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Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões relativa às parcerias sector público/sector privado no contexto dos projectos da rede transeuropeia de transportes»

Jornal Oficial nº C 129 de 27/04/1998 p. 0058


Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões relativa às parcerias sector público/sector privado no contexto dos projectos da rede transeuropeia de transportes»

(98/C 129/14)

Em 16 de Setembro de 1997, a Comissão decidiu, nos termos do disposto no artigo 98º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a comunicação supramencionada.

A Secção de Transportes e Comunicações, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 11 de Fevereiro de 1998. Foi relator L. Kritz.

Na 352ª reunião plenária (sessão de 25 de Fevereiro de 1998), o Comité Económico e Social adoptou o seguinte parecer por 76 votos a favor e um voto contra.

1. Antecedentes

1.1. Uma das principais conclusões do Livro Branco da Comissão «Crescimento, Competitividade, Emprego», publicado em Dezembro de 1993, foi a de que importava desenvolver esforços no sentido da participação do sector privado no financiamento e implementação dos projectos da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE) como forma de acelerar este tipo de investimento e melhorar a sua eficácia.

1.2. No Conselho Europeu de Essen, realizado em Dezembro de 1994, decidiu-se dar prioridade a 14 grandes projectos de RTE de transportes na sequência das propostas apresentadas por um Grupo de Alto Nível, constituído por representantes pessoais dos Chefes de Estado e de Governo e presidido pelo Vice-Presidente da Comissão, Henning Christophersen.

1.3. O custo total dos investimentos para os 14 projectos prioritários da RTE de transportes seleccionados pelo Grupo Christophersen em 1994 foi, ao tempo, avaliado em 94 mil milhões de ECU, 40-45 mil milhões dos quais deveriam ser investidos no período 1995-1999. Os novos cálculos efectuados em finais de 1995 avaliaram o custo total dos investimentos em cerca de 99 mil milhões de ECU.

1.4. O Relatório Anual da Comissão de 1996 sobre a RTE referia que muitos dos projectos prioritários de maior envergadura (especialmente no sector ferroviário) registavam atrasos, afigurando-se duvidosa a possibilidade de se atingir ou mesmo chegar perto de um nível de investimento de 40-45 mil milhões de ECU para os 14 projectos até 1999.

1.5. São duas as principais razões do atraso na aplicação de muitos dos projectos prioritários. Em primeiro lugar, verificou-se, nos últimos anos, uma redução geral das despesas públicas para investimentos em infra-estruturas devido à necessidade de reduzir o défice público. Em segundo lugar, as parcerias sector público/sector privado (PPP) como forma de acelerar os projectos prioritários revelaram-se mais difíceis de concretizar do que se previra. Além disso, surgiram, nalguns casos, obstáculos de ordem administrativa, jurídica ou política. As principais razões do atraso são, todavia, de natureza financeira.

2. Relatório do Grupo de Alto Nível (Maio de 1997)

2.1. O Grupo de Alto Nível sobre o financiamento de projectos da rede transeuropeia de transportes através de parcerias sector público/sector privado foi criado por iniciativa do Comissário Kinnock com o acordo do Conselho de Transportes, em Setembro de 1996. O Grupo, presidido pelo Comissário Kinnock, era constituído por representantes pessoais dos 15 Ministros dos Transportes da União Europeia e representantes do sector da construção, do sector bancário, da indústria de equipamentos de transportes e dos operadores de transportes. O relatório do Grupo foi publicado em Maio de 1997 e continha a síntese dos relatórios dos cinco subgrupos criados pelo Grupo Kinnock.

2.2. O objectivo do Grupo de Alto Nível era examinar de que forma as parcerias sector público/sector privado podem contribuir para acelerar a implementação da rede transeuropeia de transportes, vital para a competitividade e o crescimento da Europa.

2.3. O relatório salienta que o objectivo das PPP não é apenas a disponibilização de recursos financeiros complementares em tempo de restrições nas finanças públicas. É de igual importância melhorar a viabilidade financeira dos projectos através da combinação das capacidades do sector privado e do sector público: a experiência de gestão de infra-estruturas do sector público e o espírito empreendedor e capacidade comercial e financeira do sector privado.

