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Parecer do Comité Económico e Social sobre «A resistência aos antibióticos: Uma ameaça para a saúde pública»

Jornal Oficial nº C 407 de 28/12/1998 p. 0007


Parecer do Comité Económico e Social sobre «A resistência aos antibióticos: Uma ameaça para a saúde pública»

(98/C 407/02)

Em 27 de Janeiro de 1998, o Comité Económico e Social decidiu, ao abrigo do nº 3 do artigo 23º do Regimento, elaborar um parecer sobre «A resistência aos antibióticos: Uma ameaça para a saúde pública».

Encarregada dos correspondentes trabalhos, a Secção de Ambiente, Saúde Pública e Consumo emitiu parecer em 7 de Julho de 1998 (relatora: T. Ström).

Na 357ª reunião plenária (sessão de 9 de Setembro de 1998), o Comité adoptou por 101 votos a favor e 3 votos contra o seguinte parecer.

1. Introdução

1.1. Este parecer de iniciativa destina-se a chamar a atenção para os problemas da resistência aos antibióticos (), que constitui uma crescente ameaça para a saúde pública. As infecções causadas pelas bactérias resistentes contribuem para o aumento das taxas de morbidez e de mortalidade e, consequentemente, para o crescimento das despesas com os cuidados de saúde. A gravidade do problema é cada vez mais reconhecida e a prova disso são as numerosas iniciativas recentemente levadas a cabo pelos Estados-Membros (incluindo um relatório de 1998 da Câmara dos Lordes e uma conferência internacional organizada pelo governo dinamarquês em Setembro de 1998), por exemplo, a decisão do Comité Científico de Direcção de criar, a pedido da Comissão, um grupo eventual, multidisciplinar, de trabalho com o mandato de analisar a questão em todos os seus aspectos) e por fóruns internacionais (as actividades do Programa de Controlo da Resistência Antimicrobiana da OMS e a resolução adoptada recentemente pela Assembleia Mundial da Saúde).

1.2. Tendo por objectivo dar um contributo para este debate e numa posição diferente da do debate sobre a recente comunicação da Comissão relativa ao futuro da política de saúde pública na Comunidade Europeia, este parecer indica várias formas de combater o fenómeno da resistência aos antibióticos. Em primeiro lugar, refere os antecedentes do problema e dá exemplos de iniciativas em curso a vários níveis (nacional, UE e internacional), como os sistemas de vigilância da resistência aos antibióticos. Subsequentemente, faz várias recomendações para as várias acções aos níveis nacional e comunitário, sublinhando que as medidas propostas devem ser sobretudo vistas como parte de uma política ampla e integrada.

1.3. Embora a estratégia de limitação do emergente problema da resistência deva ter em conta os cuidados de saúde humanos, a medicina veterinária e a criação de gado, como partes do mesmo ecossistema, o parecer debruçar-se-á principalmente sobre o problema da resistência nos cuidados de saúde e médicos, e nos padrões de consumo de antibióticos na medicina humana. O documento baseia-se no pressuposto de que o combate ao problema requer o esforço combinado e coordenado de todos os agentes envolvidos: o público em geral, as autoridades, os médicos, os doentes, os veterinários, a indústria, os investigadores, os consumidores, os agricultores, etc. ().

1.4. Embora as bactérias resistentes tenham sido descobertas pouco depois da introdução da penicilina na prática clínica, só há poucos anos é que este problema começou a atrair a atenção da opinião pública. Isto porque a indústria farmacêutica tinha conseguido, até muito recentemente, desenvolver novos antibióticos quando a resistência aos até então existentes começava a aparecer. No entanto, as bactérias acumularam várias e diferentes resistências, tornando muito difícil o desenvolvimento de novos medicamentos. A prevalência das bactérias resistentes aos antibióticos está actualmente a aumentar e, por vezes, torna-se muito difícil encontrar tratamentos eficazes para doenças bacterianas. Conquanto haja uma investigação contínua para encontrar novos medicamentos que combatam as bactérias resistentes, não há a certeza de quando esses medicamentos estarão eventualmente disponíveis. Por isso, é da maior importância que os antibióticos que ainda são eficazes, sejam utilizados de forma racional e cuidadosa. Além disso, devia ser dada prioridade à investigação sobre a melhor utilização de antibióticos específicos e outros factores de risco para a resistência.

2. Contexto

2.1. História

Durante milhares de milhões de anos, a presença dos antibióticos tem sido da maior importância para o delicado equilíbrio entre microrganismos na Terra. Provavelmente, os antibióticos foram utilizados também como agentes terapêuticos, durante séculos, antes da sua descoberta pela ciência moderna. Vestígios de tetraciclina foram encontrados em múmias núbias com mil anos de existência e alguns cientistas crêem que a longa sobrevivência da cultura núbia é devida em parte à presença e uso de antibióticos. A bacteriologia científica moderna foi introduzida nos finais do séc. XIX e a descoberta da penicilina, em 1928, por Sir Alexander Fleming, é habitualmente considerada como a início da era moderna dos antibióticos. Para se ver o extraordinário impacto na saúde humana da introdução do tratamento antibiótico, basta ver que os hospitais, nos anos 30, estavam cheios de doentes com pneumonias, meningites, bacteremias, febre tifóide, febre reumática, sífilis, tuberculose e feridas infectadas. Naquelas condições, não havia muitos métodos para os tratar. A introdução dos agentes antibacterianos teve um impacto tremendo na morbidez e na mortalidade das doenças infecciosas e este é, sem sombra de dúvida, um dos mais espectaculares êxitos da medicina. Já em 1944, pouco depois da descoberta da penicilina, Fleming notou que algumas espécies de Staphylococcus aureus eram capazes de destruir a penicilina e avisou que a má utilização desta podia ter como resultado a selecção de mutações genéticas das bactérias que, deste modo, se tornariam resistentes ao medicamento. Actualmente, depois de meio século de utilização dos antibióticos, os genes da resistência a estes são, virtualmente, mais ou menos prevalecentes em todos os principais agentes patogénicos bacterianos. Este desenvolvimento está a tornar-se rapidamente numa importante ameaça para a saúde pública. As bactérias da tuberculose, multi-resistentes aos antibióticos, estão a aparecer de novo e a ser a principal causa de mortalidade a nível mundial. Hoje em dia, doentes internados nos hospitais são vítimas de infecções causadas por enterococos resistentes à maior parte dos antibióticos, dando origem a elevadas taxas de mortalidade. Em algumas partes do mundo, incluindo a Europa, as crianças têm de ser, por vezes, tratadas com antibióticos poderosos para simples otites médias, devido à expansão de espécies resistentes de pneumococci recentemente importadas. Nos países em desenvolvimento, espécies multi-resistentes de bactérias, causadoras de desinterias, têm dado origem a uma mortalidade elevada, devido à falta de verbas para a aquisição de alguns (muito caros) modernos antibióticos que tratam aquelas infecções.

