20.3.2023   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 103/1


RECOMENDAÇÃO DA COMISSÃO

de 14 de março de 2023

relativa ao armazenamento de energia — Apoiar um sistema energético da UE descarbonizado e seguro

(2023/C 103/01)

A COMISSÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 292.o,

Considerando o seguinte:

(1)

A Comissão apresentou o Pacto Ecológico Europeu, estratégia que visa, nomeadamente, alcançar a neutralidade climática até 2050 (1). Neste contexto, o pacote Objetivo 55 (2) tem por objetivo reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55 % até 2030. Além disso, e tendo em conta a invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia e a utilização, por parte desta, do aprovisionamento energético como arma, a Comunicação REPowerEU (3) e o Plano REPowerEU (4) propõem medidas para pôr termo rapidamente à dependência dos combustíveis fósseis russos e enfrentar a crise energética, acelerando a transição para as energias limpas e unindo esforços para alcançar um sistema energético mais resiliente.

(2)

Uma vez que a produção e a utilização de energia representam mais de 75 % das emissões de gases com efeito de estufa da União, é fundamental descarbonizar o sistema energético para alcançar essas metas. A fim de alcançar as metas da União em matéria de clima e de energia, o sistema energético está a ser alvo de uma transformação profunda, caracterizada pelo aumento da eficiência energética, a implantação rápida e maciça da produção de energia renovável variável, um maior número de intervenientes, sistemas mais descentralizados, digitalizados e interligados e uma maior eletrificação da economia. Esta transformação do sistema exige maior flexibilidade, entendida como a capacidade de adaptação do sistema energético à evolução das necessidades da rede e de gestão da variabilidade e da incerteza da procura e da oferta em todos os períodos pertinentes. Os modelos (5) estabelecem uma relação direta, por vezes exponencial, entre a necessidade de flexibilidade (diária, semanal e mensal) e a implantação da produção de energia renovável. Consequentemente, a necessidade de flexibilidade assumirá particular relevância nos próximos anos, dada a previsão de que a quota de eletricidade produzida a partir de fontes de energias renováveis no sistema elétrico atinja 69 % até 2030.

(3)

Os novos desafios operacionais exigem também que o futuro sistema elétrico inclua serviços adicionais (por exemplo, serviços de balanço e serviços de sistema não associados à frequência (6)), a fim de garantir a estabilidade, a fiabilidade e, em última análise, a segurança do abastecimento de eletricidade.

(4)

Diversas tecnologias podem proporcionar ao sistema energético a flexibilidade necessária, como o armazenamento de energia, a resposta da procura, a flexibilidade da oferta e as interligações. Em especial, várias tecnologias de armazenamento de energia (por exemplo, mecânicas, térmicas, elétricas, eletroquímicas e químicas) podem fornecer serviços diversificados em diferentes escalas e em períodos diferentes. Por exemplo, o armazenamento térmico, em especial o armazenamento térmico de grande capacidade em sistemas de aquecimento urbano, pode oferecer flexibilidade e serviços de balanço à rede elétrica e, por conseguinte, proporciona uma solução de integração do sistema que reduz custos ao absorver a produção de energia renovável variável (por exemplo, energia eólica e solar). Além disso, as tecnologias de armazenamento de energia podem ser uma solução técnica para proporcionar estabilidade e fiabilidade.

(5)

O armazenamento de energia ao nível da rede elétrica é definido no artigo 2.o, ponto 59, da Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho (7), que abrange diversas tecnologias. A Diretiva (UE) 2019/944 regula a participação do armazenamento de energia no mercado da eletricidade, incluindo a prestação de serviços de flexibilidade em condições de concorrência equitativas com outros recursos energéticos.

(6)

Além da contribuição para o sistema elétrico, o armazenamento de energia, como o armazenamento térmico, pode contribuir de várias formas para o sistema energético. Por exemplo, nos sistemas de aquecimento individuais e urbanos, o armazenamento de energia que complementa os geradores de aquecimento e de arrefecimento de fontes renováveis permite satisfazer uma percentagem mais elevada da procura de aquecimento a partir de fontes renováveis variáveis e de baixa temperatura, como a energia geotérmica superficial, a energia solar térmica e a energia ambiente. A promoção destes sistemas de aquecimento que utilizam energia de fontes renováveis é essencial para abandonar os sistemas de aquecimento a combustíveis fósseis, em especial nos edifícios.