2.4. Uma PPP é uma parceria entre diversas administrações públicas e organismos públicos, por um lado, e pessoas colectivas sujeitas ao direito privado, por outro, para a concepção, planeamento, construção, financiamento e/ou exploração de um projecto de infra-estrutura. É, porém, inadequado impor uma definição rígida de PPP. Com efeito, cada projecto dará lugar a uma parceria específica em função das necessidades e características do projecto e da decisão das autoridades públicas quanto à participação do sector privado nas diversas fases do projecto.

2.5. Um projecto economicamente viável é aquele de que resultam benefícios socioeconómicos para a sociedade. Um projecto financeiramente viável é um projecto que gera receitas suficientes para cobrir todos os custos e proporciona aos investidores uma taxa de rendibibilidade adequada. O relatório sublinha que o principal problema com que as PPP estão confrontadas é a insuficiência de fundos públicos para subsidiar projectos economicamente viáveis mas financeiramente inviáveis, mais do que a escassez de financiamento através de empréstimos públicos ou privados para projectos financeiramente viáveis. As PPP podem aumentar a viabilidade financeira dos projectos.

2.6. As conclusões e recomendações do Grupo de Alto Nível podem sintetizar-se em três pontos:

- conclusões gerais;

- condições que incentivem as PPP;

- desenvolvimento de instrumentos financeiros.

2.7. Dentre as conclusões gerais referem-se as seguintes:

a) A colaboração entre o sector público e o sector privado deverá iniciar-se tão cedo quanto possível no ciclo de vida de cada projecto específico, por forma a que o sector privado possa dar o seu contributo, com uma orientação comercial, na fase de concepção do projecto.

b) O sector público deve definir claramente os objectivos de um projecto desde o seu início, deixando flexibilidade suficiente à concepção do projecto para permitir a participação adequada do sector privado.

c) A melhor abordagem consiste frequentemente na criação de empresas de projecto ad-hoc - especialmente para grandes projectos transnacionais - para que haja um enquadramento estável no âmbito do qual os vários parceiros possam estabelecer relações de trabalho com base na confiança mútua. O estatuto do Agrupamento Europeu de Interesse Económico (AEIE) é um bom instrumento nas fases iniciais do projecto, mas não está adaptado às necessidades das fases de construção e de exploração.

2.8. Quanto à criação de condições que promovam as PPP, as recomendações do Grupo de Alto Nível dizem respeito à regulamentação e aos procedimentos a aplicar aos contratos públicos e à aplicação das regras de concorrência da UE aos projectos de infra-estrutura no sector ferroviário. A clarificação da aplicação das directivas «Obras Públicas» e «Serviços de Utilidade Pública», em especial, poderia facilitar em grande medida as PPP no contexto de projectos de infra-estrutura. A Comissão deveria, pois, elaborar orientações específicas que esclarecessem melhor os procedimentos a aplicar a contratos públicos para a adjudicação de contratos de infra-estruturas de transporte.

2.9. O Grupo de Alto Nível faz notar que, durante a fase inicial de exploração de um projecto, num momento em que o montante da dívida e as obrigações de serviço da dívida são mais elevados, o rendimento gerado pelo projecto encontra-se ao seu nível mais baixo. Assim, o Grupo recomenda o recurso a empréstimos estruturalmente subordinados e empréstimos para a fase inicial de exploração como forma de atenuar os riscos causados pela incerteza relativa à geração de fluxos de tesouraria na fase inicial de exploração.

2.10. No que toca ao desenvolvimento de instrumentos de financiamento, o Grupo recomenda ainda, como nova actividade a nível da UE, a disponibilidade de fundos próprios e, principalmente, de fundos equiparáveis, podendo uma aplicação direccionada dos fundos comunitários contribuir para a criação de um fundo intermédio europeu que poderia desempenhar um papel relevante de incentivo à participação dos investidores institucionais no financiamento das RTE.

