19.10.2010   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

L 274/1


DECISÃO DA COMISSÃO

de 26 de Janeiro de 2010

relativa ao auxílio estatal C 56/07 (ex E 15/05) concedido pela França à La Poste

[notificada com o número C(2010) 133]

(Apenas faz fé o texto em língua francesa)

(Texto relevante para efeitos do EEE)

(2010/605/UE)

A COMISSÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o funcionamento da União Europeia («TFUE») (1), nomeadamente o artigo 108.o, n.o 2, primeiro parágrafo,

Tendo em conta o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, nomeadamente o artigo 62.o, n.o 1, alínea a),

Após ter convidado as partes interessadas a apresentarem as suas observações, em conformidade com os referidos artigos (2),

Considerando o seguinte:

1.   PROCEDIMENTO

(1)

Em 21 de Dezembro de 2005, a Comissão aprovou a transferência das actividades bancárias e financeiras da La Poste para a sua filial, La Banque Postale (3). Na sua decisão, a Comissão sublinhava que a questão da garantia ilimitada do Estado a favor da La Poste seria objecto de um procedimento separado.

(2)

Em 21 de Fevereiro de 2006, em conformidade com o artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 (4) do Conselho que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (a seguir designado «Regulamento processual»), a Comissão informou as autoridades francesas das suas conclusões preliminares quanto à existência de uma garantia ilimitada do Estado que beneficia a La Poste por força do seu estatuto, que constituiria um auxílio estatal na acepção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, e convidava-as a apresentar as suas observações. Na medida em que esta suposta garantia estatal ilimitada estava em vigor antes de 1 de Janeiro de 1958, a Comissão aplicou as regras processuais relativas aos auxílios existentes, em conformidade com o artigo 1.o, alínea b), do Regulamento processual atrás citado (5).

(3)

A Comissão recebeu a resposta das autoridades francesas em 24 de Abril de 2006.

(4)

Em 4 de Outubro de 2006, em conformidade com o artigo 18.o do Regulamento processual, a Comissão convidou a França a suprimir a garantia de que beneficia a La Poste por força do seu estatuto relativamente a todas as suas responsabilidades, o mais tardar até 31 de Dezembro de 2008.

(5)

Em 6 de Dezembro de 2006, a Comissão recebeu uma nota das autoridades francesas contestando as conclusões apresentadas pela Comissão na sua carta de 4 de Outubro de 2006.

(6)

Na sequência de uma reunião com os serviços da Comissão responsáveis pela concorrência (a seguir designados «DG Concorrência»), por carta de 16 de Janeiro de 2007 as autoridades francesas apresentaram à Comissão um projecto de alteração do decreto de aplicação da Lei n.o 80-539 de 16 de Julho de 1980 relativa às sanções pecuniárias impostas em matéria administrativa e à execução das sentenças pelas pessoas colectivas de direito público (6) (a seguir designada «Lei de 16 de Julho de 1980»), a saber, o Decreto n.o 81-501, de 12 de Maio de 1981, adoptado em aplicação da Lei de 16 de Julho de 1980 relativa às sanções pecuniárias impostas em matéria administrativa e à execução das sentenças pelas pessoas colectivas de direito público (7) (a seguir designado «Decreto de 12 de Maio de 1981»).

(7)

Na sequência de um pedido de clarificação da Comissão, as autoridades francesas enviaram uma nota, recebida em 1 de Fevereiro de 2007, explicando a situação dos credores da La Poste no caso de a empresa se encontrar em dificuldades financeiras.

(8)

Por nota de 19 de Março de 2007, as autoridades francesas apresentaram uma proposta adicional, que consistia em comprometerem-se, juntamente com a La Poste, a introduzir em todos os contratos de financiamento e prospectos de emissão da La Poste uma menção referindo a inexistência de uma garantia.

(9)

Por carta de 29 de Novembro de 2007, a Comissão informou a França da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, do TFUE relativamente a esta medida (a seguir designada «decisão de início do procedimento»).

(10)

A decisão de início do procedimento foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia  (8). A Comissão convidou as partes interessadas a apresentarem as suas observações sobre a medida em causa.

(11)

A Comissão não recebeu observações das partes interessadas a este respeito.

(12)

A Comissão recebeu as observações da França por carta de 23 de Janeiro de 2008.

(13)

A Comissão publicou no sítio Internet da DG Concorrência um convite à apresentação de propostas relativo à realização de um estudo sobre a garantia ilimitada da República Francesa a favor da La Poste. Foram recebidas quatro propostas antes do termo do prazo, fixado em 21 de Abril de 2008. O estudo foi adjudicado a Sophie NICINSKI, professora universitária, professora associada de Direito Público, doutorada em Direito e autora de publicações sobre o tema das garantias de Estado concedidas a estabelecimentos públicos de carácter industrial e comercial. Esta perita (a seguir designada «a perita da Comissão») entregou o seu relatório em 17 de Novembro de 2008.

(14)

Na sequência da publicação na imprensa de informações relativas à adopção pelo Governo francês de um projecto de lei autorizando a alteração do estatuto da La Poste, a Comissão perguntou à França, em 20 de Julho de 2009, se concordava em assumir o compromisso de transformar a La Poste numa sociedade anónima sujeita à aplicação dos procedimentos de recuperação e liquidação judicial de direito comum. Nessa mesma correspondência, a Comissão transmitiu às autoridades francesas o relatório da sua perita.

(15)

Por nota transmitida em 31 de Julho de 2009, a França informou a Comissão de que o Conselho de Ministros de 29 de Julho de 2009 adoptara o projecto de lei relativo à La Poste e às actividades postais, fixando em 1 de Janeiro de 2010 a data de transformação da La Poste em sociedade anónima. As autoridades francesas referiam também que transmitiriam posteriormente as suas observações sobre o relatório da perita da Comissão.

(16)

Na sequência de duas cartas de insistência da Comissão, de 9 de Setembro e de 6 de Outubro de 2009, a França, por nota transmitida em 27 de Outubro de 2009, apresentou os seus comentários sobre o relatório da perita da Comissão, transmitindo um parecer de Guy CARCASSONNE, professor universitário, professor associado da Faculdade de Direito (a seguir designado «o perito das autoridades francesas»).

(17)

Em 11 de Dezembro de 2009, foi apresentada uma alteração ao projecto de lei relativo à La Poste e às actividades postais que adiava a data de transformação da La Poste em sociedade anónima para o mês de Março de 2010.

2.   DESCRIÇÃO DA MEDIDA

(18)

A Lei n.o 90-568, de 2 de Julho de 1990, relativa à organização do serviço público de correio e à France Télécom (9) (a seguir designada «lei de 2 de Julho de 1990») transformou a antiga direcção-geral dos correios e telecomunicações em duas pessoas colectivas de direito público: La Poste e France Telecom.

(19)

Certas pessoas colectivas de direito público não foram consideradas legalmente como estabelecimentos públicos de carácter administrativo (EPA) ou estabelecimentos públicos de carácter industrial e comercial (EPIC) (10). É o caso da La Poste. Porém, no seu acórdão de 18 de Janeiro de 2001 (segunda secção cível) (11), o Tribunal de Cassação (Cour de Cassation) aceitou o princípio segundo o qual a La Poste é equiparada a um EPIC (12). As consequências jurídicas do estatuto da La Poste são as seguintes:

2.1.   NÃO APLICABILIDADE DOS PROCESSOS DE INSOLVÊNCIA E DE FALÊNCIA À LA POSTE

(20)

O artigo 1.o da Lei de 2 de Julho de 1990 classificou a La Poste como uma pessoa colectiva de direito público. Ora, em França, as pessoas colectivas de direito público não se encontram sujeitas ao direito comum em matéria de procedimentos de recuperação e liquidação judicial de empresas em dificuldade.

(21)

A não aplicabilidade dos processos de insolvência e de falência às pessoas colectivas de direito público derivaria do princípio geral da impenhorabilidade dos bens das pessoas colectivas de direito público, reconhecido desde o fim do século XIX pela jurisprudência francesa e, nomeadamente, pelo Tribunal de Cassação (13).

(22)

Além disso, o artigo 2.o da Lei n.o 85-98 de 25 de Janeiro de 1985 relativa à recuperação e à liquidação judicial das empresas (14) (a seguir designada «Lei de 25 de Janeiro de 1985»), que define o âmbito de aplicação dos procedimentos de recuperação e liquidação judicial de direito comum em França e que constitui o actual artigo L620-2 do Código Comercial, estipula: «A recuperação e a liquidação comercial são aplicáveis a todos os comerciantes, todas as pessoas inscritas no registo profissional, todos os agricultores e todas as pessoas colectivas de direito privado». Assim, decorre da formulação deste artigo, bem como da interpretação que lhe é dada pela jurisprudência francesa (15), que os procedimentos colectivos de direito comum não são aplicáveis às pessoas colectivas de direito público.

2.2.   APLICABILIDADE À LA POSTE DA LEI DE 16 DE JULHO DE 1980 E DO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, PELAS DÍVIDAS DAS PESSOAS COLECTIVAS DE DIREITO PÚBLICO

(23)

A Lei de 16 de Julho de 1980 é aplicável à La Poste, classificada como pessoa colectiva de direito público pela Lei de 2 de Julho de 1990.

(24)

O n.o II do artigo 1.o da Lei de 16 de Julho de 1980 dispõe que «Quando uma decisão judicial transitada em julgado condenou um organismo ou um estabelecimento público ao pagamento de um montante em numerário fixado na decisão, deve ser concedida uma autorização de pagamento ou emitida uma ordem de pagamento desse montante no prazo de dois meses a contar da data de notificação da decisão judicial. Em caso de não autorização do pagamento ou de não emissão da ordem de pagamento, o representante do Estado no departamento ou a autoridade de tutela concede autorização automática de pagamento. Em caso de insuficiência de créditos, o representante do Estado no departamento ou a autoridade de tutela dirige uma notificação ao organismo ou ao estabelecimento público, intimando-o a criar os recursos necessários; se o órgão deliberativo do organismo ou do estabelecimento público não disponibilizar ou criar esses recursos, o representante do Estado no departamento ou a autoridade de tutela disponibiliza os recursos e concede a autorização automática de pagamento da despesa, se necessário».

(25)

O n.o 4 do artigo 3.o-1 do Decreto de 12 de Maio de 1981 dispõe que «quando a notificação de incumprimento não tiver produzido efeito uma vez findo estes prazos  (16) , o representante do Estado ou a autoridade de tutela procede à inscrição da despesa no orçamento do organismo ou do estabelecimento público em situação de incumprimento. Libertará, se for caso disso, os recursos necessários, quer através da redução das dotações afectadas a outras despesas e ainda não utilizadas, quer mediante o aumento dos recursos». Finalmente, o n.o 5 do artigo 3.o-1 do referido decreto prevê que «se no prazo de oito dias após a notificação da inscrição do crédito o organismo ou o estabelecimento público não tiver concedido a autorização de pagamento do montante devido, o representante do Estado ou a autoridade de tutela concede autorização automática de pagamento no prazo de um mês».

(26)

O referido Decreto de 12 de Maio de 1981 foi revogado e substituído pelo Decreto n.o 2008-479 de 20 de Maio de 2008 relativo à execução das sanções pecuniárias impostas a pessoas colectivas públicas. Contudo, o artigo 10.o do novo decreto retoma o disposto no quarto e no quinto parágrafo do artigo 3.o-1 do Decreto de 20 de Maio de 1981 (17). Portanto, não modifica substancialmente a medida.

(27)

Por outro lado, a circular de 16 de Outubro de 1989 (18) prevê que: «em caso de insuficiência ou inexistência de créditos, situação visada no artigo 1.o, n.o II, segundo parágrafo, da Lei de 16 de Julho de 1980, o gestor orçamental é igualmente obrigado, antes do termo do prazo de quatro meses, a informar do facto o credor, em carta registada com aviso de recepção, especificando o montante que será objecto da autorização automática de pagamento posterior. Esta autorização abrangerá quer a totalidade do montante devido, em caso de inexistência total de créditos, quer o saldo, em caso de insuficiência de créditos».

(28)

Decorre do conjunto destas disposições que a Lei de 16 de Julho de 1980 e os seus textos de aplicação se destinam exclusivamente a executar decisões judiciais transitadas em julgado que condenam quer o Estado, quer uma autarquia local, quer um estabelecimento público, ao pagamento de um montante em numerário, não estabelecendo procedimentos de recuperação ou liquidação.

(29)

Por outro lado, a Lei de 16 de Julho de 1980 e os respectivos textos de aplicação designam expressamente o Estado como a autoridade competente para a recuperação das dívidas dos estabelecimentos públicos. O Estado dispõe de prerrogativas importantes: por um lado, a autorização automática de pagamento e, por outro lado, a criação de recursos suficientes, o que obriga a analisar se as possibilidades de indemnização proporcionadas aos credores pela existência de responsabilidade do Estado em caso de incumprimento por parte da La Poste não poderão ser consideradas como uma forma de garantia.

(30)

Além dos dois aspectos atrás referidos (não aplicabilidade dos processos de insolvência e de falência e aplicabilidade da Lei de 16 de Julho de 1980), na sua decisão de início do procedimento a Comissão sublinhou que as regras aplicáveis a alguns EPIC se poderiam aplicar igualmente à La Poste:

2.3.   TRANSFERÊNCIA DAS OBRIGAÇÕES DE UM EPIC OBJECTO DE DISSOLUÇÃO PARA UM OUTRO ESTABELECIMENTO PÚBLICO OU PARA O ESTADO

(31)

A Norma Contabilística n.o 02-060-M95 de 18 de Julho de 2002 relativa à regulamentação financeira e contabilística dos estabelecimentos públicos nacionais de carácter industrial e comercial (19) (a seguir designada «norma contabilística») prevê que se podem colocar duas hipóteses em caso de encerramento de um EPIC que dispõe de um contabilista público:

o EPIC é substituído por um novo estabelecimento público que retoma os bens, direitos e obrigações do anterior;

é publicado um texto que declara a dissolução do estabelecimento público; neste caso, «o texto que procede à dissolução do estabelecimento pode designar desde logo o beneficiário do saldo da liquidação, que é geralmente o Estado» (20).

(32)

O Guia de organização financeira da criação, transformação e supressão de estabelecimentos públicos nacionais e de grupos de interesse público de 14 de Novembro de 2006 (a seguir designado «guia de organização financeira»), disponível no sítio Internet do Ministério as Finanças, especifica (21): «O texto que suprime o estabelecimento público deve prever explicitamente a transferência dos direitos, bens e obrigações do estabelecimento suprimido para a estrutura que retomará a sua actividade ou a que será atribuído o seu património (ou seja, um estabelecimento público ou o Estado)» […] «De um modo mais geral, deve ser previsto que o novo estabelecimento substituirá as pessoas colectivas cuja actividade retomará ou cujos direitos e obrigações resultantes de contratos celebrados anteriormente para a realização de missões lhe serão atribuídos».

(33)

Embora as disposições da norma contabilística e do guia de organização financeira se apliquem apenas aos EPIC que dispõem de um contabilista público, certos elementos indicam que as dívidas de alguns EPIC que não dispõem de um contabilista público, caso estes estabelecimentos sejam encerrados, serão transferidas para o Estado ou para outro estabelecimento público.

(34)

Assim, a empresa pública Charbonnages de France referia nas notas anexas às suas contas financeiras de 31 de Dezembro de 2000 que, em caso de encerramento de um EPIC, todos os seus direitos e obrigações devem ser transferidos quer para outra entidade jurídica de direito público, quer para o Governo francês, e que os termos e condições dessa transferência devem ser especificados no acto legislativo aprovado para encerrar o EPIC em causa. Esta afirmação não se aplica apenas aos EPIC que dispõem de um contabilista público; de resto, a Charbonnages de France é um EPIC que não dispõe de um contabilista público.

(35)

Por outro lado, segundo certas agências de notação, na hipótese de dissolução da ERAP (22), e apesar de a ERAP ser igualmente um EPIC que não dispõe de um contabilista público, o saldo da dívida e dos activos desse estabelecimento seriam também transferidos para o Estado. Segundo a Fitch (23), «a ERAP, na sua qualidade de EPIC, não pode ser objecto de processos de insolvência. Só pode ser dissolvida por um processo legislativo e, nessa hipótese, o saldo das suas dívidas e dos seus activos reverterá para o Estado». Segundo a Moody’s (24), «a ERAP não pode ser objecto de reestruturações impostas pelo tribunal de insolvência. Assim, em caso de dissolução da sociedade, os seus activos/passivos serão transferidos para a autoridade responsável pela sua criação, ou seja, o próprio Estado».

(36)

Tendo em conta estes elementos e apesar de a La Poste não dispor de um contabilista público (25), há que analisar se, na hipótese de uma liquidação, é aplicável à La Poste o princípio da transferência das dívidas para o Estado ou para outra entidade jurídica, atendendo a que a empresa pode ser considerada como um EPIC. Se assim for, o credor terá a garantia de não perder o seu crédito e poderá contentar-se com uma taxa de juro mais baixa ou conceder prazos de pagamento mais favoráveis do que seria o caso na ausência dessa garantia. Essa transferência teria assim os mesmos efeitos de uma garantia.

2.4.   ACESSO DIRECTO ÀS CONTAS DO TESOURO

(37)

Ainda segundo a Fitch (26), «a liquidez da ERAP é garantida pelo seu acesso imediato às contas de adiantamentos do Tesouro». Como a ERAP é um EPIC, há que analisar se a La Poste poderá também ter acesso às contas de adiantamentos do Tesouro.

3.   OBSERVAÇÕES E PROPOSTAS DAS AUTORIDADES FRANCESAS

(38)

Na sequência da decisão de início do procedimento, as autoridades francesas transmitiram à Comissão as suas observações e as suas propostas, por carta de 23 de Janeiro de 2008. Esta carta completa, as observações e propostas apresentadas nas cartas anteriores das autoridades francesas (27) e resumidas na decisão de início do procedimento.

3.1.   OBSERVAÇÕES DAS AUTORIDADES FRANCESAS

(39)

As autoridades francesas contestam, por um lado, a existência de uma garantia e, por outro lado, a existência de uma vantagem para a La Poste.

3.1.1.   INEXISTÊNCIA DE UMA GARANTIA

(40)

Segundo as autoridades francesas, por um lado os estabelecimentos públicos não beneficiam de uma garantia automática por força do seu estatuto (A) e, por outro lado, o raciocínio da Comissão na decisão de início do procedimento é erróneo (B).

A.    Os estabelecimentos públicos não beneficiam de uma garantia automática por força do seu estatuto  (28)

(41)

Em primeiro lugar, nenhum texto ou decisão consagra o princípio segundo o qual o Estado garantiria indefinidamente, por princípio, as dívidas dos EPIC.

(42)

Em segundo lugar, a jurisprudência pronunciou-se sobre a inexistência de garantias. Nomeadamente no seu acórdão Société de l’hôtel d’Albe  (29), o Conselho de Estado entendeu que «o Serviço Nacional de Turismo, com personalidade jurídica e autonomia financeira […] era um estabelecimento público e que, por consequência, o Estado não tinha obrigação de pagar as dívidas contraídas por esse estabelecimento; que, portanto, o Ministro das Obras Públicas se recusara com razão a satisfazer a exigência [do credor]». Terá sido feito o mesmo raciocínio relativamente às autarquias locais nos dois acórdãos do Conselho de Estado no processo Campoloro  (30).

(43)

Em terceiro lugar, a Lei orgânica relativa às leis do orçamento de 1 de Agosto de 2001 (31) (a seguir designada «LOLF») prevê que só uma disposição das leis do orçamento pode criar uma garantia (32). Por consequência, segundo o perito das autoridades francesas (33), após a plena entrada em vigor da LOLF, em 1 de Janeiro de 2005, não teria podido ser concedida legalmente uma garantia implícita. As dívidas contraídas pela La Poste após 1 de Janeiro de 2005 não beneficiariam assim de uma garantia implícita. Quanto às dívidas contraídas antes de 1 de Janeiro de 2005, o perito das autoridades francesas considera que, na ausência de uma decisão contenciosa, não é possível determinar se a caducidade das garantias implícitas concedidas antes de 1 de Janeiro, cuja concessão não tenha sido expressamente autorizada na lei do orçamento, é ou não procedente, com base no respeito dos direitos constitucionais dos credores.

(44)

Em quarto lugar, se os EPIC beneficiassem de uma garantia do Estado, a alteração do seu estatuto exigiria a criação de medidas de preservação dos direitos dos credores. Ora, tal mecanismo nunca foi criado. Pelo contrário, quando a Administração dos Correios e das Telecomunicações passou a ser uma pessoa colectiva autónoma (La Poste), a partir de 1 de Janeiro de 1991, o Estado, por decreto de 31 de Dezembro de 1990, concedeu uma garantia explícita em relação às dívidas contraídas antes de 31 de Dezembro de 1990 e transferidas para a La Poste. Tal não teria sido necessário se a La Poste, na qualidade de estabelecimento equiparado a um EPIC, beneficiasse estatutariamente de uma garantia estatal. Foram adoptadas disposições jurídicas e regulamentares semelhantes concedendo uma garantia estatal a certas actividades da ERAP e da Agência Francesa de Desenvolvimento, que são dois EPIC.

(45)

Em último lugar, as autoridades francesas citam um artigo (34) de D. Labetoulle, antigo Presidente da secção de contencioso do Conselho de Estado. Segundo Labetoulle, «em Direito, a concessão, usufruto e extensão desta garantia não são automáticos [uma garantia estatal que seria aplicável de pleno direito aos estabelecimentos públicos do Estado]».

B.    O raciocínio da Comissão relativo à existência de uma garantia é erróneo  (35)

a)   Não está garantido o reembolso dos créditos individuais

1.   A Lei de 16 de Julho de 1980 não pode estar na base de uma garantia

(46)

Segundo as autoridades francesas (36), a Lei de 16 de Julho de 1980 confere à autoridade de tutela competências de substituição dos poderes executivos da pessoa a que se substitui. A este título, a tutela pode exercer apenas as competências desse órgão executivo, que não incluem a possibilidade de dispor do orçamento do Estado. A Lei de 16 de Julho de 1980 não preveria, portanto, a obrigação de o Estado comprometer os seus recursos próprios.

(47)

As autoridades francesas citam em apoio desta interpretação os trabalhos preparatórios da Lei de 16 de Julho de 1980. No decurso desses debates, o Governo ter-se-ia oposto às alterações destinadas a impor ao Estado a obrigatoriedade de concessão de uma subvenção excepcional a uma autarquia cujos recursos fossem insuficientes para executar uma decisão judicial.

(48)

As autoridades francesas referem-se igualmente a artigos de doutrina (37). Nestes artigos recorda-se que a expressão «y pourvoit», que consta do artigo 1.o da Lei de 16 de Julho de 1980, remete para um poder de «substituição», no âmbito do qual «em princípio, o substituto dispõe das mesmas competências do substituído» e que, por outro lado, a atribuição de uma subvenção excepcional não recai no âmbito do «exercício de um poder de substituição», não estando, portanto, prevista na Lei de 16 de Julho de 1980.

(49)

Finalmente, as autoridades francesas citam os acórdãos do Conselho de Estado de 10 de Novembro de 1999 (38) e de 18 de Novembro de 2005 (39) relativos ao processo Campoloro. O Conselho de Estado teria considerado que a substituição financeira do Estado à autarquia em situação de incumprimento não consta da lista de obrigações impostas pela Lei de 16 de Julho de 1980. Por outro lado, ao analisar se havia razões para responsabilizar o Estado pela falta, ainda que grave, o Conselho de Estado teria excluído em princípio todas as formas de responsabilidade «de pleno direito» e, portanto, todas as formas de garantia.

2.   Não pode ser invocada a responsabilidade sem falta do Estado exclusivamente com fundamento na insuficiência dos activos

(50)

Por outro lado, as autoridades francesas afirmam que as possibilidades de indemnização proporcionadas pela invocação de responsabilidade do Estado, em condições restritivas, perante os credores das pessoas colectivas públicas não podem ser consideradas como uma forma de garantia. Se o que está em causa é assumir quer a falta, quer as consequências de uma acção própria (no caso da responsabilidade sem falta), não pode tratar-se de uma garantia.

(51)

Em seguida as autoridades francesas alegam que, de qualquer modo, o Estado não pode ser responsabilizado só porque o prefeito ou a autoridade de tutela não puderam tomar medidas que permitissem reembolsar o crédito, devido à situação financeira e patrimonial da autarquia ou do estabelecimento público.

(52)

No que se refere à existência de uma falta, ainda que grave, antes de mais o facto de o Prefeito ou a autoridade de tutela não terem exercido as suas competências quando não existia nenhuma medida que permitisse que a autarquia ou o estabelecimento público reembolsassem o crédito não pode em si mesmo ser considerado como uma falta.

(53)

Quanto à responsabilidade sem falta, pelo menos dois elementos contribuem para a pôr de parte:

Em primeiro lugar, a responsabilidade da pessoa a quem é exigida uma reparação só pode existir se o facto (ou a omissão) que lhe é imputado foi a causa directa do prejuízo. Ora, no caso da insuficiência de activos, não foi o acto ou a omissão da autoridade administrativa, mas antes a insolvência da autarquia ou do estabelecimento público, que esteve na origem do prejuízo sofrido pelo credor.

