrência de mercado, se for possível obter um nível elevado de importações.

Por outro lado, se o comércio transfronteiras permanecer limitado e os mercados forem essencialmente nacionais, é provável que a capacidade de produção na União não seja utilizada de forma eficiente. Por exemplo, se as restrições físicas às exportações subsistirem, é provável que sejam construídas novas instalações de produção num país, não obstante a existência de capacidade extra noutro país que corre o risco de encerramento. Finalmente, uma situação deste tipo pode exercer um impacto a nível da segurança de aprovisionamento na União se as novas instalações utilizarem uma fonte de energia importada - gás natural, por exemplo -, enquanto as centrais existentes, que ameaçam o encerramento, são alimentadas por fontes de energia, como as fontes de energia renováveis, que suscitam menos ou nenhuns problemas em termos de segurança de aprovisionamento.

Para resolver estas questões, é essencial que as possibilidades de comércio sejam exploradas ao máximo. Neste contexto, são necessárias três acções fundamentais:

*normas adequadas no que respeita à fixação de preços para o comércio transfronteiras;

*regras para a atribuição e a gestão da escassa capacidade de interconexão; e

*aumento da capacidade de interligação física existente, desde que economicamente justificável.

Todas estas questões constituem um complemento essencial das directivas da electricidade e do gás.

2.4.2 O trabalho dos Fóruns de Florença e Madrid

Para tratar destas questões e, nomeadamente, as duas primeiras considerações, a Comissão Europeia tomou a iniciativa de criar dois órgãos novos - o Fórum Europeu de Regulamentação da Electricidade, de Florença, em 1998, e o Fórum Europeu de Regulamentação do Gás, de Madrid, em 1999. As questões acima mencionadas são de natureza técnica complexa e de evolução rápida e os fóruns constituem um mecanismo adequado e flexível para a realização de progressos. Os fóruns reúnem-se semestralmente e são constituídos por representantes dos Estados-Membros, pelas entidades reguladoras nacionais, pela Comissão Europeia, por operadores das redes de transporte, fornecedores e comerciantes de electricidade e de gás, consumidores, utilizadores das redes e por responsáveis pelas trocas de electricidade e gás.

Para os dois fóruns, o primeiro passo foi a criação de um organismo representante dos operadores de redes de transporte (ORT). Assim, para a electricidade, criou-se a Associação Europeia dos Operadores de Redes de Transporte (ETSO - European Transmission System Operators), que constitui um órgão totalmente novo e separado de outras associações ou organismos da indústria da electricidade. No tocante ao gás, foi criado um grupo de operadores de redes de transporte - GTE - no Verão de 2000. Além disso, as entidades reguladoras nacionais da electricidade e do gás criaram o Conselho das Entidades Europeias Reguladoras da Energia (CEER). Esta evolução tem-se revelado importante para se chegar a um consenso sobre várias das questões em estudo.

2.4.3 Tarifas de transporte para as trocas comerciais transfronteiras de electricidade

Quando a directiva foi adoptada, cada Estado-Membro tratou da questão da tarifação do comércio transfronteiras com base no seu próprio sistema nacional, o que conduziu a diferenças consideráveis das estruturas de preços na Comunidade. Alguns países cobraram encargos apenas aos consumidores, ao passo que outros os repartiram pelos produtores e pelos consumidores. Por outro lado, certos Estados-Membros cobraram encargos sobre os trânsitos e outros não o fizerem. Isto conduziu a distorções significativas da concorrência e, em muitos casos, a acumulações de tarifas, ou seja, a aplicação de tarifas por todos os países situados entre o produtor e o consumidor, abordagem que não tem qualquer relação com os custos incorridos. A primeira tarefa do Fórum de Florença foi, por conseguinte, a aprovação de um sistema harmonizado de tarifação transfronteiras.

O fórum aprovou rapidamente os princípios básicos em que deve assentar um sistema de tarifação deste tipo: transparência, simplicidade, capacidade de reflectir os custos e não-discriminação. Por outro lado, conseguiu aprovar ulteriormente a base do mecanismo que será necessário para aplicar estes princípios:

*mecanismo deve basear-se em fluxos físicos de electricidade e não na distância entre duas partes contratantes;

*quando os países exportam quantidades líquidas significativas de electricidade, provocam fluxos físicos e trânsitos e estes fluxos de trânsito geram custos nos países que os acolhem;

*estes países de "acolhimento" deverão ser compensados pelos custos provocados à sua rede pelos intervenientes no mercado da zona do ORT por eles responsável;

*estas compensações deverão assumir a forma de pagamentos efectuados entre ORT.

Na quinta reunião do Fórum de Florença realizada em Março de 2000, foi concluído um acordo de princípio tendo em vista a introdução de um sistema de tarifação do comércio transfronteiras de electricidade baseado nos princípios supracitados e aplicável durante uma fase de ensaio provisória de um ano. Neste contexto, os ORT deveriam compensar-se mutuamente pelos trânsitos efectuados com base em cálculos financeiros propostos e verificados a nível nacional. Uma questão importante, todavia, permaneceu subordinada ao princípio da subsidiariedade: a forma como os ORT nacionais reflectem o resultado das compensações pagas e recebidas no seu sistema tarifário nacional. Relativamente a este ponto específico, ficou acordado deixar a questão à discrição dos Estados-Membros durante o prazo provisório de um ano. Os mecanismos nacionais, no entanto, permaneceriam sujeitos à coordenação e controlo globais da Comissão Europeia, a fim de garantir que as abordagens potencialmente diferentes a nível dos Estados-Membros não provocassem uma distorção irrazoável do mercado interno da electricidade.

A Comissão ainda não se encontra preparada para apoiar a entrada em vigor do sistema provisório. Com base nas informações recebidas de todas as entidades reguladoras/autoridades competentes nacionais pertinentes, não foi possível excluir a possibilidade de as abordagens potencialmente diferentes provocarem uma distorção irrazoável do mercado interno. De facto, existem grupos distintos de Estados-Membros que se dividem em duas grandes categorias: um grupo tenciona introduzir uma taxa de exportação, ao passo que o segundo tenciona optar por um sistema de repartição dos custos por todos os utilizadores da rede. Nestas circunstâncias, a introdução do sistema provisório poderia conduzir a um grau inaceitável de discriminação entre operadores e a distorções do comércio, tanto mais que o nível da taxa de exportação prevista por determinados países implicaria, em inúmeros casos, custos de transacção consideravelmente mais elevados do que no âmbito dos actuais sistemas tarifários nacionais.

Este aspecto foi igualmente salientado pelos representantes de grandes consumidores industriais, comerciantes, alguns Estados-Membros e entidades reguladoras nacionais que, em diversas ocasiões, exprimiram fortes preocupações relativamente ao conceito e ao nível da taxa de exportação prevista.

A Comissão considera que já o mecanismo provisório, embora temporário, deve basear-se em princípios que garantam o funcionamento adequado do mercado interno e não deve conter elementos que constituam um obstáculo ao comércio. A forma mais apropriada de alcançar este objectivo seria os dois Estados-Membros que prevêem a introdução de uma taxa de exportação analisarem a possibilidade de não a introduzirem ou de reduzirem significativamente o nível proposto, a fim de limitar eventuais distorções do comércio e da concorrência.

A Comissão realizou outros debates com entidades reguladoras/autoridades nacionais tendo em vista a resolução rápida desta questão, com o objectivo de permitir a introdução do sistema provisório no futuro próximo.

No entanto, no decurso dos debates, os Estados-Membros interessados, especialmente a Alemanha, declararam estarem dispostos a reduzir a tarifa de exportação prevista apenas se todos os outros Estados-Membros introduzirem, por sua vez, uma tarifa de exportação do mesmo nível, incluindo os que optaram por um sistema de repartição dos custos por todos os utilizadores da rede. Esta abordagem, porém, foi considerada inaceitável pelos ditos Estados-Membros e pela Comissão. De facto, na sua proposta de um sistema tarifário definitivo adiante delineada (2.4.5), a Comissão sugere o princípio da repartição dos custos por todos os Estados-Membros, pelo que seria incoerente encorajar os Estados-Membros que já estavam dispostos a adoptar esta abordagem no âmbito do sistema provisório a abandonarem-na e a introduzirem uma taxa de exportação.

A introdução de um sistema provisório constituiria um passo importante no sentido de adquirir experiência com o mecanismo de compensação entre ORT e conseguir uma abolição das tarifas existentes, o que conduziria igualmente a uma simplificação das estruturas tarifárias.

Porém, caso não seja possível encontrar uma solução satisfatória, continuarão a ser aplicados sistemas puramente nacionais ao transporte transfronteiras, até à entrada em vigor de um sistema definitivo sólido conforme com a proposta adiante delineada (2.4.5). Estes sistemas nacionais provisórios permanecerão, todavia, subordinados às regras de concorrência do Tratado.

No entanto, ainda que o sistema provisório consiga entrar finalmente em vigor, há que resolver uma série de questões importantes antes de introduzido um sistema definitivo de tarifação plenamente conforme com os princípios de base acima mencionados. Estes incluem uma metodologia rigorosa para calcular o custo do acolhimento dos trânsitos, uma harmonização da metodologia de financiamento dos pagamentos e a harmonização de determinados aspectos dos sistemas nacionais de tarifação necessários ao desenvolvimento de um comércio equitativo e isento de distorções [15]. Não foi possível solucionar estas questões no contexto do Fórum de Florença.

[15] Referimo-nos, nomeadamente, à medida em que as tarifas de rede devem ser repartidas entre produtores e consumidores.

