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Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na Sociedade da Informação»

Jornal Oficial nº C 407 de 28/12/1998 p. 0030


Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na Sociedade da Informação» () (98/C 407/06)

Em 6 de Fevereiro de 1998, o Conselho da União Europeia decidiu, em conformidade com o artigo 100º-A do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a proposta supramencionada.

A Secção de Indústria, Comércio, Artesanato e Serviços, incumbida de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 8 de Julho de 1998. Foi relator R. Moreland.

Na 357ª reunião plenária de 9 e 10 de Setembro de 1998 (sessão de 9 de Setembro), o Comité Económico e Social adoptou o seguinte parecer, por 93 votos a favor, 3 votos contra e 2 abstenções.

1. Introdução: Proposta da Comissão

1.1. A presente proposta de directiva resulta das respostas ao Livro Verde da Comissão de 1995 (). É, todavia, o mais recente acto legislativo decorrente do Livro Verde inicial sobre os direitos de autor na Sociedade da Informação, de 1998 (), e, talvez, a mais importante das propostas apresentadas até à data.

1.2. Esta directiva tem dois objectivos fundamentais: em primeiro lugar, dar continuidade ao processo de harmonização dos direitos de autor e dos direitos conexos, na linha do Livro Verde; em segundo lugar, transpor para o direito comunitário os recentes tratados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre direito de autor e sobre prestações e fonogramas, adoptados em Genebra em Dezembro de 1996.

1.3. As propostas na sua globalidade são coerentes, de uma maneira geral, com as observações do Comité sobre o Livro Verde e com os tratados da OMPI. A Comissão adoptou uma abordagem com quatro vertentes:

1.3.1. manter o correcto funcionamento do mercado interno;

1.3.2. manter a máxima flexibilidade para os Estados-Membros no contexto da subsidiariedade;

1.3.3. proteger e salvaguardar os direitos de propriedade intelectual, especialmente os relativos ao conteúdo em linha;

1.3.4. assegurar o equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos de propriedade intelectual e os direitos dos utilizadores e do público em geral.

1.4. A questão central em debate é a de saber até que ponto determinadas excepções aos direitos de autor e direitos conexos harmonizados devem ser deixadas à interpretação de cada Estado-Membro. Por outras palavras, na actual versão os Estados-Membros gozam de considerável discricionaridade quanto ao nível exacto de tais excepções, que contemplam, nomeadamente, a reprodução em papel, as utilizações não comerciais a favor de pessoas com deficiências visuais ou auditivas, o relato de acontecimentos de actualidade e as bibliotecas e centros de informação equivalentes abertos ao público. A perspectiva da Comissão visa essencialmente encontrar o equilíbrio entre a garantia de inexistência de obstáculos ao comércio e a não interferência na diversidade cultural dos Estados-Membros.

2. Observações na generalidade

2.1. A análise da proposta em apreço deveria basear-se na intenção da Comissão de alcançar um equilíbrio, colocando a tónica na necessidade de assegurar que as excepções não mantenham ou criem obstáculos ao comércio intracomunitário. Nesse sentido, a óptica da Comissão é coerente com o parecer do Comité sobre o Livro Verde de 1995, no qual foi salientada a importância - dada a complexidade e as diferenças entre as legislações dos Estados-Membros - de se ter presente o sentido das prioridades.

2.2. Dada a complexidade da matéria, o tempo necessário para aplicação da legislação comunitária e o louvável propósito da Comissão de concentrar a sua atenção nos principais obstáculos ao mercado único, é correcta a abordagem adoptada. Importa, porém, tratar sem demora estas difíceis questões quando ameacem tornar-se um obstáculo ao comércio.

2.3. O Comité não propõe qualquer alteração às disposições da proposta de directiva que se limitam a transpor partes do Tratado da OMPI para o direito comunitário.

2.4. Assim, o Comité, aprovando embora a proposta de directiva nas suas linhas gerais, gostaria de formular algumas observações na especialidade. O artigo 5º da proposta de directiva é claramente o domínio que exige análise mais cuidada.

