15.6.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 200/1


RECOMENDAÇÃO DO COMITÉ EUROPEU DO RISCO SISTÉMICO

de 6 de maio de 2020

sobre os riscos de liquidez nos fundos de investimento

(CERS/2020/4)

(2020/C 200/01)

O CONSELHO GERAL DO COMITÉ EUROPEU DO RISCO SISTÉMICO,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,

Tendo em conta o Regulamento (UE) n.o 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comité Europeu do Risco Sistémico (1), nomeadamente o artigo 3.o, n.o 2, alíneas b), d) e f), e os artigos 16.o a 18.°,

Tendo em conta a Decisão CERS/2011/1 do Comité Europeu do Risco Sistémico, de 20 de janeiro de 2011, que adota o Regulamento Interno do Comité Europeu do Risco Sistémico (2), nomeadamente o artigo 15.o, n.o 3, alínea e), e os artigos 18.o a 20.°,

Considerando o seguinte:

(1)

A pandemia do coronavírus 2019 (COVID‐19) e as medidas de contenção associadas e necessárias representam um choque grave e sem precedentes para as economias europeias. Face a esta situação, o Conselho Geral do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS) anunciou, na sua reunião de 2 de abril de 2020, que centraria a sua atenção em cinco domínios prioritários em que a coordenação entre as autoridades da União é provavelmente de especial importância para a salvaguarda da estabilidade financeira na União (3). Um dos cinco domínios prioritários diz respeito à liquidez dos mercados financeiros e às suas implicações para os gestores de ativos e para as seguradoras.

(2)

A queda abrupta dos preços dos ativos observada no início da pandemia de COVID-19 foi acompanhada por resgates significativos de certos fundos de investimento e por uma deterioração considerável da liquidez dos mercados financeiros. Embora as condições do mercado se tenham estabilizado posteriormente, devido, principalmente, à intervenção determinada dos bancos centrais, das autoridades de supervisão e dos governos da União e do mundo inteiro, subsiste uma grande incerteza quanto às perspetivas macrofinanceiras.

(3)

As anteriores avaliações do CERS (4) da intermediação financeira não bancária salientaram potenciais vulnerabilidades relativas aos fundos de investimento que têm períodos curtos de resgate mas investem em ativos menos líquidos. Tais assimetrias de liquidez aumentam o risco de novas pressões sobre as avaliações de ativos em períodos de tensão, se os fundos de investimento procurarem vender menos ativos líquidos durante um curto período de tempo para satisfazerem os pedidos de resgate. Tal poderia conduzir ao aumento das perdas avaliadas a preços de mercado por parte de outras instituições financeiras com posições em risco sobre os mesmos ativos ou ativos correlacionados, ou ao endurecimento abrupto das condições financeiras.

(4)

As atuais regras da União estabelecem obrigações específicas para as sociedades de gestão de fundos no que diz respeito à gestão do risco de liquidez dos fundos que gerem (5). No caso dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), o perfil de liquidez dos investimentos destes organismos deve ser adequado à política de resgate estabelecida no regulamento de gestão do fundo, nos documentos constitutivos ou no prospeto. De forma análoga, a estratégia de investimento, o perfil de liquidez e a política de resgate dos fundos de investimento alternativos (FIA) devem ser coerentes entre si (6). Estas regras são complementadas pelas orientações da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) sobre os testes de esforço em matéria de liquidez em OICVM e FIA, nos termos das quais os gestores de fundos devem testar regularmente a capacidade de resistência dos seus fundos ao risco de liquidez em condições normais e excecionais de liquidez (7).

(5)

A presente recomendação tem por objetivo melhorar o nível de preparação para eventuais choques adversos futuros que possam conduzir a uma deterioração da liquidez do mercado financeiro com potenciais consequências negativas para as condições de estabilidade financeira da União.

(6)

O CERS reconhece que o setor dos fundos de investimento na União é vasto e diversificado. Tendo em conta esta situação, o CERS identificou dois segmentos como áreas de prioridade absoluta para um controlo reforçado do ponto de vista da estabilidade financeira.