2.4.4 Gestão do congestionamento

Embora a Comissão atribua uma prioridade elevada à garantia de construção de novas capacidades de interligação que se revelem necessárias e economicamente justificadas, é conveniente reconhecer que determinadas interligações permanecerão congestionadas no futuro próximo. A fim de desenvolver o mercado interno é, por conseguinte, fundamental que a capacidade que se encontra disponível seja atribuída da forma mais susceptível de realizar um mercado interno concorrencial. O Fórum de Florença envidou esforços no sentido de desenvolver orientações aprovadas conjuntamente para garantir que este objectivo seja cumprido quando os Estados-Membros atribuírem capacidades. Foi criado um grupo de trabalho com representantes das entidades reguladoras, da Comissão, dos Estados-Membros e, se for caso disso, da indústria para elaborar essas orientações, que foram aprovadas na última reunião do Fórum de Florença em Novembro de 2000. O grupo de trabalho concluiu, nomeadamente, que a capacidade deve ser atribuída mediante mecanismos baseados no mercado. A adopção destas orientações constitui um importante passo na resolução desta questão. Porém, a sua aplicação prática a nível nacional é de carácter inteiramente voluntário.

2.4.5 Necessidade de novas medidas

O Fórum de Florença revelou-se um instrumento altamente eficaz na obtenção de um certo consenso sobre questões altamente complexas, de evolução rápida e controversas. Embora deva permanecer um instrumento importante nesta matéria, em especial por garantir a representação do sector industrial e dos consumidores, a experiência recente tem demonstrado, designadamente no contexto da introdução prevista de um sistema de tarifação provisório, que o processo padece de uma série de desvantagens quando é necessário tomar decisões concretas sobre questões específicas:

*trata-se de um processo informal, baseado em reuniões bianuais que duram dois dias. Assim sendo, é inadequado tomar decisões concretas sobre questões muito pormenorizadas que exigem discussões aprofundadas;

*a realização de progressos relativamente a qualquer questão exige o pleno consenso de todas as partes;

*qualquer decisão tomada só pode ser aplicada se todas as partes a respeitarem; não existem procedimentos para garantir a aplicação;

*determinadas questões, nomeadamente o cálculo do nível correcto dos pagamentos entre ORT, exigem a tomada de decisões específicas periodicamente. O fórum não pode tratar de tais questões de forma adequada.

Neste contexto, a Comissão concluiu que, aproveitando os progressos conseguidos no fórum, é agora necessário adoptar um instrumento legislativo tendo em vista um processo de tomada de decisões claro que permita realizar avanços definitivos sobre as questões da tarifação do transporte transfronteiras e da gestão do congestionamento nas interligações. Este instrumento é vital para que os consumidores beneficiem plenamente do mercado interno. Por outro lado, um instrumento deste tipo garantirá o empenhamento total do Conselho e do Parlamento.

Os Estados-Membros, por si sós, não podem solucionar esta questão: para desenvolver um sistema de tarifação eficaz é imperiosa uma abordagem harmonizada, que não pode ser desenvolvida a nível nacional. Conforme demonstrado anteriormente, uma abordagem de cooperação informal não conduzirá à aplicação de um sistema adequado, dotado das necessárias salvaguardas processuais e democráticas. Uma proposta deste tipo está por conseguinte inteiramente em conformidade com o princípio da subsidiariedade que, de facto, a exige. Assim, para além da presente comunicação, a Comissão decidiu propor ao Conselho e ao Parlamento a adopção de um "regulamento relativo às condições de acesso à rede no comércio transfronteiras de electricidade no mercado interno da electricidade" [16].

[16] JO

2.4.6 Gás: o Fórum de Madrid

O Fórum Europeu de Regulamentação do Gás (Fórum de Madrid) reuniu-se pela primeira vez em 1999 e, até à data, realizou três reuniões.

Os trabalhos estão menos avançados neste sector do que no da electricidade, devido ao facto de a directiva do gás ter sido aplicada 18 meses mais tarde do que a directiva da electricidade. Porém, o Fórum de Madrid está actualmente a tratar activamente de uma série de questões importantes, estando a registar-se progressos substanciais. A terceira reunião do fórum, realizada em Outubro de 2000, assinalou um ponto de viragem na identificação das principais questões e na definição de uma série de princípios fundamentais e de uma ordem de trabalhos clara para o futuro.

Existe maior correlação entre os percursos físico e contratual do gás do que entre os da electricidade, nomeadamente no que respeita ao trânsito internacional do gás desde os campos de produção até aos mercados de consumo. O transporte de gás entre os Estados-Membros e através destes há muitos anos que se efectua e mais de 50% de todo o gás consumido na UE atravessa pelo menos uma fronteira. Já existem tarifas transfronteiras baseadas em fluxos físicos através de redes.

Porém, a correlação entre fluxos físicos e contratuais vai esbater-se em resultado da concorrência. É, por conseguinte, essencial garantir que os sistemas europeus de tarifação do gás tenham em conta este facto e que as tarifas de acesso de terceiros reflictam os custos. Por exemplo, as tarifas não devem estar relacionadas com a distância quando os custos reais de transporte suportados não reflectem a noção do percurso que foi objecto do contrato, ou seja, quando se trata de swaps.

Além disso, apesar de actualmente não constituir uma limitação significativa ao desenvolvimento do mercado europeu do gás, o congestionamento é mencionado, com crescente frequência, como um obstáculo potencial ao comércio e como causa de recusa de acesso. Como primeiro passo na prestação de informações oportunas e rigorosas sobre as capacidades disponíveis na rede europeia de gás, os operadores de redes de transporte de gás foram instados a elaborar e publicar um mapa circunstanciado da rede europeia de gás, identificando as capacidades de transporte disponíveis em todos os principais pontos de entrada e saída da rede.

Por último, a fim de facilitar a admissão de novos operadores no mercado, será necessário estabelecer códigos não-discriminatórios de acesso à rede que definam os direitos e obrigações dos utilizadores da rede. O Fórum de Madrid apelou à criação de acordos entre ORT, a fim de facilitar o comércio transfronteiras e servir como mecanismo de compensação para os transportes entre redes diferentes. Estas medidas suplementares são claramente necessárias para garantir que os consumidores beneficiem de todas as vantagens resultantes do mercado interno. Os trabalhos realizados no contexto do Fórum de Madrid deverão por conseguinte prosseguir e ser concluídos. Pelas razões acima evocadas, não se considera ainda conveniente propor a adopção de medidas legislativas relativas a questões como a tarifação e a gestão do congestionamento no sector do gás. No entanto, a Comissão manterá esta questão em estudo e, se necessário, proporá medidas adequadas.

2.4.7 Infra-estrutura: desenvolvimento de um plano de infra-estrutura da electricidade e revisão das orientações relativas às RTE

-Infra-estrutura do sector da electricidade

A promoção do comércio intra-comunitário de electricidade depende de uma utilização optimizada das interligações existentes entre os Estados-Membros, que será alcançada, conforme referido anteriormente, através do estabelecimento de normas equitativas e transparentes sobre tarifação transfronteiras e gestão dos congestionamentos.

Por outro lado, e de igual modo importante, a construção de novas infra-estruturas deve ser incentivada. O sistema europeu de transporte ainda não se encontra suficientemente desenvolvido na perspectiva de um verdadeiro mercado interno com reais oportunidades de comércio. Isto não é de surpreender já que, no passado, as linhas de interligação eram construídas por monopólios de empresas verticalmente integradas que não possuíam objectivos para além da melhoria da segurança da sua própria rede e da qualidade do serviço.

Dois anos após a entrada em vigor da directiva da electricidade, subsistem os três seguintes estrangulamentos principais a nível da interligação:

-a Península Ibérica permanece, em larga medida, isolada devido a uma capacidade de interligação insuficiente com a França e, consequentemente, com o resto da rede europeia;

-a capacidade de interligação disponível com a Itália (a partir da França, da Suíça e da Áustria) é insuficiente;

-Reino Unido apenas dispõe de uma interligação com a França de capacidade limitada; encontram-se em estudo outros projectos, mas os custos de execução são elevados.

No entanto, também ocorrem problemas de congestionamento noutros pontos da rede europeia, como no Benelux e na Europa Central e entre a Escandinávia e o continente.

Em inúmeros casos, como por exemplo o da fronteira franco-espanhola, a única solução para o desenvolvimento do comércio é a construção de novas ligações ou o reforço da capacidade das linhas existentes, desde que tecnicamente possível.

A construção de novas infra-estruturas não constitui, muitas vezes, um problema financeiro, uma vez que as empresas estão preparadas para investir em novas redes em resposta à procura do mercado. No geral, o problema é mais de carácter político. Os planos de construção de novas capacidades de interligação deparam frequentemente com restrições que exigem o estabelecimento de um equilíbrio entre o interesse público, seja ele comunitário ou nacional, e as reservas locais em relação à nova infra-estrutura. A construção de novas linhas suscita muitas vezes uma oposição local em pontos estratégicos, por exemplo na região dos Pirenéus ou dos Alpes, conforme mencionado anteriormente, dificultando a prossecução do programa previsto.

A Comunidade deve desempenhar um papel fundamental nesta matéria, a fim de garantir que o funcionamento do mercado não seja obstruído por condicionalismos físicos. No Livro Verde sobre segurança de aprovisionamento energético [17], a Comissão salientou que a ausência de uma infra-estrutura de rede pode atrasar a integração dos mercados nacionais, limitando assim a segurança de aprovisionamento. Neste contexto, convém igualmente ter na devida conta o alargamento do mercado interno e a capacidade de interligação adicional que isso exige.

[17] COM(2000) 769, p. 70.