3. Comunicação da Comissão

3.1. Muitas das recomendações contidas no relatório do Grupo de Alto Nível são dirigidas à Comissão para apreciação e acção. A comunicação da Comissão, publicada em Setembro de 1997, descreve o seguimento que a Comissão tenciona dar às recomendações que a envolvem directamente e apresenta um determinado número de projectos aos quais, em seu entender, seria adequado aplicar a abordagem de PPP.

3.2. Contratos públicos

3.2.1. A Comissão examinou as preocupações do sector privado, bem como pontos específicos da regulamentação da UE relativa à adjudicação de contratos, por forma a privilegiar um quadro regulamentar assente na flexibilidade, publicidade, negociação e concursos públicos. A Comissão tenciona apresentar em breve uma comunicação sobre contratos públicos que constituirá o enquadramento para as orientações sobre a aplicação da legislação relativa a contratos públicos aos projectos de infra-estrutura.

3.2.2. Neste contexto, são de particular interesse as relações existentes entre a directiva relativa a obras públicas (93/37/CEE) () e a directiva relativa a serviços de utilidade pública (93/38/CEE) (), uma vez que ambas são potencialmente relevantes para projectos de infra-estrutura de grande envergadura. As orientações vão esclarecer qual a directiva aplicável.

3.2.3. Outro aspecto de relevo que preocupa o sector privado é a conciliação do diálogo técnico com a protecção dos direitos de propriedade intelectual dos candidatos. A Comissão considera que as inovações técnicas durante a fase de concepção podem ser protegidas pela actual legislação europeia relativa a patentes e modelos combinada com a inclusão de cláusulas adequadas nos documentos de adjudicação, o que não acontece no diálogo técnico, que é, pela sua própria natureza, uma relação informal.

3.3. Política da concorrência

3.3.1. Um documento separado () sobre a clarificação das orientações existentes para os novos projectos de infra-estruturas ferroviárias foi apresentado em simultâneo com a Comunicação em apreço. A Comissão realça, todavia, que cada caso deve ser individualmente analisado, dada a complexidade e especificidade deste tipo de projectos. Por conseguinte, é aconselhável a consulta dos serviços da Comissão sobre a aplicação das regras da concorrência desde o início do projecto.

3.4. Desenvolvimento dos instrumentos financeiros

3.4.1. Os empréstimos estruturalmente subordinados gozam da mesma prioridade que as dívidas comuns contraídas junto da banca mas com prazos de vencimento alargados (20-30 anos) e períodos de carência. Este instrumento de empréstimo aliviaria o ónus da amortização da dívida, diluindo-a num período de tempo mais longo. Os empréstimos para a fase inicial de exploração são empréstimos não amortizáveis ou créditos renováveis que cobrem o período inicial de exploração de um projecto. A Comissão convida o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Fundo Europeu de Investimento (FEI), em cooperação directa com a banca comercial de crédito, a aumentar o volume de empréstimos estruturalmente subordinados e a desenvolver os empréstimos para a fase inicial de exploração.

3.4.2. O financiamento intermédio, isto é, a dívida subordinada, é prioritário relativamente aos fundos próprios mas subordinado à dívida bancária. Oferece uma protecção suplementar contra o risco inerente aos fundos próprios, contribuindo por isso para a concessão de crédito bancário aos projectos. A Comissão, em consulta com o BEI e o FEI, tenciona examinar a criação de um fundo intermédio destinado às RTE. O fundo deverá incentivar os investidores institucionais a participarem no financiamento das RTE e a contribuirem com a maior parte do capital.

3.5. Formas de prestar apoio a nível da UE

3.5.1. A Comissão salienta que a responsabilidade pelo financiamento das infra-estruturas incumbe, em primeira instância, aos Estados-Membros. A Comissão poderia, contudo, desempenhar um papel mais activo de duas formas: incentivar o envolvimento do sector privado no início da fase de concepção do projecto, contribuindo assim, especialmente em projectos transnacionais, para a aproximação dos participantes principais, e garantir que a panóplia de instrumentos financeiros comunitários seja utilizada de maneira coordenada.