Em segundo lugar, a responsabilidade sem falta decorre do princípio da igualdade perante os encargos públicos. Ora, segundo as autoridades francesas, no caso em apreço será difícil descortinar o fundamento para que o prejuízo sofrido pelo credor seja equiparado a uma ruptura da igualdade perante os encargos públicos. Efectivamente, e ao contrário do que se verificou no processo que esteve na origem da jurisprudência Couitéas  (40), no caso em apreço nenhuma autoridade do Estado teria decidido não executar a decisão por razões de interesse geral. No caso em apreço, a autoridade pública confronta-se com a impossibilidade prática de tomar medidas que permitam executar a decisão da Justiça e reembolsar os credores, e não com uma impossibilidade resultante de uma decisão tomada com base em razões imperiosas de interesse geral. Segundo as autoridades francesas, não pode ser invocada responsabilidade por ruptura da igualdade perante os encargos públicos com base numa mera constatação de insolvência. No que se refere ao argumento apresentado pela Comissão no considerando 59 da sua decisão de início do procedimento, segundo o qual «se o representante do Estado privilegiasse a manutenção da continuidade do serviço público em detrimento do direito do credor a ser reembolsado da sua dívida, não seria de excluir que pudesse haver responsabilidade sem falta do Estado», as autoridades francesas reconhecem que no âmbito da execução do procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 é imposta ao representante do Estado a exigência de continuidade do serviço público. Contudo, segundo as autoridades francesas, mesmo que o juiz decidisse a favor da indemnização do credor, essa indemnização teria o efeito de voltar a colocar o credor na situação de direito comum, pois neste último caso o bem em questão teria sido alienado e a massa dos credores teria recebido o montante correspondente. Logo, o credor não beneficiaria de nenhuma vantagem.

b)   […]  (41)

1.   A não aplicabilidade dos processos de insolvência e de falência de direito comum às pessoas colectivas de direito público não exclui a possibilidade de falência de um EPIC ou a abertura de um processo de falência contra um EPIC

(54)

Segundo as autoridades francesas, a Comissão baseia a sua análise na sua Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias (42), nomeadamente no seu n.o 2.1.3, que dispõe que «A Comissão considera igualmente como auxílio sob forma de garantia as condições de financiamento mais favoráveis obtidas por empresas cujo estatuto jurídico exclui a possibilidade de falência ou insolvência ou que preveja expressamente uma garantia estatal ou a cobertura de prejuízos pelo Estado».

(55)

Observando embora que as regras do Tratado prevalecem sobre a Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias, as autoridades francesas sublinham dois elementos que, segundo elas, retiram significado à aplicação da referida comunicação no caso em apreço:

a Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias coloca a tónica no facto de o auxílio eventual decorrer de «condições de financiamento mais favoráveis» que seriam imputáveis à exclusão da possibilidade de um processo de falência; ora, a Comissão não teria demonstrado a existência dessas «condições de financiamento mais favoráveis»;

a Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias refere-se ao caso em que o estatuto jurídico exclui todas as formas de processos de falência ou de insolvência e não um processo específico de falência ou de insolvência; ora, a Comissão não teria estabelecido que a La Poste não pode abrir falência e que não é possível um processo de insolvência.

(56)

Ora, segundo as autoridades francesas, a Lei de 25 de Janeiro de 1985 é apenas uma lei processual. O facto de os EPIC não serem abrangidos pelo seu âmbito de aplicação não significa que um EPIC se não possa encontrar em situação de suspensão de pagamentos, como também não impede que seja objecto de um procedimento ad hoc de recuperação, de liquidação ou de falência.

2.   A aplicação do «procedimento» instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980, de preferência ao procedimento colectivo de direito comum, não confere nenhuma vantagem ao credor

(57)

Após terem analisado o considerando 68 da decisão de início do procedimento, as autoridades francesas concluem que a Comissão aplica dois critérios para avaliar se a aplicação de um procedimento específico em caso de insolvência confere uma vantagem à entidade que está sujeita a esse procedimento, em comparação com as empresas que estão sujeitas ao direito comercial:

um critério de publicidade: o procedimento a seguir em caso de insolvência da La Poste deve ser definido e publicitado;

um critério de equivalência: esse procedimento deve ser quer o procedimento de direito privado, quer um procedimento que confira aos credores da La Poste direitos que não sejam superiores aos que teriam em caso de aplicação do direito comercial.

(58)

Embora as autoridades francesas contestem a necessidade de respeitar estes dois critérios (43), na medida em que são considerados necessários e suficientes pela Comissão, as autoridades francesas utilizam-nos para analisar se a aplicação das disposições da Lei de 16 de Julho de 1980 confere uma vantagem aos credores das entidades jurídicas de direito público, em comparação com os credores das empresas que estão sujeitas aos procedimentos colectivos de direito comum.

(59)

No que se refere ao critério de publicidade, as autoridades francesas consideram que o procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 é correctamente identificado pelas agências de notação como sendo aplicável em caso de insolvência de um EPIC, como o comprovam as notações das agências referidas pela Comissão em relação ao ERAP.

(60)

No que se refere ao critério de equivalência, as autoridades francesas estabelecem uma distinção entre os casos em que se aplica uma exigência de continuidade de serviço público e em que essa exigência se não aplica.

i)   O «procedimento» instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 analisado à luz do teste de equivalência, na ausência da exigência de continuidade do serviço público

(61)

Segundo as autoridades francesas, se a La Poste não pudesse pagar as suas dívidas e se não se aplicasse a exigência de continuidade do serviço público, o procedimento a seguir seria o seguinte: no caso improvável de uma dificuldade financeira comprovada e antes de se chegar a uma situação de insuficiência dos activos, numa primeira fase a empresa deveria iniciar negociações com os seus credores, com vista à aplicação de um plano de saneamento do passivo. Numa segunda fase, se o plano não fosse considerado satisfatório ou se não permitisse resolver as dificuldades financeiras, e na ausência de um novo acordo com os credores, estes (ou alguns deles) poderiam recorrer ao juiz competente para obter a condenação do devedor e, portanto, o reconhecimento do seu crédito. Seria então executado o procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 que, se fosse caso disso, poderia levar a que autoridade de tutela se substituísse ao executivo da La Poste para tomar as decisões necessárias para o pagamento das dívidas do estabelecimento, com os seus recursos próprios. Caso a aplicação do procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 fosse dificultada ou impossibilitada pela insuficiência dos activos da La Poste e a autoridade de tutela se confrontasse com a impossibilidade material de criar os recursos necessários ao pagamento do montante devido, por não existirem mais activos que pudessem ser cedidos, o procedimento previsto na Lei de 16 de Julho de 1980 seria encerrado.

(62)

Portanto, segundo as autoridades francesas, na hipótese de não ser aplicável a exigência de serviço público, a aplicação do «procedimento» instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 poderia levar à realização de todos os activos da La Poste; porém, em caso de insuficiência dos activos, esse procedimento não permitiria reembolsar todos os credores da La Poste. No fim do procedimento, os credores de uma entidade sujeita à Lei de 16 de Julho de 1980, na sua totalidade, teriam recuperado o mesmo montante do que os credores de uma entidade sujeita ao direito comercial, a saber, o montante obtido através da realização dos activos.

(63)

Este procedimento diferiria apenas em dois aspectos do procedimento aplicável ao abrigo do direito comercial:

ausência de tratamento em massa dos credores: ao contrário do procedimento de direito privado, em que os créditos são tratados em massa e os direitos dos credores são satisfeitos por ordem de privilégio decrescente e proporcionalmente aos montantes disponíveis, o procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 caracteriza-se pelo facto de só a acção do próprio credor lhe permitir preservar os seus direitos. A lógica da Lei de 16 de Julho de 1980 é a de «primeiro a chegar, primeiro a ser servido»;

é o representante do Estado que, sob o controlo do juiz administrativo (controlo da falta grave, tal como foi estabelecido pelo Conselho de Estado no acórdão Campoloro de Novembro de 2005, atrás referido), assume uma função equivalente à do liquidatário judicial e do administrador da insolvência.

(64)

As autoridades francesas consideram que, no fim do procedimento, os credores não disporiam de outra via de recurso. Efectivamente, segundo as autoridades francesas, a responsabilidade do Estado só pode ser accionada com base na insuficiência dos activos. No procedimento de direito privado, os credores também «não recuperam o seu direito de acção individual» no fim da liquidação judicial, a não ser em casos excepcionais (44).

ii)   O «procedimento» instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 analisado à luz do teste de equivalência, tendo em conta a exigência de continuidade do serviço público

(65)

Na hipótese de que deva ser assegurada a continuidade do serviço público, as autoridades francesas admitem que o representante do Estado, no exercício dos poderes conferidos pela Lei de 16 de Julho de 1980, poderá decidir não ceder certos activos necessários à realização de uma missão de serviço público. A não cessão de certos bens, por motivos relacionados com a exigência de continuidade do serviço público, caso não seja objecto de indemnização pelo Estado, traduzir-se-á numa menor realização dos activos e numa diminuição correlativa dos montantes a recuperar pelos credores. O procedimento não conferiria aos credores da La Poste direitos superiores aos que deteriam em aplicação do direito comercial. Segundo as autoridades francesas, o critério de equivalência estabelecido pela Comissão seria assim respeitado a fortiori.

(66)

As autoridades francesas reconhecem, no entanto, que nesta hipótese poderá ser invocada a responsabilidade sem falta do Estado, que se traduzirá numa indemnização dos credores correspondente ao prejuízo sofrido, ou seja, correspondente no máximo ao valor venal dos activos que o representante do Estado decidiu legalmente não ceder. Segundo as autoridades francesas, esta eventual indemnização teria apenas o efeito de colocar o credor na mesma situação que a que resultaria da aplicação do direito comum e, portanto, não lhe poderia conferir, do ponto de vista do teste de equivalência, direitos superiores àqueles de que disporia ao abrigo do direito comum.

(67)

As autoridades francesas concluem que o procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 respeita os critérios de equivalência e de publicidade estabelecidos pela Comissão, que são suficientes para excluir a existência de uma vantagem. Consideram, portanto, que não se justifica sujeitar directamente a La Poste ao procedimento de direito comum, que é pesado e complexo.

3.   Os textos citados pela Comissão sobre a manutenção das obrigações após o esgotamento dos recursos do estabelecimento público não são aplicáveis à La Poste

(68)

Segundo as autoridades francesas, os textos mencionados pela Comissão na decisão de início do procedimento, nomeadamente no considerando 69, não são aplicáveis nem podem ser transpostos para a La Poste.

3.1.2.   INEXISTÊNCIA DE UMA VANTAGEM

(69)

Segundo as autoridades francesas, a análise da Comissão relativa à existência da uma vantagem selectiva é efectuada segundo dois ângulos diferentes:

um raciocínio circular, baseado na Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias;

uma análise da suposta influência da alegada medida de auxílio sobre as agências de notação.

A.    A Comunicação da Comissão de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias não permite concluir que existiu uma vantagem no caso em apreço

(70)

As autoridades francesas consideram que, no considerando 77 da decisão de início do procedimento, a Comissão comete um erro de interpretação do n.o 2.1.3 da Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias. Segundo as autoridades francesas, o n.o 2.1.3 implica que quando está em causa uma empresa cujo estatuto jurídico exclui a possibilidade de falência ou insolvência, caso esta empresa beneficie de condições de crédito mais favoráveis, estas constituem um auxílio sob forma de garantia. Segundo as autoridades francesas, nada indica no n.o 2.1.3 da Comunicação da Comissão de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias que a Comissão possa considerar que o facto de o estatuto jurídico de uma empresa excluir a possibilidade de falência signifique necessariamente que essa empresa beneficia de condições de financiamento mais favoráveis.

(71)

Por outro lado, as autoridades francesas consideram que a La Poste não recai no âmbito de aplicação do n.o 2.1.3 da Comunicação da Comissão de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias, pois esta última refere-se ao caso em que o estatuto jurídico exclui a possibilidade de todo e qualquer processo de falência ou insolvência e não de um processo específico. Ora, segundo as autoridades francesas, a Comissão não provou que a La Poste não podia abrir falência ou que não lhe era aplicável nenhum processo de insolvência.

B.    Inexistência de imputabilidade e de recursos de Estado

(72)

No considerando 79 da decisão de início do procedimento, a Comissão ecorda a influência exercida pelas agências de notação no que respeita às condições de crédito obtidas pelas empresas.

(73)

Após terem referido as insuficiências das agências de notação, as autoridades francesas afirmam que a posição defendida por uma agência de notação, quando se não baseia numa análise exacta do quadro jurídico em vigor, não permite considerar que existe uma vantagem concedida pelo Estado, susceptível de constituir um auxílio estatal. Além disso, mesmo que essa apreciação confira na prática, a um EPIC, um acesso mais vantajoso ao crédito, tal não equivaleria a conferir-lhe de direito e na prática acesso aos recursos do Estado, o que seria necessário para caracterizar um auxílio estatal.

(74)

As autoridades francesas acrescentam que as análises das agências não se situam num plano jurídico objectivo, mas antes se baseiam numa apreciação subjectiva do possível apoio do Estado em caso de dificuldades da empresa em consideração.

C.    Raciocínio em círculo vicioso

(75)

Segundo as autoridades francesas, o raciocínio da Comissão constitui um círculo vicioso:

a Comissão basear-se-ia essencialmente nas afirmações das agências de notação para provar a existência de um vantagem económica;

o mercado e as agências de notação teriam tido em conta a inexistência de uma garantia estatal a favor da La Poste, mas continuariam a manifestar dúvidas, que resultariam da posição expressa pela Comissão.

D.    Inexistência de efeitos sobre a notação da La Poste

(76)

De qualquer modo, segundo as autoridades francesas, a decisão de início do procedimento não prova que a notação da La Poste seria mais elevada em consequência da pretensa garantia estatal ilimitada.

a)   A doutrina das agências de notação não é suficiente para provar a existência de um efeito

(77)

As autoridades francesas formulam várias observações sobre o estudo da Standard and Poor’s intitulado Influence of Government Support on Ratings, citado pela Comissão no considerando 80 da decisão de início do procedimento. Nesse estudo, a Standard and Poor’s define várias categorias de «government supported postal companies»; a classificação determina a metodologia aplicada pela Standard and Poor’s para determinar a notação da entidade em causa.

(78)

As autoridades francesas observam que a inclusão na categoria 1 (45) obedece a critérios gerais como a natureza da actividade ou as condições económicas e sociais, mas que não é feita referência ao estatuto do operador que é objecto da notação.

(79)

As autoridades francesas observam que em 22 de Novembro de 2004 os Correios franceses e os Correios italianos eram classificados na categoria 2 (46). As autoridades francesas deduzem do documento da Standard and Poor’s que os resultados financeiros da Poste Italiane não justificavam a notação atribuída aos Correios italianos. Segundo as autoridades francesas, os Correios italianos beneficiariam assim de uma notação influenciada pela do seu proprietário, apesar de a Poste Italiane ter o estatuto de SpA de direito comum.

(80)

As autoridades francesas sublinham que a Standard and Poor’s classificou finalmente a La Poste na categoria 3 (47). Segundo as autoridades francesas, as reformas importantes aplicadas desde o fim de 2004 levaram progressivamente a Standard and Poor’s a classificar a La Poste nesta terceira categoria. As autoridades francesas deduzem assim que não é possível estabelecer que a notação da La Poste seja imputável apenas ao seu estatuto ou a qualquer mecanismo de garantia estatal e que essa notação possa provar a existência de um auxílio estatal.

(81)

As autoridades francesas reconhecem, contudo, que o estudo de 2004 da Standard and Poor’s evocava a questão do estatuto da La Poste. Porém, asseguram que os contactos estabelecidos entretanto com a Standard and Poor’s teriam permitido esclarecer esta questão. As autoridades francesas teriam também advertido a Fitch da inexistência de garantias estatais concedidas à La Poste, pelo que a agência resolveu entretanto reconsiderar a questão.

b)   Abundam na esfera privada os casos em que a notação de uma filial está relacionada com a da empresa-mãe

(82)

Segundo as autoridades francesas, a influência da presença de um accionista maioritário e estável, que foi sublinhada pelas agências de notação no caso da Poste Italiane, independentemente do carácter estatutário da empresa, faz-se também sentir no caso dos grupos privados. As autoridades francesas citam os exemplos de um comunicado da Standard and Poor’s de 3 de Dezembro de 2003 relativo à AGF (48), de um comunicado relativo à Volkswagen Bank GmbH (49) e de um comunicado relativo à VWFS (50). Segundo as autoridades francesas, esta abordagem não se limita, portanto, ao sector público.

c)   A notação da La Poste não seria alterada em caso de alteração do estatuto da empresa

(83)

Através de uma análise da notação atribuída à La Poste pela Standard and Poor’s, as autoridades francesas procuram demonstrar que essa notação não depende do estatuto da La Poste.

(84)

Em primeiro lugar, as autoridades francesas sublinham que à data em que formularam as suas observações, a Standard and Poor’s atribuía à La Poste a notação AA-, com uma perspectiva estável. A descida da notação foi justificada pela Standard and Poor’s pela degradação futura da estrutura financeira do grupo, associada a um pagamento de 2 mil milhões de euros efectuado pela La Poste no âmbito da reforma do financiamento das pensões dos funcionários, bem como pela «maior autonomia da La Poste em relação ao seu accionista». Segundo as autoridades francesas, esta descida, que se não verificou por ocasião da alteração do estatuto da La Poste, seria inexplicável se a notação da La Poste fosse apenas uma consequência do seu estatuto.

(85)

Em segundo lugar, apesar dos esclarecimentos (51) fornecidos pela Standard and Poor’s na sua nota de 3 de Abril de 2007, citados no considerando 84 da decisão de início do procedimento, as autoridades francesas têm dificuldade em compreender porque é que a La Poste, beneficiando de uma garantia estatal, receberia uma notação inferior, em 3 notches, à notação do Estado. Da mesma forma, se as disposições da Lei de 16 de Julho de 1980 fossem interpretadas pelas agências como instituindo a favor dos credores das pessoas colectivas em causa um mecanismo semelhante a uma garantia de Estado, as autoridades francesas têm dificuldade em compreender porque é que as autarquias recebiam a notação de BBB+, quando a notação da entidade soberana era de AAA.

(86)

Em terceiro lugar, as autoridades francesas sublinham que a nota da Standard and Poor’s de 3 de Abril de 2007 se baseia num enunciado dos pontos fortes e dos pontos fracos da empresa e que se não refere ao estatuto. Os dois aspectos referidos pela Standard and Poor’s em apoio da notação, a saber, a importância económica das missões de serviço público da La Poste e o «strong shareholder backing» (forte apoio do accionista) seriam aspectos distintos do estatuto da La Poste. Efectivamente, segundo as autoridades francesas, um «strong shareholder backing» não deve ser entendido como um apoio financeiro contrário ao direito da União, mas antes como o interesse do Estado francês pelo desenvolvimento da La Poste, mas um interesse em condições «at arm’s length» (52) (em condições de autonomia). As autoridades francesas concluem assim que o estatuto não constitui um aspecto essencial da notação.

(87)

Em quarto lugar, as autoridades francesas recordam que, na mesma nota de 3 de Abril de 2007, a agência de notação especifica que continua a adoptar uma metodologia top down, que permite atribuir a uma entidade uma notação duas categorias abaixo da da entidade soberana. Segundo a agência, essa metodologia é justificada pelo facto de, a médio prazo, o Estado dever continuar a ser accionista a 100 % da La Poste. As autoridades francesas concluem, porém, que o estatuto da La Poste não justifica esta abordagem. Finalmente, citando uma declaração da Standard and Poor’s (53), as autoridades francesas afirmam que não será a alteração do estatuto, mas sim uma abertura do capital que levará a Standard and Poor’s a adoptar uma metodologia bottom up para a La Poste. Acrescentam que essa alteração da metodologia não se traduzirá necessariamente numa alteração da notação, tendo em conta a melhoria prevista dos «factores fundamentais» da La Poste.

(88)

Em quinto lugar, as autoridades francesas recordam que a perspectiva fixada pela agência de notação é estável, apesar do procedimento iniciado pela Comissão relativamente à garantia estatal ilimitada de que a La Poste beneficiaria, por força do seu estatuto. Ora se o estatuto tivesse influência na solvabilidade da empresa, a perspectiva de alteração desse estatuto deveria traduzir-se numa perspectiva negativa e não estável. De resto, a Standard and Poor’s justifica a perspectiva estável pelo facto de o Estado dever continuar a ser accionista a 100 % da empresa durante os dois anos seguintes, e isto apesar de uma possível alteração do estatuto. Com base na citação de uma declaração da Standard and Poor’s (54), as autoridades francesas concluem que aquilo que a Standard and Poor’s tem em conta para determinar a evolução da notação é o desempenho da empresa, assim como a possibilidade de uma alteração da estrutura accionista, e não uma possível alteração do estatuto.

(89)

Em sexto lugar, citando um outro extracto da nota de 2007 da Standard and Poor’s (55), as autoridades francesas sublinham que a agência de notação não concorda com a afirmação da Comissão segundo a qual o estatuto teria por consequência a concessão de melhores condições financeiras à La Poste. Com base na citação de uma declaração da Standard and Poor’s segundo a qual: «As notações da La Poste não foram afectadas por esta recomendação, pois consideramos que uma alteração do estatuto da La Poste não reflectiria necessariamente uma redução do forte apoio do Estado que está na base das notações da La Poste e que foi confirmado pelas decisões recentes do Governo» (56), as autoridades francesas concluem que o estatuto da La Poste não influenciou a sua notação.

E.    Inexistência de efeitos para as condições de financiamento da La Poste

(90)

Finalmente, as autoridades francesas analisam as condições de financiamento efectivas da La Poste, para determinar se foram afectadas por uma alegada garantia estatal.

(91)

Segundo as autoridades francesas, tanto o anúncio da Comissão relativo à existência da alegada garantia, à sua alegada incompatibilidade com o direito da União e, por conseguinte, à eminente supressão da mesma, como a refutação da existência da garantia apresentada pelas autoridades francesas às agências de notação e à imprensa não tiveram qualquer influência nas condições de financiamento da La Poste. A La Poste emitiu assim um empréstimo obrigacionista no montante de 1,8 mil milhões de euros, com dois prazos de maturidade, a 7 e a 15 anos, em Outubro de 2006, imediatamente depois de a Comissão ter formulado a sua recomendação de medidas úteis. A La Poste referia essa recomendação no seu prospecto, especificando, porém, nas conferências com investidores, que não beneficiava de uma garantia estatal. Ora, após essa emissão, os custos de financiamento da La Poste não evoluíram significativamente (57). As duas emissões foram subscritas em grande parte por investidores europeus com o perfil habitual dos investidores da La Poste, ou seja, investidores que conservam as suas obrigações até ao vencimento. As autoridades francesas concluem que a declaração da Comissão solicitando a supressão da alegada garantia e a publicidade relativa à posição do Estado nesta questão não influenciaram as condições de financiamento da La Poste no mercado obrigacionista. Efectivamente, os mercados teriam considerado que as condições de financiamento da La Poste se não baseiam na existência, de direito ou de facto, de qualquer garantia.

(92)

As autoridades francesas concluem que:

a análise efectuada pela Comissão na sua decisão de início do procedimento do procedimento é errónea: efectivamente, a La Poste não beneficia de nenhuma garantia estatal;

a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem para a La Poste decorrente do seu estatuto;

por consequência, a Comissão não demonstrou a existência de um auxílio a favor da La Poste.

3.2.   PROPOSTAS DAS AUTORIDADES FRANCESAS

(93)

Contudo, a fim de dissipar qualquer dúvida da Comissão, as autoridades francesas declararam que estavam dispostas a aplicar as seguintes medidas, caso a Comissão aceitasse encerrar o procedimento com uma decisão de inexistência de auxílio, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento processual:

uma clarificação do decreto de aplicação da Lei de 16 de Julho de 1980;

a inserção de uma menção especificando a inexistência de garantia nos contratos da La Poste que impliquem um crédito;

um mecanismo de restituição, pela La Poste ao Estado, de um eventual efeito negativo sobre o spread associado ao facto da La Poste não estar sujeita aos procedimentos colectivos de direito comum.

3.2.1.   CLARIFICAÇÃO DO DECRETO DE APLICAÇÃO DA LEI DE 16 DE JULHO DE 1980

(94)

Segundo as autoridades francesas, o objectivo não é alterar a essência das disposições em causa, mas apenas clarificar a interpretação das mesmas. Propõem, portanto, alterar o decreto de aplicação da lei (58). A alteração, que incidiria no quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1, do decreto, que rege o direito de tutela conferido ao Prefeito ou à autoridade de tutela, permitiria dissipar todas as dúvidas da Comissão no que se refere ao alcance da expressão «y pourvoit». A proposta consiste, portanto, em especificar que o representante do Estado ou autoridade responsável pela tutela libertará os recursos no âmbito do orçamento da autarquia ou do estabelecimento público.

(95)

Alterada deste modo, a disposição do decreto passaria a ter a seguinte redacção:

«Lorsque la mise en demeure est restée sans effet à l’expiration de ces délais, le représentant de l’Etat ou l’autorité chargée de la tutelle procède à l’inscription de la dépense au budget de la collectivité ou de l’établissement public défaillant. Il dégage, le cas échéant, les ressources nécessaires au sein du budget de la collectivité ou de l’établissement soit en réduisant des crédits affectés à d’autres dépenses et encore libres d’emploi, soit en augmentant les ressources» (Quando a notificação de incumprimento não tiver produzido efeito uma vez findo estes prazos, o representante do Estado ou a autoridade de tutela procede à inscrição da despesa no orçamento do organismo ou do estabelecimento público em situação de incumprimento. Libertará, se for caso disso, os recursos necessários no âmbito do orçamento do organismo ou do estabelecimento, quer através da redução das dotações afectadas a outras despesas e ainda não utilizadas, quer mediante o aumento dos recursos) (alteração sublinhada).

(96)

Segundo as autoridades francesas, esta proposta, combinada com as observações e os artigos de doutrina transmitidos no decurso das conversações que antecederam a carta de início do procedimento, exclui que, no âmbito do procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980, o Prefeito ou o representante do Estado possa aumentar os recursos do organismo ou do estabelecimento público em causa através de uma subvenção do Estado ou de uma injecção de recursos públicos.

3.2.2.   INSERÇÃO DE UMA MENÇÃO ESPECIFICANDO A INEXISTÊNCIA DE GARANTIA NOS CONTRATOS DA LA POSTE QUE IMPLIQUEM UM CRÉDITO

A.    Proposta inicial das autoridades francesas

(97)

No considerando 59 da decisão de início do procedimento, a Comissão considera que a proposta das autoridades francesas relativa à alteração do decreto de aplicação da Lei de 16 de Julho de 1980«não permite excluir que na hipótese de os recursos da La Poste se terem esgotado, o credor que não tenha obtido o reembolso do seu crédito recorra à Justiça para invocar a responsabilidade do Estado, com fundamento na violação do princípio da igualdade face aos encargos públicos».

(98)

As autoridades francesas, contestando embora que a responsabilidade do Estado possa ser accionada exclusivamente com base na insolvência da La Poste, apresentam, a fim de dissipar as dúvidas da Comissão, uma proposta baseada na derrogação do risco assumido. Esta derrogação, que se aplica igualmente ao regime de responsabilidade do Estado com ou sem falta, baseia-se no princípio segundo o qual o prejuízo resultante de uma situação a que a vítima se expôs conscientemente não lhe dá direito a reparação (ver acórdãos Sille  (59) e Meunier  (60) do Conselho de Estado).