Para ultrapassar estas dificuldades, é necessário envidar esforços, em primeiro lugar, na melhoria da capacidade disponível nas linhas existentes. Em segundo lugar, deve ser facilitada, quando necessário, a construção de novas linhas. Para esse efeito, deve dar-se início aos trabalhos de elaboração de um plano europeu de interligação que identifique os projectos "de interesse europeu", através de um novo procedimento. Será apresentada uma proposta conforme com a próxima revisão das orientações para as Redes Transeuropeias. O referido plano deverá contribuir para ultrapassar as diversas barreiras locais e nacionais.

Como primeiro passo na elaboração desse plano, e mantendo presente o objectivo de uma melhoria da coordenação do comércio entre os Estados-Membros, a Comissão vai lançar um estudo sobre os seguintes temas:

1) Análise das definições e critérios utilizados na avaliação da capacidade disponível a nível nacional, bem como por associações de redes de maior envergadura (UCTE, NORDEL, UK); em determinados casos, poderá ser proposto um aumento relativo da capacidade disponível declarada. Serão igualmente analisadas normas de funcionamento técnico (temperatura máxima dos cabos, por exemplo) e apresentadas propostas de revisão e harmonização.

2) Serão analisadas as possibilidades de melhoramentos técnicos, nomeadamente o reforço dos transformadores ou de determinadas secções do cabo, ou a introdução de novas tecnologias, tendo igualmente em vista aumentar a capacidade física em determinadas interligações.

3) Após esta avaliação das possibilidades de reforço da capacidade nas redes existentes, o estudo estabelecerá então o nível mínimo exigido de interligação entre as redes para o funcionamento do mercado interno e identificará as novas ligações necessárias.

Neste contexto, é importante que a directiva da electricidade garanta que os Estados-Membros disporão de todos os instrumentos necessários para exigir o referido reforço e que as medidas em causa serão compatíveis com a directiva. Tais disposições são, por conseguinte, incluídas na proposta de revisão da directiva.

-Infra-estrutura do sector do gás

Tal como no caso da electricidade, uma rede bem integrada é uma condição prévia essencial para o funcionamento eficaz do mercado interno do gás e a segurança de aprovisionamento. Esta exigência foi salientada pelo aumento acentuado da procura de gás natural na União Europeia no decurso da última década e pela situação particular surgida na sequência da aplicação recente da directiva do gás.

Em termos gerais, a interligação da rede de gás na UE está a avançar devidamente, impulsionada por uma combinação de progressos na procura do mercado, necessidade de capacidade de transporte suplementar e considerações relacionadas com a segurança.

Nos últimos anos, entrou em funcionamento um vasto número de novas grandes redes de gasodutos que reforçaram e integraram melhor a rede de gás da UE, quer internamente quer em relação a fornecedores externos. Os operadores do sector do gás criaram recentemente novas grandes infra-estruturas de transporte de gás a fim de satisfazer uma procura crescente. Estas incluem projectos na região setentrional (incluindo a interligação Reino Unido-continente, novos gasodutos de abastecimento a partir da Noruega e reforço conexo na Europa continental), na região central (incluindo diversos gasodutos na Alemanha e na Áustria) e na região meridional da União Europeia (novas redes de gás em Portugal, Grécia e no Oeste da Espanha, novos gasodutos a partir da Argélia).

Porém, o aumento da procura e do comércio transfronteiras como resultado da abertura do mercado podem provocar congestionamentos e parece estar já a surgir a necessidade de tratar de questões relacionadas com o congestionamento, semelhantes às anteriormente mencionadas para as redes de electricidade, nomeadamente na fronteira dos Países Baixos, na Irlanda e em França (gás natural liquefeito). Consequentemente, e se for caso disso, será de igual modo adoptada para as redes de gás uma abordagem semelhante à prevista para as redes de electricidade no que respeita à identificação de novas interligações, estabelecimento de uma tarifação adequada e criação de mecanismos de atribuição de capacidade.

-Revisão das orientações para as redes transeuropeias

Em 1994, a União Europeia lançou o quadro político necessário para a promoção das redes transeuropeias (RTE) e, a partir de 1995, começou a ser executado o programa relativo às RTE, que passou a abranger as redes de electricidade e gás. Neste momento, foram identificados 44 projectos de interesse comunitário no sector da electricidade, que abrangem ligações entre Estados-Membros e com países terceiros e 46 projectos referentes a gasodutos, terminais de GNL e armazenamento no sector do gás natural. O estabelecimento e o desenvolvimento das redes transeuropeias de energia estão a contribuir para a realização do mercado interno. Contribuem também para a fiabilidade e segurança de aprovisionamento da electricidade e do gás natural na Comunidade e para o esforço de coesão. Uma das prioridades da política das redes transeuropeias de energia é o desenvolvimento de interligações entre os Estados-Membros e também de ligações internas, que prolongam estas mesmas ligações a nível nacional. O desenvolvimento do comércio no âmbito do mercado interno levou a Comissão a propor uma revisão das orientações aplicáveis no que respeita às redes transeuropeias de energia, acentuando o objectivo de funcionamento optimizado das redes de energia no contexto do mercado interno da energia, tendo devidamente em conta o seu futuro alargamento.

Tendo em conta o que precede, a Comissão adoptará em breve um relatório sobre a aplicação das orientações às redes transeuropeias de energia, bem como a sua revisão. Nesse contexto, será necessário conceder o devido apoio e atribuir a devida importância aos projectos que beneficiem particularmente o ambiente, sobretudo os que podem reduzir o nível de perdas nas redes. Essa revisão incluirá a resolução de problemas relacionados com elementos em falta na rede, o congestionamento e o reconhecimento de novos requisitos resultantes da aplicação das directivas da electricidade e do gás e o número crescente de clientes elegíveis.

2.4.8 Conclusão

É evidente que o desenvolvimento das condições necessárias para a promoção do comércio de electricidade e gás deve e continuará a ser uma das prioridades da Comissão. A adopção da proposta de regulamento relativo à tarifação do transporte transfronteiras e à gestão dos congestionamentos constituirá um importante passo em frente. No entanto, esta iniciativa deve ser completada pela construção de novas infra-estruturas, desde que tal seja tecnicamente exequível e economicamente justificado. Esta tarefa merecerá a atenção especial da Comissão.

2.5 Objectivos de serviço público

No contexto dos sectores da electricidade e do gás, as questões do serviço público abrangem uma vasta gama de aspectos importantes para garantir o abastecimento seguro e permanente de electricidade de alta qualidade e - sempre que a ligação exista - de gás a preços competitivos. No passado, este objectivo geral de serviço público foi realizado, em quase todos os Estados-Membros, através da propriedade e exploração públicas de todas as actividades de produção, transporte e abastecimento de electricidade e de todas as actividades de transporte e abastecimento de gás. Nestas circunstâncias, era suficiente uma regulamentação limitada para garantir a manutenção destes objectivos. Todavia, à medida que a privatização e a abertura do mercado foram avançando, os governos têm adoptado sistemas de regulamentação, geralmente através de entidades reguladoras específicas do sector, que estabelecem padrões mínimos de serviço público que devem ser respeitados.

Na UE, diversos objectivos ou normas do serviço público são prosseguidos normalmente nos sectores da electricidade e do gás. Ao nível da produção, estes referem-se a obrigações da parte dos produtores de respeitar normas ambientais mínimas, produzir níveis mínimos de electricidade a partir de fontes renováveis ou outros objectivos ambientais, ou, ocasionalmente, respeitar as regras mínimas relativas à fonte primária de combustível para satisfazer as preocupações de segurança do abastecimento. Este aspecto á igualmente salientado no Livro Verde sobre segurança de aprovisionamento [18].

[18] COM(2000) 769, p. 71.

As principais questões do serviço público registam-se, todavia, ao nível do transporte/distribuição/abastecimento. Com efeito, a exploração das redes de transporte e distribuição pode, em muitos aspectos, considerar-se um serviço público; estes serviços constituem um monopólio, sendo essenciais para todos os cidadãos e para a indústria. É o que acontece, em especial, no contexto dos mercados liberalizados, dado que as redes de transporte e distribuição constituem a infra-estrutura essencial que permite a existência e o desenvolvimento da concorrência. Assim, todos os Estados-Membros impõem condições mínimas de funcionamento ou de serviço público aos operadores das redes - exigindo, por exemplo, que as empresas de transporte e distribuição garantam a ligação à rede de todos os cidadãos em condições razoáveis. Além disso, os Estados-Membros exigem às empresas de transporte e distribuição, com crescente frequência, que cumpram critérios mínimos de serviço - como o período de tempo de realização de reparações e ligações.

Finalmente, a nível do abastecimento, os Estados-Membros exigem que as empresas que pretendem operar nos seus mercados nacionais obtenham uma licença para esse efeito. Os requisitos da licença incluem critérios mínimos a respeitar pelo operador, muitos dos quais têm as características de serviço público. Alguns países, por exemplo, exigem a oferta de tarifas uniformes a clientes equivalentes e de preços especiais a utilizadores de rendimento reduzido, protecção contra cortes para clientes vulneráveis e, para alguns países, requisitos relativos aos padrões de serviço, incluindo condições dos contratos, transparência das informações e mecanismos para o tratamento das queixas.

A obtenção dos padrões mais elevados de serviço público nestes domínios é um dos objectivos principais da política comunitária em matéria de energia. Tal reflecte um objectivo político fundamental da Comunidade no que respeita a serviços de interesse geral, conforme salientado pelo Conselho Europeu de Nice de 7 e 8 de Dezembro de 2001, com base na Comunicação da Comissão sobre serviços de interesse geral [19]. É essencial que a realização gradual do mercado interno contribua para esse objectivo e, portanto, para a manutenção e a melhoria dos padrões de serviço público. É essencial, nomeadamente, que todos os cidadãos comunitários gozem do direito universal de serem abastecidos a preços razoáveis e que se mantenha um conjunto mínimo de normas de protecção do consumidor. Neste contexto, as directivas contêm diversas disposições, designadamente o artigo 3º [20] para assegurar que os Estados-Membros conservem os instrumentos necessários a esse fim.