2.2. O que é a resistência aos antibióticos?

As bactérias apresentam grandes diversidade e flexibilidade genéticas. Quando se dividem e aumentam de número, podem dar-se mutações fortuitas no seu programa genético susceptíveis de as tornar resistentes aos antibióticos. A célula bacteriana pode, por exemplo, sofrer mudanças que impeçam as moléculas antibióticas de a penetrar ou obter enzimas capazes de destruir o antibiótico. As bactérias podem também tornar-se resistentes aos antibióticos ao adquirirem elementos genéticos transferidos de outras bactérias resistentes. E bactérias de espécies diferentes podem, igualmente, realizar idênticas transferências de genes bacterianos entre elas. Estudos de genética bacteriológica têm mostrado que os genes resistentes consistem, frequentemente, em elementos móveis que conferem uma resistência simultânea a muitos antibióticos. A resistência aos antibióticos devia ser portanto vista como um fenómeno de ecologia genética. Muitas bactérias a que chamamos a flora bacteriana normal vivem nos seres humanos e animais, por exemplo, na pele, nas membranas mucosas e nos intestinos, onde são indispensáveis para certas funções orgânicas vitais. Essas bactérias serão influenciadas pelo tratamento com antibióticos, que as podem seleccionar como bactérias resistentes na flora normal. Dado que a maior parte das bactérias se divide num curto espaço de tempo, a resistência pode propagar-se rapidamente.

2.3. Qual é a dimensão da resistência aos antibióticos?

As autoridades de saúde, os médicos, os veterinários e os investigadores da área das doenças infecciosas, de todo o mundo, estão seriamente preocupados com o rápido aparecimento da resistência aos antibióticos que reduz de forma significativa as nossas possibilidades de tratamento das doenças infecciosas comuns. Embora estejam a ser desenvolvidos esforços no sentido de reduzir a propagação da resistência aos antibióticos, o problema continua a aumentar. As bactérias e os genes bacterianos podem transferir-se livremente de um sistema ambiental para outro (por exemplo, entre seres humanos, dentro e fora dos hospitais, dos animais para os alimentos e destes para as pessoas), significando isto que onde as bactérias se propagarem também resistência se propagará. No entanto, relatórios recentes de vários países referem que, desde que se tomem as medidas apropriadas, pode haver ainda tempo para conter um maior aparecimento e uma maior propagação das bactérias resistentes.

2.3.1. O contexto comunitário

A pneumonia causada por pneumococos é, em todo o mundo, uma das infecções mais facilmente contraídas em comunidade; as pessoas mais afectadas são os idosos e as crianças. Outra doença muito comum causada por aquela bactéria é a otite média. A resistência à penicilina pneumocócica é agora prevalecente em muitos países. Na Europa, os maiores níveis de resistência verificam-se em França e Espanha (35 %-50 %). Por isso, estas doenças vulgares são cada vez mais difíceis de tratar e, em alguns casos, exigem doses elevadas de antibióticos que só podem ser ministradas por injecções, aumentando, por conseguinte, os gastos com os cuidados de saúde.

As bactérias da tuberculose (TB) multi-resistentes aos antibióticos são um problema muito importante nos países em desenvolvimento e também na Europa, bem como noutras partes do mundo industrializado. Surtos de TB multi-resistentes têm sido referenciados em 35 estados dos EUA e em muitos países europeus. A propagação mundial da TB tem sido facilitada pela epidemia do HIV, dado que os doentes com sistemas imunitários debilitados sucumbem mais facilmente a doenças tão difíceis de tratar.

2.3.2. A cadeia alimentar

A incidência das infecções com salmonelas nos seres humanos aumentou consideravelmente em muitos países europeus nas últimas décadas. Salmonelas originárias de gado em cativeiro, de galinhas ou de ovos podem ser transmitidas através da cadeia alimentar. As infecções com samonelas podem, ocasionalmente, causar a invasão bacteriana dos tecidos e da circulação sanguínea e, nesses momentos, é necessário um tratamento eficaz com antibióticos. Em muitos países europeus, algumas espécies de salmonelas têm vindo a adquirir uma cada vez maior insensibilidade aos antibióticos por causa da propagação alarmante da múltipla resistência aos antibióticos. Uma outra bactéria do intestino transmitida pela cadeia alimentar, a campylobacter, mostra já crescentes sinais de resistência a alguns antibióticos.

2.3.3. O ambiente hospitalar

As bactérias causadoras de infecções hospitalares são cada vez mais prevalecentes. Neste caso, os estafilococos ainda são a bactéria mais vulgar, mas outras espécies de bactérias têm começado a surgir e a ser importantes causas de infecções hospitalares. A propagação de estafilococos resistentes à Methicilin (SMR), que muitas vezes são multi-resistentes aos antibióticos, ilustra o actual problema de saúde pública constituído pelas dificuldades em tratar as infecções. A prevalência de SMR na Europa varia muito de país para país. Em 1992, um amplo estudo de 10 000 doentes levado a efeito em mais de 1 400 unidades de cuidados intensivos de 17 países da Europa Ocidental mostrou que 60 % dos estafilococos eram SMR.

Outras bactérias capazes de provocar infecções hospitalares são os enterococos. São intrinsecamente resistentes a muitos antibióticos e, frequentemente, apenas um grupo destes (glicopéptidos) tem estado disponível para tratamentos. Agora, enterococos resistentes aos glicopéptidos estão a propagar-se nas unidades de cuidados de saúde de muitos países, impedindo qualquer tratamento eficaz. Exemplos como este justificam o receio de uma era pós-antibióticos. Como os enterococos fazem parte da flora intestinal humana, é quase impossível desalojá-los. Uma transferência genética horizontal da resistência à vancomicina para os estafilococos parece ser uma mera questão de tempo e nos sistemas de cuidados de saúde receia-se cada vez mais que aquela ameaça se torne numa realidade e origine graves problemas de tratamento.

2.4. Factores de desenvolvimento e propagação da resistência aos antibióticos

As alterações no programa genético bacteriano (por exemplo, mutações cromossomáticas) subjacentes ao desenvolvimento da resistência aos antibióticos ocorrem a todo o momento, independentemente de o microrganismo ter ou não estado exposto a antibióticos. Um factor-chave da propagação de uma bactéria com resistência aos antibióticos adquirida é a presença ou não, no ambiente, de antibióticos capazes de controlar ou eliminar as bactérias normais (sensíveis aos antibióticos), deixando, por isso, «espaço» aos organismos resistentes para florescerem e se expandirem. Este factor é conhecido como pressão antibiótica selectiva.