(99)

Por consequência, e a fim de assegurar a aplicação desta derrogação, as autoridades francesas propõem que se confirme oficialmente aos credores da La Poste que o seu crédito não beneficia de uma garantia estatal e que, em caso de insolvência, o Estado não será obrigado a assumir os encargos financeiros da empresa para o pagamento do crédito. Tal informação não é contrária à lei, pois a lei não prevê de modo algum que, em caso de insolvência da La Poste, o Estado deva assumir os encargos financeiros da empresa para o pagamento das suas dívidas.

(100)

Além da clarificação do decreto de aplicação da Lei de 16 de Julho de 1980, as autoridades francesas comprometeram-se, juntamente com a La Poste, a indicar a menção seguinte em qualquer contrato de financiamento (relativamente a qualquer instrumento abrangido por um contrato):

«A emissão/o programa/o empréstimo não beneficiam de qualquer tipo de garantia, directa ou indirecta por parte do Estado. Em caso de insolvência, o Estado não será obrigado a assumir os encargos financeiros da La Poste para o pagamento do crédito».

B.    Dúvidas expressas pela Comissão na decisão de início do procedimento

(101)

No considerando 61 da decisão de início do procedimento, a Comissão manifestou as seguintes dúvidas relativamente à proposta atrás referida das autoridades francesas:

a derrogação do risco assumido é uma regra estabelecida pela jurisprudência que poderá evoluir;

«esta proposta, decorrente dos princípios fundamentais do direito público, através de instrumentos de direito secundário, parece ser imperfeita, pois esses instrumentos poderão ser facilmente anulados em caso de litígio»;

finalmente, os créditos da La Poste não são apenas financeiros, mas também comerciais e de outra natureza; ora esses casos não são abordados na proposta complementar das autoridades francesas.

C.    Elementos apresentados pelas autoridades francesas para dar resposta a estas dúvidas

(102)

Tal como foi já referido supra, segundo as autoridades francesas não pode ser invocada a responsabilidade sem falta do Estado apenas com fundamento na insuficiência dos activos da La Poste, uma vez que a constituição da responsabilidade do Estado pressupõe uma decisão do Estado de actuar ou não actuar e que neste caso existe uma impossibilidade prática de actuar. Portanto, a proposta das autoridades francesas só é válida enquanto medida complementar de clarificação perante os credores, permitindo além disso, graças à derrogação do risco assumido, eliminar todos os riscos de constituição da responsabilidade sem falta do Estado.

(103)

Segundo as autoridades francesas, a primeira objecção da Comissão consistiria em considerar que, mesmo que não seja prevista uma disposição no direito interno de um Estado-Membro, o mero risco de alteração da jurisprudência, ou seja, de alteração do direito interno, seria suficiente para fundamentar um auxílio estatal. As autoridades francesas contestam este raciocínio. Segundo elas, a derrogação do risco assumido constitui um princípio geral de direito público abundantemente confirmado pela jurisprudência, que nunca foi contestado e que é amplamente comentado. A Comissão não pode considerar que um potencial auxílio estatal poderá vir a ser fundamentado por uma eventual alteração do direito que, no caso vertente, é mais do que improvável.

(104)

A segunda objecção da Comissão reside no facto de que se trata de instrumentos de direito secundário que poderão ser facilmente anulados em caso de litígio. É certo que a legislação e a regulamentação prevalecem sobre o contrato. Porém, para que a objecção da Comissão pudesse ter um alcance real, seria necessário que fosse sustentada por um texto de valor superior. Ora segundo as autoridades francesas, a objecção da Comissão no que se refere a este ponto não tem bases.

(105)

Em contrapartida, as autoridades francesas admitem que a terceira objecção, que consiste em constatar que as emissões obrigacionistas não são os únicos instrumentos que criam créditos, é pertinente, se bem que tenha um alcance limitado no caso da La Poste, uma vez que a dívida financeira é a principal dívida da La Poste e que é em grande medida obrigacionista.

D.    Extensão da proposta

(106)

As autoridades francesas declararam, portanto, que caso a Comissão aceitasse encerrar o procedimento com uma decisão de inexistência de auxílio, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento processual, estavam dispostas a alargar a sua proposta de inscrição da inexistência de garantia a todos os contratos que impliquem um crédito. Segundo as autoridades francesas, esta extensão permitiria eliminar todos os riscos de constituição da responsabilidade sem falta do Estado apenas com fundamento na insolvência da La Poste. Por outro lado, a constituição da responsabilidade sem falta do Estado com base na decisão da tutela de não ceder os activos necessários à continuidade do serviço público não teria outro efeito além de colocar os credores da La Poste na situação de credores de uma sociedade anónima.

E.    Apreciação pelas autoridades francesas da classificação das medidas como auxílios, na sequência das suas propostas

(107)

Segundo as autoridades francesas, as duas medidas de clarificação atrás propostas permitiriam esclarecer os credores da La Poste sobre os seus direitos. Por consequência, as autoridades francesas não podem ser consideradas, como o faz a Comissão no considerando 74 da sua decisão de início do procedimento, «responsáveis pelas expectativas criadas aos credores da La Poste relativamente à existência de uma garantia» e como mantendo voluntariamente uma «situação jurídica opaca» que poderia levar o Estado a «ser obrigado a reembolsar as dívidas da La Poste se esta deixasse de poder respeitar os seus compromissos».

(108)

Efectivamente, segundo as autoridades francesas, por um lado, o facto de a La Poste não estar sujeita aos procedimentos colectivos de direito comum e o de estar sujeita às disposições da Lei de 16 de Julho de 1980 não permitem concluir pela existência de uma garantia estatal; por outro lado, as medidas de clarificação propostas permitem excluir a responsabilidade do Estado na alegada confiança do mercado nessa garantia.

(109)

Nestas condições, não poderá ser imputado ao Estado nenhum efeito eventual. O critério da imputabilidade não estaria assim preenchido, ao contrário do que o afirma a Comissão no considerando 76 da decisão de início do procedimento.

(110)

Da mesma forma, o considerando 75 da decisão de início do procedimento, em que a Comissão se refere à sua Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias, atrás referida, para justificar a presença de recursos de Estado, deixaria de fazer sentido se a existência de uma garantia estatal não fosse apoiada por nenhum facto.

3.2.3.   MECANISMO DE RESTITUIÇÃO

(111)

A fim de completar as medidas propostas, as autoridades francesas estariam prontas a analisar com a Comissão a seguinte abordagem.

(112)

A abordagem proposta decorre da análise da posição da Comissão no n.o 2.1.3 da sua Comunicação de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias: «A Comissão considera igualmente como auxílio sob forma de garantia as condições de financiamento mais favoráveis obtidas por empresas cujo estatuto jurídico exclui a possibilidade de falência ou insolvência ou que preveja expressamente uma garantia estatal ou a cobertura de prejuízos pelo Estado». Na sua decisão de início do procedimento, a Comissão refere, no considerando 114, que considera problemático o facto de que «a França não tome nenhuma medida adequada para evitar que este estatuto produza efeitos económicos a favor de uma empresa que exerce a sua actividade em mercados concorrenciais».

(113)

As autoridades francesas contestam a aplicabilidade à La Poste do n.o 2.1.3 da Comunicação da Comissão de 2000 relativa aos auxílios estatais sob forma de garantias e alegam que a Comissão não conseguiu estabelecer que o facto da La Poste não estar sujeita aos procedimentos colectivos de direito privado se traduzia em condições de financiamento mais favoráveis.

(114)

Contudo, as autoridades francesas propuseram à Comissão estudar em comum a criação de um mecanismo de restituição pela La Poste ao Estado, em euros, de um eventual efeito negativo sobre o spread que pudesse estar associado ao facto de a La Poste não estar sujeita aos procedimentos colectivos de direito comum, de acordo com um mecanismo de cálculo que fosse validado pela Comissão e pudesse ser auditado. Segundo as autoridades francesas, a aplicação desta abordagem completaria as propostas de clarificação referidas atrás, a fim de acabar de vez com o mito da garantia estatal, excluindo definitivamente todos os riscos de auxílio.

4.   APRECIAÇÃO DO AUXÍLIO

4.1.   CLASSIFICAÇÃO COMO AUXÍLIO

(115)

O artigo 107.o, n.o 1, do TFUE dispõe: «Salvo disposição em contrário do Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

4.1.1.   EXISTÊNCIA DE UMA GARANTIA ESTATAL ILIMITADA: PRESENÇA DE RECURSOS ESTATAIS

(116)

Tal como foi referido no considerando 56 da decisão de início do procedimento, graças ao seu estatuto de pessoa colectiva de direito público equiparada a um EPIC, a La Poste beneficia de uma situação jurídica específica, tanto no que se refere ao reembolso dos seus credores, como à manutenção da sua existência em caso de insolvência.

(117)

A título preliminar, a Comissão recorda que a La Poste não está sujeita ao direito comum em matéria de recuperação e de liquidação de empresas em dificuldade (61). As autoridades francesas não contestam este aspecto, mas negam que exista qualquer mecanismo equivalente a uma garantia estatal a favor da La Poste. Contudo, nos termos do ponto 1.2, segundo parágrafo, da Comunicação da Comissão de 2008 relativa à aplicação dos artigos 107.o e 108.o do TFUE aos auxílios estatais sob forma de garantias (a seguir designada «Comunicação de 2008 relativa às garantias») (62), as condições de financiamento mais favoráveis obtidas por empresas cujo estatuto jurídico exclui a possibilidade de falência ou insolvência ou prevê expressamente uma garantia estatal ou a cobertura de prejuízos pelo Estado são consideradas como um auxílio sob forma de garantia. Será pois conveniente analisar os argumentos das autoridades francesas tendentes a demonstrar que não existe garantia estatal.

A.    Garantia de reembolso dos créditos individuais

(118)

A fim de estabelecer que existe uma garantia dos créditos individuais, deve antes de mais, ser analisado se essa garantia é excluída pelos textos ou pela jurisprudência, como o afirmam as autoridades francesas (a).

(119)

A Comissão analisará seguidamente as medidas a tomar por um credor da La Poste para obter a regularização do seu crédito, na hipótese da La Poste se encontrar em dificuldades financeiras e não puder honrar as suas dívidas (b). A Comissão determinará se o procedimento seguido é de ordem a colocar o credor numa situação comparável à de um credor de uma empresa sujeita ao direito comercial.

a)   Ao contrário do que afirmam as autoridades francesas, o direito francês admite a existência de garantias implícitas e, nomeadamente, a existência de uma garantia estatal decorrente do estatuto de estabelecimento público

1.   Análise dos argumentos das autoridades francesas  (63)

(120)

Em primeiro lugar, as autoridades francesas afirmam que nenhum texto ou decisão consagra o princípio segundo o qual o Estado garantiria as dívidas de um EPIC.

(121)

A Comissão observa que mesmo que não exista nenhum texto ou decisão que estipule explicitamente uma garantia estatal a favor dos EPIC (tal como não existe nenhum texto ou decisão que exclua explicitamente toda e qualquer garantia estatal a favor dos EPIC), nem por isso é excluída a existência de uma garantia implícita.

(122)

Em segundo lugar, segundo as autoridades francesas, a jurisprudência ter–se-ia pronunciado sobre a inexistência de garantias, nomeadamente no acórdão relativo à Société de l’hôtel d’Albe  (64) e no processo Campoloro  (65).

(123)

Como o sublinhou o seu perito, a Comissão observa que, no acórdão Société de l’hôtel d’Albe, o Conselho de Estado se recusa apenas a satisfazer o pedido do credor dirigido directamente ao Ministro das Obras Públicas. A intervenção de uma garantia pressupõe uma situação de insolvência. Ora, o acórdão citado não diz respeito à situação exacta em que a garantia é susceptível de intervir. Um mecanismo de garantia não implica que, mediante um simples pedido do credor, o Estado seja obrigado a saldar a dívida de um estabelecimento público.

(124)

A análise da Comissão relativa ao processo Campoloro é apresentada na secção 4.1.1.A, alínea b), 3.o), da presente decisão. Como será demonstrado, o processo Campoloro demonstra, pelo contrário, que o regime de responsabilidade do Estado na execução do procedimento de recuperação das dívidas dos estabelecimentos públicos apresenta todas as características de um mecanismo de garantia.

(125)

Em terceiro lugar, o perito das autoridades francesas defende que as dívidas contraídas pela La Poste depois da entrada em vigor da LOLF, em 1 de Janeiro de 2005, não podem beneficiar de uma garantia implícita. Quanto às dívidas contraídas antes de 1 de Janeiro de 2005 e cuja duração se prolongava para além dessa data, o perito das autoridades francesas reconhece que podem ser defendidas duas teses diferentes:

de acordo com a primeira tese, os motivos de ordem constitucional (nomeadamente a igualdade face aos encargos públicos e o direito de propriedade) que levaram o Conselho Constitucional (66) a excluir a caducidade das garantias cuja concessão não foi expressamente autorizada na lei do orçamento aplicam-se tanto às garantias implícitas, como às garantias explícitas: por consequência, na hipótese em que existiria uma garantia implícita das dívidas da La Poste, a inexistência na lei do orçamento de uma autorização dessa garantia não implicaria a sua caducidade em relação às dívidas contraídas pela La Poste antes de 1 de Janeiro de 2005;

de acordo com a segunda tese, os titulares de uma suposta garantia implícita não poderiam reivindicar direitos igualmente indiscutíveis e decisivos; por consequência, na hipótese em que existiria uma garantia implícita das dívidas da La Poste, a inexistência na lei do orçamento de uma autorização dessa garantia implicaria igualmente a sua caducidade em relação às dívidas contraídas antes de 1 de Janeiro de 2005.

(126)

A Comissão observa que o perito das autoridades francesas admite que não é certo que a inexistência, na lei do orçamento, da autorização de uma garantia implícita implique a caducidade desta última em relação às dívidas contraídas antes de 1 de Janeiro de 2005. De um ponto de vista mais fundamental, a Comissão considera que, para determinar se a garantia implícita concedida pelo Estado à La Poste caducou ou não por força da LOLF, será necessário analisar desde quando a La Poste beneficia dessa garantia implícita e não as datas em que foram contraídas as dívidas da La Poste. Efectivamente, a garantia analisada é uma garantia que compromete o Estado e a La Poste (os credores da La Poste são apenas os beneficiários indirectos desse compromisso): de resto, a garantia abrange não só o reembolso dos créditos individuais (ver secção 4.1.1.A da presente decisão), como também a manutenção da existência da La Poste e/ou das suas obrigações (ver secção 4.1.1.B da presente decisão). Uma vez que a garantia estatal implícita a favor da La Poste era anterior a 1 de Janeiro de 2005, a Comissão entende que o argumento segundo o qual não pode existir uma garantia implícita depois de 1 de Janeiro de 2005 não é pertinente.

(127)

No ponto 110 da sua decisão de 25 de Julho de 2001 relativa à LOLF (67), o Conselho Constitucional especificou que as garantias concedidas anteriormente à entrada em vigor da LOLF e que não foram registadas não caducaram. Segundo a perita da Comissão, este raciocínio aplica-se perfeitamente à existência de garantias implícitas associadas ao estatuto de estabelecimentos públicos que não tenham sido ainda registadas, mas que apesar disso continuam a ser válidas.

(128)

Contudo, o perito das autoridades francesas manifesta dúvidas no que se refere ao facto de que as razões que levaram o Conselho Constitucional a excluir a caducidade das garantias cuja concessão não foi autorizada na lei do orçamento se apliquem tanto aos créditos implícitos, como aos créditos explícitos. Segundo ele, os titulares de uma suposta garantia implícita não poderiam reivindicar direitos tão indiscutíveis e decisivos como os de uma garantia explícita.

(129)

Além do facto de o perito das autoridades francesas se limitar a formular dúvidas e, portanto, não ser decisivo, a Comissão observa que nada no ponto 110 sugere que só as garantias explícitas não caducam. O artigo 61.o da LOLF, a que se refere o ponto, também se não limita apenas às garantias explícitas. Por conseguinte, a Comissão entende que o parecer do Conselho Constitucional segundo o qual a sanção de uma eventual inexistência de autorização na lei do orçamento não poderá ser a caducidade de uma garantia se aplica tanto às garantias implícitas, como às garantias explícitas. A Comissão entende assim que a inexistência na lei do orçamento de uma autorização da garantia implícita concedida pelo Estado à La Poste não leva a que esta caduque.

(130)

Por outro lado, e como o sublinhou a perita da Comissão, o âmbito de aplicação da obrigação de inscrever as garantias estatais na lei do orçamento limita-se à «concessão» dessas garantias. A concessão de uma garantia abrange os casos em que o Estado, através de uma manifestação explícita da sua vontade, decide conceder uma garantia a um organismo ou a uma operação. O âmbito de aplicação da obrigação de inscrever as garantias na lei do orçamento não abrange, portanto, as garantias que decorrem de um estatuto ou de uma obrigação baseada na jurisprudência, caracterizadas pelo seu carácter implícito e automático. Esta segunda categoria não se enquadra numa decisão do Estado, situando-se antes no âmbito de um quadro jurídico preexistente, de que a garantia constitui apenas um efeito. O facto de a existência desta segunda categoria não recair no âmbito de aplicação do artigo 34.o da LOLF explica que a jurisprudência relativa à garantia a favor dos concessionários tenha perdurado depois de 2001. Explica também porque é que o Estado, quando é accionista ou sócio de uma sociedade ou de um grupo relativamente aos quais o código comercial não limita a garantia das dívidas, não é obrigado a especificá-lo numa lei do orçamento.

(131)

A Comissão conclui que o argumento das autoridades francesas fundamentado na LOLF não é convincente e que o facto de nenhuma lei do orçamento especificar que o Estado concede uma garantia à La Poste por força do seu estatuto não exclui a existência dessa garantia. De qualquer modo, a Comissão sublinha que não é vinculada pela classificação da medida como garantia segundo o direito francês, nem sequer pelo facto de que seria uma garantia abrangida pelo âmbito de aplicação da LOLF. Do ponto de vista da Comissão, s é pertinente a classificação desta medida segundo o direito comunitário e, nomeadamente, à luz da Comunicação relativa às garantias. A Comissão sublinha que o direito comunitário reconhece a existência de uma garantia implícita quando um Estado-Membro tem obrigação jurídica de reembolsar o crédito de um terceiro em caso de incumprimento deste último (68).

(132)

Em quarto lugar, segundo as autoridades francesas, se os EPIC beneficiassem de uma garantia estatal, a alteração do seu estatuto exigiria a instituição de medidas de garantia que preservassem os direitos adquiridos pelos credores antes da transformação da entidade pública en causa. Uma vez que esse mecanismo nunca foi criado (ver nomeadamente, a transformação da France Télécom, da Gaz de France, da EDF e da ADP) (69), esse facto provaria que não existe nenhuma garantia.

(133)

Como o explica a perita da Comissão, essa afirmação basear-se-ia numa interpretação muito lata da protecção constitucional do direito de propriedade. Segundo a argumentação das autoridades francesas, a protecção do direito de propriedade obrigaria a que todos os créditos fossem protegidos. Dado que a protecção constitucional do direito de propriedade não diz exclusivamente respeito ao caso dos direitos de uma entidade pública, essa interpretação equivaleria a afirmar que, em caso de perturbação na vida de qualquer sociedade, os créditos deveriam ser protegidos, se fossem «fragilizados» pela evolução verificada. Ora, nada no estado actual do direito positivo francês protege os crditos. Se esta argumentação se restringisse ao caso dos créditos garantidos pelo Estado, tal significaria que um direito de propriedade garantido na origem pelo Estado deveria beneficiar de uma protecção constitucional superior à dos outros direitos de propriedade. Ora, nada indica que assim deva ser. Finalmente, um crédito é um direito pessoal que não pode ser confundido com o direito de propriedade, que é por essência um direito real. Ora, está fora de questão alargar aos direitos pessoais a protecção acrescida de que beneficiam os direitos reais.

(134)

A Comissão conclui que o direito de propriedade não exige que seja prevista uma medida específica para garantir os direitos dos credores a partir da data de transformação de um EPIC numa sociedade sujeita aos procedimentos de recuperação e liquidação judicial. Por conseguinte, a inexistência dessas medidas não constitui um indício da inexistência de uma garantia implícita.

(135)

Segundo as autoridades francesas, ao contrário do que se verifica na situação anterior, não teria sido necessário conceder uma garantia explícita relativa às dívidas contraídas pela Administração dos Correios e das Telecomunicações que foram transferidas para a La Poste, se esta última beneficiasse estatutariamente de uma garantia estatal. No entanto, foi o que foi feito, por decreto de 31 de Dezembro de 1990.

(136)

A Comissão sublinha que o facto de as autoridades francesas terem decidido conceder uma garantia explícita não demonstra que não existisse uma garantia implícita. Aplica-se o mesmo raciocínio ao argumento das autoridades francesas relativo à garantia concedida pelo Estado a certas actividades da ERAP e da Agência Francesa de Desenvolvimento. O facto de o Estado ter decidido, em certos casos, conceder uma garantia explícita, apesar de existir já uma garantia implícita, dever-se-ia, nomeadamente, a uma preocupação de transparência e à sua intenção de aumentar a segurança jurídica dos credores. Efectivamente, como o afirma o perito das autoridades francesas, «os titulares de uma suposta garantia implícita não poderiam reivindicar direitos tão indiscutíveis e decisivos como os de uma garantia explícita».

(137)

Em último lugar, as autoridades francesas citam um artigo (70) de D. Labetoulle, antigo Presidente da secção de contencioso do Conselho de Estado. Este artigo será analisado, tal como a jurisprudência Campoloro, na secção da presente decisão relativa à constituição da responsabilidade do Estado (71).

(138)

A Comissão conclui que:

por um lado, e ao contrário das afirmações das autoridades francesas, nenhum texto ou decisão exclui a existência de uma garantia estatal a favor da La Poste;

por outro lado, o facto de nenhum texto prever expressamente esta garantia não exclui a existência de uma garantia implícita.

2.   A existência de garantias implícitas associadas ao estatuto de estabelecimento público é confirmada pela nota do Conselho de Estado francês

(139)

A existência de uma garantia implícita associada ao estatuto de estabelecimento público é confirmada por uma nota do Conselho de Estado emitida em 1995, no âmbito do processo do Crédit Lyonnais e já citada na decisão de início do procedimento (72). Nesta nota, o Conselho de Estado fundamentou a existência de uma garantia implícita na natureza de estabelecimento público do organismo: «Por ocasião do projecto de lei relativo à intervenção do Estado nos planos de recuperação do Crédit Lyonnais e do Comptoir des Entrepreneurs, o Conselho de Estado […] considerou que a garantia estatal concedida a este estabelecimento decorrerá, sem disposição legislativa explícita, da própria natureza de estabelecimento público do organismo» (73).

(140)

A Comissão solicitou repetidamente às autoridades francesas que lhe transmitissem esta nota na íntegra.

(141)

As autoridades francesas responderam (74) que a nota em causa, que não foi emitida a pedido do Governo, não tinha sido formalizada num documento oficial. Segundo as autoridades francesas, a nota a que se referia a Comissão consistiria apenas na frase transcrita no relatório anual.

(142)

Por outro lado, segundo as autoridades francesas, este parecer não poderia ser transposto para o caso da La Poste, pois aplica-se a um estabelecimento público que dispõe de um contabilista público, criado exactamente com o objectivo de assegurar a gestão do apoio do Estado à recuperação do Crédit Lyonnais, é anterior à lei orgânica de 1 de Agosto de 2001 relativa às leis do orçamento (LOLF) e a sua aplicação seria contrária à jurisprudência posterior do Conselho de Estado.

(143)

A Comissão observa que a interpretação das autoridades francesas, segundo a qual o parecer do Conselho de Estado não poderia ser transposto para o caso da La Poste, contradiz o próprio teor do parecer. Efectivamente, neste último o Conselho de Estado não faz a mínima referência à missão do estabelecimento. Em contrapartida, refere-se à natureza de estabelecimento público e não à dos estabelecimentos públicos que dispõem de um contabilista público. De resto, as autoridades francesas não explicam por que razão este parecer seria apenas aplicável aos estabelecimentos públicos que dispõem de um contabilista público.

(144)

No que se refere aos argumentos das autoridades francesas segundo os quais o parecer não seria aplicável porque é anterior à LOLF e contrário à jurisprudência posterior do Conselho de Estado, a Comissão demonstrou já anteriormente que a LOLF não obsta à existência de uma garantia estatal implícita a favor da La Poste.

(145)

A Comissão considera, portanto, que o parecer do Conselho de Estado é aplicável à La Poste e que admite a existência de uma garantia estatal decorrente da natureza pública de um organismo.

(146)

Por outro lado, a existência de garantias implícitas resultantes de um acto administrativo ou legislativo que «produz e comporta consequências financeiras para o Estado» é confirmada pela nota do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria de 22 de Julho de 2003 que tem por objectivo o «Recenseamento dos dispositivos de garantia implícita ou explícita concedida pelo Estado». Esta nota demonstra que a garantia estatal pode resultar de actos jurídicos de natureza muito diferente (75).

(147)

A Comissão sublinha igualmente que numa nota explicativa anexada a esta nota, mais concretamente na parte 3, intitulada «a experiência do accionamento das garantias e a jurisprudência do Conselho permitiram definir um certo número de casos exemplares de garantia implícita que devem ser identificados», as autoridades francesas referem que «Certas modalidades jurídicas implicam, por inerência, a responsabilidade dos respectivos accionistas, nomeadamente as sociedades em nome colectivo (SNC) e os GIE (consórcios de empresas). No caso destas duas últimas formas, os interessados procurarão sistematicamente incluir um accionista estatal. O mesmo se verifica no caso da criação de estabelecimentos públicos e de certas tomadas de participação em sociedades anónimas». São assim as próprias autoridades francesas que recordam que a criação de um estabelecimento público implica uma garantia estatal implícita a favor dos credores desse organismo.

b)   O credor da La Poste está seguro de que o seu crédito será reembolsado

(148)

A Comissão propõe-se analisar agora o procedimento a seguir por um credor da La Poste que procura obter a regularização do seu crédito, na hipótese de a La Poste se encontrar em situação financeira difícil e não puder honrar as suas dívidas. A Comissão determinará se, no termo de um procedimento previamente definido e divulgado publicamente, o credor da La Poste se encontra em situação comparável à de um credor de uma empresa sujeita ao direito comercial.