[19] Comunicação de 20 de Setembro, JO C 17 de 19.1.2001, p. 4.

[20] Mas também o nº 2 do artigo 9º da Directiva relativa ao gás (obrigação de abastecimento de determinadas zonas), o artigo 17º de ambas as directivas (recusa de acesso), os artigos 20º da Directiva relativa ao gás e 21º da Directiva relativa à electricidade (autorização de construir linhas directas) e os artigos 23º da Directiva relativa ao gás e 24º da Directiva relativa à electricidade (salvaguardas em caso de crise súbita).

Essas disposições garantem que as medidas adoptadas pelos Estados-Membros no sentido de prosseguir objectivos legítimos de serviço público se mantêm compatíveis com as directivas, velando por que as medidas tomadas sejam equilibradas e proporcionais aos objectivos prosseguidos. Até à data, nenhuma das medidas adoptadas pelos Estados-Membros colocou questões maiores do ponto de vista da sua compatibilidade com as directivas. Na realidade, nenhum Estado-Membro considerou necessária uma derrogação de qualquer disposição da directiva, por forma a cumprir os seus objectivos de serviço público.

As medidas ou padrões de serviço público adoptados pelos Estados-Membros são, em princípio, uma questão de subsidiariedade. Porém, à luz do facto de a manutenção e desenvolvimento desses padrões na Comunidade serem parte integrante da política comunitária no domínio da energia, a Comissão deu início a um exercício de avaliação comparativa incidindo sobre as medidas de serviço público tomadas pelos Estados-Membros, os métodos escolhidos para as aplicar e o seu êxito na satisfação de requisitos elevados. Os resultados ajudarão os Estados-Membros a manter e desenvolver os níveis de qualidade.

A primeira parte deste exercício, o preenchimento de questionários detalhados pelas administrações dos Estados-Membros e as autoridades reguladoras, está já concluída. Com base nos seus resultados, a Comissão preparará uma comunicação detalhada. Contudo, partindo das informações recebidas, é já patente que a abertura do mercado, incluindo a introdução da plena concorrência, não impediu de forma alguma os Estados-Membros de prosseguirem uma política bem sucedida de manutenção dos padrões elevados de serviço público. De facto, à medida que a abertura do mercado avança, têm sido atingidos níveis cada vez mais elevados de serviço público através da imposição de requisitos ou condições para a obtenção de licenças. As entidades reguladoras nacionais controlam a observância dessas condições e aplicam sanções em caso de incumprimento [21]. Esta abordagem tem permitido aos Estados-Membros aumentar gradualmente e de forma contínua os padrões de serviço público num mercado liberalizado, através do permanente desenvolvimento e melhoria dos padrões, especialmente ao nível do transporte, da distribuição e do abastecimento.

[21] Nomeadamente, se necessário, a retirada da licença.

A importância desta questão foi salientada por quase todos os participantes na audição pública. A esmagadora maioria das pessoas que apresentaram comentários sobre esta questão confirmou que a experiência demonstra claramente que os padrões do serviço público - especialmente no que se refere a questões como a garantia da universalidade do serviço e a protecção do consumidor - podem não só ser mantidos num mercado concorrencial, como também desenvolvidos.

Em conclusão, a experiência demonstra claramente que a criação de mercados liberalizados do gás e da electricidade não fez diminuir os padrões do serviço público. Pelo contrário, com o controlo regulamentar adequado, a liberalização, de facto, fez centrar as atenções na importância do nível de serviço prestado, conduzindo a melhorias. O exercício de avaliação comparativa actualmente em curso permitirá a todos os Estados-Membros beneficiarem da experiência resultante da obtenção dos padrões mais elevados de serviço público em toda a Comunidade.

Não obstante, a experiência da Comissão até à data relativamente à aplicação das directivas da electricidade e do gás indica que seria conveniente adoptar novas medidas para reforçar as disposições existentes. Em primeiro lugar, a Comissão considera que um dos objectivos fundamentais do serviço público - direito de os consumidores domésticos a serem abastecidos em condições razoáveis - deve ser encarado como um objectivo subjacente ao mercado interno e, por conseguinte, à directiva. Propõe-se, por conseguinte, exigir que os Estados-Membros adoptem as medidas necessárias para garantir a consecução deste objectivo. Em segundo lugar, é indicado obrigar os Estados-Membros a tomarem as medidas adequadas para garantirem o cumprimento de uma série de objectivos de serviço público essenciais. Deve exigir-se-lhes, por conseguinte, que, no que respeita à electricidade e ao gás, introduzam disposições adequadas para garantir a consecução de objectivos essenciais de serviço público, nomeadamente:

*a protecção dos clientes vulneráveis; os Estados-Membros deverão garantir, por exemplo, uma protecção adequada contra os cortes injustificados, nomeadamente dos idosos, desempregados, deficientes, etc.;

*a protecção dos clientes finais; os Estados-Membros terão, por exemplo, de garantir um conjunto mínimo de condições dos contratos, a transparência das informações e a disponibilidade de mecanismos baratos e transparentes para a resolução de litígios;

*a coesão social e económica; para além de garantirem um serviço universal, quando necessário, os Estados-Membros deverão adoptar medidas adequadas para garantir fornecimentos e ligações a preços convenientes a, por exemplo, regiões periféricas;

*a protecção do ambiente; obrigações de gestão do lado da procura e medidas destinadas a promover as fontes de energia renováveis e a cogeração, e

*a segurança do aprovisionamento, nomeadamente através da garantia de níveis adequados de manutenção e desenvolvimento da infra-estrutura e, em especial, das interligações.

É essencial que o exercício de acompanhamento e avaliação comparativa atrás referido seja concluído e prossiga com regularidade. O nº 2 do artigo 3º das duas directivas, na sua versão actual, exige que os Estados-Membros comuniquem à Comissão as obrigações de serviço público. Isto aplica-se, contudo, apenas a medidas que exigem uma derrogação das disposições das directivas. Conforme referido anteriormente, os Estados-Membros não consideraram necessárias derrogações das directivas para alcançarem os objectivos de serviço público. A fim de coadjuvar o processo de avaliação comparativa e de acompanhamento, seria vantajoso solicitar aos Estados-Membros que comunicassem à Comissão todas as medidas tomadas. Com base nessas informações, a Comissão apresentaria um relatório bianual e, sempre que adequado, formularia recomendações de medidas a adoptar pelos Estados Membros para garantir padrões elevados de serviço público.

2.6 Segurança do aprovisionamento

O recente Livro Verde da Comissão "Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético" (COM/2000/769) analisa com algum pormenor a questão da segurança do aprovisionamento e as suas relações com a realização do mercado interno da electricidade e do gás. O Livro Verde conclui relativamente a estas questões que a integração dos mercados da energia contribui para a segurança de aprovisionamento, contanto que tais mercados estejam realmente integrados. No âmbito destas conclusões, o Livro Verde salienta, nomeadamente, a importância vital reconhecida à segurança de aprovisionamento, enquanto obrigação essencial de serviço público. O Livro Verde analisa ainda as disposições contidas nas directivas do gás e da electricidade que garantem a consecução da segurança de aprovisionamento num mercado aberto e concorrencial, quer a nível nacional quer comunitário.

Fundamentalmente, as directivas contêm disposições que garantem que todas as salvaguardas de que dispõem os Estados-Membros para garantirem a segurança do aprovisionamento energético permanecem inalteradas com a introdução da concorrência. Os Estados-Membros são, por exemplo, obrigados a prever a possibilidade de lançar concursos tendo em vista a obtenção de capacidade de produção suplementar em combinação com acordos de compra. Os Estados-Membros mantêm igualmente a possibilidade de, se for caso disso, limitar as aquisições de gás de uma única fonte. A criação do mercado interno implicará um nível mais elevado de interligação dos mercados da electricidade e do gás e um volume crescente de fornecedores. Desde que subordinada a um acompanhamento adequado a nível comunitário e nacional e, se for caso disso, a acções no âmbito das disposições pertinentes das directivas, a realização do mercado interno da electricidade e do gás pode, por conseguinte, contribuir para a segurança do aprovisionamento energético da Comunidade.

Note-se que estas salvaguardas, devidamente aplicadas pelos Estados-Membros, garantem que se evite na UE uma situação como a surgida na Califórnia de falta de abastecimento e escalada (artificial) dos preços. Na Califórnia, uma combinação de factores conduziu à actual situação precária e inaceitável em termos de segurança de fornecimento, caracterizada, nomeadamente, por um aumento rápido da procura devido, em larga medida, à explosão da Internet, uma ausência de novas capacidades de produção devido a um ambiente regulamentar indefinido, uma impossibilidade de o próprio ORT lançar concursos para a construção de novas capacidades em combinação com acordos de aquisição de energia, uma falta de capacidade de interligação e a inexistência de acordos de abastecimento com países vizinhos e a inexistência de acordos comerciais inter-estados adequados. As disposições acima mencionadas, designadamente a possibilidade de os Estados-Membros lançarem concursos quando a procura ameaça exceder a oferta, acompanhada de uma capacidade significativa e crescente de interligação entre os Estados-Membros, acordos de comércio eficazes e um acompanhamento atento a nível comunitário e nacional, significam que a evolução registada no caso da "experiência da Califórnia" possa ser excluída na UE.