Em todos os sistemas ecológicos em que se utilizam antibióticos, dois factores principais influenciam a dimensão do problema da resistência aos antibióticos. Existe hoje um consenso internacional, entre médicos e investigadores, em torno da ideia de que o uso inadequado de antibióticos é um dos factores-chave responsáveis pela emergência da resistência aos antibióticos. Muitos relatórios e estudos sustentam esta relação de causa e efeito. O outro factor-chave consiste nas possibilidades e na capacidade de uma bactéria resistente se propagar no ambiente, de que são exemplo as condições ambientais que favorecem a propagação entre as pessoas.

2.4.1. A comunidade

Há várias explicações para o aparecimento e a propagação de bactérias resistentes na comunidade actual:

- Muitos factores podem provocar a utilização inadequada dos antibióticos, influenciando assim o desenvolvimento da resistência:

as maiores quantidades de antibióticos são utilizadas no tratamento de infecções das vias respiratórias, na sua maioria causadas por vírus, pelo que não podem ser tratadas com antibióticos. Os médicos dispõem de instrumentos limitados para determinar se uma infecção é causada por um vírus ou uma bactéria. Em caso de dúvida, quando o médico se encontra perante o doente, o receio de deixar passar uma infecção bacteriana ou a preocupação com uma acção judicial por falta profissional pode levá-lo a fazer uma prescrição «por razões de segurança»;

as fortes exigências ou expectativas dos doentes ou dos pais no que toca à prescrição de antibióticos para tratamento de infecções que, muitas vezes, são de origem viral e não bacteriana (por exemplo, constipações e infecções respiratórias virais);

uma menor consciência dos médicos e pais dos riscos de resistência associados ao uso inadequado daqueles medicamentos;

a possibilidade, existente em alguns países, de adquirir informalmente antibióticos sem prescrição;

doses ou tempos inadequados de tratamento com antibióticos;

a venda de contrafacções de preparações de antibióticos em alguns países, nomeadamente nos países em desenvolvimento. A utilização de tais produtos sem substâncias activas, ou com doses insuficientes, ou ainda com substâncias activas diferentes, pode dar origem a um «subtratamento» e, consequentemente, induzir à resistência.

- As débeis condições socio-económicas nos países onde a pobreza e o excesso de população são predominantes incentivam o aparecimento e a propagação das bactérias resistentes.

- Também nos países industrializados, os factores sociais influenciam a propagação da resistência, pois ali existem ambientes de «contacto íntimo» como as enfermarias, as escolas e os infantários. Na Islândia, uma elevada percentagem de crianças que frequentam os infantários é vista como uma causa importante da rápida propagação naquele país, por exemplo, dos pneumococos resistentes à penicilina.

- O aumento do número de viagens propicia a rápida transmissão de organismos resistentes aos medicamentos.

- A globalização do mercado dos produtos alimentares cria condições que levam à rápida propagação de bactérias transmitidas pela cadeia alimentar.

2.4.2. O ambiente hospitalar

- A utilização de antibióticos de largo espectro é frequentemente necessária nos cuidados de saúde, pois os doentes que hoje são tratados sofrem muitas vezes de graves infecções bacterianas relacionadas, por exemplo com tratamentos que lhes reduzem as defesas (medicamentos citostáticos, transplantes). Estes tratamentos com antibióticos facilitam a selecção das bactérias resistentes.

- O recurso a complicados equipamentos técnicos de tratamento proporciona «nichos» a novas bactérias que, de outra forma, não se teriam desenvolvido. A utilização de aparelhos de ventilação assistida, de equipamentos de diálise e cateteres dá-nos alguns exemplos.

- A higiene e o isolamento apropriado das instalações hospitalares são da maior importância para evitar a propagação das espécies resistentes de bactérias.

2.4.3. A medicina veterinária e a criação de gado

Os antibióticos são utilizados nos animais como aditivos alimentares estimulantes do crescimento e para efeitos de cura e prevenção de doenças. Alguns países referem que mais de 50 % da sua produção total de compostos amtibióticos são utilizados na agricultura (pecuária, piscicultura e culturas vegetais); uma boa parte é utilizada, como factor de crescimento, na produção de alimentos para animais. Ministrar antibióticos a animais pode seleccionar bactérias resistentes aos antibióticos susceptíveis de serem transmitidas aos seres humanos através da cadeia alimentar. Algumas dessas bactérias, como a salmonela e a campylobacter, podem ser a causa directa de doenças humanas graves, através da cadeia alimentar. Num reunião de peritos da OMS nesta matéria, em Outubro de 1997, foi sublinhado que «há provas directas de que a utilização de agentes antimicrobianos em animais selecciona serotipos de salmonela não tifóide resistentes a esses mesmos agentes antimicrobianos» e que «estas bactérias têm sido transmitidas ao homem através dos alimentos ou do contacto directo com animais». Foi também apresentada a prova de que o uso de aditivos alimentares contribuía para a reserva dos genes resistentes aos glicopéptidos nos enterococos. O grupo de peritos considerou também que devia ser prestada mais atenção aos riscos associados com o largo uso de fluoroquinolones como medicamentos para animais, especialmente porque esses medicamentos são um importante grupo de antibióticos da medicina humana. Com esse objectivo, realizou-se, em Junho de 1998, uma reunião da OMS sobre «O uso de quinolones nos alimentos para animais e o seu potencial impacto na saúde humana».

2.4.4. Agricultura

Grandes quantidades de antibióticos são igualmente utilizados na agricultura para prevenir doenças bacterianas nas plantas, para proteger as produções e conservar os alimentos. Não há ainda números disponíveis. Como exemplo, pode dizer-se que nos EUA pelo menos 10 000 quilos de estreptomicina são utilizados anualmente para controlar o míldio nas maçãs e nas peras. A estreptomicina e as tetraciclinas estão também a ser utilizadas contra focos bacterianos nos tomates e nos pimentos e contra a podridão mole das batatas. Nos EUA, mais de 800 substâncias para protecção das plantas são autorizadas e muitas delas são antibióticos.

2.5. O impacto financeiro da resistência aos antibióticos nos cuidados de saúde

É óbvio o custo correspondente a cada paciente infectado com bactérias resistentes aos antibióticos, em termos de hospitalização prolongada, sofrimento, operações fracassadas e possível morte se a infecção não for susceptível de tratamento. Torna-se muito difícil tentar estimar o custo para toda a sociedade da crescente prevalência da resistência aos agentes antibióticos. Uma análise de Holmberg e outros conclui que «embora os efeitos económicos e sanitários adversos das infecções causadas por bactérias resistentes aos medicamentos possam ser muito dificilmente quantificados, (...) a resistência aos agentes antimicrobianos é um sério problema de saúde e um fardo económico para a sociedade». Um exemplo característico é o cálculo recentemente feito pelos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, segundo o qual os custos médicos directos de um paciente com uma infecção no sangue causada pela resistência de enterococos à vancomicina ascenderiam a 18 000 US dólares por hospitalização. Números comparáveis, relativamente à Europa, são muito escassos; a titulo de indicação, poder-se-á dizer que se as dificuldades em tratar uma infecção antibiótica exigirem uma semana nos cuidados intensivos, o seu custo poderá elevar-se, em alguns Estados-Membros, a 12 000 US dólares, pelo menos.