(149)

Esta análise demonstra que:

os obstáculos tradicionais que dificultam a regularização de um crédito de um organismo de direito privado não se colocam no caso dos estabelecimentos públicos (1.o);

o procedimento de recuperação das dívidas de estabelecimentos públicos condenados por uma decisão judicial, tal como é estabelecido na Lei de 16 de Julho de 1980, não leva em caso algum à extinção da dívida (2.o);

o regime de responsabilidade do Estado na aplicação do procedimento de recuperação das dívidas de estabelecimentos públicos apresenta todas as características de um mecanismo de garantia (3.o);

mesmo que não tenha obtido satisfação, o credor pode sempre fazer valer os seus direitos, alegando o erro legítimo que cometeu à data de constituição da dívida, ao considerar que esta seria sempre honrada (4.o).

1.   Os obstáculos tradicionais que dificultam a regularização de um crédito de um organismo privado não se colocam no caso dos estabelecimentos públicos

(150)

Tal como foi especificado na descrição da medida, a La Poste não está sujeita ao direito comum em matéria de recuperação e liquidação judicial de empresas em dificuldade. Portanto, o credor da La Poste não se arrisca a que o seu crédito se extinga na sequência da instauração de um procedimento de liquidação judicial (76) nem a obter apenas o reembolso parcial do seu crédito inicial, no termo do procedimento de direito comum de recuperação ou de liquidação judicial.

(151)

Por outro lado, como o sublinhou a perita da Comissão, o facto de a La Poste ser uma pessoa colectiva não obsta à existência de uma garantia do Estado francês. Efectivamente, se existem sociedades comerciais, por exemplo, as sociedades anónimas (SA) e as sociedades de responsabilidade limitada (SARL) cujos sócios não são obrigados a reembolsar as dívidas da estrutura em que participam, existem também em contrapartida numerosas categorias de sociedades ou de pessoas colectivas com actividade comercial cujos sócios privados são responsáveis pelas dívidas da sociedade criada. É o caso das sociedades em nome colectivo, dos agrupamentos de interesse económico e das sociedades civis. Não existe, portanto, um princípio explícito de direito comum em matéria de garantia das dívidas pelos sócios. Não se pode afirmar que, na ausência de um texto, o princípio aplicável será o da inexistência de garantia das dívidas e dos prejuízos. A independência conferida pela qualidade de pessoa colectiva, bem como a existência de património próprio, não constituem no direito francês um critério que permita determinar o regime de garantia das dívidas contraídas por uma pessoa colectiva. Pode também deduzir-se das considerações anteriores que nada impediria o legislador de prever que um estabelecimento público pudesse ser instituído por uma pessoa colectiva que só suportaria os prejuízos na proporção da sua participação ou da sua dotação inicial.

(152)

A perita da Comissão completou o raciocínio investigando se existiria um princípio (implícito) de direito comum em matéria de garantia das dívidas quando os sócios ou os membros de uma estrutura se não inserem num quadro previsto pelo legislador e encontrou uma resposta nos artigos 1871.o e seguintes do Código Civil. Estes artigos dizem respeito aos sócios que não registaram a sua sociedade. O artigo 1871.o-1 do Código Civil prevê o seguinte mecanismo: «a menos que tenha sido prevista uma organização diferente, as relações entre sócios são regidas, na medida do razoável, quer pelas disposições aplicáveis às sociedades civis, se a sociedade é de carácter civil, quer, se é de carácter comercial, pelas que são aplicáveis às sociedades em nome colectivo». Ora, foi já referido supra que as sociedades civis e as sociedades em nome colectivo se incluíam nas pessoas colectivas cujos membros respondem ilimitadamente pelas dívidas. A perita deduz assim que caso seja possível identificar um princípio de direito comum, esse princípio é a garantia das dívidas das pessoas colectivas criadas.

(153)

Na sua nota transmitida em 27 de Outubro de 2009, as autoridades francesas contestam esta conclusão, que se não basearia em nenhum texto, pois a referência ao artigo 1871.o-1 do Código Civil diria respeito às «relações entre sócios» e não às relações com terceiros. Por conseguinte, os textos seriam omissos neste ponto e só seria possível deduzir um princípio de garantia infringindo os direitos de defesa do direito francês, bem como do direito da União.

(154)

A Comissão sublinha, no entanto, que o artigo 1872.o-1 do Código Civil estipula que cada um dos sócios de uma sociedade não registada se compromete e assume a responsabilidade perante terceiros em seu nome pessoal. Todos os sócios respondem assim ilimitadamente pelas dívidas que contraem. Como é evidente, a Comissão não pretende deduzir exclusivamente com base nesta consideração que o Estado é responsável pelas dívidas da La Poste, mas entende que o argumento da sua perita segundo o qual, caso possa ser identificado um princípio de direito comum, será um princípio de garantia, não é invalidado pelo argumento apresentado pelas autoridades francesas. Por outro lado, a Comissão recorda que na nota explicativa anexada à nota do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria de 22 de Julho de 2003 (77), são as próprias autoridades francesas que estabelecem o paralelo entre a responsabilidade do accionista pela SNC e a do Estado pelo estabelecimento público.

(155)

Com base no que precede, a Comissão conclui que:

ao contrário dos credores das empresas sujeitas ao direito comercial, os credores da La Poste (dado que esta última não está sujeita ao direito comum em matéria de recuperação e de liquidação judicial de empresas em dificuldade) não se arriscam a que o seu crédito se extinga totalmente ou em parte no termo de um processo de liquidação judicial;

o facto de a La Poste ser uma pessoa colectiva não obsta à existência de uma garantia estatal a favor da La Poste;

na ausência de uma limitação explícita da responsabilidade do Estado para com a La Poste, os credores da La Poste podem alegar legitimamente o princípio de que o Estado suportará as dívidas da La Poste, apesar de a La Poste beneficiar de personalidade jurídica.

2.   O procedimento de recuperação das dívidas de estabelecimentos públicos condenados por uma decisão judicial, tal como é estabelecido na Lei de 16 de Julho de 1980, não leva em caso algum à extinção da dívida

(156)

A Comissão analisará seguidamente o procedimento de recuperação dos montantes devidos por estabelecimentos públicos condenados por uma decisão judicial, a fim de determinar se esse procedimento pode levar à extinção de um crédito detido sobre a La Poste, com um resultado para o credor semelhante ao resultado da aplicação dos procedimentos judiciais, como o afirmam as autoridades francesas. Este procedimento foi estabelecido pela Lei de 16 de Julho de 1980 e por vários textos de aplicação (78), citados na secção da presente decisão relativa à descrição da medida.

i)   A Lei de 16 de Julho de 1980 confere ao Estado prerrogativas importantes: a concessão de autorização automática de pagamento e a criação de recursos suficientes

(157)

Tal como se refere na descrição da medida, a Lei de 16 de Julho de 1980 estipula que: «se o órgão deliberativo do organismo ou do estabelecimento público não disponibilizar ou criar esses recursos, […] a autoridade de tutela disponibiliza os recursos e concede a autorização automática de pagamento da despesa, se necessário». Além disso, o Decreto de 12 de Maio de 1981, que não foi alterado neste ponto pelo Decreto de 2008, especifica que o representante do Estado ou a autoridade de tutela «libertará, se for caso disso, os recursos necessários, quer através da redução das dotações afectadas a outras despesas e ainda não utilizadas, quer mediante o aumento dos recursos».

(158)

A Lei de 16 de Julho de 1980 e as suas medidas de aplicação designam assim o Estado como a autoridade competente para recuperar as dívidas dos estabelecimentos públicos. Além disso, conferem-lhe prerrogativas importantes: a concessão de autorização automática de pagamento e a criação de recursos suficientes.

(159)

As autoridades francesas refutam a ideia de que os recursos em causa poderiam ser recursos estatais. Tal como se refere na secção relativa às observações do Estado-Membro (79), as autoridades francesas alegam, efectivamente, que a Lei de 16 de Julho de 1980 confere apenas à autoridade de tutela poderes de substituição. Como tal, a tutela não pode exercer as competências desse órgão executivo, que não incluem a possibilidade de dispor do orçamento de Estado. São citados em apoio desta interpretação os trabalhos preparatórios da Lei de 16 de Julho de 1980, artigos de doutrina e as decisões do Conselho de Estado relativas ao processo Campoloro. As autoridades francesas reconhecem, porém, que a Lei de 1980 não proíbe, em princípio, uma intervenção financeira do Estado em apoio da entidade pública em causa.

(160)

A Comissão reconhece que os textos não prevêem explicitamente a obrigação de o Estado conceder uma subvenção excepcional ao estabelecimento público, em caso de dificuldades financeiras. Porém, tal não invalida em nada a demonstração da existência de uma garantia implícita.

(161)

A Comissão reconhece igualmente que os recursos a libertar são antes de mais os recursos próprios do estabelecimento, o que a não impede de constatar que depois de os recursos próprios se terem esgotado, só os fundos do Estado permitirão honrar as dívidas do estabelecimento público devedor (80). Esta constatação está em conformidade com o facto de um mecanismo de garantia ser subsidiário, ou seja, os recursos do devedor serão mobilizados antes dos do seu fiador.

ii)   A Lei de 16 de Julho de 1980 e as suas medidas de aplicação não prevêem um procedimento de liquidação-extinção, com extinção das obrigações; a insuficiência de tesouraria é coberta ou essa situação é apenas temporária

(162)

A Comissão analisará seguidamente a interpretação das autoridades francesas segundo a qual no termo do procedimento estabelecido na Lei de 16 de Julho de 1980, os créditos de certos credores seriam extintos sem via de recurso (81) e a sua situação seria equivalente à dos credores das empresas sujeitas aos processos judiciais.

(163)

A perita da Comissão (82) observa que a Lei de 16 de Julho de 1980 e o seu decreto de aplicação tendem a demonstrar que só há duas hipóteses possíveis en caso de insuficiência de crédito: ou a autoridade de tutela liberta os recursos necessários, ou o pagamento é diferido. Não se refere que o procedimento será encerrado em qualquer momento em caso de insuficiência de tesouraria.

(164)

Efectivamente, se a situação de insuficiência de créditos está prevista na Lei de 16 de Julho de 1980 e nas suas medidas de aplicação, a única questão prevista nos textos é que essa situação seja temporária, enquanto não são criados recursos suplementares. Não está previsto que a criação de recursos suplementares seja impossível ou também insuficiente. Após essa etapa de criação de recursos, os textos referem que a autoridade competente concede a autorização automática de pagamento. A circular de 1989 atrás referida é ainda mais precisa no que se refere à insuficiência de créditos, insistindo no carácter necessariamente temporário dessa situação, uma vez que neste caso será necessário indicar ao credor o saldo que será autorizado posteriormente. Segundo a perita da Comissão, «através da leitura dos textos, os credores podem adquirir a certeza de que caso o seu crédito não seja honrado imediatamente, o será ulteriormente».

(165)

Além disso, a perita da Comissão observa justificadamente que o procedimento previsto pelo direito francês é apenas um procedimento de recuperação dos créditos, que exclui o procedimento de liquidação. No caso de entidades privadas, a situação de cessação de pagamentos é associada nos textos de liquidação. O risco de cessação de pagamentos pode assim dar origem a um procedimento de salvaguarda (83) e a liquidação judicial é apresentada expressamente como consequência de uma cessação de pagamentos (84). Em contrapartida, no caso das entidades públicas em geral e dos estabelecimentos públicos em especial, o legislador e o poder regulamentar, ao não mencionarem a situação de cessação de pagamentos e ao não a associarem de modo algum à de liquidação, sugerem aos credores que os seus créditos serão honrados ilimitadamente, se necessário por uma terceira parte como o Estado.

(166)

Finalmente, a perita da Comissão observa que, no âmbito da reforma de 2008, que foi posterior à adopção da decisão de início do procedimento, as autoridades francesas não especificaram que os recursos a libertar deveriam ser os recursos próprios do estabelecimento público e não poderiam implicar recursos estatais. No entanto, essa explicação poderia ter enviado uma mensagem forte aos credores, num momento em que os procedimentos iniciados pela Comissão associavam expressamente uma garantia estatal às lacunas da formulação dos textos. O facto de não ter sido efectuada a clarificação que se impunha reforça a afirmação de que o Estado francês não pretende desmentir que é susceptível de fornecer ele próprio os recursos necessários.

(167)

Na sua nota transmitida em 27 de Outubro de 2009, as autoridades francesas alegam que a afirmação da perita da Comissão segundo a qual «através da leitura dos textos, os credores podem adquirir a certeza de que caso o seu crédito não seja honrado imediatamente, o será ulteriormente» se basearia numa interpretação parcial dos textos que, além de serem textos de nível infra-regulamentar (circulares), não estabelecem de modo algum uma eventual substituição dos recursos do estabelecimento por recursos estatais. Nada obsta a que surjam estabelecimentos públicos inactivados que os credores não conseguem obrigar a pagar as suas dívidas. As autoridades francesas consideram, de resto, que os estabelecimentos públicos poderão não honrar os seus créditos sem que por isso entrem automaticamente em situação de cessação de pagamentos.

(168)

A Comissão analisará seguidamente se é possível que um estabelecimento público condenado ao pagamento de um montante em numerário por uma decisão judicial transitada em julgado seja inactivado e que o crédito não seja nunca honrado, como o afirmam as autoridades francesas. As disposições da Lei de 16 de Julho de 1980 e dos seus textos de aplicação são vinculativas para o Estado. No cenário menos favorável para o credor, estes textos obrigam o Estado a indicar ao credor o saldo que será posteriormente objecto de uma autorização automática. Mesmo supondo que se não segue um reembolso, o credor terá sempre a possibilidade (este ponto será desenvolvido na secção 3 da presente decisão) de invocar a responsabilidade do Estado. Nestas condições, a hipótese teórica de uma inactivação não levaria, de qualquer modo, à extinção da dívida. De resto, as autoridades francesas não apresentaram nenhum exemplo concreto em que se tivesse verificado essa situação.

(169)

Com base nestes elementos, a Comissão conclui que:

o procedimento específico definido na Lei de 16 de Julho de 1980 e nos seus textos de aplicação é apenas um procedimento de recuperação de créditos, que exclui um procedimento de liquidação; no termo da aplicação desse procedimento, o crédito não se extingue, ao passo que no termo da aplicação do procedimento de liquidação a decisão de encerramento por insuficiência de activos comporta a proibição de os credores reabrirem o processo;

a Lei de 16 de Julho de 1980 e os seus textos de aplicação, ao preverem o adiamento da autorização automática de pagamento e ao não preverem nunca a situação de cessação de pagamentos, sugerem aos credores que existem ou existirão sempre os recursos necessários para regularizar o crédito que detêm sobre a entidade jurídica de direito público;

por consequência, a insuficiência de tesouraria é coberta pelo Estado, se necessário, ou essa situação é apenas temporária. Em contrapartida, nenhum procedimento de liquidação prevê a possibilidade de um terceiro se responsabilizar pelas dívidas da entidade insolvente, a menos que, obviamente, se trate de um fiador ou de uma sociedade de responsabilidade ilimitada.

iii)   A subvenção excepcional do Estado destinada a permitir que o estabelecimento público cumpra as suas obrigações é possível e, efectivamente, está prevista nalguns textos

(170)

A este respeito, a perita da Comissão observou que:

α)   […] (41)

(171)

Sem que esta demonstração seja necessária para estabelecer a classificação como auxílio estatal da garantia resultante do estatuto da La Poste, a Comissão constata que os recursos próprios mobilizáveis da empresa em caso de insuficiência de liquidez são limitados. Efectivamente, tanto a cessão de bens (85), como o aumento das tarifas de prestação do serviço postal universal (86) são enquadrados de forma muito rigorosa na legislação francesa. A dificuldade de mobilização de recursos próprios suplementares para satisfazer dívidas reforça a necessidade da intervenção estatal em caso de insuficiência de tesouraria. Em primeiro lugar, de acordo com o princípio dos vasos comunicantes, a impossibilidade de mobilização de recursos através da cessão de bens aumenta a frequência do recurso a outros mecanismos de garantia (adiantamentos, invocação da responsabilidade do Estado, etc.). Em segundo lugar, a previsão de um regime de protecção de bens pelo legislador poderia alimentar o contencioso da responsabilidade sem falta do Estado em caso de um eventual incumprimento da La Poste (87).

(172)

Na sua nota transmitida a 27 de Outubro de 2009, as autoridades francesas contestam «a impossibilidade» da La Poste mobilizar recursos próprios:

no que se refere à cessão de bens, o Estado é livre de apreciar discricionariamente se considera que um bem é ou não «indispensável» à prestação do serviço público; além disso, mesmo que se oponha a essa cessão, tal não implica de modo algum que o deva compensar através de mecanismos de garantia; finalmente, na realidade, o Estado nunca se opôs a uma cessão de bens com base no artigo 23.o da Lei de 2 de Julho de 1990, que, de resto, se tornou obsoleta após a transferência, em 2005, da quase totalidade do património imobiliário da La Poste (incluindo as estações de correio) para uma filial que não está sujeita a este regime de autorização prévia;

no que se refere ao aumento das tarifas de prestação do serviço postal universal, as autoridades francesas informam que a ARCEP não determina as tarifas, mas antes fixa um price cap para as actividades regulamentadas da La Poste abaixo do qual as tarifas da La Poste podem evoluir livremente (à excepção do preço dos selos, que é fixado por decreto do Ministro responsável pelos Correios, respeitando o price cap); de resto, a ARCEP teria provavelmente dificuldade em recusar um aumento das tarifas que fosse indispensável à sobrevivência da entidade e das missões de serviço público por ela asseguradas; finalmente, este price cap abrange apenas o sector regulamentado, que representa menos de metade dos resultados de exploração do grupo La Poste.

(173)

A Comissão regista as explicações apresentadas pelas autoridades francesas e faz duas observações:

as autoridades francesas alegam que mesmo que o Estado se opusesse a uma cessão, tal em nada implicaria uma garantia. Contudo, reconheceram (apesar de contestarem que a La Poste daí pudesse retirar uma vantagem) que a exigência de continuidade do serviço público se impõe ao representante do Estado aquando da execução do procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980 (88), o que permitiria invocar a responsabilidade sem falta do Estado por ruptura da igualdade perante os encargos públicos, tal como é demonstrado infra  (89);

na medida em que um credor da La Poste não se pode dirigir a outra sociedade do grupo La Poste para obter o reembolso do seu crédito, será conveniente analisar a quota-parte do sector regulamentado e do sector reservado no volume de negócios total da La Poste, e não do grupo La Poste. Atendendo ao âmbito de aplicação da regulamentação em França (90), é evidente que as actividades regulamentadas representam uma percentagem preponderante das actividades do estabelecimento público La Poste. As tarifas de grande parte das actividades da La Poste estão assim sujeitas a um price cap; além disso, as tarifas dos serviços reservados são estabelecidas por decreto ministerial.

β)   Certas missões e programas do orçamento do Estado poderiam ser utilizados para ajudar um estabelecimento público a fazer face ao reembolso das suas dívidas

(174)

Os programas identificados pela perita da Comissão são os seguintes:

Programa n.o 823, Adiantamentos a organismos distintos do Estado que gerem serviços públicos: o objectivo deste programa «consiste em permitir que o Estado conceda adiantamentos a diversos organismos, distintos do Estado, que gerem serviços públicos» (91). «Estes adiantamentos têm por finalidade dar resposta a situações de emergência, quer para garantir a continuidade da acção pública, quer para aplicar de forma acelerada determinadas medidas. Permitem igualmente cobrir provisoriamente necessidades de tesouraria imprevistas, cuja cobertura será assegurada posteriormente de modo definitivo por recursos sustentáveis. Permitem assim evitar um financiamento bancário ou de mercado e, concomitantemente, uma maior fragmentação da dívida das administrações públicas ou um agravamento dos seus encargos com juros».

A missão «Participações financeiras do Estado» abrange dois programas, intitulados respectivamente «Operações de capital respeitantes às participações financeiras do Estado» (programa n.o 731) e «Desendividamento do Estado e dos estabelecimentos públicos do Estado» (programa n.o 732). No âmbito deste programa, a acção n.o 01 acompanha os «aumentos de capital, dotações de fundos próprios, adiantamentos dos accionistas e empréstimos equiparados».

(175)

Os fundos reservados para estes adiantamentos são importantes. No âmbito do programa n.o 731 está prevista expressamente uma reserva de 85 milhões de euros. As dotações de pagamento da acção n.o 01 do programa n.o 732 ascendem a 660 milhões de euros. As dotações de pagamento do programa n.o 823 ascendem, por sua vez, a 50 milhões de euros.

(176)

Em caso de dificuldades financeiras da La Poste, o Estado poderá recorrer a esses programas para socorrer a La Poste. Efectivamente, nenhum texto limita as possibilidades de concessão de adiantamentos aos EPIC que exercem uma actividade económica e actuam num sector concorrencial.

(177)

Na sua nota transmitida em 27 de Outubro de 2009, as autoridades francesas especificam que não contestaram nunca que os estabelecimentos públicos possam beneficiar de adiantamentos do Estado, de resto explícitos, o que, porém, não implica qualquer direito de saque dos estabelecimentos públicos sobre o orçamento do Estado; como o refere a perita da Comissão, o sistema de adiantamentos dos accionistas é susceptível de beneficiar todas as entidades que detêm participações financeiras do Estado, seja qual for a sua forma jurídica, o que não permite extrair conclusões que se apliquem exclusivamente aos EPIC; por outro lado, e ao contrário do que o afirma a perita da Comissão, estes adiantamentos têm plenamente em conta as obrigações comunitárias, na medida em que se inscrevem na lógica do investidor prudente.

(178)

A Comissão conclui que:

os textos do direito francês autorizam ou incentivam até o Estado a autorizar as dotações aos estabelecimentos públicos, de preferência a empréstimos bancários, em caso de situação de insuficiência de tesouraria; o acesso a estes recursos não é condicionado pelo respeito prévio das regras relativas aos auxílios estatais; estas dotações podem constituir os «recursos suplementares» previstos na Lei de 16 de Julho de 1980;

estes textos são do conhecimento dos credores, que têm portanto razões fundamentadas para crer que a autoridade de tutela poderá dispor dos recursos necessários para regularizar o seu crédito;

a La Poste não dispõe, no entanto, de direito de saque sobre esses recursos.

(179)

Considerando que:

a Lei de 16 de Julho de 1980 e as respectivas medidas de aplicação não prevêem um procedimento de liquidação-extinção, com extinção dos direitos e obrigações;

a Lei de 16 de Julho de 1980 e as respectivas medidas de aplicação não prevêem nunca que os recursos não possam ser libertados;

os documentos orçamentais demonstram que os EPIC podem beneficiar de adiantamentos excepcionais, em caso de necessidades urgentes de tesouraria,

a Comissão considera pouco provável a hipótese de o credor não conseguir obter a regularização das suas dívidas através da aplicação dos procedimentos da Lei de 16 de Julho de 1980.

(180)

Em contrapartida, a Comissão não identificou a existência de acesso directo dos estabelecimentos públicos às contas do Tesouro, se por «acesso directo» se entender a possibilidade de um EPIC tomar por si a decisão de recorrer directamente a fundos do Estado colocados à sua disposição, sem que seja necessária a intervenção do Estado.

iv)   A proposta das autoridades francesas destinada a clarificar o decreto de aplicação da Lei de 16 de Julho de 1980 é insuficiente

(181)

A título preliminar, a Comissão sublinha que as autoridades francesas não procederam à alteração da Lei de 16 de Julho de 1980 que será analisada na presente secção. Por consequência, a análise pela Comissão da existência de uma garantia a favor da La Poste deve basear-se necessariamente no direito positivo e não no carácter adequado ou não das propostas das autoridades francesas, destinadas a excluir a existência de qualquer garantia. Resulta do exposto que a análise da Comissão contida na presente secção tem essencialmente por objectivo efectuar uma descrição completa do procedimento verificado pela Comissão.

(182)

A fim de assegurar que os recursos libertados pela autoridade de tutela provenham exclusivamente dos recursos da autarquia ou do estabelecimento, as autoridades francesas propuseram a seguinte alteração do decreto de aplicação da Lei de 16 de Julho de 1980: «Lorsque la mise en demeure est restée sans effet à l’expiration de ces délais, le représentant de l’Estado ou l’autorité chargée de la tutelle procède à l’inscription de la dépense au budget de la collectivité ou de l’établissement public défaillant. Il dégage, le cas échéant, les ressources nécessaires au sein du budget de la collectivité ou de l’établissement soit en réduisant des crédits affectés à d’autres dépenses et encore libres d’emploi, soit en augmentant les ressources» (Quando a notificação de incumprimento não tiver produzido efeito uma vez findo estes prazos, o representante do Estado ou a autoridade de tutela procede à inscrição da despesa no orçamento do organismo ou do estabelecimento público em situação de incumprimento. Libertará, se for caso disso, os recursos necessários, no âmbito do orçamento do organismo ou do estabelecimento, quer através da redução das dotações afectadas a outras despesas e ainda não utilizadas, quer mediante o aumento dos recursos) (alteração sublinhada).

(183)

Contudo, a Comissão sublinha, como o fez no considerando 58 da decisão de início do procedimento, que os textos, tanto na sua versão actual, como na versão alterada de acordo com a proposta das autoridades francesas, não excluem que a libertação de recursos possa ter lugar através de um aumento dos recursos, previamente possibilitado por uma subvenção ou uma injecção de recursos públicos.

(184)

A Comissão analisará seguidamente os recursos que restariam ao credor na hipótese pouco provável de o procedimento estabelecido na Lei de 16 de Julho de 1980 não permitir o reembolso do credor. A Comissão analisará, nomeadamente, o regime de responsabilidade do Estado, a fim de determinar se apresenta as características de um mecanismo de garantia.

3.   O regime de responsabilidade do Estado na aplicação do procedimento de recuperação das dívidas dos estabelecimentos públicos apresenta as características de um mecanismo de garantia

(185)

Segundo as autoridades francesas, em princípio não pode ser imputada responsabilidade ao Estado, com ou sem falta (92). As autoridades francesas reconhecem, contudo, que na hipótese de existir uma exigência de continuidade do serviço público e de essa exigência se impor ao representante do Estado na execução do procedimento previsto na Lei de 16 de Julho de 1980, o juiz poderá decretar que o credor seja indemnizado. Porém, nessa hipótese a indemnização teria apenas o efeito de colocar o credor na mesma situação em que se encontraria no direito comum; portanto, o credor não beneficiaria de nenhuma vantagem.