3. Observações na especialidade

3.1. Introdução

3.1.1. A proposta de directiva contém considerandos em demasia. Os que são meras repetições deveriam ser elididos. Os que constituem uma explanação ou um desenvolvimento do texto deveriam ser transferidos para o articulado da directiva.

3.2. Nº 2 do artigo 1º

3.2.1. Dever-se-ia inserir o vocábulo «explícita» a seguir a «disposição», o que evitaria controvérsias quanto à questão de saber se a aplicação de outras cláusulas implica a anulação de disposições anteriores.

3.2.2. O Comité propõe que a Comissão publique uma directiva de consolidação, por forma a que toda a legislação sobre direitos de autor e direitos conexos ao nível comunitário seja condensada num só documento, para facilidade de consulta.

3.3. Artigo 2º

Este artigo, na sua globalidade, reflecte e é coerente com a directiva relativa ao direito de aluguer (). Para muitos Estados-Membros, a mais importante das novas disposições - no que diz respeito ao direito de reprodução - é o requisito de que tal direito se aplique tanto à reprodução temporária ou transitória como à reprodução permanente. Esta disposição merece acolhimento favorável: só será possível promover a Sociedade da Informação se os titulares de direitos puderem controlar aquela que será, em última análise, a única utilização comercial das suas obras em linha, que se processará, em larga medida, através da realização e utilização de cópias temporárias ou transitórias.

3.4. De notar que não se prevê qualquer direito exclusivo em relação à radiodifusão multicanal.

3.5. Artigo 3º

O nº 1 do artigo 3º procura, numa definição formulada com particular cuidado, tratar a questão do direito exclusivo dos titulares de direitos de autor de autorizarem ou proibirem a publicação em linha das suas obras, incluindo a colocação das mesmas à disposição do público na Wordwide Web. Importa ter particularmente em atenção a necessidade de assegurar que a definição resista à evolução tecnológica, especialmente à utilização de agentes inteligentes e de tecnologia «push» em vez de tecnologia «pull», ou seja a utilização pró-activa da tecnologia para colocar à disposição dos utilizadores da Wordwide Web cópias de obras sem que estes tenham de as solicitar através de um programa de navegação.

3.6. Artigo 4º

3.6.1. Este artigo diz respeito ao direito de distribuição, designadamente o direito dos titulares de direitos de autor de controlarem a distribuição de cópias materiais das suas obras. A principal questão jurídica que se levanta é a de saber se tal direito se deverá «esgotar» com a primeira venda apenas na Comunidade ou em todo o mundo. Isto é, se a importação, de um país terceiro, da cópia material legítima de uma obra cuja venda tenha sido devidamente autorizada nesse país deverá ser permitida sem o consentimento do titular de direitos equivalentes na Comunidade. Esta questão é especialmente relevante no caso das chamadas «importações paralelas» dos Estados Unidos da América, país em que, por exemplo, os discos compactos destinados aos consumidores são frequentemente mais baratos.

3.6.2. O Comité considera que, dada a actual situação do mercado e, em particular, tendo em conta que, nas principais jurisdições comerciais, se aplicam regras semelhantes, se justifica que a proposta da Comissão opte pelo esgotamento do direito de distribuição ao nível comunitário e não ao nível internacional. Contudo, o Comité recomenda que o artigo em questão seja reformulado, para que não subsistam quaisquer dúvidas (uma formulação idêntica na directiva relativa à harmonização da legislação sobre marcas comerciais, por exemplo, provocou litígios e confusão, o que é de evitar).

3.6.3. A alteração proposta é a seguinte:

Aditar novo nº 3 do artigo 4º com a seguinte redacção: «O direito de distribuição não se esgota com a venda ou transferência de propriedade fora da Comunidade do original ou da cópia de uma obra, com ou sem o consentimento do titular do direito.»

3.6.4. Todavia, poder-se-ia equacionar a possibilidade de ampliar a área de exaustão, mas apenas em condições de reciprocidade e através de negociações destinadas a assegurar um tratamento equitativo e recíproco de obras e cópias de obras originárias da Comunidade.

3.7. Artigo 5º

Este artigo define as excepções aos direitos exclusivos referidos nos artigos 2º e 3º.