2.6. A resistência aos antibióticos é reversível?

Diz-se muitas vezes que a hospedagem de genes resistentes aos antibióticos constitui um «fardo» para as bactérias pois, entre outras coisas, crescem mais devagar do que as bactérias normais. Esta hipótese é também a base da conclusão racional de que um consumo reduzido de antibióticos pode ajudar a controlar o aparecimento de bactérias resistentes na comunidade, dado que elas, então, serão suplantadas pelas «ressurgidas» bactérias normais. Alguns exemplos recentes provam que alterações no consumo de antibióticos podem conter o aparecimento de um certo de tipo de resistência aos antibióticos aos níveis nacional e local. No entanto, novos estudos genéticos mostram que as bactérias resistentes podem incorporar genes adicionais que compensarão o «fardo» causado pela resistência, tornando-as tão competitivas como as normais. Devem fazer-se rapidamente mais estudos sobre os fenómenos moleculares e genéticos subjacentes ao desenvolvimento da resistência aos antibióticos.

3. Iniciativas existentes destinadas a combater a resistência aos antibióticos, a diferentes níveis

3.1. Introdução

3.1.1. Mais adiante, será dada uma panorâmica das iniciativas existentes para combater o problema da resistência aos antibióticos - aos níveis nacional, da UE e internacional. Isso basear-se-á em parte nas respostas a quatro questionários temáticos enviados a pessoas de contacto nos Estados-Membros (bem como na Hungria e na República Checa), no princípio de Abril de 1998 (). Sem aspirar a ser um quadro exaustivo da situação nos Estados-Membros, a informação obtida com os questionários foca vários domínios susceptíveis de debate e análise mais aprofundados.

3.1.2. As iniciativas existentes de combate à resistência aos antibióticos - que em alguns países, como a Dinamarca e a Suécia, fazem parte de uma estratégia integrada () - e as recomendações para acções futuras (ver pt. 4 mais adiante) podem ser inseridas nas seguintes grandes categorias:

- utilização de antibióticos em seres humanos e em animais: exemplos de boas práticas;

- controlo da utilização de antibióticos;

- vigilância da resistência aos antibióticos de bactérias isoladas dos seres humanos e dos animais;

- controlo das infecções nos cuidados hospitalares e não-hospitalares;

- investigação;

- educação e outras medidas.

3.2. Utilização de antibióticos em seres humanos e animais: exemplos de boas práticas

3.2.1. Deve ser atribuída a maior importância a medidas que promovam alterações comportamentais de todos os agentes envolvidos no sentido de uma utilização mais racional dos antibióticos. Essas medidas incluem a elaboração de orientações para médicos e doentes, bem como para veterinários e respectivos clientes, sobre a forma e o momento de prescrever e utilizar antibióticos; a revisão das normas sobre quem está autorizado a prescrever e a vender antibióticos; a avaliação dos sistemas de reembolso; material educativo para os agentes envolvidos sobre a natureza dos problemas da resistência e as formas de a combater, etc.

3.2.2. Utilização de antibióticos em seres humanos

3.2.2.1. No que toca às normas que, a nível dos Estados-Membros, regulamentam a utilização de antibióticos, as respostas aos questionários sobre «Disponibilidade e Consumo de Agentes Antimicrobianos na Medicina Humana» () e «Orientações e Actividades Educativas relativas à Utilização de Agentes Antimicrobianos» () permitem tirar as seguintes conclusões:

- Em todos os Estados-Membros sobre os quais se recebeu informação, é necessária uma prescrição médica para os antibióticos orais e parenterais; em todos aqueles países, os antibióticos só podem ser prescritos por médicos, hospitais, ou farmacêuticos diplomados. Além disso, naqueles mesmos países, os antibióticos receitados são cobertos por um sistema de reembolso.

- Em muitos Estados-Membros, foram elaboradas orientações nacionais para o tratamento de antibióticos (em termos gerais e/ou sobre indicações específicas). Em poucos países (Itália, Luxemburgo, Portugal), essas orientações ainda não existem; na Holanda, acabam de ser feitas as primeiras tentativas para se chegar a um acordo sobre orientações nacionais.

- Nos países onde elas existem, o respeito pelas orientações tem sido controlado em alguns casos, mas noutros (por exemplo, o RU, a Alemanha e a França) isso ainda não foi feito.

- Em alguns Estados-Membros, têm sido organizados cursos escritos e orais de actualização para médicos sobre a utilização dos antibióticos, mas noutros isso não tem acontecido de forma sistemática.

3.2.2.2. Relativamente às actividades a nível da UE, podem ser feitas, entre outras, referências ao pedido feito pela Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (AEAM) aos Estados-Membros para que informem o Comité das Especialidades Farmacêuticas (CEF) sobre a existência de orientações oficiais relativas à utilização racional de antibióticos.

3.2.3. A utilização de antibióticos em animais

3.2.3.1. Deve ser feita uma distinção entre, por um lado, a utilização de antibióticos para fins veterinários e, por outro, como aditivos alimentares estimulantes do crescimento dos animais. Recentemente, debates ao nível comunitário focaram com intensidade a questão dos aditivos alimentares.

3.2.3.2. Na UE, são considerados actualmente substâncias estimulantes do crescimento dez agentes antibacterianos. No entanto, alguns Estados-Membros têm restringido a sua utilização, através de medidas legislativas ou promovendo o seu abandono voluntário. O único Estado-Membro a banir a utilização de antibióticos como aditivos alimentares estimulantes do crescimento () foi a Suécia (a proibição está em vigor desde 1986). Aquando da adesão da Suécia à União Europeia, ficou acordado que, até 31 de Dezembro de 1998, aquele país seria autorizado a manter a proibição da utilização de antibióticos como aditivos alimentares. Além disso, à Finlândia foram garantidas isenções quanto ao uso de alguns antibióticos como estimulantes do crescimento (aplicação até finais de 1997).