3.5.2. A Comissão considerará as metodologias possíveis para avaliar os efeitos de rede associados aos projectos de RTE. A avaliação dos benefícios dos projectos a nível europeu deverá facilitar a avaliação do nível de financiamento da RTE. A Comissão explorará ainda as possibilidades de criação de uma base de dados de âmbito europeu relativa às PPP no contexto dos projectos de infra-estrutura de transportes, de modo a possibilitar uma análise das experiências de PPP realizadas até à data.

3.6. Projectos adequados à aplicação da abordagem das PPP

3.6.1. A Comissão fez uma primeira tentativa de identificação de alguns projectos conhecidos de RTE adequados à aplicação da abordagem das PPP. Note-se que o objectivo não é elaborar uma nova lista de projectos prioritários, mas sim identificar PPP potenciais entre as prioridades existentes.

3.6.2. Os projectos possíveis são os seguintes:

- Comboio de alta velocidade do Sul: troço Madrid-Barcelona e troço Figueras-Perpignan;

- Troço dos Países Baixos do PBKAL;

- Túnel de Brenner;

- Novo aeroporto de Berlim;

- Túnel Semmering;

- Ligação ferroviária Pireu-Atenas.

Quanto a estes projectos, a Comissão tenciona, em conjunto com o BEI e o FEI, desenvolver um esforço especial para ajudar os Estados-Membros a chegarem a um acordo sobre as estruturas e o financiamento das PPP o mais rapidamente possível.

4. Observações na generalidade

4.1. O Comité Económico e Social acentuou, por diversas vezes, em pareceres anteriores, a importância da introdução das RTE como forma de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, aumentar a competitividade e o crescimento económico e reforçar a coesão económica e social.

4.2. Os progressos realizados até à data no desenvolvimento das RTE não foram tão significativos como previsto dada a persistência de problemas de financiamento, especialmente em virtude das restrições nas finanças públicas mas também devido ao facto de o envolvimento de PPP nos projectos de RTE ficar aquém das expectativas, o que é de lamentar já que as PPP são consideradas, desde princípios de 1990, um instrumento importante para acelerar a introdução das RTE.

4.3. Nestas condições, o Comité acolhe favoravelmente o relatório do Grupo de Alto Nível e a comunicação da Comissão. Os dois documentos constituem um todo, não devendo ser considerados separadamente. O Comité congratula-se, em particular, com o facto de a Comissão ter dado seguimento, em tão curto espaço de tempo, às recomendações de acção que lhe foram dirigidas pelo Grupo de Alto Nível.

4.4. Em 9 de Outubro de 1997, o Conselho de Transportes realizou um debate abrangente sobre a Comunicação da Comissão e adoptou conclusões sobre as PPP no contexto dos projectos de RTE. O Comité regista com agrado as conclusões construtivas e realistas do Conselho de apoio às PPP.

4.5. Tradicionalmente, o Estado tem desenvolvido projectos de infra-estrutura quando considera que deles resultam benefícios socioeconómicos e quando dispõe de recursos orçamentais (isto é, dinheiro) para o planeamento, construção e manutenção desses projectos. O sector privado tem participado principalmente como empreiteiro, fundamentalmente na fase de construção.

4.6. Uma maior participação do sector privado em projectos de infra-estrutura de transportes de grande vulto significaria que este sector actuaria, a par do sector público, não apenas como empreiteiro mas também como promotor, providenciando financiamento e recursos de gestão e mesmo assumindo responsabilidades na área da exploração.

4.7. O Comité gostaria de realçar que o papel do sector público continua a ser vital, mesmo em projectos em que grande parte da implementação de PPP é transferida para o sector privado. Normalmente, os grandes projectos de infra-estrutura de transportes não são financeiramente viáveis, excepto se o sector público assumir alguns dos riscos inerentes e prestar apoio sob a forma de subsídios e garantias.

4.8. O elemento-chave para o êxito de uma PPP é a repartição do risco inerente a um projecto entre o sector público e o sector privado. A repartição do risco é importante porque o risco representa custos reais. Em princípio, cada uma das partes deveria suportar os riscos que melhor pudesse controlar em cada fase do projecto. Os riscos comerciais deveriam, em princípio, ser suportados pelo sector privado, enquanto que os riscos públicos («riscos políticos») deveriam ser suportados pelo sector público, ou seja pelos contribuintes.