(186)

A Comissão sublinha, contudo, que em direito comum os credores, ou pelo menos os credores comuns, não recuperam em princípio a totalidade da sua dívida. Além disso, as dívidas da empresa em liquidação não são pagas por um terceiro, como é aqui o caso.

(187)

As autoridades francesas alegam igualmente que, de qualquer modo, as possibilidades de indemnização proporcionadas aos credores pela responsabilidade do Estado não poderiam ser equiparadas a uma forma de garantia.

(188)

A Comissão entende, todavia, tal como o vai demonstrar, que a imputação de responsabilidade ao Estado (por falta ou sem falta), no âmbito da aplicação do procedimento de recuperação das dívidas das entidades públicas abrangidas pela Lei de 16 de Julho de 1980 equivale, para efeitos do direito comunitário, a um mecanismo de garantia, pois garante aos credores o pagamento do seu crédito, obrigando o Estado a reembolsá-lo em caso de incumprimento da La Poste. Além disso, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no processo Campoloro tende a instituir uma garantia automática. Ora apesar de o poderem fazer, as autoridades francesas não limitaram esses mecanismos de responsabilidade ou de garantia.

i)   A jurisprudência anterior: manifestação da especificidade do regime instituído pelo processo Campoloro

(189)

Como o sublinha a perita da Comissão, quando o credor de uma entidade pública sujeita à Lei de 16 de Julho de 1980 invocava a responsabilidade do Estado com base nas prerrogativas previstas neste texto, anteriormente ao processo Campoloro (analisado infra), o juiz administrativo estabelecia uma distinção entre dois tipos de prejuízos. Por um lado, o credor sofria um prejuízo devido à não regularização da sua dívida, prejuízo esse que se radicava exclusivamente na situação de insolvência do devedor. Por outro lado, o credor podia sofrer outro prejuízo diferente, resultante de falhas na aplicação das prerrogativas do Estado (atraso, má vontade, recusa de dar início aos procedimentos, execução parcial dos procedimentos, etc.). Este segundo prejuízo não era avaliado retendo o montante da dívida, mas antes estimando os custos do atraso ou da recusa em fazer uso das prerrogativas previstas na lei. Foi esta a posição adoptada pelo Tribunal Administrativo de Recurso de Lyon no processo Campoloro  (93).

ii)   O acórdão emitido em 2005 pelo Conselho de Estado no processo Campoloro

(190)

Segundo a perita da Comissão, o acórdão proferido pelo Conselho de Estado no processo Campoloro assinala uma primeira viragem, na medida em que uma das hipóteses previstas não é já um caso de responsabilidade propriamente dita, mas antes algo que funciona como um mecanismo de garantia.

(191)

Será oportuno recordar o considerando de princípio do acórdão de Secção do Conselho de Estado de 18 de Novembro de 2005, Société fermière de Campoloro, n.o 271898:

«Considerando que, através destas disposições, o legislador entendeu conferir ao representante do Estado, em caso de omissão de uma autarquia, ao não assegurar a execução de uma decisão judicial que transitou em julgado e após ter sido intimada a fazê-lo, o poder de se substituir aos órgãos dessa autarquia, libertando ou criando os recursos necessários para permitir a execução dessa decisão judicial; e que para tal lhe incumbe, sob o controlo do juiz, tomar as medidas necessárias, tendo em conta a situação da autarquia e razões imperiosas de interesse geral; que se inclui entre essas medidas a possibilidade de proceder à venda de bens pertencentes à autarquia, desde que estes não sejam indispensáveis ao bom funcionamento dos serviços públicos por que é responsável; que caso o prefeito seja omisso ou negligente na utilização das prerrogativas que lhe são assim conferidas pela lei, o credor da autarquia tem o direito de recorrer contra o Estado, em caso de falta grave cometida no exercício do poder de tutela; que além disso, na hipótese de que, tendo em conta a situação da autarquia, nomeadamente a insuficiência dos seus activos, ou por razões imperiosas de interesse geral, o prefeito se tenha podido recusar legalmente a tomar certas medidas destinadas a assegurar a plena execução da decisão judicial, o prejuízo daí resultante para o credor da autarquia é susceptível de conduzir à responsabilização dos poderes públicos, se for de carácter anormal e especial».

(192)

O Conselho de Estado cria assim um mecanismo en duas etapas.

(193)

Em primeiro lugar, cria um regime de responsabilidade do Estado baseado exclusivamente numa deficiência na utilização das prerrogativas instituídas pela Lei de 16 de Julho de 1980 e suas medidas de aplicação, que é um regime de responsabilidade por falta grave. A opção pela falta grave explica-se pelo desejo de não proceder a uma transferência automática da dívida da autarquia devedora para o Estado. Segundo um comentador conceituado (94), «se o prefeito tomar medidas destinadas a tentar libertar recursos suplementares, mas essas medidas se revelarem insuficientes, tendo em conta a importância da dívida da autarquia, é provável que o juiz considere que não foi cometida uma falta grave». Neste caso a responsabilidade por falta grave é «clássica» e não funciona como um mecanismo de garantia em caso de insolvência do organismo devedor, uma vez que não pode resolver a situação de insolvência.

(194)

Em segundo lugar, o acórdão prevê a existência de responsabilidade sem falta em duas hipóteses.

(195)

A primeira hipótese é a de que «por razões imperiosas de interesse geral, o prefeito se tenha podido recusar legalmente a tomar certas medidas destinadas a assegurar a plena execução da decisão judicial». Trata-se de um caso clássico de omissão da administração justificada por uma razão de interesse geral, que a leva a incorrer em responsabilidade por ruptura da igualdade perante os encargos públicos. O devedor não está teoricamente insolvente, mas o Estado decide não esgotar o seu potencial de recursos, por uma razão de interesse geral. Esta situação não cria um mecanismo de garantia, pois o prejuízo para o credor resulta de uma decisão do Estado e não da situação financeira de insolvência do devedor. Contudo, as consequências são idênticas às de um mecanismo de garantia.

(196)

Em contrapartida, a segunda hipótese de responsabilidade sem falta assemelha-se mais ao mecanismo de garantia. O Conselho de Estado entende que «na hipótese de que, tendo em conta a situação da autarquia, nomeadamente a insuficiência dos seus activos, …, o prefeito se tenha podido recusar legalmente a tomar certas medidas destinadas a assegurar a plena execução da decisão judicial, o prejuízo daí resultante para o credor da autarquia é susceptível de conduzir à responsabilização dos poderes públicos, caso seja de carácter anormal e especial». Observe-se que o facto gerador da responsabilidade é exclusivamente a situação financeira da entidade devedora. A opção por um regime de responsabilidade sem falta facilita a demonstração a efectuar pelo credor, uma vez que este deve apenas demonstrar o facto gerador, a relação de causalidade e o prejuízo.

(197)

Ainda segundo a perita da Comissão, há duas semelhanças entre este regime de responsabilidade e um regime de garantia. Em primeiro lugar, o facto gerador não é objectivamente imputável ao Estado, uma vez que se trata da situação do organismo devedor: este regime de responsabilidade baseia-se no mesmo facto que o que está na base do mecanismo de garantia, ou seja, a insolvência do devedor. Em segundo lugar, o prejuízo a que se refere o Conselho de Estado, na ausência de outras indicações, parece ser a não regularização da dívida, facto que acciona igualmente a garantia.

(198)

É certo que o Conselho de Estado limita a responsabilidade do Estado aos prejuízos anormais e especiais. Segundo a perita da Comissão, no que se refere ao carácter anormal, pode aplicar-se um raciocínio por eliminação. Ou a dívida é pouco importante, e nesse caso pode supor-se legitimamente que não colocará um estabelecimento público nacional (nomeadamente a La Poste) em situação de insolvência; ou a dívida é muito importante e, nesse caso, o prejuízo resultante será de carácter anormal. No que se refere ao carácter especial do prejuízo, é de supor que os credores de estabelecimentos públicos com uma dívida importante não devem ser numerosos. Por consequência, o limite instituído pelo acórdão do Conselho de Estado não constitui realmente um limite, na medida em que é de supor que só estará verdadeiramente em causa a situação das dívidas importantes, situação em que o prejuízo será sempre anormalmente grave.

(199)

É de resto esta a interpretação feita na doutrina mais judiciosa. Assim, segundo o comentário de P. Bon (atrás citado), «nesta hipótese, que corresponde provavelmente ao caso em apreço, tendo em conta a desproporção flagrante entre o montante da condenação infligida pelo juiz à autarquia e a modicidade dos recursos desta última, o prefeito está de certo modo num beco sem saída, na medida em que é duvidoso que consiga libertar recursos suficientes para permitir que a autarquia regularize integralmente a sua dívida. Sem dúvida que manda a equidade que, ao fim de tantos anos, as duas sociedades recorrentes sejam indemnizadas» […] «transforma o Estado em segurador obrigatório das consequências negativas dessa incapacidade [da autarquia]». Segundo a perita da Comissão, o termo adequado não é «segurador», mas sim «fiador obrigatório».

(200)

Nos seus comentários ao acórdão Société fermière de Campoloro  (95), C. Landais e F. Lenica, responsáveis pelo serviço de documentação do Conselho de Estado à data da pronúncia do acórdão, sublinham a singularidade desta segunda hipótese e recusam-se a interpretá-la como transferindo para o Estado o encargo das dívidas das autarquias. Porém, a perita da Comissão salienta que se essa interpretação é discutida, é porque a leitura do acórdão a permite. A conclusão do comentário é de resto reveladora: os comentadores consideram a possibilidade de um empréstimo ou de uma subvenção excepcional. Constata-se, pois, que comentadores que se recusam a equiparar o regime de responsabilidade em causa a um mecanismo de garantia invocam em última análise outros elementos do mecanismo de garantia (a subvenção).

(201)

A perita da Comissão discorda também da apreciação feita por D. Labetoulle no seu artigo sobre a responsabilidade sem falta em direito administrativo (96), citado pelo Governo francês nas suas observações. Este autor observa que o Conselho de Estado decidiu no processo Campoloro que a decisão legal do prefeito é apenas «susceptível de conduzir à responsabilização do Estado», deduzindo assim que não existe automaticidade. Segundo a perita da Comissão, não é possível aceitar essa interpretação. Efectivamente, o que o Conselho de Estado decidiu foi que a decisão do prefeito é susceptível de conduzir à responsabilização do Estado «se [o prejuízo] for de carácter anormal e especial». Há incerteza não no que se refere ao princípio da existência de responsabilidade e da invocação da mesma caso estejam reunidas as condições que levam à constituição dessa responsabilidade, mas sim no que se refere à existência de um prejuízo que deve apresentar certas características. Contudo, e como já foi dito, se o prejuízo for especial e anormal, nada obsta a que exista responsabilidade. Por conseguinte, existe efectivamente automaticidade a nível do princípio da constituição de responsabilidade, que apresenta assim todas as características de uma garantia.

(202)

Finalmente, a perita da Comissão refere que nenhum comentador da jurisprudência Campoloro prevê a possibilidade de a dívida não ser paga.

(203)

A perita da Comissão conclui que o acórdão atrás referido do Conselho de Estado no processo Campoloro criou um regime de responsabilidade que apresenta todas as características de um mecanismo de garantia.

iii)   Decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no processo Campoloro

(204)

O TEDH, num acórdão de 6 de Dezembro de 2006 pronunciado no processo Société de gestion du port de Campoloro et Société fermière de Campoloro/França  (97), tomou uma decisão definitiva sobre o processo Campoloro em que responsabilizava o Estado pelo pagamento de todas as dívidas às sociedades recorrentes da Comuna de Santa-Maria-Poggio. O processo demonstra que, neste caso, a imputação de responsabilidade ao Estado francês funciona como uma garantia implícita do passivo das autoridades públicas e não está associada às condições do prejuízo.

(205)

Perante o Tribunal, as autoridades francesas tentaram fundamentar a sua causa por um lado, na inexistência de um facto gerador imputável ao Estado e, por outro lado, na inexistência de uma garantia estatal para com entidades públicas que são uma pessoa colectiva. Como se pode ler nessa defesa, «([o Governo francês] considera que só razões objectivas relacionadas exclusivamente com a impossibilidade material de a comuna libertar receitas suficientes atrasaram a execução completa das decisões»; «O Governo alega, portanto, que a não execução das decisões não resulta de uma omissão voluntária das autoridades nacionais, do Estado ou da comuna. A inexistência de crédito não é um pretexto, mas sim uma realidade, devido à insolvência da pessoa colectiva devedora»; «A não execução da dívida resulta exclusivamente das dificuldades financeiras da comuna e estas circunstâncias não parecem ser de natureza a eximir a comuna das suas obrigações ou a transferir o encargo da sua dívida para o Estado (CE, comuna de Batz sur Mer, 25 de Setembro de 1970). Não existe no direito interno nenhum fundamento legal para uma substituição da comuna pelo Estado para o pagamento das indemnizações. Esta substituição tão-pouco se poderia basear no artigo 6.o, n.o 1, da Convenção, na medida em que essa solução seria contrária ao próprio conceito de pessoa colectiva, que pressupõe a independência e um património distinto». Quando o Governo francês tentou precisamente alegar as diferenças atrás referidas entre o regime de responsabilidade e o mecanismo de garantia, o Tribunal não aceitou esses argumentos.

(206)

Para completar a demonstração, será também útil reproduzir a argumentação dos recorrentes que, em contrapartida, foi aceite pelo Tribunal:

«Não está assim previsto no direito interno nenhum paliativo que permita fazer face à situação de cessação de pagamentos da comuna»;«O Estado não se pode eximir à sua obrigação de executar as decisões judiciais invocando a inexistência de crédito ou a autonomia das autarquias locais que não pôde garantir agora, uma vez que a comuna não pode pagar as suas dívidas. As recorrentes denunciam, por consequência, a incapacidade do Estado para adoptar medidas positivas que permitissem que a comuna executasse a obrigação contributiva que lhe incumbe».«As recorrentes constatam que o Conselho de Estado, no seu acórdão de 18 de Novembro de 2005, decidiu que o legislador entendeu conferir ao representante do Estado, em caso de omissão de uma autarquia, ao não assegurar a execução de uma decisão judicial que transitou em julgado, o poder de se substituir aos órgãos dessa autarquia, libertando ou criando os recursos necessários para permitir a execução dessa decisão judicial. É com base nestas falhas do Estado francês que as recorrentes solicitam a constatação da violação do artigo 6.o, n.o 1, e a reparação consequente, sem que tal implique uma contradição do conceito de personalidade colectiva ou dos de independência e de património distinto».

(207)

O Tribunal constatou finalmente a existência de uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente pela seguinte razão: «Estas decisões devem, portanto, ser executadas, pois o Tribunal recorda que uma autoridade de Estado não pode invocar a falta de recursos para não honrar uma dívida, fundamentada numa decisão judicial (Bourdov, atrás citado, n.o 30)».

(208)

O Tribunal constatou igualmente uma violação do artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: «A impossibilidade de obter a execução destas decisões judiciais em que se encontram os interessados constitui uma ingerência no seu direito de propriedade que releva da primeira frase do primeiro parágrafo do artigo 1.o do Protocolo n.o 1. O Governo não forneceu nenhuma justificação para essa ingerência e o Tribunal considera que a falta de recursos não pode legitimar essa omissão (ibid.)». «Em suma, o Tribunal considera que as sociedades recorrentes suportaram e continuam a suportar um encargo especial devido ao não pagamento das somas de que deveriam ter beneficiado em execução das decisões judiciais atrás referidas de 10 de Julho de 1992. Portanto, houve violação do artigo 1.o do Protocolo n.o 1». Finalmente, o Tribunal imputou ao Estado a totalidade da dívida das comunas devedoras: «Tendo em conta o que precede, o Tribunal entende que incumbe ao Estado recorrido assegurar o pagamento às recorrentes ou, se for caso disso, a outros titulares de direitos, dos créditos de que são beneficiários por força das decisões do Tribunal Administrativo de Bastia de 10 de Julho de 1992 (ibidem), incluindo os juros, até ao dia da pronúncia do presente acórdão».

(209)

A perita da Comissão deduz desta jurisprudência que o Estado deve cobrir as dívidas das entidades públicas.

(210)

Segundo a Comissão, decorrem daqui três elementos importantes:

a responsabilidade funciona como uma garantia implícita. Por um lado, o Estado francês é condenado ao pagamento da totalidade da dívida e não foi efectuada qualquer distinção entre o que poderia relevar da situação de insolvência da autarquia devedora e eventuais incumprimentos imputáveis ao Estado. Deve sublinhar-se o vocabulário utilizado, pois o Tribunal não se refere a uma eventual responsabilidade do Estado, mas considera que incumbe ao Estado «assegurar» o pagamento. Este vocabulário relaciona-se mais com uma garantia do que com uma responsabilidade. O que é mais, o Tribunal não procura identificar em nenhum momento um facto gerador imputável ao Estado, tendo apenas em consideração a situação de insolvência do devedor. Finalmente, o Tribunal transfere integralmente para o Estado a dívida das comunas condenadas. Estes vários elementos tendem a demonstrar que este regime de responsabilidade funciona realmente como um mecanismo de garantia. Observe-se, porém, que os recorrentes devem obter primeiro uma decisão judicial reconhecendo o seu crédito. Por outro lado, esta garantia é implícita, pois não está inscrita em nenhum texto, o que demonstra que um mecanismo jurídico de direito interno pode ser interpretado como uma garantia implícita;

esta responsabilidade abrange as dívidas das autoridades públicas que dispõem de personalidade colectiva. A existência de personalidade colectiva e de património próprio foi expressamente invocada pelo Governo francês para contestar a constituição da responsabilidade do Estado francês. Este argumento não foi aceite pelo Tribunal;

o âmbito de aplicação da garantia estatal abrange as entidades públicas criadas pelo Estado. A garantia está portanto estreitamente associada ao estatuto de direito público do devedor.

(211)

Observe-se que a solução adoptada pelo TEDH no processo Campoloro não é caso único, inserindo-se numa tendência jurisprudencial muito marcada. Assim, no seu acórdão de 13 de Maio de 1980, Artico/Itália  (98), o TEDH decidiu que quando um incumprimento é imputável a outra pessoa que não o Estado, compete ao Estado, que assume a garantia prevista no artigo 6.o, n.o 1, agir de forma a garantir ao recorrente o usufruto efectivo do direito que lhe é reconhecido por este artigo. No processo de 19 de Março de 1997, Bourdov/Rússia, n.o 59498/00, o Tribunal decide igualmente que «a inexistência de crédito não pode servir de pretexto para que uma autoridade do Estado não honre a sua dívida».

iv)   Análise das observações das autoridades francesas

α)   Observação relativa à diferença entre autarquias locais e estabelecimentos públicos

(212)

Segundo as autoridades francesas (99), a demonstração da perita da Comissão não é de modo algum conclusiva, limitando-se a equiparar as várias interpretações do acórdão Campoloro; principalmente, não estabelece a distinção entre estabelecimentos públicos e autarquias locais, quando esta diferença é essencial para determinar se um crédito pode não ser pago. As autoridades francesas repetem aqui o parecer do seu perito. Este último põe em causa a premissa em que assenta o raciocínio da Comissão baseado na jurisprudência Campoloro: o raciocínio da Comissão baseia-se na equiparação entre autarquias locais e estabelecimentos públicos, que têm em comum o facto de serem pessoas colectivas de direito público distintas do Estado. Ora estes dois tipos de entidades não têm o mesmo estatuto constitucional. Assim, a existência de autarquias locais é uma exigência constitucional e o Estado tem obrigação de assegurar a sua sobrevivência. Os EPIC não têm de modo algum o mesmo estatuto constitucional e podem ser extintos. Por conseguinte, a jurisprudência Campoloro, que diz respeito a casos de incumprimento das autarquias locais, não pode ser aplicada ao caso de estabelecimentos públicos.

(213)

A Comissão analisará seguidamente se a diferença entre o estatuto constitucional das autarquias locais e dos estabelecimentos públicos é susceptível de pôr em causa as conclusões que a sua perita extraiu das decisões tomadas no processo Campoloro pelo TEDH e pelo Conselho de Estado.

(214)

A Comissão constata que o fundamento da decisão do TEDH não é a necessidade de preservar a existência da autarquia local em causa, mas sim a preservação dos direitos do credor, a saber, o seu direito a um processo equitativo (artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e a protecção da sua propriedade (artigo 1.o do Protocolo n.o 1): quer o devedor seja um estabelecimento público ou uma autarquia local, os direitos do credor são infringidos da mesma forma.

(215)

Quanto à decisão do Conselho de Estado, é necessário estabelecer uma distinção entre os diferentes regimes de responsabilidade:

o regime de responsabilidade por falta grave baseia-se numa aplicação deficiente pelo Estado das prerrogativas instituídas pela Lei de 16 de Julho de 1980: portanto, é independente da natureza do devedor, seja ele autarquia local ou estabelecimento público.

o regime de responsabilidade sem falta, por outro lado, baseia-se em duas hipóteses:

a)

Na primeira hipótese, o prefeito recusa-se a tomar certas medidas por razões imperiosas de interesse geral: poderá estar em causa a necessidade de preservar a existência da autarquia local, mas também a de preservar a missão de serviço público. O perito das autoridades francesas sublinha que a exigência de continuidade diz apenas respeito ao serviço e não ao organismo que o gere. Porém, isso não obsta a que, a curto prazo, enquanto se aguarda a transferência da missão de serviço público para um organismo que esteja em condições de a assumir, a preservação da continuidade do serviço público possa implicar que o prefeito tome certas medidas, por exemplo, a preservação dos activos necessários à missão de serviço público ou o aumento dos recursos, para pagar a dívida. De resto, as autoridades francesas reconhecem que a exigência de continuidade do serviço público se impõe ao representante do Estado no âmbito da execução do procedimento instituído pela Lei de 16 de Julho de 1980.

b)

Na segunda hipótese, o regime de responsabilidade sem falta pode ser invocado «na hipótese de que, tendo em conta a situação da autarquia, nomeadamente a insuficiência dos seus activos, […] o prefeito se tenha podido recusar legalmente a tomar certas medidas destinadas a assegurar a plena execução da decisão judicial, o prejuízo daí resultante para o credor da autarquia é susceptível de conduzir à responsabilização dos poderes públicos, caso seja de carácter anormal e especial». Tal como foi já referido mais atrás, o facto gerador da responsabilidade é exclusivamente a situação financeira da entidade devedora, que tanto pode ser um estabelecimento público como uma autarquia local.

(216)

Em suma, a Comissão considera que a diferença entre o estatuto constitucional das autarquias locais e o dos estabelecimentos públicos não invalida as conclusões extraídas da jurisprudência Campoloro pela perita da Comissão. Além disso, a Comissão observa que a argumentação das autoridades francesas tem por objectivo contestar a pertinência do processo Campoloro no caso em apreço, que não diz respeito a uma autarquia local, quando o processo Campoloro foi invocado pela primeira vez pelas próprias autoridades francesas, em apoio da sua posição.

β)   Observação relativa à falta de fundamento para invocar a responsabilidade do Estado

(217)

Por outro lado, as autoridades francesas dizem ter dificuldade em compreender em que bases pode ser invocada a responsabilidade sem falta do Estado em caso de incumprimento de um estabelecimento público, uma vez que nessas condições a responsabilidade do Estado só pode ser invocada se o facto (ou a omissão) que lhe é imputado foi a causa directa do prejuízo, o que se não verificou no caso em apreço.

(218)

A Comissão constata, porém, que a decisão do Conselho de Estado e a decisão do TEDH estabelecem claramente que pode ser invocada a responsabilidade sem falta do Estado.

γ)   Observação relativa à ausência de prejuízo anormal e especial

(219)

Finalmente, as autoridades francesas têm dificuldade em compreender porque é que o juiz consideraria que o prejuízo é «especial», quando afecta todos os credores do organismo, ou «anormal», quando os credores estiveram dispostos a conceder crédito a uma entidade em situação financeira incerta.

(220)

A Comissão observa que a existência de um prejuízo anormal e especial constitui efectivamente o limite da responsabilização do Estado, segundo a jurisprudência do Conselho de Estado. As autoridades francesas duvidam de que tenha havido um prejuízo anormal, quando os credores estiveram dispostos a conceder crédito a uma entidade em situação financeira incerta. A Comissão sublinha a este respeito que este argumento pressupõe que a garantia não existe (e que os credores pensam que não existe), quando a análise efectuada anteriormente demonstra o contrário. Efectivamente, quando os credores confiam na existência da garantia, a situação financeira do estabelecimento é muito menos determinante para o credor tomar a decisão de lhe conceder crédito, bem como para negociar as condições desse crédito. Por outro lado, é necessário ter em consideração que a dívida pode ter sido contraída quando o estabelecimento público não estava em risco ou quando o credor não podia razoavelmente ter conhecimento das suas dificuldades financeiras. Seja como for, o conceito de prejuízo anormal ultrapassa a questão de saber se o estabelecimento se encontrava ou não em dificuldades financeiras ou mesmo a questão de saber se o prejuízo foi sofrido por todos os credores ou apenas por um. Segundo a jurisprudência relativa à responsabilidade administrativa sem falta (100), o prejuízo anormal e especial é avaliado por referência ao interesse geral. Para que possa ser classificado como um prejuízo anormal e especial, o prejuízo deve ter, para quem o sofre, uma importância desproporcionada, em comparação com o interesse geral prosseguido. A Comissão deduz assim que o carácter anormal e especial do prejuízo constitui sem a menor dúvida um filtro que pode obstar à indemnização no caso de alguns créditos, mas que esse filtro será tanto menos susceptível de actuar quanto mais importante for a dívida. Finalmente, a Comissão recorda que a existência de um prejuízo anormal e especial não é uma condição imposta pela jurisprudência do TEDH. Como tal, todos os credores podem, em princípio, obter uma indemnização do Estado que cubra a sua dívida, no termo de um processo judicial.

v)   Ausência de limitação da responsabilidade e/ou da garantia estatal

(221)

A Comissão sublinha que, como se viu mais atrás, nada impede o legislador de prever, como o fez em relação a certas sociedades, que o Estado só responda pelas dívidas dos EPIC na proporção da sua participação (ou dotação) inicial. Nomeadamente, nada impede o legislador de prever uma limitação da responsabilidade ou, muito simplesmente, de especificar que o accionista Estado só pode ser responsável por uma dívida de um EPIC em caso de falta ou de outro facto distinto da simples insolvência do EPIC, desde que esse facto lhe possa ser imputado pessoalmente e tenha estado na origem de um prejuízo específico. Por consequência, o legislador pode obstar à existência de uma garantia estatal a favor dos EPIC e limitar a responsabilidade do Estado em relação aos prejuízos sofridos pelos credores. Contudo, as autoridades francesas não apresentam esclarecimentos neste ponto.

vi)   Conclusão da Comissão

(222)

A Comissão conclui dos pontos i) a v) que, no estado actual do direito francês, um credor que não tenha obtido a regularização do seu crédito através da aplicação dos procedimentos da Lei de 16 de Julho de 1980 pode receber a totalidade dos montantes correspondentes ao crédito não honrado invocando em último recurso a responsabilidade do Estado, ao contrário do que se verifica no âmbito de um processo de liquidação de direito comum, em que o reembolso do credor é limitado pelo valor dos activos disponíveis. A responsabilidade do Estado é tratada como uma garantia. Não é objecto de nenhuma limitação no direito francês e está intrinsecamente ligada ao estatuto de direito público do organismo devedor.

vii)   Análise da proposta francesa relativa à cláusula a inserir nos contratos

(223)

As autoridades francesas estariam dispostas, caso a Comissão adoptasse uma decisão de inexistência de auxílio, a alargar a sua proposta de inserção de uma menção relativa à inexistência de garantia à totalidade dos contratos que impliquem um crédito. Segundo as autoridades francesas, esta extensão permitiria afastar todos os riscos de responsabilização sem falta do Estado apenas com fundamento na insolvência da La Poste.