3.2.3.3. A avoparcina, utilizada anteriormente como estimulante do crescimento, está intimamente relacionada com a vancomicina, que é uma das principais preparações antibióticas utilizadas nos cuidados de saúde humanos. O uso da avoparcina na criação de gado é criticado dado que pode seleccionar genes resistentes à vancomicina que podem ser propagados através da cadeia alimentar. Em Maio de 1995 em Janeiro de 1996, a Dinamarca e a Alemanha, respectivamente, invocando a cláusula de salvaguarda constante do artigo 11º da Directiva 70/524/CEE, proibiram unilateralmente a utilização, nos seus territórios, da avoparcina na alimentação animal. Consequentemente, em Janeiro de 1997, a Comissão Europeia suspendeu, ao abrigo do princípio da precaução, a autorização da utilização da avoparcina nos animais, a qual ficava pendente da uma investigação sobre os possíveis riscos envolvidos (Directiva 97/6/CE, de 30 de Janeiro de 1997, que alterava a Directiva do Conselho 70/524/CEE relativa a aditivos alimentares).

3.2.3.4. Deve ser realçado, no entanto, que outros antibióticos são utilizados como estimulantes do crescimento na criação de gado. Alguns desses antibióticos (por exemplo, Avilamycin, Spiramycin, Tylosin, Virginiamycin) são similares a substâncias utilizadas (ou em fase de desenvolvimento) na medicina humana. Infelizmente, há também indicações do desenvolvimento de resistências a esses antibióticos, o que pode significar que o seu período de eficácia na medicina humana é reduzido. Por isso, a cláusula de salvaguarda constante da Directiva 70/524/CEE foi recentemente invocada pela Finlândia (para o Tylosin e o Spiramycin) e pela Dinamarca (para o Virginamycin).

3.3. Observação da utilização de antibióticos

3.3.1. A existência de sistemas de observação e de estatísticas relativos à utilização e venda de antibióticos é da maior importância, pois pode fornecer informação valiosa sobre a correlação entre os níveis de utilização e as formas de resistência.

3.3.2. Observação da utilização de antibióticos na medicina humana

No que toca à observação da utilização de antibióticos em seres humanos nos Estados-Membros, as respostas até agora dadas ao questionário sobre a «Disponibilidade e Consumo de Agentes Antimicrobianos na Medicina Humana» () permitiram tirar as seguintes conclusões:

- em vários Estados-Membros há estatísticas disponíveis sobre as quantidades de antibióticos prescritos ou vendidos; em alguns casos, (por exemplo, na Áustria, Dinamarca e Luxemburgo) tais estatísticas oficiais cobrem apenas parte do consumo de antibióticos (por exemplo, a utilização em hospitais ou a utilização não reembolsada pelo sistema nacional de saúde não são objecto de observação). Em diversos países (Itália, França e Holanda), as respostas indicam que tais estatísticas oficiais não estão, normalmente, disponíveis;

- no que toca ao nível de desagregação das estatísticas oficiais (nacional, regional, local, hospitalar, das prescrições individuais), a situação parece variar muito entre Estados-Membros. Apenas em dois países se refere que há dados disponíveis em todos os níveis citados (Portugal e Finlândia - neste último, as estatísticas aos níveis local, hospitalar e das prescrições médicas só se encontram disponíveis para fins administrativos e de investigação).

3.3.3. Observação da utilização de antibióticos em animais

Com poucas excepções (Dinamarca e Suécia), os dados úteis sobre a utilização de antibióticos em animais não estão imediatamente disponíveis nos Estados-Membros da UE. Sublinhe-se, contudo, que a Directiva 95/69/CEE () exige que, a partir de 1 de Abril de 1998, as empresas fabricantes de antibióticos utilizados como aditivos animais façam um registo que garanta controlo das quantidades de antibióticos utilizados, especificando, entre outras coisas, a natureza e a quantidade de aditivos adquiridos. Este registo encontra-se à disposição das autoridades competentes dos Estados-Membros. Além disso, qualquer pessoa autorizada a vender produtos veterinários a retalho é obrigada a conservar registos pormenorizados dos diferentes aspectos das suas compras e vendas.

3.4. A vigilância da resistência aos antibióticos das bactérias isoladas dos seres humanos e dos animais

3.4.1. A fim de fornecer a necessária base das alterações das formas de prescrição e utilização, e de desenvolver outras acções de combate à resistência aos antibióticos, são indispensáveis sistemas globais e permanentes de vigilância, tanto nos Estados-Membros como aos níveis da UE e internacional. Nos últimos anos, foram lançadas várias iniciativas de criação reforço dos sistemas de vigilância, nos Estados-Membros e aos níveis da UE e internacional. Embora isto seja, em si, um desenvolvimento positivo, pode-se perguntar se há necessidade de novas acções e, ou, de uma maior coordenação das iniciativas existentes. Efectivamente, em alguns casos, os sistemas de vigilância local não fornecem os seus dados ao sistema nacional, noutros os dados não se podem comparar, ou não são de fácil acesso, ou não há relações entre os dados clínicos e laboratoriais, etc.

3.4.2. Em Dezembro de 1997, numa reunião efectuada em Verona, foi apresentada uma síntese das actividades nacionais de vigilância da resistência aos agentes antimicrobianos, integrada no Programa de Controlo da Resistência aos Agentes Antimicrobianos da OMS.

3.4.2.1. No que toca à informação obtida com o questionário sobre a «Vigilância da Resistência aos Antibióticos» (), pode-se concluir que:

- Na maior parte dos países sobre os quais temos informações, há uma espécie de sistema nacional de informação voluntária ou obrigatória sobre agentes patogéneos bacterianos seleccionados, resistentes a certos antibióticos nos cuidados de saúde humanos. Há, contudo, grandes diferenças na cobertura: enquanto em alguns países (por exemplo, a República Checa, a Grécia, a Itália, a Hungria, a Holanda e a Suécia) muitos patogéneos importantes (os pneumococos resistentes ao PC, SMR, VRE e os gramnegativos multi-resistentes) são abrangidos, noutros países, as acções de observação da resistência aos antibióticos são de âmbito muito mais limitado. Na maior parte daqueles países (com excepção do RU e da Itália), a informação está oficialmente disponível. Noutros Estados-Membros (Alemanha, Irlanda, Luxemburgo, Portugal e Espanha) não existe actualmente qualquer sistema de informação.

- Na maior parte dos Estados-Membros, há programas nacionais que garantem a qualidade dos testes à sensibilidade antimicrobiana; em apenas três países (Dinamarca, Grécia e Espanha), esses programas abrangem também os laboratórios privados. Na Áustria, na Bélgica, na Irlanda, na Itália e em Portugal, não há programas; na Áustria, na Irlanda e em Portugal, vários laboratórios utilizam o Plano Nacional de Garantia da Qualidade Externa, criado pelo PHLS da Inglaterra e do País de Gales.