(7)

O primeiro destes segmentos é constituído pelos fundos de investimento com posições em risco significativas sobre a dívida das empresas. Pouco depois do início da pandemia de COVID-19, ocorreram resgates significativos de fundos de investimento que investem em dívida das empresas. Além disso, os fundos de investimento detêm uma proporção significativa do stock de obrigações emitidas por sociedades não financeiras em circulação na União. Quaisquer pressões futuras de resgate exercidas sobre fundos de tipo aberto com prazos de resgate curtos podem levar a que os gestores de fundos vendam rapidamente os ativos menos líquidos, contribuindo assim para uma deterioração das condições de liquidez dos mercados de dívida das empresas. Esta situação poderá ter repercussões negativas sobre outras instituições financeiras que detenham posições em risco sobre esses ativos — como companhias de seguros, fundos de pensões ou bancos — ou um impacto adverso no custo e na disponibilidade de financiamento baseado no mercado para as sociedades não financeiras.

(8)

O segundo segmento identificado pelo CERS como área de prioridade absoluta para um controlo reforçado do ponto de vista da estabilidade financeira é constituído pelos fundos de investimento com posições em risco significativas sobre imóveis. As restrições em matéria de saúde pública necessárias para conter a propagação da COVID-19 podem resultar numa redução do volume de transações no mercado imobiliário e num aumento da incerteza em matéria de avaliação. Estima-se que os fundos de investimento imobiliário detenham aproximadamente um terço do mercado imobiliário comercial da União. Os resgates futuros de fundos de investimento que detenham ativos significativos constituídos por imóveis poderão contribuir para a redução da pressão sobre as avaliações imobiliárias se forem acompanhados de vendas de ativos imobiliários num ambiente de volumes reduzidos de transações. Tal poderá ter implicações negativas para outras instituições financeiras que detenham posições em risco sobre imóveis, incluindo as que os utilizam como garantia para a concessão de empréstimos.

(9)

Para garantir que o sistema financeiro da União ajuda a absorver, e não a amplificar, o choque da COVID-19, é necessário um trabalho de coordenação considerável entre as autoridades de controlo responsáveis por diferentes segmentos dos mercados financeiros e além-fronteiras. Tal é especialmente o caso das atividades dos mercados de capitais, incluindo as dos fundos de investimento, cujos fluxos transfronteiriços são elevados e em que o bom funcionamento dessas atividades depende de um certo número de intervenientes em todo o sistema financeiro.

(10)

O CERS reconhece o trabalho altamente prioritário atualmente realizado pela ESMA para reforçar a convergência da supervisão da gestão do risco de liquidez pelos gestores de fundos. Importa referir, nomeadamente, a ação comum de supervisão sobre a gestão dos riscos de liquidez dos gestores de OICVM, anunciada em 2020 (8), e a coordenação atualmente assegurada pela ESMA das ações de supervisão face à COVID-19.

(11)

A presente recomendação não prejudica os mandatos de política monetária dos bancos centrais da União.

(12)

As recomendações do CERS são publicadas depois de os destinatários terem sido informados e depois de o Conselho Geral ter informado o Conselho da União Europeia da sua intenção e de este ter tido a oportunidade de se pronunciar a esse respeito,

ADOTOU A PRESENTE RECOMENDAÇÃO:

SECÇÃO 1

RECOMENDAÇÃO

Recomendação A — Coordenação do envolvimento prudencial com os fundos de investimento para avaliar o seu nível de preparação

Recomenda-se que a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA):

1.

Coordene com as autoridades nacionais competentes um exercício de supervisão centrado nos fundos de investimento que detêm posições em risco significativas sobre dívida das empresas e ativos imobiliários, a fim de avaliar o nível de preparação destes dois segmentos do setor dos fundos de investimento para potenciais choques adversos futuros, incluindo uma eventual retoma de resgates significativos e/ou o aumento da incerteza em matéria de avaliação; e

2.

Informe o CERS sobre a sua análise e conclusões no que respeita ao nível de preparação dos fundos de investimento pertinentes.

SECÇÃO 2

APLICAÇÃO

1.   Definições

1.

Para efeitos da presente recomendação, entende-se por:

a)

«autoridade nacional competente» (ANC), a autoridade competente na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea h), da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (9) ou do artigo 4.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (10);

b)

«fundo de investimento», i) um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) conforme definido pelo artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2009/65/CE, que tenha sido autorizado em conformidade com o artigo 5.o da mesma diretiva; e ii) um fundo de investimento alternativo conforme definido pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/61/UE.