(7)

O armazenamento de energia pode desempenhar um papel crucial na descarbonização do sistema energético, contribuindo para a sua integração e para a segurança do abastecimento. Um sistema energético descarbonizado exigirá investimentos significativos em capacidade de armazenamento de todos os tipos. As tecnologias de armazenamento de energia podem facilitar a eletrificação de vários setores económicos, em especial dos setores dos edifícios e dos transportes, por exemplo, graças à adoção de veículos elétricos e à sua participação no balanço da rede elétrica por meio da resposta da procura (nomeadamente através da absorção de eletricidade excedentária em períodos de elevada geração de eletricidade a partir de energias renováveis e baixa procura). Também é possível utilizar eficazmente a energia armazenada nas baterias de veículos elétricos para abastecer as casas e ajudar a estabilizar a rede.

(8)

O armazenamento de energia, em especial «a jusante do contador», pode ajudar os consumidores, tanto os agregados familiares como a indústria, a maximizar o autoconsumo de energia renovável de produção própria, permitindo que estes consumidores reduzam as respetivas faturas de energia.

(9)

No caso dos sistemas energéticos menos interligados ou não interligados, como as ilhas, as zonas remotas ou as regiões ultraperiféricas da UE, os recursos que visam a flexibilidade, nomeadamente o armazenamento de energia, podem contribuir significativamente para o abandono dos combustíveis fósseis importados e a gestão de níveis elevados de variabilidade, sazonal e a curto prazo, no aprovisionamento de energias renováveis.

(10)

O armazenamento de energia enfrenta uma série de desafios que podem impedir que atinja os níveis de implantação necessários para apoiar significativamente a transição energética. Alguns destes desafios dizem respeito à necessidade de visibilidade e previsibilidade a longo prazo das receitas para facilitar o acesso ao financiamento.

(11)

A configuração do mercado da eletricidade da União já permite a participação do armazenamento de energia em todos os mercados da eletricidade. Proporciona, assim, uma base para combinar diferentes fluxos de receitas (acumulação de receitas), a fim de apoiar a viabilidade do modelo empresarial do armazenamento de energia e de maximizar o seu valor acrescentado para o sistema energético.

(12)

As Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia (8) incentivam os Estados-Membros a introduzir critérios ou características adicionais nas respetivas medidas de segurança do abastecimento, a fim de promover a participação de tecnologias mais ecológicas (ou reduzir a participação de tecnologias poluentes) necessárias para apoiar a realização dos objetivos de proteção do ambiente da UE. Esses critérios ou características deverão aumentar a proporção de armazenamento que beneficia de medidas de segurança do abastecimento.

(13)

Os operadores de redes de transporte devem ter em conta o potencial de utilização das instalações de armazenamento de energia nos respetivos planos decenais de desenvolvimento de redes (9). No entanto, é possível explorar melhor o padrão de funcionamento habitual do armazenamento de energia — injeção de energia elétrica na rede quando os níveis de produção são baixos e consumo de energia elétrica quando são elevados — ao planear as redes. Com tarifas de acesso à rede bem concebidas e regimes tarifários que promovam a utilização de instrumentos de flexibilidade, como o armazenamento de energia, é possível reduzir o consumo a partir da rede durante as horas de ponta.

(14)

A partilha de eletricidade armazenada pode proporcionar maiores benefícios ao sistema através da resposta da procura, quando os clientes finais estão expostos aos sinais de preços adequados ou têm direito a participar em regimes de flexibilidade. Conforme previsto na Diretiva (UE) 2019/944, os clientes finais que atuam em conjunto não devem ser sujeitos ao pagamento de qualquer taxa dupla ao prestarem serviços de flexibilidade aos operadores de redes através de instalações de armazenamento a montante do contador.