3.4.3. Há muitos exemplos recentes de iniciativas aos níveis europeu e internacional

3.4.3.1. Deve ser feita uma referência especial ao projecto recentemente lançado de criação de um Sistema de Vigilância da Resistência aos Antimicrobianos (SVRA) e ao Banco de Informação Global (BIG) que está a ser desenvolvido no âmbito do Programa de Controlo da Resistência aos Antimicrobianos da OMS. Alguns outros projectos financiados pela UE, como Rede de Vigilância da Tuberculose, o relativo às infecções nosocomiais, coordenado por EZUS, em Lyon, e ainda o projecto Salmnet/Enternet também incluem acções relacionadas com a vigilância da resistência aos antibióticos.

3.4.3.2. Deve também ser focada, neste contexto, a importância das acções da AEAM, especialmente no que se refere às «Notas de orientação para o capítulo farmacodinâmico do resumo das características dos produtos (RCP) destinados aos medicamentos anti-bacterianos», recentemente aprovadas pelo Comité das Especialidades Farmacêuticas. Este documento, dirigido à indústria e às autoridades reguladoras, fornece orientações sobre o fornecimento de informações aos profissionais de saúde e aos doentes antes da introdução de um novo antibiótico no mercado. Embora reconhecendo as diferenças geográficas existentes na UE em relação à resistência, o documento requer que os «possuidores de uma autorização de comercialização» forneçam e actualizem a informação sobre formas locais de resistência. Esta informação, que é muito importante para os clínicos no momento em que prescrevem aqueles produtos para tratar infecções, é então inserida no capítulo das propriedades farmacodinâmicas do RCP e também incluída nos relatórios oficiais europeus de avaliação.

3.4.4. Quanto à vigilância da resistência aos antibióticos nos animais, deve ser feita referência, entre outras, às actividades do Comité de Medicamentos Veterinários da AEAM, que, habitualmente, examina a ocorrência de casos de resistência aos antibióticos em animais e a sua possível transferência ao homem. Além disso, deve ser feita uma menção ao programa de vigilância criado para dar cumprimento ao disposto no artigo 2º da Directiva 97/6/CE (ver pt. 3.2.3.3). Numa primeira fase, este programa, que poderá ser alargado no futuro, está limitado a um organismo (Enterococcus faecium), embora também abranja um grupo seleccionado de aditivos alimentares antibacterianos compostos e Estados-Membros.

3.5. Controlo das infecções nos meios hospitalares e não-hospitalares

3.5.1. Estão a ser actualmente levadas a cabo várias iniciativas para se obter uma síntese das estratégias de combate às infecções, desenvolvidas pelos Estados-Membros. Essas iniciativas incluem o Grupo de Estudo sobre Infecções Hospitalares (ESCMID), o Grupo Europeu para as Infecções Nosocomiais (HELICS) e o projecto sobre Infecções Noscomiais, coordenado em Lyon por EZUS.

3.5.2. As respostas ao questionário sobre a «Política de Controlo de Infecções» () já recebidas permitem as seguintes conclusões:

- Em muitos Estados-Membros foram publicadas orientações nacionais para as políticas de controlo das infecções nos meios hospitalar e não-hospitalar. Na Finlândia, a política nacional de controlo das infecções nos hospitais está ainda numa fase-piloto; Na Hungria, está actualmente a ser elaborada; na Áustria, não existem ainda orientações nacionais para o controlo das infecções.

- Na maior parte dos países em questão (com excepção da França, do Luxemburgo e da Hungria), a implementação de programas de controlo das infecções nos hospitais é obrigatória.

- Enquanto em vários países existem programas de formação para os controlos das infecções destinados a médicos e enfermeiras, em alguns outros (por exemplo, Luxemburgo, Espanha e Suécia) eles não existem.

3.6. Investigação

3.6.1. A investigação no domínio da resistência aos antibióticos está a merecer uma atenção cada vez maior da parte das universidades e da indústria farmacêutica. As actividades de investigação incluem projectos que visam uma melhor compreensão dos mecanismos que se encontram por detrás do aparecimento da resistência aos antibióticos e o desenvolvimento de novas técnicas destinadas a encontrar alvos moleculares para novos antibióticos.

3.6.2. Na frente da investigação científica e tecnológica europeia, a investigação médica naquele domínio é de uma especial importância no contexto dos programas plurianuais de investigação da UE e das iniciativas Eureka e COST. O CCI e o Ispra desempenham um papel activo no trabalho directo de investigação da UE.

3.6.3. Os principais programas específicos (Biomed 1 e 2), no âmbito do 3º e 4º Programas-Quadro Comunitários de I& D, têm-se concentrado na investigação neste sector. No contexto do Quarto Programa-Quadro, deve ser feita uma referência ao programa de investigação no domínio da agricultura e das pescas FAIR, que tem financiado vários projectos de investigação relacionados com bactérias provenientes de animais, resistentes aos antibióticos. Devia também ser realçado que as propostas do 5º Programa-Quadro (1998-2002), sobre o qual o Comité está a elaborar um parecer, abrangem acções específicas de controlo das doenças infecciosas, com estratégias baseadas no tratamento e prevenção, e nos estudos de resistências patogénicas, bem como na observação das reacções imunitárias. Outras acções-chave a desenvolver no âmbito do Quinto Programa-Quadro incluem a investigação de produtos e processos inovadores relacionados com a saúde, com especial destaque para a engenharia molecular de preparações antibióticas para utilização humana e animal.

4. Recomendações para acções futuras aos níveis nacional e da UE

4.1. Introdução

Tendo em conta as actividades e estruturas descritas no ponto 3 deste parecer, o Comité faz as seguintes recomendações para acções futuras de combate à resistência aos antibióticos, aos nível nacional e - quando importante e realizável - da UE (ver pontos 2.4-2.7 infra). Dada a natureza multi-disciplinar do problema, é essencial que as medidas propostas sejam encaradas como fazendo parte de uma política global, a ser coordenada por um organismo central. Até ao momento, os diferentes aspectos do problema da resistência têm sido tratados frequentemente de forma separada. Neste contexto devem ser consideradas positivas as iniciativas Danmap, da Dinamarca, e Strama, da Suécia (ver pt. 3.1), bem como a recente decisão do Comité Directivo Científico de examinar a questão da resistência aos antibióticos em todas as suas facetas.

4.2. A utilização de antibióticos nos seres humanos e nos animais

- A Comissão devia incentivar e apoiar o estabelecimento, em todos os Estados-Membros, de orientações para a utilização racional de antibióticos na medicina humana e na medicina veterinária. Essas orientações devem ser actualizadas regularmente, com base na informação e na experiência clínica, e necessitam de ser adaptadas às políticas para os antibióticos e às formas de resistência ao nível local. Embora tais orientações devam ser vistas como recomendações e instrumentos de apoio às decisões e não como regulamentações estritas que, possivelmente, só restringiriam a intervenção terapêutica do médico, é importante que o grau de adesão a essas mesmas orientações seja observado a intervalos regulares.