2.   Critérios de aplicação

1.

A aplicação da presente recomendação rege-se pelos seguintes critérios:

a)

deve prestar-se a devida atenção ao princípio da proporcionalidade, tendo em conta o objetivo e o conteúdo de cada recomendação;

b)

devem ser satisfeitos os critérios específicos de conformidade estabelecidos no anexo.

3.   Calendário para o seguimento

1.

Em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1092/2010, os destinatários devem comunicar ao Parlamento Europeu, ao Conselho, à Comissão e ao CERS as medidas tomadas em resposta a recomendações e fundamentar a sua eventual inação. A ESMA é convidada a apresentar a comunicação até 31 de outubro de 2020.

4.   Acompanhamento e avaliação

1.

Compete ao Secretariado do CERS, se for caso disso:

a)

prestar apoio à ESMA, contribuindo para a realização de determinadas partes da análise do ponto de vista da estabilidade financeira;

b)

coordenar o procedimento de acompanhamento;

c)

prestar assistência a pedido da ESMA.

2.

O Conselho Geral avaliará as medidas e as justificações apresentadas pela ESMA e poderá, se for caso disso, decidir que a presente recomendação não foi seguida e que a ESMA não apresentou justificação adequada para a sua inação.

Feito em Frankfurt am Main, em 6 de maio de 2020.

O Chefe do Secretariado do CERS

Em nome do Conselho Geral do CERS,

Francesco MAZZAFERRO


(1)  JO L 331 de 15.12.2010, p. 1 .

(2)  JO C 58 de 24.2.2011, p. 4.

(3)  Ver o comunicado emitido na sequência da reunião do Conselho Geral do CERS de 2 de abril de 2020, disponível em: https://www.esrb.europa.eu/news/pr/date/2020/html/esrb.pr200409~a26cc93c59.en.html

(4)  Ver, por exemplo, o relatório anual «EU Non-bank Financial Intermediation Risk Monitor 2019», disponível em inglês em: https://www.esrb.europa.eu/pub/pdf/reports/nbfi_monitor/esrb.report190717_NBFImonitor2019~ba7c155135.en.pdf?aad1f4a011a6d589537645242475aa89

(5)  Ver o artigo 40.o, n.o 4, da Diretiva 2010/43/UE da Comissão, de 1 de julho de 2010, que aplica a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos requisitos organizativos, aos conflitos de interesse, ao exercício da atividade, à gestão de riscos e ao conteúdo do acordo celebrado entre o depositário e a sociedade gestora (JO L 176 de 10.7.2010, p. 42).

(6)  Ver o artigo 16.o, n.o 2, da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Diretivas 2003/41/CE e 2009/65/CE e os Regulamentos (CE) n.o 1060/2009 e (UE) n.o 1095/2010) (JO L 174 de 1.7.2011, p. 1).

(7)  «ESMA Final Report: Guidelines on liquidity stress testing in UCITS and AIFs» [Relatório Final da ESMA: Orientações sobre a realização de testes de esforço em matéria de liquidez em OICVM e FIA], de 2 de Setembro de 2019, disponível em inglês em: https://www.esma.europa.eu/sites/default/files/library/esma34-39-882_final_report_guidelines_on_lst_in_ucits_and_aifs.pdf

(8)  Ver o comunicado da ESMA de 30 de janeiro de 2020, disponível em inglês em: https://www.esma.europa.eu/press-news/esma-news/esma-launches-common-supervisory-action-ncas-ucits-liquidity-risk-management

(9)  Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO L 302 de 17.11.2009, p. 32).

(10)  Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Diretivas 2003/41/CE e 2009/65/CE e os Regulamentos (CE) n.o 1060/2009 e (UE) n.o 1095/2010 (JO L 174 de 1.7.2011, p. 1).


ANEXO

CRITÉRIOS DE OBSERVÂNCIA DA RECOMENDAÇÃO

Os seguintes critérios de observância da Recomendação A são os seguintes:

1.