4.9. É óbvio que a falta de recursos orçamentais nacionais suficientes para os projectos de RTE suscitou um interesse crescente nas PPP. Todavia, o Comité gostaria de sublinhar que o principal objectivo das PPP não deve ser a obtenção de financiamento complementar. É igualmente importante utilizar a capacidade comercial, financeira, técnica e de gestão do sector privado para melhorar a relação custo-eficácia na execução dos projectos de RTE.

4.10. Neste contexto, o Comité não pode deixar de acrescentar que tanto o relatório do Grupo de Alto Nível como a Comunicação da Comissão revelam excesso de optimismo quanto à possibilidade de um maior envolvimento do sector privado nos projectos de RTE. O sector privado só investe num projecto se a rendibilidade do investimento for adequada.

4.11. No entender do Comité, são condições prévias importantes para o êxito das PPP:

- o firme empenhamento político dos Estados-Membros no sentido da conclusão dos projectos e da atribuição dos recursos financeiros necessários para implementação das PPP;

- o envolvimento do sector privado na fase mais incipiente possível do desenvolvimento dos projectos, ou seja no período de concepção e planeamento;

- a criação de empresas de projecto ad hoc responsáveis pela realização dos projectos, especialmente os de natureza transnacional.

4.12. As PPP estão normalmente associadas a grandes projectos prioritários de RTE. Porém, o Comité gostaria de sublinhar que as PPP podem ser também aproveitadas em projectos mais pequenos e menos espectaculares. De facto, existem muitos exemplos de projectos de PPP, planeados ou concluídos, relativamente modestos mas de crucial importância sob o ponto de vista local ou regional (projectos de estradas, pontes, túneis, aeroportos).

4.13. O financiamento da infra-estrutura de transportes foi uma das questões abordadas na Terceira Conferência Pan-Europeia sobre Transportes, realizada em Helsínquia (Junho de 1997). Na declaração adoptada nesta conferência afirmava-se: «dever-se-ão efectuar mais esforços para aumentar o financiamento privado, por exemplo, através de parcerias entre os sectores público e privado» (ponto IV 5), o que mereceu todo o apoio da delegação do Comité Económico e Social à conferência.

5. Observações na especialidade

5.1. Contratos públicos

5.1.1. O Comité apoia vivamente a recomendação do Grupo de Alto Nível para que a Comissão elabore orientações específicas que esclareçam melhor os procedimentos a aplicar a contratos públicos para a adjudicação de contratos de infra-estruturas de transportes. O CES aguarda, pois, com interesse as orientações que a Comissão se comprometeu a elaborar.

5.1.2. Como já foi algumas vezes sugerido, uma alternativa a tais orientações seria uma directiva específica relativa aos contratos públicos para concessões no âmbito das infra-estruturas de transportes que criasse um enquadramento jurídico especialmente destinado às PPP. Na opinião do Comité, não é de recomendar este tipo de alteração legislativa. Uma directiva específica relativa às PPP seria difícil de formular e ainda mais difícil de aplicar. Além disso, seria necessário alterar as actuais directivas relativas aos contratos públicos e o seu âmbito de aplicação.

5.1.3. O Comité entende que as futuras orientações da Comissão deverão abordar as seguintes questões:

- relação entre a directiva relativa a obras públicas e a directiva relativa a serviços de utilidade pública no que se refere às PPP;

- formas de melhorar e facilitar os procedimentos aplicáveis a contratos públicos, especialmente a fase anterior à apresentação de propostas e a aplicação do processo de adjudicação por negociação.

5.1.4. No seu parecer sobre o «Livro Verde sobre os contratos públicos na União Europeia: pistas de reflexão para o futuro» (), o Comité sublinhou a necessidade de clarificar as diferenças entre uma concessão e um contrato. Os dois conceitos diferem quanto ao objecto, à duração do contrato/concessão, às condições de financiamento e ao âmbito da responsabilidade. O Comité reitera a sua opinião de que se impõe uma clarificação.