(224)

A título preliminar, a Comissão recordará que a observação formulada no considerando 181 é obviamente aplicável à presente secção da presente decisão. Por outro lado, e tal como se refere na decisão de início do procedimento, a Comissão reconhece que se trata de uma medida susceptível de limitar a possibilidade de que o credor que assinou esse contrato obtenha o reembolso do seu crédito através de uma acção judicial. Contudo, continua a ter dúvidas no que se refere à perenidade dessa solução, uma vez que a derrogação por risco assumido é uma regra estabelecida pela jurisprudência que poderá sempre evoluir (é tanto mais difícil excluir a possibilidade dessa reviravolta jurisprudencial quanto a jurisprudência está a evoluir no sentido de uma extensão do regime de responsabilidade sem falta do Estado). Em resposta às observações das autoridades francesas, a Comissão sublinha que as observações anteriores não significam que a Comissão negue os efeitos da proposta das autoridades francesas, mas apenas que sublinha a fragilidade do quadro jurídico que resultaria dessa proposta.

(225)

Por outro lado, a Comissão considera que a proposta das autoridades francesas é insuficiente, pois a garantia estatal poderia aplicar-se a todos os tipos de responsabilidade, incluindo, nomeadamente, a responsabilidade extracontratual e a responsabilidade penal, que sob este ponto de vista apresentam as mesmas características: é impossível prever antecipadamente, em todos os contratos e em relação a todos os devedores, que o Estado não é responsável pelas dívidas da La Poste. De um modo geral, a La Poste pode ser devedora em relação a um terceiro através de diferentes mecanismos jurídicos, o que implicaria a garantia estatal em caso de incumprimento. Por exemplo, se a La Poste absorvesse outra estrutura (outro estabelecimento público), os direitos e obrigações dessa estrutura seriam transferidos na mesma ocasião para a La Poste. Se devesse posteriormente honrar as dívidas dessa estrutura, não existiria um contrato ou um documento jurídico prevendo que o Estado não seria obrigado a reembolsar as dívidas da La Poste para com os credores da estrutura absorvida, uma vez que essa absorção não podia ter sido prevista. Assim, através de um mecanismo de transformação (fusão, absorção) de certas estruturas no âmbito do sector público, a La Poste pode passar a ser responsável por certas dívidas para com terceiros, sem que seja possível prever por contrato uma limitação da garantia estatal. O facto de essa cláusula ser inserida nos «contratos» com os «credores» é pois insuficiente, uma vez que não abrange todas as hipóteses. Essa formulação é susceptível de não abranger créditos detidos por terceiros não identificáveis à primeira vista. Só seria suficiente um texto de alcance geral referindo que o Estado não é o fiador da La Poste, aplicável em todas as situações e a todos os tipos de terceiros.

(226)

Finalmente, na hipótese de as propostas francesas bloquearem todas as possibilidades de um credor da La Poste invocar a responsabilidade do Estado para obter o reembolso da sua dívida (hipótese que, segundo a Comissão, se não verificaria), estas propostas não permitem estabelecer claramente o que aconteceria em caso de insolvência da La Poste. Efectivamente, um credor da La Poste que não tenha podido obter o reembolso da sua dívida exigindo a execução do seu crédito individual, poderia sempre esperar obter o reembolso do seu crédito no âmbito de uma recuperação global da La Poste, financiada pelo Estado, tal como será demonstrado mais adiante na presente decisão.

4.   Mesmo que não obtivesse satisfação, o credor poderia obter efeitos jurídicos alegando o erro legítimo cometido por ocasião da constituição do crédito, ao julgar que este seria sempre honrado

(227)

A aplicação da teoria da aparência (101) permite confirmar a demonstração. Efectivamente, mesmo que seja aceite o raciocínio das autoridades francesas segundo o qual não existe uma garantia ilimitada a favor da La Poste por força do seu estatuto, raciocínio que é refutado pela Comissão, os elementos analisados supra autorizam legitimamente os credores a crer que essa garantia existe. A teoria da aparência amplia o efeito produzido pela concordância de uma série de indícios.

(228)

Referem-se seguidamente os principais indícios pertinentes, do ponto de vista da teoria da aparência:

no que se refere à garantia estatal a favor dos EPIC, diferentes textos (Lei de 16 de Julho de 1980 e respectivas medidas de aplicação) ou documentos oficiais (documentos orçamentais) autorizam o credor a crer que o Estado assumirá as dívidas dos EPIC em caso de insuficiência de tesouraria ou se responsabilizará por essas dívidas;

a não clarificação da situação de direito no termo do processo Campoloro e dos primeiros procedimentos iniciados pela Comissão em relação ao estatuto dos EPIC reforça também a confiança dos credores na existência dessa garantia;

a inexistência de uma indicação clara relativamente aos efeitos de uma situação de cessação de pagamentos por um EPIC aponta também no mesmo sentido;

a reacção das agências de notação insere-se no mesmo quadro, na medida em que terceiros, com razão ou sem ela, consideram importante o estatuto do devedor, atribuindo-lhe uma notação que desempenha um papel fulcral em matéria de financiamento (como será demonstrado na secção 4.1.2, alínea a), da presente decisão).

(229)

Segundo as conclusões da sua perita, a Comissão conclui que mesmo que, na hipótese defendida pelas autoridades francesas, o credor cometesse um erro ao considerar que o Estado era obrigado a garantir as dívidas dos estabelecimentos públicos e da La Poste em especial, esse erro seria legítimo, tendo em conta os elementos atrás citados, e poderia ter efeitos jurídicos. Se, excepcionalmente, o credor não conseguisse obter a regularização do seu crédito, pelo menos teria a certeza de que esse crédito não seria de modo algum susceptível de se extinguir.

B.    Garantia de manutenção da existência da La Poste e/ou das suas obrigações

(230)

Tal como será demonstrado, mesmo que o credor não consiga obter a regularização do seu crédito, num prazo razoável e na sequência da aplicação dos procedimentos descritos na secção anterior, tem a certeza de que esse crédito não será extinto. Quando uma sociedade de direito privado é extinta, os seus direitos e obrigações são susceptíveis de se extinguirem com ela. O processo de liquidação das sociedades não oferece garantias de regularização dos créditos. A situação dos estabelecimentos públicos é diferente. Como foi demonstrado mais atrás, não existe nenhum procedimento de extinção-liquidação de estabelecimentos públicos em cessação de pagamentos com extinção das suas dívidas. Em caso de extinção do estabelecimento público por decisão das autoridades públicas, e apesar de nenhum texto o prever expressamente, a prática e certos princípios fundamentais de direito administrativo tendem a demonstrar que os direitos e obrigações de estabelecimentos públicos que são extintos como tal são sempre transferidos para outra entidade ou, se assim não for, para o Estado. Não pode haver extinção-liquidação de um estabelecimento público por iniciativa das autoridades públicas com extinção das suas dívidas. Por consequência, todos os credores estão certos de que os direitos que lhes são conferidos pelo seu crédito poderão ser invocados junto de outro organismo e que o seu crédito nunca será extinto.

(231)

Esta demonstração baseia-se no estudo prático da evolução orgânica dos estabelecimentos públicos. Este estudo, efectuado pela perita da Comissão, demonstra que as dívidas dos estabelecimentos públicos são sempre transferidas para outra pessoa colectiva, que as não pode recusar.

(232)

A perita da Comissão estabeleceu uma distinção entre três causas de extinção de estabelecimentos públicos (102): termo da sua existência (1.o), extinção da missão (2.o) e, no caso mais habitual, a transferência da sua missão, que implica necessariamente uma transferência de direitos e obrigações (3.o).

a)   estabelecimentos públicos cuja existência chega ao seu termo

(233)

O caso de estabelecimentos públicos cuja existência chega ao seu termo é muito raro. O único exemplo (103) identificado pela perita da Comissão demonstra que os direitos e obrigações do estabelecimento público e, nomeadamente, as suas dívidas (que são referidas expressamente) são transferidos para outras pessoas colectivas de direito público.

b)   Extinção de estabelecimentos públicos por extinção da sua missão

(234)

A extinção da missão do estabelecimento público implica quase sempre a extinção prévia de uma missão de serviço público, o que significa que as autoridades públicas consideraram que uma determinada actividade deixou de ser uma missão de interesse geral que devem assumir ou assegurar. Ora, pelo contrário, há tendência para identificar como serviço público um número de crescente de actividades, pelo que este fenómeno tem um alcance muito limitado.

(235)

No entanto, há um caso especial, que é o dos estabelecimentos públicos que não exercem uma missão de serviço público e cuja extinção por extinção da missão não implica a extinção prévia de uma missão de serviço público. A La Poste não pertence a esta última categoria. De qualquer modo, mesmo nesse caso, a prática demonstra que os direitos e obrigações desses organismos são transferidos sistematicamente para outra entidade jurídica de direito público, na maior parte dos casos para o próprio Estado, como o demonstram os numerosos textos e exemplos identificados pela perita da Comissão (104), a partir do estudo realizado por S. Carpi-Petit (105).

c)   Transferência da missão implicando uma transferência de direitos e obrigações

(236)

A transferência da missão de um estabelecimento público para outra entidade, implicando uma transferência de direitos e obrigações, é o caso mais frequente. O princípio da continuidade do serviço público implica uma transferência dos bens afectados à missão e, por consequência, uma transferência de direitos e obrigações.

(237)

Verifica-se um princípio fundamental: quando a missão subsiste, as dívidas do antigo estabelecimento público são transferidas para o organismo que retoma a missão.

(238)

Na maior parte dos casos (106), a missão é atribuída a um único organismo, o que tem por consequência que o património é integralmente transferido, sem ser objecto de partilha. Aplica-se o mesmo princípio nas hipóteses em que o património reverte para uma entidade privada (107).

(239)

Há também hipóteses de partilha do património, o que demonstra mais uma vez a continuidade dos direitos e obrigações dos estabelecimentos públicos.

(240)

O Decreto n.o 74-947, de 14 de Novembro de 1974, relativo à transferência para o Institut de l’audiovisuel dos bens, direitos e obrigações da ORTF, traduz a existência de um princípio de designação de um organismo sucessor «por defeito»: artigo 1.o«os bens, direitos e obrigações do Office de radiodiffusion-télévision française que não tenham sido transferidos […] para o estabelecimento público de radiodifusão ou para uma das sociedades criadas por esta lei poderão ser transferidos para o Institut de l’audiovisuel a partir de 1 de Janeiro de 1975, por decreto do Primeiro-Ministro».

(241)

As hipóteses em que o património é transferido em várias etapas confirmam a tendência referida anteriormente (108).

(242)

Quando um estabelecimento público é transformado numa sociedade anónima, existem vários processos de «transformação»:

extinção-supressão: o caso mais simples é o da extinção por supressão, em que o estabelecimento público é dissolvido;

extinção-substituição: a extinção por substituição, segundo a expressão de B. Plessix (109), é «a supressão do estabelecimento público [que] é acompanhada pela criação de uma nova entidade colectiva a quem é confiada a missão estatutária pela qual o estabelecimento dissolvido era responsável. Por outras palavras, uma nova pessoa colectiva substitui-se ao estabelecimento público dissolvido no exercício dos seus direitos e obrigações; uma nova pessoa colectiva herda as missões do estabelecimento suprimido».

transformação sem supressão: a transformação sem supressão, ou sem extinção, é uma operação que se baseia na organização da continuidade da pessoa colectiva transformada.

(243)

O legislador tem privilegiado nestes últimos anos a transformação sem extinção. Por ocasião das primeiras transformações e, nomeadamente, no caso da France Télécom, o legislador efectua uma supressão do EPIC e depois procede a uma transferência de todos os seus bens, direitos e obrigações para uma nova pessoa colectiva que assume a forma de uma sociedade de direito privado (110). Nas operações seguintes, o legislador efectua uma alteração da forma jurídica, sem criar uma nova pessoa colectiva. Nesse caso não há uma transferência dos bens, direitos e obrigações do EPIC, nem uma cessação de actividade, mas antes a organização de uma continuidade jurídica pelo legislador, como o demonstram, por exemplo, os termos da Lei n.o 2004-803, de 9 de Agosto de 2004, relativa ao serviço público de electricidade e de gás e às empresas do sector da electricidade e do gás, no seu artigo 25.o: «A transformação da Electricité de France e da Gaz de France em sociedades não implica a criação de novas pessoas colectivas nem a cessação de actividades. Os bens, direitos, obrigações, contratos e autorizações de toda a espécie das sociedades Electricité de France e Gaz de France, em França e no exterior, são as de cada um dos estabelecimentos públicos à data da transformação da sua forma jurídica. Esta transformação não permite pôr em causa esses bens, direitos, obrigações, contratos e autorizações e, nomeadamente, não tem qualquer incidência nos contratos celebrados com terceiros pela Electricité de France e pela Gaz de France […]. As operações decorrentes desta transformação não estão sujeitas à cobrança de direitos, impostos ou taxas de qualquer natureza» (111).

(244)

Segundo a sua perita, a Comissão conclui que a análise das diferentes hipóteses de desaparecimento de estabelecimentos públicos permite extrair as seguintes conclusões:

não existindo embora um regime jurídico geral de organização do desaparecimento de estabelecimentos públicos, a prática demonstra que o texto jurídico organiza sempre uma transferência dos direitos e obrigações do estabelecimento que vai desaparecer, quer para o Estado, quer para a entidade que retoma a sua missão. A Comissão não tem conhecimento de nenhum texto em que se constate uma extinção das dívidas;

são os «direitos e obrigações» que são transferidos e o termo «obrigações» designa claramente as dívidas. Certos textos utilizam o termo mais vago «património». Segundo o vocabulário jurídico Cornu (112), o património é o «conjunto dos bens e das obrigações de uma mesma pessoa (ou seja, dos seus direitos e encargos avaliáveis em dinheiro)», uma formulação que incluiria também as dívidas. O único exemplo identificado de desaparecimento puro e simples de um estabelecimento público relaciona-se de qualquer modo com a transferência das «dívidas»;

mesmo quando a missão é extinta, na prática, os direitos e obrigações do estabelecimento são transferidos para outro organismo;

a prática descrita é conforme com a Norma Contabilística n.o 02-060-M95 de 18 de Julho de 2002 e o Guia de organização financeira da criação, transformação e supressão de estabelecimentos públicos nacionais. Embora estes textos digam apenas respeito aos estabelecimentos públicos que dispõem de um contabilista público, o que não é o caso da La Poste, confirmam, no entanto, os ensinamentos da prática, a saber, que os direitos e obrigações de um EPIC liquidado revertem quer para o Estado, quer para a pessoa colectiva que retomará a missão do estabelecimento.

(245)

A Comissão conclui que esta análise demonstra que o credor desse estabelecimento público pode ter a certeza de que o seu crédito não será extinto com o desaparecimento do estabelecimento.

(246)

A demonstração não ficaria completa sem analisar a questão de saber se, tal como se verifica nas sucessões em direito privado, o herdeiro pode recusar a sucessão, nomeadamente se as dívidas forem muito importantes. Ora em direito administrativo a opção de recusar uma sucessão parece ser muito limitada.

(247)

Segundo S. Carpi-Petit (113), «ao contrário do direito civil, que proporciona essa opção a todos os sucessíveis, a faculdade de optar não é um princípio geral do direito administrativo das sucessões. É apenas proporcionada a certos sucessíveis, em função da natureza da operação realizada. Assim, as transmissões que decorrem de uma sucessão pura e simples não são facultativas. Quanto às que estão associadas a substituições, o seu carácter facultativo depende da preexistência do “de cujus”». No que se refere à supressão pura e simples, S. Carpi-Petit deduz do seu estudo exaustivo que «a inexistência de uma opção em favor do Estado é igualmente aplicável em direito administrativo. Tal implica que, no que se refere à existência ou inexistência do direito de opção, a hipótese mais simples é certamente a da supressão de um estabelecimento público nacional sem continuidade da sua missão. Neste caso, efectivamente, o sucessor é sempre o Estado. Se o Estado recusasse os bens do estabelecimento público suprimido, estes ficariam necessariamente sem dono, o que está fora de causa. Por outro lado, não é possível imputar o encargo da sucessão a outro património. Assim, não há possibilidade de optar em caso de supressão pura e simples de um estabelecimento público nacional».

(248)

No que se refere às hipóteses de substituição no exercício da missão, «há dois tipos de substituição em direito administrativo das sucessões. Na primeira hipótese, a pessoa colectiva que substitui a pessoa singular “de cujus” é criada para essa função. Constitui então o sucessor universal da sucessão. Por consequência, é normal que lhe seja recusado o direito de optar».

(249)

A perita da Comissão observa que se poderia objectar a este raciocínio que, em caso de supressão pura e simples de estabelecimentos públicos por supressão da sua missão, a impossibilidade de o Estado recusar os bens não implica necessariamente a impossibilidade de recusar as dívidas. Contudo, tratando-se de entidades públicas, a impossibilidade de recusar uma sucessão basear-se-ia principalmente no estatuto de direito público dos estabelecimentos públicos e não na impossibilidade de os bens ficarem sem dono.

(250)

Segundo a sua perita, a Comissão conclui que as dívidas dos estabelecimentos públicos são, na prática, sempre transferidas para outra pessoa colectiva de direito público, em caso de desaparecimento do estabelecimento público que desempenhava a missão. Os credores desses estabelecimentos públicos, em que se inclui a La Poste, têm assim a certeza de que os seus créditos não regularizados se não extinguirão.

C.    Conclusão relativa à existência de uma garantia estatal a favor da La Poste

(251)

Com base nos argumentos aduzidos para demonstrar a existência de uma garantia de reembolso dos créditos individuais e a manutenção da existência das obrigações da La Poste, a Comissão conclui que:

os credores da La Poste não se confrontam com os obstáculos habituais que em direito privado e em direito público são susceptíveis de se opor à regularização de um crédito;

os credores da La Poste podem recorrer para a recuperação dos seus créditos a procedimentos específicos que autorizam o Estado a obrigar o organismo devedor a regularizar o crédito e que permitem, se necessário, que o Estado aumente os recursos da La Poste, para pagamento do crédito;

o direito francês não dá a entender em nenhum momento aos credores da La Poste que esta se poderá confrontar com uma situação definitiva de insuficiência de tesouraria;

em caso de insuficiência de tesouraria, os documentos orçamentais dão a entender que o Estado poderá conceder uma subvenção excepcional aos organismos do sector público, em que se inclui a La Poste;

se os procedimentos descritos anteriormente não permitirem que o credor obtenha satisfação, este pode invocar a responsabilidade do Estado para obter o pagamento total do seu crédito;

se as acções referidas anteriormente se prolongarem no tempo, o credor tem a certeza de que o seu crédito não será extinto, mesmo que a La Poste sofra uma evolução orgânica, como o demonstra a prática.

(252)

Estas particularidades estão intrinsecamente ligadas ao estatuto de estabelecimento público da La Poste.

(253)

Os procedimentos atrás descritos implicam que o Estado assume as funções de fiador em último recurso. Pode, portanto, concluir-se legitimamente que a La Poste beneficia de uma garantia ilimitada do Estado francês, por força do seu estatuto de estabelecimento público.

(254)

A garantia ilimitada do Estado a favor da La Poste implica uma transferência de recursos estatais, na acepção do ponto 2.1 da Comunicação de 2008 relativa às garantias (114). Efectivamente, a La Poste não paga um prémio por essa garantia e o Estado renuncia, portanto, à remuneração que acompanha normalmente as garantias. Por outro lado, a garantia cria um risco de compromisso potencial e futuro dos recursos do Estado, que poderá ser obrigado a pagar as dívidas da La Poste (115).

(255)

Finalmente, a garantia ilimitada do Estado a favor da La Poste pode ser imputada ao Estado porque decorre da combinação do estatuto de direito público da La Poste com os princípios do direito nacional e dois actos legislativos, a saber, a Lei de 25 de Janeiro de 1985, que constitui actualmente o Código Comercial, e a Lei de 16 de Julho de 1980, bem como as suas medidas de aplicação.

4.1.2.   EXISTÊNCIA DE UMA VANTAGEM SELECTIVA

(256)

A garantia é um elemento essencial do apoio do Estado, graças ao qual a La Poste beneficia de condições de crédito mais favoráveis do que as que teria obtido se fosse avaliada exclusivamente com base nos seus próprios méritos (a). Tendo em conta o carácter ilimitado da garantia, não é possível calcular o montante do prémio de mercado que a La Poste deveria pagar ao Estado, o que torna inaplicável o mecanismo de restituição proposto pelas autoridades francesas (b). As condições de crédito mais favoráveis obtidas pela La Poste graças à garantia implícita do Estado constituem uma vantagem selectiva (c).

a)   A garantia é um elemento essencial do apoio do Estado, graças ao qual a La Poste beneficia de condições de crédito mais favoráveis do que as que teria obtido se fosse avaliada exclusivamente com base nos seus próprios méritos

1.   As condições de crédito são fixadas, nomeadamente, com base na notação financeira

(257)

As condições de crédito são fixadas, nomeadamente, com base na notação financeira (116): quanto mais a notação de uma empresa desce, em consequência de um risco de insolvência acrescido, mais elevada será a remuneração exigida pelo investidor. Pelo contrário, uma empresa que beneficie de um risco de insolvência muito baixo poderá contrair empréstimos em condições muito favoráveis.

2.   Ao contrário do que o afirmam as autoridades francesas, as agências de notação consideram que a garantia é um elemento determinante do apoio do Estado à La Poste, graças ao qual esta beneficia de uma notação mais elevada do que a que teria obtido se fosse avaliada exclusivamente com base nos seus próprios méritos

i)   A garantia, enquanto elemento essencial do apoio do Estado, influencia a notação financeira da La Poste

α)   Análises das agências de notação (117) no que se refere à existência de uma garantia por parte do Estado a favor da La Poste

(258)

Num estudo de 22 de Novembro de 2004 sobre a influência do apoio do Estado nas notações dos operadores postais, a Standard and Poor’s refere que o estatuto jurídico da La Poste, que lhe assegura uma garantia soberana em última instância, confere às obrigações da La Poste uma garantia estatutária em última instância por parte da República Francesa (118).

(259)

Em 3 de Abril de 2007, a Standard and Poor’s confirmou a sua conclusão segundo a qual o estatuto de estabelecimento público confere à La Poste uma garantia em última instância do Estado francês, mesmo que essa garantia não seja imediata e explícita, o que se reflecte na diferenciação da notação da La Poste e da República Francesa (119).

(260)

Quanto à Fitch, uma outra agência de notação de primeiro plano, recordou em 31 de Março de 2006, data em que confirmou a notação AAA atribuída à La Poste, que a La Poste é um grupo público que beneficia de uma garantia do Estado francês.

(261)

Contudo, em 17 de Abril de 2008 a Fitch baixou a notação da La Poste para AA, baseando a sua decisão no facto de que «o estatuto de operador público da La Poste deixou de justificar que as suas notações sejam alinhadas automaticamente com as do Estado». Referindo embora que «não pressupõe a existência de uma garantia implícita por parte do Estado», a Fitch afirma, no entanto, que «a obrigação estatutária do Estado de assumir os compromissos da La Poste mantém-se». A este respeito, a Comissão recorda que do ponto de vista do direito da União, é indiferente que a obrigação do Estado de assumir os compromissos da La Poste decorra de uma garantia de direito nacional ou de uma simples obrigação estatutária. Efectivamente, do ponto de vista do direito da União existe nos dois casos uma garantia estatal (ver Comunicação de 2008 relativa às garantias, que explica que as garantias públicas podem estar ligadas ao estatuto da empresa e prever a cobertura de prejuízos pelo Estado (120)).

(262)

Em 4 de Setembro de 2009, a Fitch afirma (121): «Contudo, e como o referiu por ocasião da descida da notação da LP de “AAA” para “AA”, em 2008, a agência não reconhece a existência de uma garantia implícita por parte do Estado a favor da LP, em matéria de liquidez. Efectivamente, a partir de 2006 os mecanismos de auxílio do Estado só podem ser accionados se as necessidades de liquidez forem conformes com as regras da concorrência europeias; por essa razão, o estatuto de operador público da LP já não justifica que as suas notações sejam alinhadas automaticamente com as do Estado. Assim, o acesso aos adiantamentos do Tesouro em caso de crise de liquidez não está já assegurado, o que pode atrasar sensivelmente o apoio do Estado, em caso de necessidade». A Fitch considera, portanto, que a garantia em matéria de liquidez deixou de poder ser accionada a partir de 2006, uma vez que não é conforme com as regras de concorrência europeias. Confirma-se assim que esta agência considera que, antes dessa data, tal garantia existia e podia ser accionada. A Fitch atribui uma importância determinante à carta da Comissão de 26 de Fevereiro de 2006 através da qual esta informava a França das suas conclusões preliminares quanto à existência de uma garantia ilimitada do Estado (122). Contudo, a Fitch não tem em conta o facto de que a Comissão, através dessa carta, classificava a garantia como um auxílio existente e que a carta de 26 de Fevereiro de 2006 contém apenas uma avaliação preliminar e não vinculativa da existência dessa garantia, não impedindo a sua execução, se fosse caso disso. Assim, se antes de 2006 existia uma garantia, a existência e a possibilidade de accionamento dessa garantia não são invalidadas pela carta da Comissão de 26 de Fevereiro de 2006, o que só seria possível se a garantia fosse revogada, quer pela França, quer pela Comissão, com base num acto com efeitos jurídicos vinculativos. Em suma, apesar de considerar erradamente que a carta da Comissão implica a caducidade da garantia, a Fitch continua a reconhecer o «nível de apoio excepcional que a LP pode receber do seu mandante, assim como a forte probabilidade de que tal apoio lhe seja prestado em caso de necessidade».