3.7.1. Nº 1 do artigo 5º

3.7.1.1. A primeira excepção diz respeito aos «actos temporários de reprodução». Pretende-se assegurar que a armazenagem incidental de reproduções de uma obra, por exemplo em servidores de computadores intermédios entre um servidor da Wordwide Web e o computador do utilizador final equipado com um programa de navegação, ficará isenta. A condição é que o acto temporário de reprodução «não tenha, em si, significado económico». Conviria porventura deixar claro que se trata do significado económico em relação à utilização da obra em questão e não à sua transmissão.

3.7.1.2. Esta cláusula deverá ser ampliada e clarificada. Toda e qualquer reprodução que configure efectivamente uma utilização da obra, como seja o carregamento temporário de programas ou dados para uma memória de computador, com o objectivo de os utilizar ou de a eles ter acesso, por exemplo o acto de aceder a bases de dados em linha, apenas deveria ser permitida com o consentimento do titular do direito.

3.7.1.3. Este artigo entra no âmbito da proposta a apresentar pela Comissão que harmonizará as questões atinentes à responsabilidade nas actividades em linha em toda a Comunidade. As normas relativas aos direitos de autor não são necessariamente a via adequada para resolver as questões relativas à responsabilidade dos fornecedores de serviços, uma vez que o seu campo de aplicação é mais vasto do que o das questões de propriedade intelectual. Todavia, as duas directivas deveriam estar estreitamente associadas. É desejável que a adopção da directiva referente à responsabilidade ocorra em data tão próxima quanto possível da adopção da directiva em apreço, caso não seja possível aprovar ambos os diplomas em simultâneo.

3.7.2. Nºs 2 e 3 do artigo 5º

3.7.2.1. As restantes cláusulas do articulado da proposta de directiva contêm a definição exacta das excepções ao direito exclusivo de reprodução concedido anteriormente. Estas excepções ficam ao critério dos Estados-Membros. De uma maneira geral, o Comité receia que o leque de possibilidades oferecidas aos Estados-Membros possa perpetuar situações que efectivamente constituem obstáculos ao comércio na Comunidade e considera, por conseguinte, que a Comissão deveria manter-se vigilante, de forma a assegurar que o recurso a estas derrogações por parte dos Estados-Membros não crie, na prática, obstáculos dessa natureza.

3.7.2.2. A excepção mais digna de nota refere-se às reproduções de suportes de gravação audio, visual ou audiovisual efectuadas por uma pessoa singular para uso privado. Neste caso, a Comissão tem três possibilidades:

- proceder à completa harmonização da legislação relativa às reproduções para uso privado, concedendo um direito absoluto de as autorizar ou proibir;

- harmonizar apenas as disposições relativas à reprodução digital;

- deixar a questão ao critério dos Estados-Membros.

3.7.2.3. O Comité aprova a óptica da Comissão delineada no ponto 6 (referente ao artigo 5º) da exposição dos motivos, designadamente o facto de a Comissão se propor acompanhar de perto o desenvolvimento do mercado no que se refere à cópia privada digital e consultar as partes interessadas durante o segundo semestre de 1998. A consulta centrar-se-á, muito justamente, nos aspectos tecnológicos e no equilíbrio entre direitos e interesses. O Comité espera ser consultado neste processo. Espera também que o processo de consulta não se prolongue no tempo e dê lugar à apresentação de uma proposta da Comissão a breve trecho.

3.7.2.4. Entretanto, a questão da reprodução para utilização privada fica ao critério dos Estados-Membros. O Comité considera tratar-se de uma medida correcta, já que lhe repugna restringir a actividade dos indivíduos na esfera estritamente privada.

3.7.2.5. A limitação referida na alínea b) do nº 3 do artigo 5º em benefício das pessoas com deficiências visuais ou auditivas deveria ser alargada a todas as pessoas portadoras de deficiência, tendo em conta que tal limitação se aplica apenas a utilizações de natureza não comercial. O Conselho deveria solicitar à Comissão a elaboração de legislação que tornasse obrigatória esta excepção.