Porém, atendendo à importância crucial desta questão - a continuidade e a segurança do fornecimento de electricidade são provavelmente o objectivo mais importante do serviço público -, é conveniente reforçar as salvaguardas existentes contidas na directiva da electricidade. Em especial, seria conveniente solicitar aos Estados-Membros que procedam a um acompanhamento cuidadoso da situação do mercado nacional da electricidade e, nomeadamente, do equilíbrio existente entre a oferta e a procura, do nível de procura futura prevista, da capacidade suplementar prevista ou em construção e do grau de concorrência existente no mercado. Os Estados-Membros deveriam ser instados a publicar anualmente um relatório com um resumo das suas conclusões e uma indicação de quaisquer medidas previstas para garantir a segurança de aprovisionamento. Por outro lado, atendendo a que, devido ao grau de interligação elevado da rede de electricidade da UE, a relação entre a oferta e a procura a nível comunitário é de importância crucial para a segurança global da rede, a Comissão deveria publicar, com base nos relatórios nacionais e no seu próprio trabalho de acompanhamento, uma comunicação semelhante que abrangesse toda a Comunidade.

2.7 Consequências ambientais da abertura do mercado da energia

A criação de um mercado interno da electricidade e do gás demonstrou, em muitos aspectos, ter efeitos positivos mo ambiente devido à melhoria das centrais de produção, ao aumento da eficiência operacional e à mudança para combustíveis mais limpos na produção de electricidade. Por outro lado, a queda dos preços da energia poderá não ser o melhor meio de desenvolver a eficiência energética e as fontes de energia renováveis.

Entre 1990 e 1998, por exemplo, a utilização de gás natural na produção de energia aumentou cerca de 128% e a de combustíveis sólidos diminuiu cerca de 18%. No mesmo período, a média de eficiência de conversão das instalações termoeléctricas aumentou 6% e a intensidade do carbono (CO2/GWh) foi reduzida em mais de 15%. Espera-se que a tendência no sentido de instalações de produção de energia mais limpas acelere à medida que a abertura do mercado progride. Por exemplo, no Reino Unido, que foi o primeiro Estado-Membro a liberalizar os sectores da electricidade e do gás, a evolução no sentido de um sector da energia mais limpo foi especialmente significativa. A percentagem de gás natural aumentou de 0,5% em 1990 para 38,5% em 1999. A média de eficiência de conversão subiu 9,5% entre 1990 e 1998. As emissões de CO2 provenientes da produção de energia diminuíram 27% no Reino Unido, enquanto a média na UE no mesmo período foi de 3%.

Contudo, as consequências ambientais da abertura do mercado devem ser continuamente controladas [22]. Com a abertura do mercado, os preços da electricidade poderão descer, o que fará surgir uma série de desafios ambientais que devem ser resolvidos. Se os preços de mercado da electricidade diminuírem, a procura poderá aumentar, em parte, pelo menos, devido a esforços menos intensivos de poupança de energia e de eficiência energética. As projecções do Livro Verde sobre segurança de aprovisionamento sugerem que a procura poderá aumentar 20% devido a uma diminuição dos preços da electricidade [23]. De igual modo, a plena concorrência pode significar que a electricidade produzida a partir de fontes de energia novas e menos desenvolvidas (por exemplo, fontes renováveis e produção combinada de calor e electricidade) se torna menos atraente. Isto pode prejudicar a evolução no sentido de uma mistura de combustíveis mais limpa na produção de electricidade.

[22] A Comissão lançou um estudo destinado a avaliar as implicações ambientais da abertura do mercado até 2010.

[23] COM(2000) 769, p. 71.

As directivas da electricidade e do gás permitem aos Estados-Membros resolverem esses problemas:

-artigo 3º da directiva da electricidade e da directiva do gás dá a possibilidade aos Estados-Membros de, no interesse económico geral, imporem obrigações de serviço público relativas, inter alia, à protecção do ambiente. As reduções nas facturas globais de electricidade, por exemplo, não impedem a adopção de estruturas tarifárias destinadas a promover a eficiência energética. Estas poderão ser aplicadas mediante reduções dos encargos fixos, mantendo inalterados os sinais de preços resultantes da utilização variável da electricidade. Deverão ser introduzidos incentivos regulamentares adequados para promover a emergência de tais estruturas tarifárias inovadoras.

-nº 3 do artigo 8º e o nº 3 do artigo 11º da directiva da electricidade permitem aos Estados-Membros exigir que os operadores das redes de transporte e distribuição, ao mobilizarem as instalações de produção, dêem prioridade a equipamentos que utilizem fontes de energia renováveis, ou resíduos, ou um processo de produção que combine calor e electricidade.

Alguns Estados-Membros adoptaram essas medidas e levaram a cabo acções adicionais para garantir a observância de elevados padrões ambientais na produção e abastecimento de gás e electricidade. As regras da concorrência comunitárias e, nomeadamente, as relativas aos auxílios estatais, são normalmente aplicáveis a esses planos. Todavia, como se verificou no tratamento destes casos, os referidos mecanismos são, em princípio, compatíveis com as regras dos auxílios estatais, desde que os seus efeitos de restrição da concorrência não sejam desproporcionados em relação ao objectivo ambiental prosseguido e ao objectivo de melhoria da situação da segurança de aprovisionamento na UE [24]. Por outro lado, foram adoptadas recentemente orientações altamente favoráveis ao apoio a mecanismos de produção de electricidade a partir de fontes renováveis.

[24] COM(2000) 769, p. 71.

A fim de complementar as medidas tomadas a nível nacional, a própria Comissão lançou diversas iniciativas:

-Fontes de energia renováveis. A Comissão apresentou uma proposta de directiva [25] relativa à promoção das fontes de energia renováveis no mercado interno da electricidade. O objectivo é garantir que o aumento da produção de electricidade a partir de fontes renováveis esteja em harmonia com o objectivo indicativo de toda a UE de duplicar a quota das energias renováveis no consumo interno bruto de energia até 2010. Em 5 de Dezembro de 2000, o Conselho «Energia» chegou a um acordo político sobre a proposta.

[25] COM(2000) 279 final de 10.5.2000, "Proposta de directiva relativa à promoção da electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da electricidade".

-Produção combinada de calor e electricidade (cogeração). A estratégia de desenvolvimento da cogeração foi exposta na comunicação de 1997 relativa à cogeração [26], que também propôs um objectivo indicativo de duplicar a quota de cogeração na UE até 2010. O recente Plano de Acção para a Eficiência Energética [27] reafirma esse objectivo e enumera uma gama de medidas para promover a cogeração. A proposta de revisão da Directiva relativa às grandes instalações de combustão promove igualmente a utilização da cogeração. No âmbito do Programa Europeu sobre Alterações Climáticas, a cogeração foi considerada um domínio promissor no tocante à redução das emissões.

[26] COM(97) 514 final de 15.10.1997.

[27] COM(2000) 247 final de 26.4.2000 "Plano de acção para melhorar a eficiência energética na Comunidade Europeia".

-Níveis de emissões. As emissões das centrais eléctricas são regulamentadas pela Directiva "Grandes Instalações de Combustão" (88/609/CEE) e pela Directiva "Prevenção e Controlo Integrados da Poluição [28]. Em 22 de Junho de 2000, o Conselho Ambiente adoptou, por unanimidade, uma posição comum sobre a proposta de revisão da directiva relativa às grandes instalações de combustão. Esta proposta alarga o âmbito da directiva e prevê limites mais rigorosos para as emissões das novas centrais.

[28] Directiva 96/61/CE do Conselho de 24 de Setembro de 1996 relativa à prevenção e controlo integrados da poluição.

-Eficiência energética e economia de energia. Em Abril de 2000, a Comissão apresentou o seu Plano de Acção para a Eficiência Energética, que pretende uma melhoria anual de 1% da intensidade energética, em comparação com um cenário de "manutenção do status quo". Em 30 de Maio de 2000, o Conselho convidou a Comissão a apresentar propostas detalhadas para a execução do plano de acção. É essencial que os esforços neste domínio sejam prosseguidos imeadiatamente e paralelamente ao processo de abertura do mercado. Um mercado totalmente aberto precisa de internalizar os custos externos para garantir condições equitativas. A Comissão promoverá, por conseguinte, iniciativas nesse sentido, ou seja, a criação de um imposto à escala comunitária sobre a energia/CO2, regras rigorosas sobre auxílios estatais, medidas de gestão da procura e medidas de promoção da cogeração e das fontes de energia renováveis, que apresentam uma desvantagem concorrencial enquanto os custos externos não forem totalmente integrados. Por exemplo, a Comissão proporá as seguintes medidas legislativas neste domínio em 2001:

- proposta de directiva relativa à eficiência energética nos edifícios;

- proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos aspectos ambientais dos equipamentos eléctricos e electrónicos;

- proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um programa plurianual destinado a promover as fontes de energia renováveis e a economia de energia (2003-2006) (na sequência dos programas SAVE e ALTENER).

Além disso, a Comissão tenciona preparar, em 2002, propostas respeitantes à produção combinada de calor e electricidade.

-Tributação da energia. A Comissão propôs a ampliação da actual directiva relativa aos óleos minerais de forma a abranger também outras fontes de energia concorrentes, incluindo a electricidade, o gás, o carvão, a lenhite, etc. Além disso, diversos Estados-Membros introduziram impostos energéticos/ambientais para reduzir o consumo de energia.

-Eventuais acções futuras. Presentemente, estão a ser examinadas uma série de medidas adicionais e complementares a nível comunitário e nacional. Estas incluem, por exemplo, a questão da transacção de direitos de emissão de gases com efeito de estufa. A Comissão iniciou um debate sobre a questão num Livro Verde [29], em harmonia com o Protocolo de Quioto. Os vários grupos de trabalho do Programa Europeu sobre Alterações Climáticas, que reúnem os interessados, os Estados-Membros e a Comissão, estão a procurar definir as eventuais políticas e medidas que poderão ser recomendadas à Comissão, com vista ao cumprimento dos objectivos comunitários no domínio das alterações climáticas.