- A utilização racional de antibióticos terá mais garantias se se evitar a sua venda livre. Por isso, devem ser eliminadas as tendências para a desregulamentação do fornecimento de antibióticos através da alteração do seu estatuto de medicamentos que exigem prescrição médica. Por outras palavras, a prescrição deve continuar a ser feita apenas por médicos e veterinários.

- No domínio animal, a utilização de antibióticos deve ser limitada (de modo incontroverso) à medicina veterinária. Neste contexto, o Comité partilha do ponto de vista do comité de peritos apresentado na reunião de Outubro de 1997 da OMS, em Berlim, segundo o qual «as preocupações com os riscos para a saúde pública resultantes da utilização de antimicrobianos para fins de crescimento indicam que é essencial haver uma abordagem sistemática no sentido da substituição dos estimulantes do crescimento antimicrobianos por alternativas não antimicrobianas mais seguras». Neste contexto, a tónica devia ser posta, antes de tudo, na limitação da utilização de antibióticos que provocam resistências cruzadas aos medicamentos e que são, ou serão, da maior importância para os cuidados de saúde humanos.

4.3. Observação da utilização de antibióticos

- A inspecção permanente das quantidades e padrões de utilização de antibióticos aos níveis nacional e europeu é essencial; daí que devam ser criadas estruturas em todos os Estados-Membros responsáveis pela recolha e análise da informação importante. Estes sistemas de observação devem abranger as quantidades e tipos de antibióticos utilizados nos seres humanos (nos meios hospitalar e não-hospitalar), nos animais e para protecção das plantas. Para que a informação recolhida seja comparável, os dados de todos os Estados-Membros devem ser harmonizados em termos de sistemas de classificação dos vários antibióticos e de unidades empregues para medir as quantidades utilizadas. Devem ser envidados esforços para elaborar estatísticas o mais próximas possível dos níveis locais e, em relação com isto, deve ser criado um sistema de informação regular (pelo menos anual) de informação.

- Além das estruturas nacionais, deve ser criado um organismo centralizador europeu que coordene e faça o intercâmbio das informações provenientes dos Estados-Membros.

4.4. Vigilância da resistência aos antibióticos das bactérias isoladas de seres humanos e animais

- A fim de controlar e analisar a situação da resistência aos antibióticos aos níveis nacional e da UE, devem ser criados sistemas nacionais apropriados de vigilância dos antibióticos, semelhantes às estruturas atrás propostas para a observação da utilização de antibióticos. Esses sistemas devem também incluir os dados sobre a resistência das bactérias isoladas de animais. A resistência aos antibióticos deve ser observada nas bactérias patogénicas e zoonóticas, e ainda nas bactérias-indicadores (). A vigilância conjunta das formas de resistência nos seres humanos e nos animais propicia uma melhor compreensão da interacção dos sistemas ecológicos e estabelece uma plataforma de cooperação na investigação. Este sistema deve estar apto a fornecer um quadro exacto do problema nacional e, para fins de comparação, abranger a garantia da qualidade externa dos métodos de detecção. Os esforços iniciais nos cuidados de saúde humanos, com vista ao desenvolvimento de um sistema nacional de vigilância, podiam concentrar-se, por exemplo, na prevalência das SMR, VRE, nos pneumococos resistentes à penicilina e nas bactérias gram negativas multi-resistentes nas culturas de sangue. Os Estados-Membros deviam informar, pelo menos uma vez por ano, sobre os desenvolvimentos da resistência aos antibióticos. Os sistemas de vigilância propostos exigirão recursos consideráveis da parte dos Estados-Membros e da UE. Além disso, o funcionamento do sistema obrigará a indústria suportar custos consideráveis para fornecer os dados relativos à vigilância.

- Como complemento dos sistemas nacionais de vigilância, necessita de ser criado um organismo central, ao nível europeu, que, entre outras coisas, recolha e analise a informação oriunda dos Estados-Membros e garanta que os dados nacionais sejam comparáveis. Neste contexto, deviam ser examinadas com mais profundidade a possível importância da «Rede de vigilância epidemiológica e de controlo das doenças transmissíveis da Comunidade Europeia» () proposta e a possibilidade do estabelecimento futuro de redes semelhantes que abranjam outras questões.

4.5. Controlo das infecções nos meios hospitalar e não-hospitalar

- Todos os Estados-Membros deviam desenvolver orientações para o controlo das infecções, com normas nacionais, e onde elas já existirem, revê-las, como medida minimizadora da propagação de bactérias resistentes aos antibióticos nos meios hospitalar e não-hospitalar. Deviam também ser considerados, à luz das citadas orientações, sistemas de controlo de qualidade que incluíssem o acompanhamento local das formas de resistência, da utilização dos antimicrobianos e das actividades educativas. Os programas que incluam equipas treinadas de controlo de infecções devem ocupar um lugar central na boa gestão dos hospitais e ser dotados com recursos suficientes.

4.6. Investigação

- É necessário e urgente compreender melhor os factores de risco que envolvem o aparecimento e a propagação da resistência aos antibióticos. Deve ser dada prioridade aos esforços de investigação sobre:

o cálculo do risco dos antibióticos específicos perderem a sua eficácia em resultado do desenvolvimento da resistência, através de estudos quantitativos sobre a evolução da resistência aos antibióticos nas populações bacterianas e da melhoria dos projectos de ensaios clínicos;

o aumento da compreensão da transmissibilidade de bactérias resistentes em diferentes nichos ecológicos, por exemplo, em doentes (hospitalizados e não-hospitalizados), em diversas populações animais e no ambiente;

o impacto das práticas de utilização de antibióticos nos Estados-Membros no desenvolvimento da resistência aos antibióticos;

a optimização da dosagem antibiótica (dose, duração do tratamento) a fim de reduzir o risco do desenvolvimento da resistência;

o desenvolvimento de novas técnicas de diagnóstico que permitam aos generalistas identificar, rápida e facilmente, os agentes patogéneos responsáveis, e de testes de sensibilidade;

o desenvolvimento de vacinas eficazes contra bactérias.

Obviamente, os Programas-Quadro de Investigação da UE podem desempenhar um papel crucial neste domínio. É por isso da maior importância que as actividades de I& D sobre a resistência aos antibióticos sejam incluídas no 5º Programa-Quadro (1998-2002) que está, neste momento, a ser debatido pelas Instituições.

