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Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de decisão do Conselho que adopta um plano de acção comunitário plurianual para fomentar a utilização segura da Internet»

Jornal Oficial nº C 214 de 10/07/1998 p. 0029


Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de decisão do Conselho que adopta um plano de acção comunitário plurianual para fomentar a utilização segura da Internet» () (98/C 214/08)

Em 26 de Janeiro de 1998, o Conselho decidiu, nos termos do nº 3 do artigo 130º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a proposta supramencionada.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção de Indústria, Comércio, Artesanato e Serviços, que emitiu parecer em 1 de Abril de 1998, sendo relatora D. Drijfhout-Zweijtzer.

Na 354ª reunião plenária (sessão de 29 de Abril de 1998), o Comité Económico e Social adoptou, por 116 votos a favor, 1 contra e 3 abstenções, o parecer que se segue.

1. Introdução

1.1. A Comissão reconhece as grandes potencialidades da Internet a nível económico, social, educativo e cultural, mas constata que organizações criminosas podem igualmente tirar partido dela e que nela estão também disponíveis conteúdos ilegais ou lesivos, ainda que em quantidade limitada.

1.1.1. A expressão «conteúdo ilegal» é imediatamente associada a pornografia infantil, mas abarca um número maior de aspectos:

- segurança nacional (instruções sobre o fabrico de bombas, produção ilegal de drogas, actividades terroristas);

- protecção de menores (formas abusivas de marketing, violência, pornografia);

- protecção da dignidade humana (incitação ao ódio ou à discriminação racial);

- segurança económica (fraude, instruções sobre pirataria de cartões de crédito);

- segurança da informação (hacking mal-intencionado);

- protecção da privacidade (comunicação não autorizada de dados pessoais, assédio electrónico);

- protecção da reputação (difamação, publicidade comparativa ilícita);

- propriedade intelectual (distribuição não autorizada de obras protegidas por direitos de autor, p.ex., software ou música).

1.1.2. Conteúdo lesivo significa tanto o conteúdo que é permitido, mas cuja divulgação é restrita (apenas para adultos, por exemplo), como o conteúdo que pode ofender certos utilizadores.

1.2. A Comissão considera, com razão, que, para além de uma política activa de promoção da utilização positiva da Internet, são também necessárias medidas para suprimir os abusos.

1.3. O objectivo do presente plano de acção é reduzir a quantidade de conteúdo lesivo ou ilegal existente na Internet. Tendo em conta a dificuldade de reter a Internet através de barreiras ou fronteiras virtuais e o facto de que os Estados-Membros têm interpretações divergentes de conteúdo lesivo ou ilegal, esta é uma questão europeia por excelência. O plano de acção deve, portanto, ser encarado como um complemento e, sendo esse o caso, um reforço das medidas e iniciativas já tomadas pelos vários Estados-Membros.

2. Síntese da proposta da Comissão

2.1. O plano de acção está baseado em três linhas de acção:

- promoção da auto-regulamentação (nomeadamente para o combate ao conteúdo ilegal);

- encorajamento dos sistemas de classificação e codificação (para filtrar o conteúdo lesivo);

- informação e sensibilização (tendo como destinatários os pais, os professores e as crianças).

O Conselho, o Parlamento Europeu e os governos dos Estados-Membros expressaram, em várias reuniões e encontros, o seu apoio a estas políticas.

2.2. Para a execução do plano de acção é requerido o apoio financeiro da Comunidade (um total de 30 milhões de ECU durante um período de quatro anos).

2.2.1. A linha de acção 1 visa a criação de um ambiente seguro através do apoio financeiro ao desenvolvimento de uma rede de linhas directas («hotlines») e da elaboração de códigos de conduta e de linhas directrizes para os organismos de auto-regulamentação (total: 5,6 milhões de ECU).

2.2.2. A linha de acção 2 tem como objectivo o desenvolvimento de sistemas de filtragem e de avaliação, permitindo aos sistemas que comprovem eles mesmos o seu valor e demonstrem as vantagens da sua utilização (12,7 milhões de ECU).