[29] COM(2000) 87 final de 8.3.2000 "Livro Verde sobre a transacção de direitos de emissão de gases com efeito de estufa na União Europeia".

Conclusão

Em muitos aspectos, a abertura do mercado pode ser benéfica para satisfazer os objectivos ambientais da Comunidade em termos de energia. Nomeadamente, é visível que a introdução de pressões de concorrência conduziu ao aparecimento mais rápido de unidades de produção térmica mais eficientes e mais limpas do que em condições de monopólio. Todavia, com os preços potencialmente mais baixos resultantes da abertura do mercado, algumas políticas complementares tornaram-se cada vez mais importantes, como foi atrás referido. A Comissão está neste momento a efectuar um estudo sobre o impacto geral da liberalização dos mercados da energia no ambiente. A Comissão acompanhará a situação de perto e, se necessário, proporá novas medidas de salvaguarda do ambiente que, simultaneamente, estejam em conformidade com as regras do mercado interno.

2.8 Efeitos da concorrência no emprego

Embora com algum atraso, a criação do mercado interno da energia insere-se no objectivo de 1992 de criar um mercado interno plenamente operacional na União Europeia a fim de promover o crescimento e as oportunidades de emprego em benefício dos cidadãos da União. O reforço da eficiência e a diminuição dos preços da energia, bem como as oportunidades de adopção de novas tecnologias resultantes da introdução da concorrência no sector da energia, impulsionarão, pelo menos a médio e longo prazo, o emprego no conjunto do sector industrial europeu.

O Conselho Europeu de Lisboa, de Março de 2000, ao apelar à realização do mercado interno da energia, salientou o papel do mercado interno como elemento fundamental da estratégia da União Europeia de recuperação das condições de pleno emprego, tendo em vista tornar-se a economia baseada no conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo ..., com mais e melhores postos de trabalho e uma maior coesão social. Do mesmo modo, o Parlamento Europeu, na sua resolução sobre a liberalização dos mercados da energia de Julho de 2000, afirmou que a concorrência está a exercer um efeito substancial a nível das economias e dos consumidores no seu conjunto, designadamente o aumento das oportunidades de novos postos de trabalho, e um impacto positivo a médio prazo no mercado do trabalho em termos económicos gerais.

Porém, no que respeita à evolução a curto prazo do sector da energia apenas, a introdução da concorrência poderá conduzir a uma redução da mão-de-obra, em resultado da adaptação necessária dos ex-monopólios nacionais à concorrência mediante medidas de reestruturação adequadas a nível das empresas.

É importante garantir que as referidas perdas de postos de trabalho registadas no período de transição durante o qual as empresas do sector da energia se estão a adaptar ao novo ambiente competitivo sejam reconhecidas e devidamente tidas em conta pelas políticas nacionais e comunitárias.

Neste contexto e a fim de aprofundar o seu conhecimento da situação do emprego no sector da energia, quer no que respeita à experiência adquirida até à data quer a eventuais tendências futuras, a Comissão lançou um estudo. Este estudo foi concebido e concluído em cooperação estreita com os representantes dos parceiros sociais. Baseando-se nas estatísticas disponíveis sobre a evolução quantitativa da mão-de-obra no sector da energia, o estudo descreve a analisa, nomeadamente, os aspectos qualitativos da evolução do emprego no sector da electricidade e do gás no contexto da abertura do mercado.

No que se refere à evolução da dimensão da mão-de-obra nos dois sectores envolvidos, as estatísticas mostram que o número de pessoas empregadas nos sectores da electricidade e do gás diminuiu entre 1990 e 1998 [30]. As principais razões para esta redução, que em muitos Estados-Membros teve claramente início antes da abertura do mercado, foram o progresso tecnológico e a tendência para subcontratar determinadas funções. Contudo, a abertura do mercado ajudou a acelerar o processo, em especial no sector da electricidade.

[30] Com base nas estatísticas europeias e nacionais disponíveis, calcula-se que se tenham perdido mais de 250 000 postos de trabalho no sector entre 1990 e 1998. No entanto, as estatísticas muitas vezes apenas mostram a evolução do emprego nas empresas de abastecimento público em geral, não estabelecendo diferenças -na caso de empresas polivalentes - entre os diferentes serviços fornecidos, como gás, electricidade e água.

À redução da mão-de-obra juntou-se uma alteração do perfil técnico exigido pela indústria. De facto, as ocupações técnicas para trabalhadores semi-especializados e especializados, bem como as profissões de gestão intermédia e as profissões administrativas associadas, têm vindo a ser reduzidas com o tempo. Foram criadas novas oportunidades de trabalho em áreas como a comercialização, os serviços ao cliente, as TI e os serviços empresariais. Adicionalmente, o aparecimento de novas actividades empresariais, como a transacção de energia, criou novos postos de trabalho.

Relativamente à forma como foram efectuadas as reduções de pessoal, as dez empresas do Reino Unido, Irlanda, Suécia, Itália e Alemanha abrangidas pelos estudos realizados conseguiram levar a cabo a reestruturação de uma forma socialmente consensual, ou seja, aplicando planos de reforma antecipada voluntária. Além disso, grande parte das empresas de maior dimensão inquiridas instituíram programas de reconversão e reafectação profissionais. Segundo esses programas, era oferecida nova formação que permitiria aos membros do pessoal manterem-se na empresa com um novo posto de trabalho ou facilitaria a procura de emprego fora da empresa.

A abertura do mercado teve, pois, um impacto quantitativo e qualitativo na situação de emprego na indústria da electricidade e do gás. As competências tradicionais tornaram-se menos importantes, tendo surgido novas oportunidades de emprego para qualificações que são importantes num ambiente competitivo, por exemplo a comercialização e os serviços ao cliente.

Até à data, a redução do volume de pessoal, quando considerada inevitável, foi realizada de forma socialmente responsável, através de reformas antecipadas e planos de reconversão. Contudo, à medida que a abertura do mercado progride e a reestruturação continua, é necessário explorar melhor e reforçar as medidas alternativas a nível da empresa destinadas a acompanhar o processo de reestruturação. Tais medidas poderão incluir, por exemplo, a redução do tempo de trabalho e a reorientação da formação, em consonância com a estratégia europeia para o emprego, nos termos da qual, em princípio, deve ser dada prioridade à reorientação da formação e à reafectação em vez da reforma antecipada. O desenvolvimento de medidas alternativas é especialmente importante se as possibilidades de as empresas gerirem a reestruturação através da reforma antecipada se forem reduzindo, com a diminuição da média etária do pessoal. As empresas e os parceiros sociais devem trocar entre si as melhores práticas nesta questão. A Comissão encorajará esse intercâmbio de experiências, por exemplo no quadro do comité de diálogo sectorial "electricidade" [31].

[31] O comité foi criado com base na Decisão da Comissão de 20 de Maio de 1998 relativa à criação de comités sectoriais para promover o diálogo entre os parceiros sociais a nível da UE.

A declaração conjunta dos parceiros sociais do sector da electricidade, publicada em 27 de Novembro de 2000, constitui um primeiro passo encorajador neste contexto [32]. Nesta declaração, o sector europeu da electricidade e os sindicatos representativos do pessoal do sector lançaram um esforço comum no sentido de analisar formas de permitir às empresas e ao seu pessoal beneficiarem das mudanças associadas ao desenvolvimento do mercado interno e de reduzir, tanto quanto possível, as consequências sociais da reestruturação.

[32] Disponível no endereço www.emcef.org, www.epsu.org, www.eurelectric.org.

Devem também ser tidas em conta as oportunidades oferecidas pela estratégia europeia para o emprego. A estratégia prevê o quadro correcto para lidar com os aspectos quantitativos e qualitativos da gestão da mudança, nomeadamente os pilares adaptabilidade e empregabilidade da estratégia. A adaptabilidade refere-se à adaptação da organização do trabalho nas empresas em consequência do novo contexto industrial. O objectivo do pilar empregabilidade é aumentar as qualificações do pessoal para fazer face à mudança e inclui estratégias de aprendizagem ao longo de toda a vida. As acções a empreender no âmbito destes pilares da política de emprego exigem o estabelecimento de uma parceria forte entre os intervenientes dos sectores privado e público a diferentes níveis, podendo ser financiadas através do Fundo Social Europeu no contexto dos programas acordados entre a Comissão e os Estados-Membros.

Deve ser prestada especial atenção neste contexto à evolução nos países candidatos à adesão. É importante ajudar as empresas no domínio da energia e os governos destes países no processo de reestruturação do sector da energia de forma socialmente responsável, por exemplo partilhando com eles a experiência adquirida na Comunidade a este respeito. A Comissão procederá a novas acções de acompanhamento neste domínio e os países interessados serão instados a reforçar esse aspecto no âmbito do programa PHARE. No entanto, os efeitos em termos de emprego da abertura do mercado no sector da energia poderão fazer-se sentir com maior intensidade nos países candidatos quando tiverem sido integrados no mercado interno e o programa PHARE já não se lhes aplicar. A Comissão garantirá que este aspecto da abertura do mercado nos países candidatos mereça uma atenção e um apoio permanentes, não só agora, mas também quando esses países se tornarem membros da União Europeia.

Em conclusão, pode dizer-se que foi possível, até ao momento, efectuar uma reestruturação de forma socialmente responsável. Todavia, a situação deve ser acompanhada de perto e, se necessário, devem ser adoptadas disposições suplementares, à medida que a abertura do mercado e a reestruturação da indústria evoluem. Todos os intervenientes importantes devem contribuir para que se encontrem soluções que minimizem quaisquer consequências sociais negativas da reestruturação da indústria europeia da electricidade e do gás.