(15)

A atualização dos planos nacionais em matéria de energia e de clima para 2021-2030, em conformidade com o artigo 14.o do Regulamento (UE) 2018/1999 relativo à governação da União da Energia e da Ação Climática (10), deve refletir maior ambição no sentido de acelerar a transição ecológica e de aumentar a segurança energética, em consonância com o pacote do Pacto Ecológico Europeu (11) e o REPowerEU. A atualização dos planos nacionais em matéria de energia e de clima deve também incluir objetivos nacionais para aumentar a flexibilidade do sistema, em conformidade com o artigo 4.o, alínea d), ponto 3), do referido regulamento. Esses planos nacionais atualizados devem também apresentar políticas e medidas pertinentes de apoio ao investimento necessário, identificado no âmbito do REPowerEU, e à prioridade fundamental de proteger a competitividade e a atratividade da UE em relação aos parceiros mundiais, tendo simultaneamente em conta os impactos ambientais, em especial nos habitats e ecossistemas (12). Os planos nacionais em matéria de energia e de clima proporcionam a oportunidade de tirar partido de sinergias entre as cinco vertentes da União da Energia (13), em especial no que diz respeito aos benefícios do armazenamento de eletricidade,

RECOMENDA:

(1)

Os Estados-Membros devem ter em conta o duplo papel (produtor-consumidor) do armazenamento de energia ao definirem o quadro regulamentar e os procedimentos aplicáveis, em especial ao aplicarem a legislação da União relativa ao mercado da eletricidade, a fim de eliminar os obstáculos existentes. Tal inclui evitar a dupla tributação e facilitar os procedimentos de concessão de licenças (14). As autoridades reguladoras nacionais devem também ter em conta esse papel ao fixarem as tarifas de acesso à rede e os regimes tarifários, em conformidade com a legislação da União.

(2)

Os Estados-Membros devem identificar as necessidades de flexibilidade dos seus sistemas energéticos a curto, médio e longo prazo e, nas atualizações dos planos nacionais em matéria de energia e de clima, devem reforçar os objetivos e as políticas e medidas conexas que visam promover de forma eficaz em termos de custos a implantação do armazenamento de energia, tanto em grande escala como a jusante do contador, bem como a resposta da procura e a flexibilidade. Os Estados-Membros devem também avaliar as necessidades de capacidade de produção no que se refere às tecnologias de armazenamento de energia pertinentes.

(3)

Os Estados-Membros, em especial as entidades reguladoras nacionais, devem assegurar que os operadores de sistemas energéticos avaliem melhor as necessidades de flexibilidade dos respetivos sistemas energéticos ao planearem as redes de transporte e distribuição, incluindo o potencial do armazenamento de energia (a curto e a longo prazo) e se o armazenamento de energia pode ser uma alternativa mais eficaz em termos de custos aos investimentos na rede. Devem também ter em consideração o pleno potencial das fontes de flexibilidade, em especial do armazenamento de energia, ao avaliarem a capacidade de ligação (por exemplo, tendo em conta os contratos de ligação flexíveis) e durante o funcionamento do sistema.

(4)

Os Estados-Membros devem identificar eventuais défices de financiamento do armazenamento de energia a curto, médio e longo prazo, incluindo a jusante do contador (armazenamento térmico e que utilize eletricidade) e outros instrumentos de flexibilidade, e, se for identificada a necessidade de recursos flexíveis adicionais para alcançar os objetivos ambientais e de segurança do abastecimento, devem estudar a eventual necessidade de instrumentos de financiamento que proporcionem visibilidade e previsibilidade das receitas.

(5)

Os Estados-Membros devem examinar se os serviços de armazenamento de energia, em especial a utilização da flexibilidade nas redes de distribuição e na prestação de serviços de sistema não associados à frequência, são suficientemente remunerados e se os operadores podem acumular a remuneração de vários serviços.

(6)

Os Estados-Membros devem ponderar a adoção de procedimentos de concurso competitivos, caso tal seja necessário para alcançar um nível suficiente de implantação de fontes de flexibilidade que permita a consecução de objetivos de segurança do abastecimento e ambientais transparentes, em conformidade com as regras em matéria de auxílios estatais. Devem examinar a possibilidade de melhorar a conceção de mecanismos de capacidade para facilitar a participação de fontes de flexibilidade, incluindo o armazenamento de energia, por exemplo, assegurando que os fatores de redução são adequados à luz do objetivo de segurança do abastecimento, reduzindo a capacidade mínima elegível e o nível mínimo de licitação, facilitando a agregação, estabelecendo limites de emissão de CO2 mais baixos ou dando prioridade a tecnologias mais ecológicas, em conformidade com as Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia.