Para permitir a realização de um exercício orientado e atempado, a ESMA deve coordenar-se com as ANC para:

a)

identificar os fundos de investimento da União que detêm posições em risco especialmente elevadas sobre a dívida das empresas e os mercados imobiliários e que são particularmente importantes do ponto de vista macroprudencial. A limitação do âmbito do exercício aos referidos fundos pela presente recomendação visa assegurar a realização do mesmo no tempo disponível. A ESMA pode também ter em conta outras características pertinentes para a identificação dos fundos, nomeadamente a frequência de resgate e/ou o grau de alavancagem.

b)

orientar a atuação relativamente ao subconjunto de fundos de investimento identificados na alínea a) no sentido de ajudar a avaliar o seu nível atual de preparação para um aumento inesperado dos resgates e/ou um aumento da incerteza em matéria de avaliação, nomeadamente formulando uma opinião sobre a forma como estes fundos poderão responder a potenciais choques adversos futuros no curto prazo;

c)

avaliar o nível de preparação dos segmentos da dívida das empresas e do imobiliário do setor dos fundos de investimento e analisar se são necessárias novas medidas para melhorar esse nível. A avaliação deve centrar-se, de modo especial, em eventuais choques futuros relativos a resgates e/ou à incerteza em matéria de avaliação e analisar se são necessárias medidas adicionais — por exemplo, orientações suplementares destinadas aos fundos ou às autoridades de supervisão quanto à utilização de instrumentos de gestão da liquidez e/ou ao tratamento da incerteza em matéria de avaliação.

2.

Os fatores seguintes deverão ser levados em conta para efeitos do exercício de supervisão, com especial destaque para as áreas que são relevantes do ponto de vista da estabilidade financeira.

a)

Fundos com posições em risco especialmente elevadas sobre a dívida das empresas

No âmbito de um exercício orientado para os fundos com posições em risco especialmente elevadas sobre a dívida das empresas, é provável que as seguintes informações sejam particularmente úteis do ponto de vista da estabilidade financeira:

i)

Informações que permitam avaliar o comportamento do fundo no início da pandemia de COVID-19. Estas informações podem incluir: i) o nível de resgates observado no início da pandemia de COVID-19, quando os resgates de uma série de fundos de obrigações de empresas foram elevados; ii) a forma como os instrumentos de gestão da liquidez foram utilizados na altura, incluindo os instrumentos específicos ativados pelos diferentes tipos de fundos; e iii) os tipos de ativos que foram vendidos para fazer face aos resgates e de que forma (por exemplo, por corte vertical).

ii)

Informações que permitam avaliar o nível de preparação atual. Estas informações podem incluir a descrição: i) do conjunto de instrumentos de gestão da liquidez disponíveis para os fundos identificados; ii) da forma como os próprios gestores de fundos estão a preparar-se para eventuais choques adversos futuros; iii) da forma como os próprios gestores de fundos responderiam a uma eventual retoma dos resgates; iv) das atuais carteiras de ativos líquidos dos fundos identificados; e v) do número e da natureza dos investidores dos fundos identificados (por exemplo, investidores particulares ou investidores institucionais).

b)

Fundos com posições em risco especialmente elevadas sobre bens imóveis

No âmbito de um exercício orientado para os fundos com posições em risco especialmente elevadas sobre bens imóveis, é provável que as seguintes informações sejam particularmente úteis do ponto de vista da estabilidade financeira:

i)

Informações que permitam avaliar o atual nível de incerteza em matéria de avaliação e da atividade de resgate. Estas informações podem incluir a descrição: i) das questões de incerteza em matéria de avaliação que os fundos imobiliários enfrentam em diferentes jurisdições, se for caso disso; ii) do modo como os instrumentos de gestão da liquidez foram utilizados até à data, incluindo os instrumentos específicos ativados; e iii) do volume de pedidos de resgate desde o início da pandemia de COVID-19 e da forma como os fundos identificados responderam a esses pedidos.

ii)

Informações que permitam avaliar o nível de preparação atual. Estas informações podem incluir a descrição: i) das características estruturais dos fundos imobiliários (por exemplo, frequência das transações, prazos de pré-aviso, etc.); ii) do conjunto de instrumentos de gestão da liquidez à disposição dos fundos identificados; iii) da forma como os próprios gestores de fundos estão a preparar-se para eventuais choques adversos futuros; iv) da forma como os próprios gestores de fundos responderiam a um aumento da incerteza em matéria de avaliação ou ao aumento dos resgates; v) das atuais carteiras de ativos líquidos dos fundos identificados; e vi) do número e da natureza dos investidores dos fundos identificados (por exemplo, investidores particulares ou investidores institucionais).