2.9 Trocas comerciais com países terceiros

Há muitos anos que é comercializada electricidade entre a UE e os países vizinhos não-comunitários, por exemplo entre a UE e os países membros da Nordel. Antes da abertura do mercado, esse comércio era efectuado pelas anteriores empresas de abastecimento público, no quadro da sua posição monopolista. Contudo, o volume de electricidade comercializado era relativamente restrito, devido a limitações técnicas, como a baixa capacidade das interligações entre as redes nacionais e normas de exploração diferentes.

No mercado interno liberalizado, o comércio da electricidade com países terceiros tornar-se-á, provavelmente, mais atraente. As empresas estão já a negociar cada vez mais com países terceiros os futuros fornecimentos de electricidade. Além disso, a situação no que respeita às limitações técnicas das interligações está a melhorar gradualmente. Existem alguns projectos destinados a melhorar as ligações entre os países da Europa Central e Oriental, incluindo a Ucrânia e a Rússia, e as redes de electricidade da Comunidade.

Uma intensificação das trocas comerciais de electricidade com os países vizinhos seria, em princípio, uma evolução positiva. Aumentaria a concorrência, resultando numa maior eficiência e, possivelmente, concederia novas oportunidades de investimento às empresas comunitárias nos países vizinhos. Todavia, há que assegurar que esse alargamento do mercado seja realizado com base em condições equitativas para todos os operadores económicos. Uma condição prévia fundamental para a introdução da concorrência no mercado da electricidade a nível comunitário é a existência de condições-quadro comparáveis em todos os países envolvidos.

Face ao potencial de aumento do comércio de electricidade e à necessidade de sujeitar esse comércio a determinadas condições, é preciso adoptar normas jurídicas claras e assegurar o seu cumprimento. O processo de alargamento e a intenção de acelerar a abertura do mercado acentuaram a necessidade de um quadro desse tipo. A Comunidade deve estar consciente e preparada para as consequências de uma maior abertura do mercado interno nas suas relações comerciais com países terceiros. No que se refere a empresas de electricidade nestes países, elas devem ter uma perspectiva clara que lhes permita desenvolver uma estratégia eficaz e coerente para a sua participação no mercado interno da electricidade.

No tocante ao gás, é patente que a dimensão externa do mercado interno é igualmente importante. Face, no entanto, à crescente dependência da importação, as questões são diferentes. Uma abertura recíproca dos mercados a montante e a jusante baseada no comércio livre, a integração dos mercados comunitário e não-comunitário e uma cooperação mais estreita e reforçada são importantes. Dependendo da evolução, a Comissão pode considerar ou não necessárias iniciativas específicas para assegurar a reciprocidade externa.

2.9.1 Criação de um quadro jurídico fiável para o comércio da electricidade com países não-comunitários

É necessário criar um quadro jurídico fiável para essas actividades comerciais. Como já foi afirmado, em princípio, na Comunicação da Comissão "Os progressos recentes na realização do mercado interno da electricidade", adoptada em Maio de 2000 [33], esse quadro seria estabelecido através da conclusão de acordos bilaterais com os países terceiros interessados, se necessário no contexto dos acordos-quadro existentes, como por exemplo os acordos de associação concluídos com os países candidatos. Convirá talvez estudar a possibilidade de se exigirem compromissos, numa base de reciprocidade, em matéria de normas ambientais e de segurança nuclear, sobretudo para evitar colocar o ambiente em perigo na Comunidade. Esses acordos constituiriam um quadro para o comércio com países terceiros baseado na reciprocidade, garantindo, assim, um acesso equivalente ao mercado comunitário e aos mercados dos países terceiros e o respeito das normas básicas ambientais e de segurança nuclear. Na ausência de acordos específicos, aplicar-se-ão as regras do comércio internacional em vigor.

[33] COM(2000) 297 final.

O plano de acção no domínio da oferta de assistência técnica tendo em vista a preparação dos países candidatos para o mercado interno da energia, elaborado pela Comissão em 1998, facilitará a concretização deste objectivo. O plano salienta a necessidade real de assistência em questões de regulamentação, elaboração de projectos de legislação, funcionamento do mercado e da rede de transporte, criação de entidades reguladoras nacionais, etc. Está a ser organizada uma acção específica para suavizar o processo de transição. Face à aceleração proposta da abertura do mercado na União Europeia, a Comissão reforçará o plano de acção em matéria de assistência técnica e intensificará os restantes esforços de ajuda aos países candidatos a adaptarem o seu sector da energia de forma a satisfazer os requisitos da UE.

2.9.2 Próximas etapas

Através da análise das informações disponíveis e de contactos bilaterais, a Comissão identificará os países que são os possíveis candidatos a concluir acordos/entendimentos bilaterais ou regionais com a Comunidade. Em princípio, esses países devem ter um mercado da electricidade organizado em harmonia com os princípios básicos da directiva comunitária da electricidade, tanto em termos quantitativos como qualitativos (isto é, relativamente ao grau de abertura de mercado, acesso de terceiros e dissociação), e estar preparados para conceder acesso ao mercado a empresas da UE. Adicionalmente, a situação no que respeita às normas ambientais aplicáveis à produção de electricidade e à segurança nuclear deve ser satisfatória.

No que respeita aos países candidatos à adesão, esses eventuais acordos devem ser totalmente consonantes com as negociações de adesão e as futuras determinações dos Tratados de Adesão.

Uma vez identificados os potenciais países candidatos, a Comissão solicitará ao Conselho um mandato de negociação com base no procedimento previsto no artigo 228º do Tratado e dará início às negociações. Prevê-se que os primeiros mandatos possam ser requeridos em 2001.

Além disso, é necessário acompanhar os efeitos práticos dos acordos concluídos. Afigura-se, pois, adequado exigir aos Estados-Membros a apresentação de relatórios periódicos à Comissão sobre as quantidades importadas no passado e as origens dessas importações ao abrigo dos novos acordos bilaterais ou regionais ou dos convénios os em vigor. A Comissão elaboraria, então, um relatório sobre a experiência adquirida e, se necessário, proporia medidas adicionais a nível comunitário.

Conclusões

Foram realizados progressos importantes no desenvolvimento dos mercados da electricidade e do gás, tanto em termos quantitativos (percentagem de abertura do mercado) como qualitativos (opções estruturais em matéria de dissociação, acesso à rede, etc.). A nova situação conduziu a uma redução dos preços, mais significativa nos países que atingiram um grau elevado de abertura quantitativa.

No tocante aos padrões de serviço público, a experiência mostra que a abertura do mercado, incluindo a plena abertura, não resultou no declínio dos padrões de serviço público. Pelo contrário, a plena abertura do mercado, aliada a uma regulamentação eficaz, conduziu a uma maior sensibilização e a padrões de serviço público mais elevados. A Comissão considera da maior importância que os padrões de serviço público não baixem de nível. Embora todos os indícios apontem para uma subida dos padrões de serviço público, a Comissão considera essencial prever, no mínimo, que seja garantido em todos os Estados-Membros um serviço universal de electricidade, o que implica o fornecimento de electricidade de alta qualidade a todos os agregados familiares a preços acessíveis e a adopção de um conjunto mínimo de normas de protecção do cliente final.

A abertura do mercado também se mostrou compatível com os objectivos da Comunidade em termos de segurança do abastecimento e de protecção do ambiente, desde que sejam conduzidas as políticas complementares necessárias. Já existem ou estão em preparação medidas adequadas, a nível nacional e comunitário, para assegurar que a realização progressiva do mercado interno contribua positivamente para os objectivos comunitários nessa matéria.

Podem e estão a ser tomadas medidas para garantir que a reestruturação necessária do sector da energia seja efectuada de forma socialmente consensual, compatível com os objectivos da Comunidade em termos de política de emprego.

Os países vizinhos já participam, ou irão participar, no mercado interno, dependendo, todavia, de a reciprocidade e a protecção ambiental serem compatíveis com as regras comerciais e necessárias para garantir uma verdadeira igualdade. Os acordos bilaterais poderão constituir a base para os progressos nesta matéria.

Esta evolução é animadora. Contudo, o objectivo último de um mercado interno plenamente integrado ainda não foi atingido. A experiência mostra que, a fim de realizar o mercado interno, é necessário rever e reforçar as disposições das directivas da electricidade e do gás relativas a duas questões essenciais:

No que se refere ao nível de abertura de mercado, a maioria dos Estados-Membros foi mais longe do que o previsto nas directivas da electricidade e do gás. Todavia, o grau de abertura do mercado difere consideravelmente de uns Estados-Membros para outros. Esta situação, se mantida durante muito tempo, impedirá o desenvolvimento de condições equitativas no seio do mercado interno. Tal evolução não foi prevista no momento em que as directivas do gás e da electricidade foram aprovadas. Nessa altura, não se esperava que a grande maioria dos Estados-Membros abrisse mais os seus mercados do que o juridicamente exigido, e muito menos que se empenhassem na abertura total num curto espaço de tempo. Assim, a distorção da concorrência - quer entre as empresas de electricidade e de gás quer entre os utilizadores de electricidade e gás - que existe presentemente, não estava prevista. Além disso, as disposições de reciprocidade da directiva não prevêem uma solução adequada para esta distorção.

A abertura do mercado é importante, mas, para ser eficaz na prática, deve ser garantido o acesso equitativo e não-discriminatório à rede. Apesar de se terem registado consideráveis progressos neste domínio, especialmente no sector da electricidade, há ainda que introduzir melhorias. Também as normas diferem de Estado-Membro para Estado-Membro, situação que pode acentuar as distorções de mercado. O número de inquiridos que, na audição pública, salientaram a importância fundamental dessas questões, quer para criar uma concorrência eficaz quer para criar uma igualdade de condições, atesta a importância desta questão.