(7)

Os Estados-Membros devem identificar todas as ações específicas, regulamentares e não regulamentares, necessárias para eliminar os obstáculos à implantação da resposta da procura e do armazenamento a jusante do contador, por exemplo, relacionados com a adesão dos setores de utilização final à eletrificação baseada em fontes de energia renováveis, a implantação do autoconsumo individual ou coletivo e o carregamento bidirecional através da utilização de baterias de veículos elétricos.

(8)

Os Estados-Membros devem acelerar a implantação de instalações de armazenamento e de outros instrumentos de flexibilidade nas ilhas, zonas remotas e regiões ultraperiféricas da UE com capacidade de rede insuficiente e ligações instáveis ou muito afastadas da rede principal, por exemplo, por meio de regimes de apoio a recursos flexíveis hipocarbónicos, incluindo o armazenamento, e devem rever os critérios de ligação à rede para promoverem projetos de energia híbridos (ou seja, de produção e armazenamento de energia de fontes renováveis).

(9)

Os Estados-Membros e as autoridades reguladoras nacionais devem publicar dados pormenorizados sobre o congestionamento da rede, o deslastre de geração de energia renovável, os preços de mercado, a energia renovável e o teor de emissões de gases com efeito de estufa em tempo real, bem como sobre as instalações de armazenamento de energia existentes, a fim de facilitar as decisões de investimento em novas instalações de armazenamento de energia.

(10)

Os Estados-Membros devem continuar a apoiar a investigação e a inovação no domínio do armazenamento de energia, em especial no domínio das soluções de armazenamento de energia a longo prazo e das que associam a eletricidade a outros vetores energéticos, e a otimizar as soluções existentes (por exemplo, eficiência, capacidade, duração, pegada climática e ambiental mínima). Devem ponderar o recurso a instrumentos de redução dos riscos, como programas de aceleração tecnológica e regimes de apoio específicos que acompanhem as tecnologias inovadoras de armazenamento de energia até à fase de comercialização.

Feito em Bruxelas, em 14 de março de 2023.

Pela Comissão

Kadri SIMSON

Membro da Comissão


(1)  COM(2019) 640 final. O Pacto Ecológico Europeu estabelece também outros objetivos além da neutralidade climática, como travar a perda de biodiversidade, reduzir e eliminar a poluição e dissociar o crescimento económico da utilização dos recursos através de abordagens baseadas na economia circular.

(2)  COM(2021) 550 final.

(3)  COM(2022) 108 final.

(4)  COM(2022) 230 final.

(5)  Ver a secção 2.2 do documento de trabalho dos serviços da Comissão SWD(2023) 57.

(6)  Tal como definidos no artigo 2.o, pontos 45 e 49, da Diretiva (UE) 2019/944 (JO L 158 de 14.6.2019, p. 125).

(7)  Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que altera a Diretiva 2012/27/UE (JO L 158 de 14.6.2019, p. 125).

(8)  Comunicação da Comissão — Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia 2022, C/2022/481 (JO C 80 de 18.2.2022, p. 1).

(9)  Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2013, relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias (JO L 115 de 25.4.2013, p. 39).

(10)  JO L 328 de 21.12.2018, p. 1.

(11)  https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/european-green-deal/delivering-european-green-deal_pt#documents.

(12)  A fim de alcançar os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e de respeitar o princípio de «não prejudicar», é igualmente necessário ter em conta contrapartidas mais abrangentes do armazenamento de energia prejudiciais para o ambiente e apresentar soluções para as atenuar ou neutralizar.

(13)  COM(2015) 80.

(14)  Ver também a Recomendação (UE) 2022/822 da Comissão, de 18 de maio de 2022, relativa à aceleração dos procedimentos de concessão de licenças para projetos no domínio da energia renovável e à facilitação dos contratos de aquisição de energia (JO L 146 de 25.5.2022, p. 132), e o Regulamento (UE) 2022/2577 do Conselho, de 22 de dezembro de 2022, que estabelece um regime para acelerar a implantação das energias renováveis (JO L 335 de 29.12.2022, p. 36).