β)   A garantia, enquanto elemento essencial do apoio do Estado, influencia a notação financeira da La Poste

(263)

O exame das análises e metodologias da Standard and Poor’s e da Fitch demonstra que a garantia, enquanto elemento determinante do apoio do Estado, influencia a notação financeira.

—   Standard and Poor’s (S & P) Metodologia

(264)

No estudo atrás referido sobre a influência do apoio do Estado nas notações dos operadores postais, a S & P explica que determina a metodologia a aplicar para fixar a notação de um operador postal em função do grau de apoio estimado do Estado a esse operador. A S & P estabelece uma distinção entre os operadores postais que beneficiam de apoio do Estado (por exemplo, os Correios franceses e os Correios italianos) e os que não beneficiam de qualquer apoio do Estado (por exemplo, a Deutsche Post e a TNT). Na categoria dos operadores postais que beneficiam de apoio do Estado, a S & P define três subcategorias:

entidades cuja notação é igual à do accionista Estado: pertencem a esta categoria as entidades estreitamente integradas nos mecanismos do Governo, que provavelmente nunca serão objecto de uma privatização; nenhum operador postal é classificado nesta categoria;

entidades cuja notação é deduzida da do accionista Estado através de uma descida (até menos duas categorias, ou seja, 6 notches): são as entidades que, apesar de funcionarem de forma autónoma, são instituições baseadas na política pública, que beneficiam directa ou indirectamente de um apoio financeiro substancial, se bem que exista um elevado nível de incerteza quanto ao nível e rapidez do dito apoio (123); a La Poste era classificada nesta categoria, pelo menos até à data de publicação do estudo;

entidades cuja notação se baseia nos méritos próprios da entidade, com um aumento da notação em função do apoio do Estado. A classificação nesta terceira categoria pressupõe que o operador postal beneficia de apoio do Estado, concedido porém sob a forma de apoio político, regulamentar ou de uma possível intervenção em caso de emergência, e não sob a forma de uma subvenção financeira regular e directa.

(265)

No mesmo estudo, a S & P explica que avalia o apoio que o Estado presta ao operador postal (logo, a metodologia a aplicar para determinar a notação do operador em causa e, por consequência, a notação final) em função de quatro factores, citados pela seguinte ordem: estatuto do operador, probabilidade da sua privatização, governação e regime de regulação. No que se refere ao estatuto, a S & P cita justamente o caso dos Correios franceses, sublinhando o apoio «extremamente forte» do Estado e acrescentando imediatamente a seguir que a La Poste beneficia de uma garantia estatutária, em última instância, da República Francesa (124).

(266)

A S & P atribui assim o apoio «extremamente forte» prestado pelo Estado francês à La Poste à existência de uma garantia estatutária em última instância. A S & P deduz deste apoio extremamente forte que a notação da La Poste pode ser determinada a partir da da República francesa, com uma descida máxima de três categorias, ou seja, 6 notches. Efectivamente, a notação atribuída pela S & P à La Poste, tendo embora descido progressivamente, nunca foi inferior em mais de 4 notches à da República Francesa (notação AAA) (125).

(267)

A Comissão deduz do que precede que a garantia estatal de que beneficia a La Poste constitui um elemento fundamental da apreciação da S & P segundo a qual a La Poste beneficia de um apoio «extremamente forte» do Estado. Ora é com base neste apoio «extremamente forte» que a S & P aplica uma metodologia top-down à La Poste. Se a S & P aplicasse uma metodologia bottom-up ou, pior ainda, não atribuísse um aumento à notação da La Poste devido ao apoio do Estado, como é o caso da Deutsche Post e da TNT, a La Poste teria uma notação inferior à que tem actualmente. Efectivamente, no seu estudo sobre a influência do apoio do Estado nas notações dos operadores postais, a S & P considera que os resultados comerciais e financeiros da Deutsche Poste e da TNT são melhores do que os da La Poste. No entanto, as notações da Deutsche Post e da TNT, citadas no estudo da S & P, são inferiores à da La Poste. Se a La Poste fosse avaliada com base nos seus próprios méritos, obteria assim uma notação inferior à que detém actualmente, graças ao apoio «extremamente forte» do Estado, que a S & P atribui à existência da garantia estatutária em última instância.

—   Notações mais recentes

(268)

Na sua avaliação da La Poste de 3 de Abril de 2007, a S & P refere que a alteração da estrutura do capital, que implica uma alteração do estatuto e uma perda da garantia, foi um elemento tido em conta na sua notação (126). A S & P especifica que tem já em conta a alteração provável desses três elementos (estrutura do capital, estatuto jurídico e garantia), a longo prazo. Enquanto essa alteração se não concretizar, a S & P continuará a aplicar uma metodologia top-down. Ora como foi demonstrado no ponto anterior, graças a essa metodologia a La Poste pode obter e obtém uma notação melhor do que a que teria obtido com base nos seus próprios méritos.

(269)

A Comissão reconhece, contudo, que na mesma análise de 3 de Abril de 2007 a S & P sublinha que a notação da La Poste não foi afectada pela recomendação da Comissão, pois a S & P considera que uma alteração do estatuto da La Poste se não reflectirá necessariamente numa redução do apoio do Estado, que está na base da notação da La Poste, como o demonstraram já as decisões recentes do Governo (127). A Comissão assinala que a S & P tem em conta outros elementos além da garantia quando conclui que a La Poste beneficia de um forte apoio do Estado, que justifica uma metodologia top-down. Estes elementos podem contrabalançar as pressões relacionadas com o estatuto da La Poste que levam a S & P a prever uma alteração do estatuto e o desaparecimento da garantia, a longo prazo. Todavia, não deixa de ser verdade que a S & P considera a garantia como um elemento essencial do apoio do Estado, o que influencia a notação.

(270)

Na sua avaliação de 21 de Janeiro de 2009, que se seguiu ao anúncio de 18 de Dezembro de 2008 do Presidente da República Francesa de um projecto de lei de transformação da La Poste en sociedade anónima, a S & P baixou a notação da La Poste para A+, com uma perspectiva negativa. A perspectiva negativa foi justificada pela alteração provável do estatuto legal e da estrutura de propriedade da empresa, nos dois anos seguintes (128). Segundo a S & P, essas iniciativas poderão limitar a possibilidade de o Estado prestar ao operador um apoio excepcional, em caso de necessidade. O estatuto da empresa, a que está associada a garantia, é citado mais uma vez como um sinal do apoio forte que o Estado presta à La Poste.

—   Fitch Ratings

(271)

A Fitch baseou a notação AAA atribuída à La Poste até 17 de Abril de 2008 no facto de a La Poste ser um grupo público que beneficia de uma garantia do Estado francês.

(272)

Em 4 de Outubro de 2006, dia em que a Comissão recomendou à França que retirasse a garantia ilimitada de que a La Poste beneficia na sua qualidade de pessoa colectiva de direito público, a agência de notação Fitch reviu em baixa a sua notação (de AAA estável para AAA negativo), com a justificação de que é necessário interpretar «a recomendação da Comissão Europeia como o primeiro sinal tangível de pressão sobre o estatuto jurídico da La Poste e, portanto, sobre a sua notação». Esta descida da notação, bem como a justificação apresentada pela Fitch, ilustram a ligação existente entre o estatuto e a garantia de que a La Poste beneficia, por um lado, e a notação atribuída pela Fitch, por outro lado.

(273)

Em 17 de Abril de 2008, a Fitch baixou a notação para AA. No entanto, a agência continua a aplicar uma metodologia top-down, justificada pelo facto de a La Poste pertencer ao sector público. Como foi já referido supra, a Fitch baseou a sua decisão no facto de que «o estatuto de operador público da La Poste deixou de justificar que as suas notações sejam alinhadas automaticamente pelas do Estado». A Fitch explica que as notações da La Poste se basearão daí em diante na relação de apoio entre a empresa-mãe, que neste caso é o Estado, e a sua filial La Poste. A Fitch aplica também actualmente a metodologia top-down: a notação da La Poste não é já a mesma do que a da entidade soberana, mas atendendo ao forte apoio do Estado à La Poste, de que a obrigação estatutária de assumir os compromissos da La Poste constitui um elemento essencial, a notação da La Poste é deduzida da da entidade soberana, não se baseando exclusivamente na situação económica da empresa. Esta abordagem, bem como a notação, foram confirmadas pela avaliação de 4 de Setembro de 2009.

—   Conclusão

(274)

A Comissão conclui das análises precedentes que a garantia estatutária em última instância do Estado a favor da La Poste é tida em consideração pela Fitch (pelo menos até 2008) e pela S & P como um elemento essencial do apoio prestado pelo Estado à La Poste. Ora é graças a este apoio que as agências de notação adoptaram uma metodologia top-down, que esteve na origem da atribuição à La Poste de uma notação mais elevada do que a que teria obtido exclusivamente com base nos seus próprios méritos. A Comissão considera, portanto, que a garantia constitui ou constituiu um elemento essencial da notação da La Poste, ainda que não seja o único elemento tido em conta. Ora, na medida em que a Fitch e a S & P são duas agências de notação importantes e em que está provado que o mercado tem em conta as suas notações para avaliar o crédito a conceder a uma determinada empresa, uma notação destas agências (de qualquer delas ou de ambas) melhor do que a que teria sido atribuída na ausência da garantia, é susceptível de conferir à La Poste uma vantagem que a empresa não teria obtido em condições normais de mercado.

ii)   Refutação dos argumentos das autoridades francesas

α)   O carácter essencial da existência de uma garantia implícita na notação das entidades submetidas às disposições da Lei de 1980 não é contraditório em relação à constatação de que a sua notação pode ser inferior à da entidade soberana

(275)

As autoridades francesas contestam o impacto económico das disposições da Lei de 16 de Julho de 1980, alegando que mesmo que essas disposições sejam interpretadas pelas agências como instituindo, em benefício dos credores das pessoas colectivas em causa, um mecanismo equiparável a uma garantia estatal, compreende-se dificilmente como é que poderia ser atribuída às autarquias locais a notação de BBB + ou AA–. Por outro lado, as autoridades francesas têm dificuldade em compreender como é que a La Poste, caso beneficiasse de uma garantia estatal, poderia receber uma notação inferior à do Estado (129).

(276)

A este respeito, a Comissão remete para a análise da S & P de 22 de Novembro de 2004 sobre a influência do apoio do Estado na notação das entidades postais e a de 14 de Junho de 2006 sobre a notação das entidades ligadas ao Estado (130), bem como para o estudo de 2007 sobre a La Poste. Segundo estas análises, a notação de uma empresa que beneficia de um apoio forte do Estado deriva da notação atribuída ao Estado; contudo, pode baixar para menos duas categorias (ou 6 notches), na medida em que as ligações financeiras entre a empresa em causa e o Estado podem evoluir, a médio ou longo prazo (131). A notação inferior da La Poste em relação à do Estado explica-se assim pelo facto de a S & P prever uma redução do apoio do Estado nos anos seguintes, o que demonstra claramente que o apoio do Estado, de que a garantia constitui um elemento essencial, permite que a La Poste obtenha uma notação superior à que lhe teria sido atribuída de outra forma.

(277)

A S & P acrescenta que em 1991 a La Poste passou a ser uma entidade autónoma de direito público com um estatuto de estabelecimento público, o que lhe assegura uma garantia em última instância do Estado relativamente às suas obrigações, mas não uma garantia imediata e explícita, como o reflecte a diferença de notação entre a La Poste e a República Francesa (132). Assim, apesar de ter revisto no sentido da baixa a notação da La Poste em relação à do Estado, a S & P considera obviamente que a La Poste beneficia de uma garantia implícita do Estado por força do seu estatuto de estabelecimento público, o que tem uma influência directa no método utilizado para determinar a notação.

(278)

As razões atrás referidas explicam porque é que a S & P decidiu diferenciar a notação da La Poste da do Estado. Contudo, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre a análise das razões que explicam a diferença entre a notação do Estado e a das autarquias locais, dado que esta questão se não inclui nos objectivos da presente investigação.

β)   As autoridades francesas extraem conclusões erradas, pois não raciocinam em termos de «igualdade de circunstâncias»

(279)

Segundo as autoridades francesas, as análises das agências de notação não se baseariam numa análise jurídica, mas antes numa apreciação subjectiva do que seria o apoio do Estado em caso de dificuldades para a La Poste. Em apoio desta afirmação, a França remete para a análise da S & P de 3 de Abril de 2007. Tal como foi referido mais atrás, a S & P afirma nessa análise que após o anúncio, pela Comissão, da sua carta em que recomendava o fim da garantia, a notação da La Poste não foi alterada, pois a S & P considera que uma alteração do estatuto da La Poste não se reflectiria necessariamente numa redução do apoio forte do Estado que está na base da notação da La Poste e que foi reafirmado por decisões recentes do Governo (133).

(280)

A Comissão reconhece que existem outros elementos além da garantia que são tidos em conta pela S & P para chegar à conclusão de que a La Poste beneficia de um apoio forte do Estado, que justifica uma metodologia top-down. No caso em apreço, as decisões recentes do Governo, nomeadamente, a resolução da questão do financiamento das pensões de reforma dos funcionários, a manutenção dos serviços reservados da La Poste, o apoio à distribuição do «livret A» (caderneta de poupança) e o aumento das tarifas postais (que, por outro lado, constituem também actos de autoridade pública, senão verdadeiros auxílios de Estado), contrabalançaram o efeito da recomendação da Comissão. Tal não significa que a recomendação da Comissão e, de um modo mais geral, as pressões exercidas no sentido da alteração do estatuto da La Poste e, portanto, da garantia de que a La Poste beneficia não tenham sido tidas em conta pelas agências de notação. Como era de esperar, essas pressões são tidas em conta e analisadas como um enfraquecimento do apoio que o Estado poderá prestar à La Poste e, portanto, influenciam a notação. É de resto essa a razão pela qual, em 4 de Outubro de 2006, dia em que a Comissão convidou a França a pôr termo à garantia ilimitada de que a La Poste beneficia na qualidade de pessoa colectiva de direito público, a agência de notação Fitch reviu em baixa a sua notação (de AAA estável para AAA negativo), com a justificação de que se deve interpretar «a recomendação da Comissão Europeia como o primeiro sinal tangível de pressão sobre o estatuto jurídico da La Poste e, portanto, sobre as suas notações», o que confirma que o estatuto jurídico é um elemento essencial.

(281)

A fim de ilustrar a necessidade de raciocinar em termos de igualdade de circunstâncias, a Comissão recorda que a S & P, na mesma nota de 2007, explicava também que uma alteração da estrutura de propriedade da La Poste (e portanto a perda da garantia) estaria na origem de uma alteração da metodologia aplicada para determinar a notação, mas que essa alteração não levaria necessariamente a alterar a notação da La Poste, atendendo à melhoria prevista da situação intrínseca da La Poste nos próximos anos (134). Esta afirmação parece confirmar que, na ausência desse estatuto, a La Poste deverá melhorar a sua situação intrínseca para manter a mesma notação. Em contrapartida, na hipótese de a situação intrínseca da La Poste se manter inalterada, o enfraquecimento do apoio prestado pelo Estado à La Poste deverá ter por resultado uma revisão em baixa da notação da empresa (135).

γ)   Os argumentos das autoridades francesas tendentes a demonstrar que o estatuto da La Poste e a garantia dele decorrente não são os únicos elementos tidos em conta pelas agências de notação não invalidam a demonstração da Comissão

(282)

A maior parte das observações das autoridades francesas destinadas a demonstrar a pretensa «ausência de efeitos da garantia na notação da La Poste» (136) limitam-se exclusivamente a demonstrar que a garantia não é o único elemento tido em consideração pelas agências de notação. Ora, a Comissão admite que assim é, o que em nada invalida a constatação de que a garantia é tida em conta pelas agências de notação quando determinam a notação dos operadores postais. Por outro lado, as autoridades francesas não raciocinam em termos de igualdade de circunstâncias.

—   Argumentos das autoridades francesas extraídos da doutrina das agências em matéria de notação das entidades postais

(283)

As autoridades francesas analisam a metodologia utilizada pelas agências de notação com base na nota da S & P sobre a influência do apoio do Estado na notação dos operadores postais (137). Sublinham que na classificação descrita pela S & P, a inclusão na categoria 1 corresponde a critérios latos, mas que não é feita referência ao estatuto do operador a que é atribuída a notação. As autoridades francesas concluem, portanto, que o estatuto não constitui para as agências de notação um elemento de análise importante.

(284)

A Comissão contesta esta análise e sublinha que a S & P define claramente o estatuto dos operadores como sendo um dos elementos essenciais de avaliação da intensidade do apoio do Estado (ver pontos 264 a 267 sobre a metodologia da S & P).

(285)

Por outro lado, as autoridades francesas sublinham que os Correios italianos foram classificados pela S & P na mesma categoria que a La Poste, apesar de terem um estatuto de direito privado e resultados financeiros que não justificam a classificação nessa categoria (138).

(286)

A constatação de que um operador postal com estatuto de direito privado, neste caso a Poste Italiane, pode ser considerado por uma agência de notação como beneficiando de um apoio forte do Estado e ser classificado na mesma categoria que a La Poste não invalida a demonstração da Comissão destinada a estabelecer que a existência de uma garantia decorrente do estatuto da La Poste é tida em conta pelas agências de notação. Efectivamente, a Comissão reconhece que entidades postais como a Poste Italiane podem beneficiar de uma classificação na mesma categoria que a La Poste sem beneficiar de uma garantia, na medida em que outros elementos comprovam que essas entidades beneficiam igualmente de um apoio forte do Estado. Para demonstrar que a garantia não tem nenhuma influência sobre a notação seria necessário demonstrar que a Poste Italiane e a La Poste se encontravam numa situação estritamente comparável no que se refere aos diferentes elementos tidos em conta para estimar o grau de apoio do Estado e que a única diferença entre as duas entidades era a existência de uma garantia em benefício da La Poste. Ou seja, para que a comparação faça sentido, é necessário estabelecer que existia igualdade de circunstâncias, o que não foi feito pelas autoridades francesas.

(287)

Além disso, mesmo que as autoridades francesas tivessem demonstrado que as situações da Poste Italiane e da La Poste são estritamente comparáveis, à excepção da existência de uma garantia em benefício dos Correios franceses (o que não foi demonstrado), observe-se que, de qualquer modo, a S & P faz uma apreciação diferente do grau de apoio prestado pelo Estado italiano e pelo Estado francês aos respectivos Correios. Efectivamente, a S & P considera que o apoio potencial do Estado italiano à Poste Italiane é «forte», ao passo que o apoio do Estado francês à La Poste é «extremamente forte» (139). A Comissão não exclui que essa diferença de apreciação traduza a influência da garantia, cuja existência foi recordada pela S & P na mesma nota, imediatamente a seguir à afirmação de que a La Poste beneficia de um apoio extremamente forte (140). De qualquer modo, não é possível extrair conclusões sobre as razões pelas quais a Poste Italiane foi classificada a dada altura na mesma categoria que a La Poste. Efectivamente, por um lado o presente procedimento não incide sobre essas razões. Por outro lado, a multiplicidade dos elementos que as agências de notação devem ter em conta na avaliação não permite extrair conclusões sobre o efeito específico na notação de uma garantia estatutária em última instância.

—   Argumentos das autoridades francesas extraídos das notações de empresas da esfera privada

(288)

As autoridades francesas recordam que «abundam na esfera privada os casos em que a notação de uma filial está ligada à da empresa-mãe», concluindo que esse tipo de abordagem não constitui uma particularidade do estatuto público.

(289)

A Comissão não contesta que a notação de uma filial pode estar ligada à da sua empresa-mãe, inclusive no sector privado e, nomeadamente, ao grau de apoio que, segundo se estima, a empresa-mãe estará disposta a prestar à sua filial e que se poderá manifestar sob a forma de compromissos de garantia assumidos pela primeira. Este argumento não pode senão confirmar a análise da Comissão. Efectivamente, é ilustrativo do estatuto de estabelecimento público, assim como da garantia que decorre desse estatuto, constituindo um elemento demonstrativo do apoio do Estado que foi tido em conta pelas agências na notação da La Poste.

—   Argumentos das autoridades francesas extraídos da notação da La Poste

(290)

As autoridades francesas sublinham igualmente que em 2005 a notação da La Poste foi revista no sentido da baixa pela S & P para AA, com perspectiva estável, sem que tenha havido evolução do estatuto da empresa. As autoridades francesas concluem que a notação da La Poste não é consequência do seu estatuto (141). As autoridades francesas sublinham igualmente que na nota da S & P de 3 de Abril de 2007 sobre a La Poste os dois elementos referidos pela S & P em apoio da notação são a importância económica das missões de serviço público e o «strong shareholding backing», e não o estatuto (142).

(291)

Tal como foi referido mais atrás, a Comissão reconhece que a existência de uma garantia não é o único elemento tido em conta pelas agências de notação quando avaliam o grau de apoio que as autoridades públicas estão dispostas a prestar a uma empresa em dificuldades. Apoiando-se no estudo da S & P sobre a influência do apoio do Governo nas notações dos operadores postais (143), a Comissão demonstrou, contudo, que a existência de uma garantia é tida em conta pelas agências de notação como um elemento essencial do apoio prestado pelo Estado à La Poste.

(292)

No que se refere a este ponto, a Comissão contesta a análise das autoridades francesas segundo a qual o «strong shareholding backing» referido pela S & P na sua nota de 3 de Abril de 2007 seria distinto da questão do estatuto público e da garantia. Efectivamente, decorre do estudo sobre a influência do apoio do Estado na notação dos operadores postais que o estatuto e a garantia são sem dúvida elementos essenciais de avaliação do apoio prestado pelo Estado à La Poste.

(293)

A Comissão contesta igualmente a interpretação da nota de Abril de 2007 feita pelas autoridades francesas, segundo a qual a S & P optou por uma metodologia «top-down» exclusivamente com base na sua hipótese de que, a médio prazo, o Estado continuaria a ser accionista a 100 % da La Poste, e não com base no estatuto de direito público da La Poste e na garantia associada a esse estatuto. A Comissão recorda que uma «provável alteração futura da sua estrutura de capital» que, nas palavras da S & P, provocaria uma perda do estatuto de estabelecimento público e da garantia associada a esse estatuto, é tida explicitamente em conta pela S & P na sua notação (144). É pois evidente que, na opinião da S & P, o importante não é só a alteração da estrutura de capital, mas também as implicações dessa alteração (perda do estatuto público e da garantia); a alteração da estrutura de capital constituiria o passo mais decisivo da evolução da La Poste no sentido de uma autonomia crescente em relação ao Estado.

3.   Condições de crédito obtidas efectivamente pela La Poste

(294)

As autoridades francesas alegam que o anúncio da Comissão sobre a existência da garantia e a sua eminente e consequente supressão não afectaram as condições de financiamento da La Poste. Efectivamente, por ocasião da emissão de um empréstimo obrigacionista, em Outubro de 2006, imediatamente depois de a Comissão ter emitido a sua recomendação de medidas úteis, a La Poste obteve um spread sobre o mid swap  (145) de 12 pontos base para a emissão a 15 anos e de 4 pontos base para a emissão a 7 anos. Ora, a emissão obrigacionista anterior, realizada em 2004 e constituída por obrigações a 15 anos, obtivera um spread sobre o mid swap de 8 pontos base. As autoridades francesas concluem que as condições de financiamento da La Poste não se baseiam na existência de uma garantia, de direito ou de facto.

(295)

A Comissão considera que a conclusão das autoridades francesas segundo a qual a recomendação da Comissão não afectou as condições de financiamento é infundada, pois, pelo contrário, verificou-se uma deterioração do spread, que passou de 8 para 12 pontos.

(296)

Por outro lado, mesmo na hipótese em que o spread se tivesse reduzido, o que não é o caso, a Comissão tem dúvidas no que se refere às conclusões que poderiam ser extraídas sobre a influência da recomendação da Comissão nos custos de financiamento da La Poste, pois foram tidos igualmente em conta pelos investidores muitos outros elementos, tais como, por exemplo, a estrutura financeira da La Poste, que pode ter evoluído entre 2004 e 2006.

(297)

Além disso, mesmo que as condições de financiamento antes e depois da recomendação da Comissão tivessem sido idênticas ou que a diferença não fosse significativa, nem por isso seria provado que a garantia não influencia as condições de crédito. Efectivamente, à data da emissão referida pelas autoridades francesas, a garantia de que a La Poste beneficiava era classificada como um auxílio existente, portanto era válida e abrangia as emissões. A garantia só passa a ser um auxílio ilegal, se for caso disso, a partir da data fixada pela presente decisão para a sua supressão.