4.7. Educação e outros assuntos

- Haverá que responsabilizar um só organismo na UE (AEAM - abrangendo o Espaço Económico Europe e os países da Europa Central e Oriental) pela avaliação dos pedidos de autorização e comercialização de antibióticos para utilização humana e veterinária. Para este fim, deverá ser alargado o âmbito do «procedimento centralizado».

- Devia ser garantida uma coordenação estrita e permanente entre os diferentes organismos responsáveis pela avaliação e supervisão dos antibióticos utilizados na medicina humana e na medicina veterinária (actualmente, a AEAM e as autoridades nacionais) e dos utilizados como estimulantes do crescimento animal e para protecção das plantas. Para esse fim, devia também ser considerada a criação de uma única base de dados para recolha da informação importante. Deve igualmente ser posta a questão se, aquando da avaliação dos antibióticos, são suficientemente tidos em conta os seus possíveis efeitos indesejáveis sobre a flora bacteriana.

- No que toca à farmacovigilância, a partir do momento em que os produtos são autorizados, a resistência aos antibióticos deve ser considerada um efeito adverso indirecto dos antibióticos e a vigilância dos padrões de resistência deve ser encarada como um aspecto especial da vigilância da «não-eficácia». É por isso acolhido muito favoravelmente o alargamento à «não-eficácia» do âmbito dos «Relatórios sobre as reacções adversas dos medicamentos» utilizados na medicina veterinária; esse passo devia também ser dado para os medicamentos humanos.

- Deve também ser prestada atenção às actividades publicitárias da indústria farmacêutica. A Comissão deve incentivar e elaboração de normas éticas para a publicidade dos produtos medicinais, incluindo os antibióticos, ao nível da UE, em colaboração com a indústria farmacêutica e outros importantes agentes. Devem, por isso, ser desenvolvidos métodos de avaliação e controlo do respeito por essas normas éticas. Para o debate desta questão deviam ser tidos em conta, entre outros, os «Critérios éticos da promoção das drogas medicinais» da OMS e o «Código de Práticas de Marketing e Promoção» do IFPMA e a forma como tais critérios são seguidos.

- A Comissão devia incentivar os Estados-Membros a fazerem um levantamento para garantirem se os médicos, veterinários e farmacêuticos formados e qualificados recebem informação suficiente e uma formação profissional contínua sobre as doenças infecciosas, o controlo das infecções, os antibióticos, a sua prescrição e o tratamento da resistência aos mesmos. A educação e formação da classe médica de uma importância fundamental para controlar o aparecimento e a propagação da resistência aos antibióticos para que qualquer acção neste domínio tenha um efeito imediato.

- A Comissão devia promover o lançamento de uma campanha multimedia pelos Estados-Membros, com vista a informar a opinião pública sobre as infecções, a higiene e os antibióticos, desenvolver uma maior consciencialização relativamente aos antibióticos e pôr o público (por exemplo, os pais, os professores e as crianças em idade escolar) ao corrente dos factos.

- Os Estados-Membros deviam dar um apoio activo às actividades da Divisão de Vigilância e Controlo do Aparecimento de Doenças da OMS e ao seu Programa de Controlo da Resistência aos Antimicrobianos.

Bruxelas, 9 de Setembro de 1998.

O Presidente do Comité Económico e Social

Tom JENKINS

() Os antibióticos são substâncias naturais, produzidas por micro-organismos, que destroem outros micro-organismos ou impedem o seu desenvolvimento, enquanto os agentes quimioterápicos são substâncias de síntese com as mesmas propriedades. O termo «agente antimicrobiano» foi definido como sendo qualquer substância de origem natural, semi-sintética ou sintética capaz de destruir um micro-organismo ou de impedir o seu crescimento, mas não prejudicando, ou muito pouco, o seu anfitrião. Para simplificar, o termo «antibiótico», além de designar os antibióticos clássicos, servirá também de sinónimo dos agentes antimicrobianos que produzam efeitos antibacterianos.

() Neste contexto, iniciativas como a planeada colaboração entre a OMS e a indústria farmacêutica (através da Federação Internacional das Indústrias Farmacêuticas - IFPMA) são de uma importância fundamental.

() Estes questionários, bem como outras informações adicionais sobre exemplos de boas práticas nos Estados-Membros, as actividades do Programa de Controlo da Resistência Antimicrobiana da OMS, bem como exemplos de iniciativas existentes a nível internacional e da UE relacionadas com o controlo da resistência aos antibióticos e das infecções constam dos anexos ao parecer da secção (CES 567/98 final).

() Na Dinamarca, essa estratégia tem sido seguida desde 1995 como parte do Programa Integrado Dinamarquês de Controlo e Investigação da Resistência Antimicrobiana (PIDCIRA); na Suécia tem sido aplicado desde 1994 um programa estratégico de utilização racional de antibióticos e de vigilância da resistência (STRAMA).

() Até ao momento, foram recebidas informações das pessoas de contacto na Áustria, na Bélgica, na Dinamarca, na Finlândia, na França, na Grécia, na Hungria, na Itália, no Luxemburgo, na Holanda, em Portugal, na Suécia e no Reino Unido.

() Até ao momento, foram recebidas informações das pessoas de contacto na Bélgica, na Dinamarca, na Finlândia, na Grécia, na França, na Alemanha. Na Itália, no Luxemburgo, na Holanda, em Portugal, na Suécia e no Reino Unido.

() Deve ser, no entanto, realçado que algumas dessas substâncias (por exemplo, o Tylosin) continuam a ser utilizadas como medicamentos em animais, mediante prescrição.

() JO L 332 de 30.12.1995, pp. 15-32.

() Até ao momento, foi recebida informação das pessoas contactadas na Áustria, na Bélgica, na República Checa, na Dinamarca, na Finlândia, na França, na Alemanha, na Grécia, na Hungria, na Irlanda, na Itália, no Luxemburgo, na Holanda, em Portugal, na Espanha, na Suécia e no Reino Unido.

() Foi recebida informação das pessoas contactadas na Áustria, na Bélgica, na Dinamarca, na Finlândia, na França, na Alemanha, na Hungria, na Itália, no Luxemburgo, na Holanda, em Portugal, em Espanha, na Suécia e no Reino Unido.

() As bactérias-indicadores, como E. coli e enterococi, pertencem à flora normal endógena do homem e dos animais. A prevalência e o grau de resistência destas bactérias podem ser utilizadas como indicadores na medição da pressão selectiva exercida pela utilização de antibióticos em várias populações (por exemplo, hospitais, explorações agrícolas, cidades e países) e para prever o aparecimento da resistência nos patogéneos.

() COM(96) 78 - JO C 123 de 26.4.1996. Em 28.5.1998, o Comité de Conciliação PE/Conselho chegou a acordo sobre a proposta: as duas instituições têm agora 6 meses para o confirmar definitivamente.