5.1.5. Uma parceria sector público/sector privado é um contrato de longo prazo entre diversas administrações públicas e organismos públicos, por um lado, e pessoas colectivas sujeitas ao direito privado, por outro, para a concepção, planeamento, financiamento, construção e/ou exploração de um projecto de infra-estrutura. Difere dos contratos públicos na medida em que exige investimentos do sector privado.

5.1.6. A directiva relativa a obras públicas preceitua que o concessionário pode adjudicar contratos de obras públicas a empresas do mesmo grupo (consórcio) (93/97/CEE, artigo 3º, nº 4). A directiva relativa a serviços de utilidade pública não contém uma disposição correspondente (cf. 93/38/CEE, artigo 13º ). O Comité opina que um consórcio que tenha obtido uma concessão deverá poder repartir os contratos pelos seus membros de acordo com as regras relativas às obras públicas, mesmo que se trate de serviços de utilidade pública.

5.1.7. A directiva relativa a obras públicas é aplicável à construção de estradas, pontes, caminhos-de-ferro, etc. (93/97/CEE - Anexo II). Nas PPP relativas a projectos de auto-estradas, o sector privado poderia ser também responsável pela fase de exploração (utilização de estradas com portagem ou «shadow tolls»). O Comité faz todavia notar que os serviços de redes de auto-estradas estão fora do âmbito de aplicação da directiva relativa a serviços de utilidade pública [93/38/CEE, artigo 2º, nº 2, alínea c)]. As futuras orientações deveriam, por consequência, resolver este problema de incoerência.

5.1.8. O concurso público pode ocorrer em qualquer fase de um projecto, dependendo da vontade das autoridades públicas de envolverem o sector privado no processo. Pode ser utilizado para pequenos contratos de prestação de serviços, com vista à realização de estudos de viabilidade, ou para grandes contratos de concessão para construção e/ou exploração de um projecto de infra-estrutura. O procedimento é mais flexível na directiva relativa a serviços de utilidade pública do que na directiva relativa a obras públicas no que diz respeito ao processo de adjudicação por negociação. Os serviços de utilidade pública podem recorrer a este processo sem restrições (93/98/CEE - artigo 2º), mas as autoridades públicas contratantes apenas podem fazê-lo por razões excepcionais (93/97/CEE - artigo 7º). O Comité recomenda que a adjudicação por negociação seja alargada em todos os processos formais de apresentação de candidaturas e que seja examinada a possibilidade de introdução de alterações legislativas na Directiva 93/37/CEE.

5.1.9. O Comité entende que o concurso público na fase de concepção de um projecto pode ter algumas desvantagens para as empresas do sector privado. A protecção da propriedade intelectual de um concorrente pode ser posta em perigo se as soluções técnicas inovadoras, apresentadas nos documentos de candidatura desta fase, forem usadas pela entidade responsável pelo projecto como critérios nas fases seguintes do concurso. As ideias inovadoras da autoria de uma empresa privada aproveitariam a todos os concorrentes sem benefícios para o criador.

5.1.10. Quanto ao processo de concurso em geral, o Comité gostaria de citar como exemplo o guia publicado pelo Ministério das Finanças do Reino Unido, no âmbito da «Private Finance Initiative», que define as diversas fases do processo que a seguir se sintetizam:

- fase de pré-qualificação com base em critérios explícitos;

- elaboração de uma «short-list» limitada a três ou quatro concorrentes;

- convite à apresentação de propostas de acordo com um conjunto de especificações de desempenho e um quadro de repartição de riscos;

- após recepção das propostas, negociações pormenorizadas paralelas com os concorrentes constantes da «short-list»;

- selecção da melhor proposta.

5.2. Política de concorrência

5.2.1. O Comité acolhe favoravelmente a clarificação da aplicação das regras de concorrência aos novos projectos de infra-estruturas de transportes recentemente publicada (Setembro de 1997), que se refere, sobretudo, aos projectos ferroviários e, em particular, ao acesso à nova infra-estrutura ferroviária e às possibilidades de reserva de capacidade para alguns operadores.