2.2.3. A linha de acção 3 pretende encorajar a realização de acções de sensibilização junto do público em geral e dos professores, preparando, em primeiro lugar, material básico (especificamente para cada Estado-Membro) e, em segundo lugar, divulgando esse material através de workshops, de apresentações e dos meios de comunicação existentes (incluindo a Internet). O custo total desta linha de acção é estimado em 9,4 milhões de ECU.

2.2.4. A linha de acção 4 refere-se a acções de apoio (questões jurídicas, reuniões e avaliação), para o que estão previstos 2 milhões de ECU.

3. Observações do Comité

3.1. De um modo geral, o Comité acolhe com satisfação o plano de acção elaborado pela Comissão. De resto, o Comité observa que através das acções projectadas se tenta efectivamente combater o conteúdo lesivo. Na verdade, é ainda mais importante procurar conseguir uma alteração das mentalidades, o que reduziria os excessos. O Comité reconhece, porém, que um tal desiderato não é realista.

3.1.1. O Comité considera-se satisfeito com a distinção estabelecida pela Comissão entre conteúdo ilegal e lesivo.

3.1.1.1. No entanto, o Comité constata que, na delineação de medidas concretas, foi dada muito pouca atenção ao conteúdo ilegal ao nível da protecção da propriedade intelectual, da dignidade humana e da privacidade, bem como dos crimes contra a segurança nacional e económica. Embora todos estes aspectos tenham sido expressamente incluídos no plano de acção sob o título «conteúdo ilegal», o grosso dos meios financeiros -201 milhões de ECU! - está reservado às linhas de acção orientadas para a protecção dos menores (acções de sensibilização e o desenvolvimento de material para utilizadores). O Comité vê nisto uma lacuna importante e voltará a focá-lo nas conclusões.

3.1.1.2. O Comité subscreve inteiramente a conclusão de que para o combate ao conteúdo ilegal deve ser dada prioridade à auto-regulamentação e à aplicação da lei.

3.2. No entanto, o Comité interroga-se se, no combate ao conteúdo ilegal, a disponibilidade e o conhecimento dos meios de impedir o acesso a tais informações serão suficientes. O Comité não está a priori convencido de que a solução tecnológica proposta pela Comissão seja suficientemente eficaz para a resolução de um problema social.

3.2.1. Um dos riscos de uma solução tecnológica é o de que, após a instalação de um sistema de filtragem, pais e professores julguem que as crianças se encontram num ambiente seguro e podem dispensar a sua supervisão, esquecendo que persistem toda a espécie de lacunas, as quais são facilmente descobertas pelas crianças. A experiência ensina que, em matéria de informática, o conhecimento dos jovens excede quase sempre o dos seus pais ou professores. O Comité interroga-se igualmente se o grupo-alvo (pais e professores) está suficientemente implicado no desenvolvimento do sistema.

3.3. Embora a codificação ofereça, de uma maneira geral, grandes vantagens em termos da classificação e da indexação do conteúdo, tornando assim a Internet mais transparente e acessível, essas vantagens aplicam-se tanto ao conteúdo desejável como ao indesejável. A este respeito, o Comité chama a atenção da Comissão para o facto de que a codificação pode ter o efeito contrário. De facto, não é apenas o conteúdo inócuo que é classificado, mas também o potencialmente lesivo, como a pornografia. Tal simplifica grandemente a tarefa de quem procura esse tipo de informação na Internet.

3.3.1. O Comité constata a esse respeito que - em contraste com asseverações anteriores - apenas um fornecedor importante de programas de consulta (Microsoft Explorer) apoia actualmente a chamada filtragem PICS («Platform for Internet Content Selection»), no qual se baseiam as disposições para a codificação e classificação. Outros fornecedores, como Netscape e Opera (europeu), não o fazem. Sem obrigação legal, e mesmo que Netscape e Opera passem a apoiar a filtragem PICS, haverá sempre programas que o não farão, permitindo a qualquer criança contornar facilmente os obstáculos. Embora o Comité não se oponha ao desenvolvimento da filtragem PICS, encara com reservas a pretensão de que esta seja capaz de tornar a Internet num meio livre de todo e qualquer conteúdo lesivo.