A Comissão acredita que existem condições para se avançar significativamente no processo de abertura do mercado, conduzindo à rápida concretização dos mercados internos da electricidade e do gás. Como atrás referido, uma esmagadora maioria dos inquiridos na audição pública confirmou a necessidade de realizar o mercado interno da electricidade e do gás mais rapidamente. Essas empresas, os representantes dos consumidores e as organizações salientaram serem inúmeros os benefícios de um mercado plenamente liberalizado.

A abertura plena dos mercados do gás e da electricidade criaria uma igualdade entre os Estados-Membros e entre todos os intervenientes no mercado interno que não se pode esperar da aplicação das actuais directivas, pelas razões já expostas.

No tocante ao preço da electricidade, nomeadamente, o nível de concorrência já alcançado neste domínio conduziu a importantes reduções de preços. Os preços atingidos manterão e reforçarão a competitividade da indústria da UE. A abertura do mercado está agora a avançar rapidamente na maioria dos países que são os principais concorrentes das empresas da UE. A realização do mercado interno é fundamental para acompanhar a evolução dos mercados dos nossos parceiros comerciais.

A concorrência conduzirá igualmente a uma maior homogeneidade de preços na Comunidade, proporcionando assim condições equitativas aos utilizadores industriais e privados de energia. Isto tem uma importância especial para as pequenas e médias empresas que, de momento, estão muitas vezes em desvantagem em relação aos grandes clientes industriais, em especial se forem clientes cativos. Nesta matéria, é de assinalar a opinião de vários inquiridos de que não se justifica continuar a conceder uma vantagem competitiva às grandes empresas da UE em detrimento das pequenas, em termos de acesso a preços comparativos de electricidade e de gás. Dada a importância das pequenas e médias empresas para a Comunidade, essa situação só pode ser prejudicial em termos de competitividade, inovação e emprego.

A plena abertura do mercado encorajará também a inovação e a penetração do mercado pelas novas tecnologias. Na realidade, o sector da produção de electricidade está a registar uma forte evolução tecnológica, nomeadamente no que se refere à tecnologia da micropotência e das fontes de energia renováveis. As microturbinas representam actualmente, cada vez mais, uma alternativa para os clientes, e a tecnologia das células de combustível está agora a ser introduzida. Essas tecnologias têm vantagens consideráveis para muitos clientes, em termos de fiabilidade, impacto ambiental e, muitas vezes, custos. Além disso, essas tecnologias são especialmente atraentes para as zonas periféricas. A realização do mercado interno proporcionará uma igualdade para todas as tecnologias competitivas em termos de acesso aos clientes, acelerando assim a sua a introdução.

Uma maior abertura de mercado também deverá aumentar os níveis de serviço para os clientes, especialmente ao nível do consumidor final. A qualidade do serviço oferecido, por exemplo em termos de reparações, novos serviços e facturação, são alguns dos domínios de concorrência entre as empresas. Isto já foi observado em países onde a plena abertura do mercado foi realizada.

Por último, o desenvolvimento da concorrência entre empresas de gás seria mais facilitado pela realização do mercado interno da energia. Presentemente, os preços do gás natural na Europa continental estão estreitamente ligados à paridade dos preços do petróleo. Na Alemanha, por exemplo, os preços do petróleo para aquecimento doméstico aumentaram 50% entre Julho de 1999 e Julho de 2000. Os preços por grosso do gás aumentaram 42% durante o mesmo período. O preço médio na fronteira em Dezembro de 2000 para as importações de gás alemãs era quase 90% superior ao do ano anterior. A Comunidade tem um interesse nítido em que a concorrência entre as empresas de gás se continue a desenvolver, acabando com a ligação do preço do gás ao do petróleo, já que isso reforçará a diversidade do abastecimento energético na UE. A directiva do gás já prevê o desenvolvimento da concorrência entre empresas de gás através do direito de acesso de terceiros para clientes elegíveis até à cabeça do poço. Dado que um número crescente de clientes elegíveis produzem competitivamente, isso exigirá que os produtores de gás concorram cada vez mais entre si em termos de preços.

O desenvolvimento da concorrência efectiva entre empresas de gás na Europa pode ser dificultado pelo âmbito dos contratos a longo prazo nos sectores europeus do aprovisionamento e do transporte de gás. Um modo eficaz de abrir o mercado europeu do gás e de desenvolver a concorrência entre empresas de gás seria a introdução de programas de "libertação" do gás, abrindo os actuais contratos de abastecimento exclusivo a longo prazo a terceiros. Alguns Estados-Membros já introduziram programas desse tipo e outros devem ser encorajados a fazê-lo, já que assim se aumentaria a liquidez no mercado do gás.

Para se conseguir a plena abertura do mercado, há que ter em conta os elementos quantitativos e qualitativos. É necessário fixar um prazo para os Estados-Membros permitirem aos clientes, tanto industriais como domésticos, a compra de electricidade e gás a fornecedores da sua escolha em toda a Comunidade. Isto garantirá que o mercado interno se desenvolva rapidamente, para benefício de todos os cidadãos da Comunidade, e proporcionará condições de base efectivamente equitativas para todas as empresas da UE.

Em segundo lugar, é necessário garantir um sistema eficaz de acesso ao mercado - que assegure que os clientes elegíveis e os produtores têm acesso efectivo e não-discriminatório às redes de transporte e distribuição e a outras infra-estruturas essenciais. A experiência indica que a consecução do objectivo último de acesso não-discriminatório à rede não é totalmente possível com base nas disposições actuais da directiva respeitantes ao acesso de terceiros e ao nível de dissociação. Neste contexto, devem ser criadas entidades reguladoras nacionais independentes em todos os Estados-Membros, visto desempenharem um papel central na garantia de condições não-discriminatórias de acesso à rede. Essas autoridades devem pelo menos ter poderes para estabelecer e aprovar as tarifas de transporte e distribuição.

Devem ser assegurados padrões elevados no que respeita às condições de acesso de terceiros e à dissociação, assegurando um elevado grau de independência - e, portanto, de imparcialidade - dos operadores das redes. Esses padrões devem, em princípio, ser comparáveis, em qualidade, em todos os Estados-Membros, por forma a proporcionarem condições homogéneas e a evitarem distorções no comércio.

A Comissão concluiu, portanto, que devem ser agora apresentadas ao Conselho Europeu e ao Parlamento propostas que satisfaçam estes requisitos. As propostas poderão também reforçar as disposições existentes relativas aos objectivos de serviço público. Tais propostas qualitativas já foram identificadas no Livro Verde sobre a segurança de aprovisionamento, adoptado pela Comissão em Novembro de 2000 [34].

[34] COM(2000) 769, p. 71-72.

Embora seja verdade que as propostas surgem relativamente pouco tempo depois da transposição das actuais directivas da electricidade e do gás, existem motivos fortes para propor novas medidas. Em primeiro lugar, a abertura do mercado tem vindo a concretizar-se muito mais depressa do que se esperava na maioria dos Estados-Membros, resultando em distorções de mercado mais importantes do que era previsto. Em segundo lugar, a experiência demonstra que, para se desenvolver uma concorrência efectiva e criar igualdade de condições, devem ser estabelecidas normas mínimas equivalentes e sólidas no que se refere à dissociação e ao acesso de terceiros.

No entanto, é importante que a realização do mercado interno não comprometa, mas antes contribua para a consecução dos objectivos comunitários noutros domínios importantes, como a protecção dos consumidores e do ambiente, a segurança do aprovisionamento e outras questões de serviço público. Por conseguinte, a aceleração da abertura do mercado deve continuar a ser acompanhada por medidas adequadas nesses domínios, quer a nível nacional, quer a nível comunitário. A Comissão acompanhará de perto a evolução nesta matéria e apresentará propostas apropriadas, quando necessário.

Convém salientar igualmente que esta próxima etapa legislativa é apenas um dos elementos a implementar para realizar um verdadeiro mercado interno. Embora muito se tenha já feito, por exemplo no contexto dos fóruns da electricidade e do gás de Florença e Madrid, é essencial realizar novos progressos, em especial no que respeita, por exemplo, ao mecanismo de tarifação transfronteiras e à gestão do congestionamento no sector da electricidade. A Comissão formalizará os progressos registados até à data no âmbito do fórum de regulamentação do sector da electricidade através de medidas legislativas.

No domínio da electricidade, nomeadamente, é agora necessário prever um quadro legislativo formal que se baseie nos resultados do fórum de regulamentação no que respeita ao acesso transfronteiras às redes de transporte. Poderão assim ser adoptadas decisões sobre a matéria directamente aplicáveis. A Comissão decidiu, por conseguinte, apresentar uma proposta que satisfaça este requisito ao Parlamento Europeu e ao Conselho.

Por outro lado, há que continuar a progredir a nível da adopção das propostas existentes nos domínios do ambiente e da fiscalidade. Para garantir a manutenção e mesmo o aumento dos níveis elevados de serviço público, a Comissão prosseguirá o seu exercício de avaliação comparativa em curso e adoptará uma comunicação sobre esta matéria no decurso de 2001. A Comissão prosseguirá igualmente os trabalhos sobre questões de segurança de aprovisionamento. Em 29 de Novembro de 2000, a Comissão adoptou um Livro Verde (COM/(2000) 769) sobre este assunto, sendo importante prosseguir os trabalhos neste domínio. Todas estas questões continuarão a ser prioritárias para a Comissão, paralelamente à adopção de novas medidas legislativas destinadas a completar o mercado interno do gás e da electricidade.