5.2.2. Por um lado, poder-se-ia argumentar que um gestor de infra-estrutura deveria ter a possibilidade de reservar pelo menos parte da capacidade para os operadores que contribuem para o financiamento do projecto. Por outro lado, a reserva de capacidade por um largo período de tempo é contrária aos princípios da liberdade de acesso à infra-estrutura e da concorrência.

5.2.3. Para esclarecer esta questão, a Comissão salienta que os acordos de reserva de capacidade não colocam qualquer dificuldade do ponto de vista das regras de concorrência desde que a infra-estrutura não se encontre congestionada, já que não é criada qualquer barreira à entrada. Todavia, em caso de congestionamento, um acordo de reserva de capacidade essencial para a exploração eficaz de serviços de transporte pode justificar a concessão de uma derrogação nos termos do nº 3 do artigo 85º, desde que sejam satisfeitas todas as condições nele estipuladas. O Comité considera que se trata de uma clarificação construtiva de uma questão importante.

5.2.4. O Comité reconhece que cada projecto de infra-estrutura de transportes tem características próprias que o tornam mais ou menos único. É, pois, necessária uma análise casuística aquando da aplicação das regras de concorrência, devendo os promotores consultar a Comissão numa fase incipiente do projecto. Na opinião do Comité, as orientações que visam clarificar a aplicação das regras de concorrência são um meio necessário mas não suficiente de eliminar as incertezas entre os participantes nas PPP.

5.3. Desenvolvimento dos instrumentos financeiros

5.3.1. O Comité concorda com o Grupo de Alto Nível e com a Comissão quando afirmam que os projectos de infra-estruturas de transporte carecem de pacotes financeiros equilibrados compostos por equidade, empréstimos estruturalmente subordinados, empréstimos para a fase inicial de exploração e crédito bancário.

5.3.2. Dentre estes instrumentos financeiros, os empréstimos estruturalmente subordinados desempenham um papel-chave por diluirem o ónus da amortização da dívida num período de tempo mais longo (20 a 30 anos) do que as dívidas comuns contraídas junto da banca (até 15 anos). Este tipo de empréstimos já é concedido pelo BEI, em cooperação com o FEI, a uma escala limitada. O Comité congratula-se por verificar que o BEI desempenhará um papel mais activo neste campo e também no desenvolvimento de empréstimos para a fase inicial de exploração.

5.3.3. A Comissão tenciona examinar a possibilidade de criação de um fundo intermédio destinado às RTE em que os investidores institucionais contribuiriam com a maior parte do capital. O Comité considera que importa desenvolver o mercado para este tipo de instrumento financeiro na Europa, devendo a Comissão, por conseguinte, desenvolver maiores esforços no sentido de contribuir para a criação de um fundo intermédio.

6. Síntese e conclusões

6.1. O Grupo de Alto Nível sobre o financiamento da rede transeuropeia de transportes através de parcerias sector público/sector privado, presidido pelo comissário Kinnock, publicou o seu relatório em Maio de 1997. O objectivo do Grupo era examinar de que forma as parcerias sector público/sector privado (PPP) poderiam contribuir para acelerar a implementação da rede transeuropeia de transportes, vital para a competitividade e o crescimento da Europa.

6.2. Várias das recomendações do Grupo de Alto Nível eram dirigidas à Comissão para apreciação e acção. A Comissão respondeu numa comunicação, publicada em Setembro de 1997, que descreve o seguimento que tenciona dar às recomendações que a envolvem directamente.

6.3. O Comité acolhe com satisfação o relatório do Grupo de Alto Nível e a comunicação da Comissão. Os dois documentos constituem um todo e não devem ser considerados separadamente.

6.4. O desenvolvimento das RTE foi, até agora, mais lento do que se esperava, dada a persistência de problemas de financiamento, especialmente em virtude das restrições nas finanças públicas mas também devido ao facto de o envolvimento de PPP nos projectos de RTE ficar aquém das expectativas.