3.4. O Comité apoia a concepção da Comissão de que a diversidade cultural e social resultante da liberdade de expressão é um bem que não pode ser comprometido pela tentativa de garantir a segurança na Internet e de que a responsabilidade de decidir o que é ou não lesivo deve recair sobre o próprio indivíduo, como educador ou não. A este respeito, o Comité deseja chamar a atenção da Comissão para o facto de que, de um ponto de vista técnico, não são os educadores as únicas pessoas a poderem utilizar os sistemas de filtragem para protegerem as crianças da informação lesiva: também os fornecedores de serviços de acesso à Internet o podem fazer. Isto significaria que um sistema apresentado como «user-empowering» («responsabilização do utilizador») poderia tornar-se num instrumento de controlo, reduzindo as possibilidades de escolha dos cidadãos.

3.5. O Comité adverte igualmente que a Internet é mais do que apenas a «World Wide Web». Para os chamados «chats» (linhas de diálogo interactivo), mas também para o correio electrónico e para os grupos noticiosos (fóruns de discussão), a filtragem PICS, na qual se baseiam os sistemas de codificação previstos, não apresenta qualquer solução. O Comité não considera os sistemas de filtragem baseados em codificação uma opção realista para uma comunicação segura. A abordagem proposta pela Comissão não oferece qualquer solução para aplicações importantes da Internet que também são usadas por crianças, tais como os «chats» e o correio electrónico.

3.6. O Comité deseja alertar a Comissão para a possibilidade do bloqueio como alternativa à codificação. O bloqueio é seguramente um processo menos brando, mas nem por isso menos eficaz. Os programas de bloqueio não requerem codificação pelo proprietário ou pelo fornecedor da informação, confiando em vez disso em terceiros que fornecem listas de expressões ofensivas específicas para grupos-alvo. Nos Estados Unidos existem já dezenas de programas (tais como «Cybernanny», «Surfpatrol», etc.) que, uma vez instalados no computador, substituem todas as palavras e imagens ofensivas por sinais sonoros e manchas gráficas, com base nas sobreditas listas.

3.6.1. A distinção entre codificação e bloqueio é importante, uma vez que a codificação requer o envolvimento de toda a indústria (todos os fornecedores de informação devem colaborar), enquanto para os programas de bloqueio é suficiente o estímulo orientado à inovação. No que respeita aos programas de bloqueio, o que importa especialmente é estimular a procura (pais, educadores e professores), ao passo que a codificação só pode ter sucesso através de um programa orientado para a oferta e englobando a totalidade da indústria. Pelo exposto nos parágrafos precedentes (3.3-3.5), o Comité considera que os maiores benefícios serão de esperar das soluções orientadas para o desenvolvimento da procura de programas de bloqueio utilizáveis.

3.6.2. O Comité não considera realista o argumento aduzido pelas organizações dos direitos do Homem segundo o qual o bloqueio reduziria a liberdade de expressão, uma vez que, com tais programas, a responsabilidade pela correcta aplicação dos dispositivos de filtragem é do receptor e não do difusor da informação. A prática (nos EUA) demonstra que os educadores que precisam de um ambiente seguro para as crianças a seu cargo podem razoavelmente tirar partido dos programas de bloqueio. O Comité estima que o interesse ainda reduzido por tais programas na Europa se deve principalmente, por um lado, ao seu desconhecimento e, por outro lado, ao deficiente conhecimento do meio.

3.7. O Comité considera faltar no plano de acção da Comissão uma diferenciação entre redes abertas e fechadas. A necessidade dos cidadãos de disporem de informação de fácil acesso e elevada qualidade está a conduzir à criação de um mercado para redes baseadas em tecnologia da Internet, as quais, embora fazendo parte da Internet, não representam senão uma quantidade muito limitada da informação nela disponível. Em termos de diversidade e de quantidade, essas «mini-internets» não podem, portanto, ser comparadas à Internet mundial.

3.7.1. Os fornecedores de tais «mini-internets» ou «intranets» (instaladas em grande escala) asseguram eles próprios o controlo e estão por isso em posição de oferecer aos seus clientes garantias da qualidade dos serviços prestados. Não apenas no que diz respeito à capacidade e à segurança, mas também a nível da transparência e da fidedignidade da informação.