3.7.2.6. O Comité faz notar que as excepções autorizadas aos Estados-Membros lhes permitem excluir completamente os actos em questão da definição de infracção aos direitos de autor ou prever um sistema de remuneração equitativa em relação a tais actos.

3.7.2.7. Por último, a actual legislação dos Estados-Membros relativa aos direitos de autor prevê diversas excepções menores ao direito geral de reprodução, como é o caso, em alguns Estados-Membros, do direito de efectuar uma cópia incidental de uma obra para inclusão numa emissão de radiodifusão, ou a filmagem de um edifício. Intervêm também neste sentido os organismos reguladores, a fim de assegurar o respeito das normas dos meios de comunicação social. Estas excepções menores deveriam manter-se, aditando-se para tanto ao nº 3 do artigo 5º uma referência às excepções menores que não tenham consequências negativas para o comércio intracomunitário.

3.8. Artigo 6º

3.8.1. Este artigo visa garantir que os Estados-Membros assegurarão protecção adequada contra o fabrico ou distribuição de dispositivos «com um significado comercial limitado» para além do da neutralização de medidas de carácter tecnológico destinadas a proteger o direito de autor e, em particular, a impedir a cópia.

3.8.2. A formulação proposta representa inevitavelmente um equilíbrio entre o desejo dos titulares de direitos de controlarem mais de perto todo e qualquer dispositivo que, principal ou incidentalmente, permita a neutralização de medidas de carácter tecnológico (por exemplo, os gravadores de dupla cassete que permitem diversas utilizações legítimas mas também utilizações impróprias) e o direito dos consumidores de utilizarem tais dispositivos para fins legítimos. O Comité considera que se alcançou o devido equilíbrio mas que a proibição deveria abranger os dispositivos que fossem objecto de «promoção, publicidade ou comercialização expressamente para efeitos de tal neutralização».

3.9. Artigo 7º

Este artigo versa sobre a protecção jurídica adequada contra a supressão ou alteração de quaisquer informações electrónicas para a gestão dos direitos. O Comité concorda com a observação formulada de que a instituição de regimes de informações para a gestão dos direitos deveria continuar a ser voluntária, isto é, tais regimes não deveriam impor formalidades não permitidas pela Convenção de Berna.

3.10. Artigo 8º

3.10.1. No passado, o Comité propôs a inclusão de «vias de recurso» na legislação sobre direitos de autor. Este artigo obriga os Estados-Membros a preverem «sanções e vias de recurso adequadas» relativamente às infracções aos direitos previstos na directiva, sanções essas que devem ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas. O Comité recomenda que se exija aos Estados-Membros um elenco mais exaustivo de vias de recurso, incluindo vias de recurso temporárias eficazes e vias de recurso «rentáveis».

3.10.2. O Comité insta ainda a Comissão a manter-se vigilante, verificando se os Estados-Membros prevêem efectivamente vias de recurso adequadas, e a pôr em evidência os casos em que se verifiquem deficiências por parte dos Estados-Membros.

3.11. Artigo 10º

O Comité reconhece que o nº 2 do artigo 10º consiste na transposição de uma disposição de um tratado da OMPI. As eventuais ambiguidades dele resultantes deverão ser resolvidas pela Comissão nos limites da compatibilidade com as obrigações do Tratado.

3.12. Artigo 11º

O Comité congratula-se com a publicação de um relatório de três em três anos pela Comissão e com a inclusão do CES na lista dos seus destinatários oficiais.

Bruxelas, 9 de Setembro de 1998.

O Presidente do Comité Económico e Social

Tom JENKINS

() JO C 108 de 7.4.1998, p. 6.

() «O direito de autor e os direitos conexos na Sociedade da Informação» - COM(95) 382 final de 19.7.1995 - JO C 9 de 1.4.1996.

() «Livro Verde sobre os direitos de autor e o desafio tecnológico - Problemas de direitos de autor que exigem uma acção imediata» - COM(88) 172 final de 7.7.1988 - JO C 7 de 23.3.1989.

() Directiva do Conselho 92/100/CEE relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual - JO L 346 de 27.11.1992, p. 61. Parecer do CES 876/91 - JO C 269 de 14.10.1991, p. 54.