6.5. Tradicionalmente, quando o Estado executava grandes projectos de infra-estruturas, o sector privado participava principalmente na fase de construção como empreiteiro. Uma maior participação do sector privado significaria que este sector actuaria, a par do sector público, não apenas como empreiteiro, mas também como promotor, providenciando financiamento e recursos de gestão e mesmo assumindo responsabilidades na área da exploração.

6.6. O elemento-chave para o êxito de uma PPP é a repartição do risco inerente a um projecto entre o sector público e o sector privado. Em princípio, cada uma das partes deveria suportar os riscos que melhor pudesse controlar em cada fase do projecto. Os riscos comerciais deveriam, em princípio, ser suportados pelo sector privado, enquanto que os riscos públicos («riscos políticos») deveriam ser suportados pelo sector público.

6.7. É óbvio que a falta de recursos orçamentais nacionais suficientes para os projectos de RTE suscitou um interesse crescente nas PPP. O Comité sublinha que o principal objectivo das PPP não deve ser a obtenção de financiamento complementar. É igualmente importante utilizar a capacidade comercial, financeira, técnica e de gestão do sector privado para melhorar a relação custo-eficácia na execução dos projectos de RTE.

6.8. Quanto à possibilidade de um maior envolvimento do sector privado nos projectos de RTE, afigura-se que tanto o relatório do Grupo de Alto Nível como a Comunicação da Comissão revelam excesso de optimismo. O sector privado só investe num projecto se a rendibilidade do investimento for adequada.

6.9. No entender do Comité, são condições prévias importantes para o êxito da implementação de PPP:

- o firme empenhamento político dos Estados-Membros na utilização de PPP;

- o envolvimento do sector privado na fase mais incipiente possível do desenvolvimento dos projectos, ou seja no período de concepção e planeamento;

- a criação de empresas de projecto ad hoc responsáveis pela realização dos projectos, especialmente os de natureza transnacional.

6.10. A Comissão tenciona elaborar, proximamente, orientações específicas que esclareçam melhor os procedimentos a aplicar a contratos públicos para a adjudicação de contratos de infra-estruturas de transportes. O Comité é do parecer de que as futuras orientações da Comissão deverão abordar as seguintes questões:

- relação entre a directiva relativa a obras públicas e a directiva relativa a serviços de utilidade pública no que se refere às PPP;

- formas de melhorar e facilitar os procedimentos aplicáveis a contratos públicos, especialmente a fase anterior à apresentação de propostas e a aplicação do processo de adjudicação por negociação.

6.11. O Comité acolhe favoravelmente a clarificação da aplicação das regras de concorrência aos novos projectos de infra-estruturas de transportes recentemente publicada (Setembro de 1997), que se refere sobretudo ao acesso à nova infra-estrutura ferroviária e às possibilidades de reserva de capacidade para alguns operadores. Dado que cada projecto é mais ou menos único, o Comité sublinha que é frequentemente necessária uma análise casuística.

6.12. Os grandes projectos de infra-estruturas de transporte carecem de pacotes financeiros equilibrados compostos por equidade, empréstimos estruturalmente subordinados e crédito bancário. O Comité congratula-se por verificar que o BEI desempenhará um papel mais activo no desenvolvimento de empréstimos estruturalmente subordinados e de empréstimos para a fase inicial de exploração. O Comité considera também essencial que a Comissão desenvolva maiores esforços no sentido de contribuir para a criação de um fundo intermédio.

Bruxelas, 25 de Fevereiro de 1998.

O Presidente do Comité Económico e Social

Tom JENKINS

() Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199 de 9.8.1993, p. 54). Parecer do Comité Económico e Social sobre a proposta da Comissão: JO C 106 de 27.4.1992, p. 11.

() Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199 de 9.8.1993, p. 84). Parecer do Comité Económico e Social sobre a proposta da Comissão: JO C 106 de 27.4.1992, p. 6.

() Clarificação das recomendações da Comissão em matéria de aplicação das regras da concorrência aos novos projectos de infra-estruturas (JO C 298 de 30.9.1997, p. 5).

() JO C 287 de 22.9.1997, p. 92.