3.7.2. Nessas redes fechadas há também uma distinção clara entre os fornecedores de informação (empresas) e os utilizadores dessa informação (clientes). As páginas de utilizadores individuais («home pages») não existem neste meio. Por este motivo, é evidente que estas «intranets» podem ser mais facilmente preservadas do conteúdo ilegal ou lesivo do que a Internet mundial, acessível a todos. O Comité prevê assim que essas redes fechadas irão satisfazer de maneira crescente a necessidade dos cidadãos de uma Internet segura. Tendo em conta a duração do plano de acção, o Comité interroga-se até que ponto as linhas de acção propostas respondem a este desenvolvimento.

4. Conclusão

4.1. Tendo em conta as linhas de acção propostas, o Comité questiona o nível de ambição do plano de acção e considera altamente improvável que as medidas propostas conduzam, a longo prazo, à criação de uma Internet segura. Para um ambiente verdadeiramente seguro é e será sempre necessária uma selecção rigorosa do conteúdo na fonte. Porém, o Comité não considera que esta seja uma possibilidade realista para a Internet mundial.

4.1.1. O Comité considera igualmente que a codificação e, com base nesta, a classificação de toda a informação disponível na Internet é, na prática, inexequível. Este facto, aliado à consciência de que a comunicação («chats», correio electrónico, fóruns de discussão) é simplesmente impossível de classificar, leva o Comité a esperar poucos benefícios da promoção activa de sistemas de filtragem baseados na codificação (linha de acção 2).

4.2. O Comité sugere, assim, que o escopo do plano de acção seja reduzido ao combate ao conteúdo ilegal (linha de acção 1) através da auto-regulamentação e da aplicação da lei e que seja dada menos prioridade ao desenvolvimento de meios de combate ao conteúdo lesivo (linha de acção 2).

4.2.1. Neste último plano (desenvolvimento de sistemas de filtragem e classificação), o Comité espera o surgimento de um mercado saudável, bem como o desenvolvimento e a comercialização de programas de bloqueio. Junto de pais e agentes de ensino parece existir uma procura sempre crescente de dispositivos de filtragem de material considerado impróprio para menores. Especialmente se esses dispositivos puderem ser instalados por eles mesmos. O Comité exorta a Comissão a encorajar particularmente, no âmbito da linha de acção 2, a pesquisa e o desenvolvimento nesta área, com a possível implicação dos sistemas existentes.

4.2.1.1. Por outro lado, o Comité considera da maior importância a linha de acção 3 (preparação e difusão de material de base específico para cada Estado-Membro). Nunca será demais recordar a pais e professores que a sua missão de monitorização e sobretudo educação abarca igualmente o domínio da Internet.

4.2.1.2. A importância desta linha de acção não se restringe, de resto, à protecção de menores. Todos os (futuros) utilizadores podem beneficiar dela.

4.2.1.3. O Comité atribui grande importância ao intercâmbio de (boas) práticas (p. ex., entre instituições de ensino, organizações de consumidores, etc.) incluído nesta linha de acção.

4.2.2. O Comité apoia plenamente a criação de uma rede europeia de linhas directas («hotlines»), mas considera que para a sua realização no quadro do plano de acção será preciso mais do que os 5,6 milhões de ECU atribuídos à linha de acção 1. A criação de uma rede europeia de «hotlines» requer os esforços de muitas partes e igualmente a coordenação estreita com o Ministério Público, que é, no entender do Comité, o principal responsável pela protecção dos cidadãos e pela aplicação da lei.

4.2.2.1. O Comité propõe que uma parte importante do orçamento atribuído à linha de acção 2 seja reservado à criação e manutenção dessas linhas directas, em colaboração com o organismo governamental competente.

4.3. O Comité considera, por fim, necessário estabelecer entidades de ponderação dos interesses dos consumidores, com vista à criação de instâncias representativas unitárias e eficazes face à previsível multiplicidade de serviços, prestadores de serviços e operadores da rede. Importa reforçar a protecção dos consumidores através da designação de «advogados dos consumidores» junto das instâncias reguladoras das telecomunicações.

Bruxelas, 29 de Abril de 1998.

O Presidente do Comité Económico e Social

Tom JENKINS

() JO C 48 de 13.2.1998, p. 8.