(298)

Finalmente, uma vez que demonstrou já que a garantia decorrente do estatuto da La Poste é susceptível de proporcionar uma vantagem a esta última, devido à influência positiva sobre a notação da empresa, a Comissão considera que não é obrigada a demonstrar os efeitos concretos que essa garantia teve no passado. Efectivamente, um princípio constante do regime dos auxílios estatais é o de que a Comissão não é obrigada a demonstrar o efeito real das medidas nacionais, porque isso levaria a beneficiar os Estados-Membros que concedem auxílios em violação do dever de notificação em detrimento daqueles que notificam os auxílios (146). Efectivamente, um Estado-Membro que notificasse uma garantia ilimitada seria proibido de aplicar essa medida apenas devido aos seus efeitos potenciais, ao passo que um Estado que a não tivesse notificado poderia defender-se demonstrando que, concretamente, a garantia não tinha proporcionado vantagens ao seu beneficiário. Por outro lado, tal como se verifica em relação às novas medidas, a Comissão deve avaliar a compatibilidade das medidas existentes com as regras do Tratado no futuro, mas não tem necessariamente de demonstrar que, no passado, a medida produziu efeitos incompatíveis com o Tratado (147). Além do mais, a Comissão não pode ordenar a recuperação das vantagens que possam ter sido já proporcionadas por um auxílio existente. Por consequência, também não é indispensável uma demonstração dos efeitos concretos da garantia para as condições de crédito.

b)   Tendo em conta o carácter ilimitado da garantia, não é possível calcular o montante do prémio de mercado que a La Poste deveria pagar ao Estado, o que torna inaplicável o mecanismo de restituição proposto pelas autoridades francesas

(299)

Com base no que precede, a Comissão conclui que a garantia de que beneficia a La Poste é ilimitada no que respeita à duração, ao montante e ao âmbito e não é remunerada. Além disso, abrange simultaneamente as actividades do serviço postal universal e as actividades concorrenciais. A Comissão considera que, tendo em conta o carácter ilimitado da garantia estatal a favor da La Poste e em conformidade com a prática decisória da Comissão (148), não é possível calcular o montante do prémio de mercado que a La Poste deveria pagar ao Estado pela concessão desta garantia ilimitada. Efectivamente, no caso de todas as garantias o auxílio é concedido aquando da atribuição da garantia. Ora, no caso de uma garantia ilimitada, que pode abranger potencialmente todas as dívidas da empresa e por um período indeterminado, é impossível determinar antecipadamente o montante do auxílio concedido aquando da atribuição da garantia e, portanto, calcular um prémio de mercado adequado (149), o que torna inaplicável o mecanismo de restituição proposto pelas autoridades francesas.

c)   As condições de crédito mais favoráveis obtidas pela La Poste graças à garantia implícita do Estado constituem uma vantagem selectiva

(300)

A vantagem é selectiva, uma vez que os concorrentes da La Poste não beneficiam da mesma vantagem: efectivamente, os concorrentes da La Poste estão sujeitos aos procedimentos de recuperação e liquidação judicial, não beneficiando da garantia estatal ilimitada associada ao estatuto de estabelecimento público.

4.1.3.   FALSEAMENTO DA CONCORRÊNCIA E ALTERAÇÃO DAS TROCAS COMERCIAIS

(301)

A medida examinada é susceptível de estar na origem de uma redução dos custos de funcionamento da La Poste, o que teria por efeito favorecer a La Poste e, portanto, falsear a concorrência, na acepção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE. Além disso, atendendo a que em sectores em que a La Poste exerce a sua actividade, nomeadamente a distribuição de encomendas, de publicidade não endereçada e dos envios postais cuja distribuição não está reservada à La Poste, se regista já uma grande abertura às trocas comerciais intracomunitárias, essas medidas poderão ter um impacto desfavorável para as empresas que exercem ou desejam exercer uma actividade económica semelhante em França. Observe-se a este respeito que, em aplicação da Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, tal como alterada pelas Directivas 2002/39/CE e 2008/6/CE (150) (a seguir designada «a directiva postal»), todos os serviços postais devem ser abertos à concorrência em França o mais tardar até 1 de Janeiro de 2011. Nestas condições, a existência de uma garantia ilimitada do Estado a favor da La Poste é susceptível de falsear a concorrência e de afectar as trocas comerciais, na acepção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

4.1.4.   CONCLUSÃO QUANTO À NATUREZA DE AUXÍLIO DA MEDIDA

(302)

A garantia concedida pelo Estado a favor da La Poste por força do seu estatuto de estabelecimento público implica assim uma transferência de recursos estatais imputável ao Estado e falseia ou ameaça falsear a concorrência e as trocas comerciais entre os Estados-Membros, favorecendo a La Poste. A Comissão conclui que esta garantia constitui um auxílio estatal na acepção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

4.2.   COMPATIBILIDADE

(303)

Dado que a medida examinada recai no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, é necessário analisar se esta medida pode ser declarada compatível pela Comissão, a título das derrogações previstas nos artigos 107.o, n.os 2 e 3, e 106.o, n.o 2, do TFUE.

(304)

A garantia estatal ilimitada a favor da La Poste não parece preencher nenhuma das condições de aplicação das derrogações previstas no artigo 107.o, n.o 2, do TFUE, dado que a medida examinada não se destina a realizar nenhum dos objectivos previstos nestas derrogações.

(305)

A título do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), do TFUE, podem ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego. Dado que a garantia estatal ilimitada a favor da La Poste é uma medida individual, concedida de forma discricionária, que não tem nenhum objectivo regional, é ilimitada no tempo, não está associada a nenhum investimento e não é degressiva, não se aplica a derrogação prevista no 107.o, n.o 3, alínea a), do TFUE.

(306)

No que se prende com as derrogações previstas no artigo 107.o, n.o 3, alíneas b) e d), do TFUE, o auxílio em questão não se destina a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum, ou a sanar uma perturbação grave da economia francesa. A garantia estatal ilimitada a favor da La Poste também se não destina a promover a cultura e a conservação do património.

(307)

A derrogação prevista no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), do TFUE dispõe que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum. A garantia estatal ilimitada a favor da La Poste não diz respeito a um investimento ou à criação de emprego, constituindo, por consequência, um auxílio operacional e incondicional. Em conformidade com a sua prática decisória, a Comissão não pode considerar que este auxílio se destina a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas

(308)

Finalmente, a garantia estatal ilimitada a favor da La Poste não pode ser considerada compatível com base no artigo 106.o, n.o 2, do TFUE. Esta derrogação prevê que as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto nos Tratados, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da União.

(309)

A legislação francesa confiou à La Poste obrigações de serviço público. A este título, o operador postal poderia receber uma compensação financeira ou usufruir de certas prerrogativas, em derrogação de certas regras de direito geralmente aplicáveis. Contudo, tais medidas financeiras ou prerrogativas devem limitar-se ao necessário para compensar os custos adicionais incorridos pela La Poste a título das obrigações de serviço público.

(310)

O Enquadramento comunitário dos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público define as condições em que a Comissão considera essa compensação compatível com o artigo 106.o, n.o 2, do TFUE. Nomeadamente, a compensação paga não pode ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável.

(311)

No caso em apreço, essa análise pressuporia uma avaliação de mercado da garantia estatal ilimitada a favor da La Poste, a fim de verificar se o seu valor não é superior aos custos líquidos de prestação do serviço postal universal. Ora tendo em conta o facto de que esta garantia é ilimitada, é impossível efectuar essa análise, o que exclui a aplicação da derrogação prevista no artigo 106.o, n.o 2, do TFUE.

(312)

Além disso, mesmo que essa avaliação fosse possível, a garantia apenas poderia beneficiar as actividades abrangidas pela missão de «serviço postal universal». Ora, a garantia estatal ilimitada, na sua forma actual, abrange todas as actividades da La Poste, incluindo as que se não incluem na missão de «serviço postal universal».

(313)

A Comissão é de opinião que o desenvolvimento das trocas comerciais é assim afectado de maneira que contraria os interesses da União.

(314)

Além disso, a França não invocou elementos que demonstrassem a compatibilidade da medida com os artigos 107.o, n.os 2 e 3, ou 106.o, n.o 2, do TFUE, limitando-se a contestar a existência da garantia. Por conseguinte, não demonstrou a compatibilidade do auxílio, quando em aplicação da jurisprudência lhe compete o ónus da prova.

(315)

Em suma, a medida em causa, mesmo que seja alterada de acordo com as propostas francesas relativas à clarificação do decreto de aplicação da lei de 1980 e à inserção de uma cláusula limitativa nos contratos da La Poste que impliquem um crédito, constitui um auxílio estatal existente, na acepção do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 e, em conformidade com a prática decisória da Comissão em matéria de garantias estatais ilimitadas concedidas a empresas que exercem actividades económicas (151), este auxílio não preenche nenhuma das condições de aplicação das derrogações previstas pelo TFUE. Por consequência, a garantia estatal ilimitada referida supra é incompatível com o mercado interno.

4.3.   NEUTRALIDADE NO QUE RESPEITA AO REGIME DE PROPRIEDADE

(316)

Nesta conclusão, a Comissão não põe de modo nenhum em causa a propriedade estatal da La Poste nem contesta o estatuto de pessoa colectiva de direito público da empresa, enquanto tal. A Comissão apenas considera problemática a garantia que, no estado actual do direito francês, decorre desse estatuto da La Poste.

(317)

Nos termos do artigo 345.o do TFUE, a União é neutra no que respeita ao regime de propriedade nos Estados-Membros e nenhuma disposição do Tratado obsta a que o Estado detenha empresas (na totalidade ou em parte). Assim sendo, as regras de concorrência devem aplicar-se da mesma forma às empresas privadas e às empresas públicas. Nenhum desses dois tipos de empresas pode ser beneficiado ou prejudicado pela aplicação dessas regras. No caso em apreço, a garantia não resulta da propriedade, mas sim do estatuto jurídico da empresa. Os Estados-Membros são livres de escolher a forma jurídica das empresas, mas essa escolha deve respeitar as regras de concorrência do Tratado. Nomeadamente, o simples facto de a garantia estatal estar associada automaticamente a um estatuto jurídico específico não impede que a referida garantia constitua um auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, se estiverem reunidas as condições aplicáveis (152). Esta conclusão não é afectada pelo artigo 345.o do TFUE. Pelo contrário, num cenário concorrencial, o princípio da neutralidade implicará a supressão de todas as vantagens injustificadas em benefício das empresas públicas e em detrimento das suas concorrentes privadas. A título de exemplo, a Comissão adoptou uma abordagem idêntica no processo relativo aos bancos públicos na Alemanha (153), bem como no processo relativo à EDF (154).

4.4.   O PROJECTO DE LEI RELATIVO À LA POSTE E ÀS ACTIVIDADES POSTAIS

(318)

Na sua carta de 31 de Julho de 2009, as autoridades francesas comunicaram à Comissão o projecto de lei relativo à La Poste e às actividades postais, adoptado pelo Conselho de Ministros em 29 de Julho de 2009, que fixa a data de transformação da La Poste em sociedade anónima em 1 de Janeiro de 2010.

(319)

Posteriormente, foi adoptada uma alteração a este projecto de lei adiando a data de transformação da La Poste em sociedade anónima para o mês de Março de 2010.

(320)

No seu artigo 1.o, segundo parágrafo, o projecto de lei alterado, que altera a Lei n.o 90-568 de 2 de Julho de 1990 relativa à organização do serviço público da La Poste e France Telecom, estabelece que: «A pessoa colectiva de direito público La Poste é transformada a partir de 1 de Março de 2010 numa sociedade anónima denominada La Poste […]».

(321)

As autoridades francesas especificaram que a transformação da La Poste em sociedade anónima teria por efeito sujeitá-la ao direito comum aplicável às empresas em recuperação ou liquidação judicial.

(322)

A Comissão concorda com o facto de a transformação efectiva da La Poste em sociedade anónima prevista no projecto de lei transmitido pelas autoridades francesas suprimir, consequentemente, a garantia ilimitada de que a empresa beneficia. A Comissão considera que esta transformação constitui uma medida adequada para eliminar, em conformidade com o direito comunitário, o auxílio estatal de que beneficia actualmente a La Poste.

(323)

A adopção do projecto de lei pelo Parlamento está prevista para o mês de Janeiro de 2010. Em 4 de Outubro de 2006, em conformidade com o artigo 18.o do regulamento processual, a Comissão solicitara a supressão da garantia ilimitada o mais tardar até 31 de Dezembro de 2008. Considerando, porém, as circunstâncias em causa e o facto de que as conversações com as autoridades francesas se prolongaram até ao mês de Outubro de 2009, bem como o tempo necessário para aprovar os actos jurídicos que porão termo a esta garantia, a Comissão considera que é razoável solicitar às autoridades francesas que suprimam efectivamente a garantia ilimitada o mais tardar até 31 de Março de 2010,

ADOPTOU A SEGUINTE DECISÃO:

Artigo 1.o

A garantia ilimitada concedida pela França à La Poste constitui um auxílio estatal incompatível com o mercado interno. A França suprimirá este auxílio o mais tardar até 31 de Março de 2010.

Artigo 2.o

A Comissão considera que a transformação efectiva da La Poste em sociedade anónima suprimirá a garantia ilimitada de que esta beneficia. A supressão efectiva desta garantia ilimitada o mais tardar até 31 de Março de 2010 constitui uma medida adequada para suprimir, em conformidade com o Direito da União, o auxílio estatal referido no artigo 1.o

Artigo 3.o

A França comunicará à Comissão, num prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão, uma descrição pormenorizada das medidas já adoptadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão.

Artigo 4.o

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.

Feito em Bruxelas, em 26 de Janeiro de 2010.

Pela Comissão

Neelie KROES

Membro da Comissão


(1)  Com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2009, os artigos 87.o e 88.o do Tratado CE passaram a ser os artigos 107.o e 108.o, respectivamente, do TFUE; as duas séries de disposições são idênticas em termos de substância. Para efeitos da presente decisão, deve considerar-se que as referências aos artigos 107.o e 108.o do TFUE são feitas, quando apropriado, para os artigos 87.o e 88.o do Tratado CE.

(2)  JO C 135 de 3.6.2008, p. 7.

(3)  Processo N 531/05, Medidas ligadas à criação e ao funcionamento do Banco Postal (JO C 21 de 28.1.2006, p. 2).

(4)  JO L 83 de 27.3.1999, p. 1-9.

(5)  Dado que a classificação de auxílio existente foi já justificada nos considerandos 93 a 97 da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação do auxílio (ver nota de rodapé 2) e que a Comissão não recebeu nenhuma observação no que se refere a este ponto, a Comissão não aborda novamente esta questão, limitando-se simplesmente a confirmar a avaliação preliminar efectuada na referida decisão.

(6)  JORF de 17 de Julho de 1980, p. 1799.

(7)  JORF de 14 de Maio de 1981.

(8)  Ver nota de rodapé 2.

(9)  JORF de 8 de Julho de 1990.

(10)  Em França, além dos poderes públicos como o Estado e as autarquias locais, existem duas categorias principais de pessoas colectivas: os estabelecimentos públicos (Etablissements Publics) e os grupos de interesse público (Groupes d’Intérêt Public), instituídos pela Lei n.o 82-610 de 15 de Julho de 1982. Na categoria dos estabelecimentos públicos, pode estabelecer-se uma distinção entre os estabelecimentos públicos de carácter administrativo (EPA), que desempenham as funções tradicionais da administração, e os estabelecimentos públicos de carácter industrial e comercial (EPIC), que exercem actividades de carácter económico.

(11)  O Tribunal de Cassação aceitou o princípio estabelecido por um acórdão de 22 de Outubro de 1998 do Tribunal de Recurso de Douai que equiparava a La Poste a um estabelecimento público de carácter industrial e comercial.

(12)  Num relatório de 2003 do Senado francês, a Comissão dos Assuntos Económicos sublinha que: «Como é sabido, a empresa-mãe da La Poste, após a reforma de 1990, dispõe de um estatuto semelhante ao de um estabelecimento público industrial e comercial».

(13)  Ver, nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Cassação de 21 de Dezembro de 1987 (primeira secção cível).

(14)  JORF de 26 de Janeiro de 1985, p. 1097.

(15)  Cour administrative d’appel, Paris, 15 de Fevereiro de 1991, JCP E1991, pan. 742; Cour de Cassation, Soc. 6, Novembro de 1991, JCP E1992, pan. 85, Bull. V n.o 476.

(16)  Trata-se dos prazos referidos no n.o 3 do artigo 3.o-1 do referido decreto.

(17)  O artigo 10.o do Decreto n.o 2008-479 estipula que «quando a notificação de incumprimento não tiver produzido efeito uma vez findo estes prazos, o representante do Estado ou a autoridade de tutela procede à inscrição da despesa no orçamento do organismo ou do estabelecimento público em situação de incumprimento. Libertará, se for caso disso, os recursos necessários, quer através da redução das dotações afectadas a outras despesas e ainda não utilizadas, quer mediante o aumento dos recursos. Se no prazo de oito dias após a notificação da inscrição do crédito o organismo ou o estabelecimento público não tiver concedido a autorização de pagamento do montante devido, o representante do Estado ou a autoridade de tutela concede autorização automática de pagamento no prazo de um mês».

(18)  JORF de 20 de Fevereiro de 1990.

(19)  Bulletin officiel de la comptabilité publique. NOR: BUD R 02 00060 J.

(20)  Ver capítulo 3 da Norma Contabilística n.o 02-060-M95 de 18 de Julho de 2002 relativa à regulamentação financeira e contabilística dos estabelecimentos públicos nacionais de carácter industrial e comercial, Bulletin officiel de la comptabilité publique.

(21)  Ver parte IV, B: «Quelles dispositions juridiques prévoir?», p. 21.

(22)  A ERAP, criada em 1965, é um EPIC cujo objecto social é a tomada de participações em empresas dos sectores da energia, farmacêutico e das telecomunicações, a pedido do Estado.

(23)  Ver artigo «Fitch attribue la note préliminaire AAA au programme EMTN garanti de EUR 10 MD de ERAP», que pode ser consultado no sítio Internet da ERAP: www.erap.fr/pdf/CP_Fitch_Ratings_fr.pdf

(24)  Ver artigo «Moody’s attribue la notation Aaa au programme d’EMTN de l’ERAP portant sur 10 milliards d’euros», que pode ser consultado no sítio Internet da ERAP: www.erap.fr/pdf/CP_Fitch_Ratings_fr.pdf

(25)  Em aplicação ao artigo 15.o da Lei n.o 90-568 de 2 de Julho de 1990, a contabilidade da La Poste obedece às regras aplicáveis às empresas comerciais.

(26)  Ver artigo «Fitch attribue la note préliminaire AAA au programme EMTN garanti de EUR 10 MD de ERAP».

(27)  Ver, nomeadamente, as cartas das autoridades francesas de 24 de Abril de 2006, 6 de Dezembro de 2006, 16 de Janeiro de 2007, 1 de Fevereiro de 2007 e 19 de Março de 2007.

(28)  Ver parte III da carta das autoridades francesas de 23 de Janeiro de 2008.

(29)  Conselho de Estado, 1 de Abril de 1938, Société de l’hôtel d’Albe, Colectânea do Conselho de Estado, p. 341. Ver considerando 33 da decisão de início do procedimento.

(30)  Conselho de Estado, 10 de Novembro de 1999, Société de gestion du port de Campoloro, Colectânea do Conselho de Estado, p. 348; Conselho de Estado, 18 de Novembro de 2005, Société de gestion du port de Campoloro, Colectânea do Conselho de Estado, p. 515. Ver considerando 34 da decisão de início do procedimento.

(31)  JORF, n.o 177 de 2 de Agosto de 2001, p. 12480.

(32)  Ver parte III B da nota transmitida pelas autoridades francesas em 23 de Janeiro de 2008 e as observações transmitidas pelas autoridades francesas em 27 de Outubro de 2009.

(33)  Ver nota das autoridades francesas transmitida em 27 de Outubro de 2009.

(34)  D. Labetoulle, «La responsabilité des AAI dotées de la personnalité juridique: coup d’arrêt à l’idée de “garantie de l’Etat”», em RJEP/CJEG n.o 635, Outubro de 2006.

(35)  Ver parte IV da carta das autoridades francesas de 23 de Janeiro de 2008.

(36)  Ver ponto 78 da carta das autoridades francesas de 23 de Janeiro de 2008.

(37)  P. Bon, «Le Préfet face à l’inexécution par une collectivité territoriale d’un jugement la condamnant pécuniairement», em RFDA — Março Abril de 2006, p. 341. C. Landais e F. Lenica, «Le pouvoir de substitution du préfet en cas d’inexécution de la chose jugée par les collectivités territoriales», em AJDA, 23 de Janeiro de 2006, p. 137.

(38)  Conselho de Estado, 10 de Novembro de 1999, Société de gestion du port de Campoloro, acima citado.

(39)  Conselho de Estado, 18 de Novembro de 2005, Société de gestion du port de Campoloro, acima citado.

(40)  Conselho de Estado, 30 de Novembro de 1923, Colectânea p. 789.

(41)  Foram omitidas partes deste texto, a fim de garantir que não sejam divulgadas informações confidenciais. Essas partes são indicadas por uma sucessão de pontos entre parênteses rectos, seguidos de asterisco.

(42)  Comunicação da Comissão relativa à aplicação dos artigos 87.o e 88.o do Tratado CE aos auxílios estatais sob forma de garantias (JO C 71 de 11.3.2000, p. 14).

(43)  Segundo as autoridades franceses, o respeito por estes critérios é suficiente, mas não necessário para excluir a existência de qualquer vantagem. Nomeadamente, seria contraditório considerar que a alegada existência de uma dúvida em relação ao procedimento aplicável em caso de insolvência se pudesse traduzir em melhores condições de financiamento.

(44)  Artigo L. 643-11 do Código Comercial.

(45)  «Category 1: equalization of ratings with those of the state owner. This first category includes those entities […], generally loss making or with poor financial profiles, and extremely unlikely to be privatized […] given the nature of their activity, as well as their home country’s economic, social and political environment. None of the postal companies currently rated by Standard & Poor’s falls into this category […].»

(46)  «Category 2: notching down with respect to the state owner’s rating. […] La Poste and Poste Italiane currently fall within this category

(47)  «Category 3: notching up from the postal entity’s stand-alone rating. […] The entity’s postal activities are still a key public service, but the clear aim of the entity is to achieve a high level of operational and financial independence, either through privatization or commercial autonomy (state ownership, but independent management) […]».

(48)  «Standard & Poor’s Ratings Services lowered its counterparty credit […] ratings on French issuer AGF […] to “A” from “A+” […], following a review of AGF’s parent, the Munich-based Allianz group (AA–/Negative/A–1+). […]The downgrade of AGF, the holding company, is not specific to any issues within the French franchise and generally reflects the Allianz group’s financial leverage and fixed-charge coverage, which are increasingly aggressive relative to the group’s ratings and are a result of the group’s weakened consolidated capital base and reduced earnings.»

(49)  «the ratings also take into account the unchallenged status of both it and its parent, Germany-based Volkswagen Financial Services AG (VWFS), as core and captive finance entities to VW» e «the ratings on VW Bank could moderately diverge (generally not more than one notch) from the ratings on VW or VWFS; currently only its outlook differs.»

(50)  «the ratings on Germany-based Volkswagen Financial Services AG (VWFS) are based on its unchallenged status as a core subsidiary of German automaker Volkswagen AG (VW; A–/Negative/A–2) and reflect its strategic importance for and close operational integration into its parent

(51)  «a notação de uma empresa que beneficia de um forte apoio do Estado […] pode baixar duas categorias, na medida em que as ligações financeiras entre a referida empresa e o Estado podem evoluir, a médio ou longo prazo».

(52)  Da mesma forma, segundo as autoridades francesas o «forte apoio do Estado» referido pela Comissão no considerando 84 da decisão de início do procedimento não está relacionado com o estatuto da empresa ou com qualquer mecanismo de garantia, mas refere-se antes a decisões como a criação da La Banque Postale ou a reforma do financiamento das pensões, que procuram criar à La Poste condições que lhe permitam desenvolver-se em condições de igualdade com os seus concorrentes e «at arm’s length» em relação ao Estado. Contudo, algumas dessas medidas constituem em si mesmas auxílios estatais de montante considerável (ver, nomeadamente, a Decisão da Comissão de 10 de Dezembro de 2007 relativa aos auxílios estatais concedidos pela França com vista à reforma das modalidades de financiamento das pensões dos funcionários públicos destacados junto da La Poste). Por consequência, não podem constituir indícios do interesse do Estado pelo desenvolvimento da La Poste em condições «at arm’s length».

(53)  «A change in the group’s ownership structure would lead Standard & Poor’s to shift to a bottom-up rating approach, focusing more on LP’s stand-alone business and financial profiles. This rating approach may not necessarily translate into rating changes given the expected improvement in LP’s stand-alone situation in the coming years.»

(54)  «The ratings could come under pressure if the group significantly underperforms its operational and financial trajectory at the dawn of full postal deregulation, or if an ownership changes occur sooner than we expect».

(55)  «The EC recently recommended that the French government end this guarantee by year-end 2008, which they believe provides LP with more favorable financing conditions than its competitors in a market in the process of being liberalized.»

(56)  «The ratings on La Poste were unaffected by this recommendation since we consider that a change in La Poste’s status would not necessarily reflect a decrease in the strong state support that underpins LP’s ratings and that has been reaffirmed by recent government decisions.»

(57)  Segundo as autoridades francesas, o spread sobre o «mid swap» foi de 12 pontos base para a emissão a 15 anos (ou seja, 33 pontos base sobre a OAT) e de 4 pontos base para a emissão a cinco anos. A título de comparação, as autoridades francesas informam que a emissão obrigacionista anterior, realizada em 2004, consistia em obrigações a 15 anos, no montante total de 580 milhões de EUR, com um spread de 8 pontos base sobre o «mid swap». O mid swap é a mediana entre a taxa oferecida (offer) e proposta (bid) pelos bancos num determinado momento para as suas trocas (tomadas e cedências de fundos) por maturidade, correspondendo à taxa fixa à qual um banco está disposto a trocar (emprestar ou pedir emprestado) dinheiro, recebendo em troca uma taxa variável, regra geral a Euribor a 6 meses. Esta taxa constitui a taxa de referência de mercado para as emissões obrigacionistas, nomeadamente.

(58)  Decreto n.o 81-501. Quando as autoridades francesas apresentaram a sua proposta, o decreto de aplicação era o Decreto n.o 81-501 de 12 de Maio de 1981 adoptado para a aplicação da Lei de 16 de Julho de 1980 relativa às sanções pecuniárias impostas em matéria administrativa e à execução das sentenças pelas pessoas colectivas de direito público e relativo à «secção de relatórios e estudos» do Conselho de Estado.

(59)  Conselho de Estado, 16 de Novembro de 1998, Sille: «Considerando, em primeiro lugar, que, como o decidiram os primeiros juízes, pode ser invocada a responsabilidade dos poderes públicos, mesmo sem falta, com fundamento no princípio da igualdade dos cidadãos face aos encargos públicos, caso seja tomada legalmente uma medida que tenha por efeito causar um prejuízo especial e de uma certa gravidade, em detrimento de uma pessoa singular ou colectiva, no caso em apreço tal se não verifica, pois o Sr. Sille, na sua qualidade de profissional do sector imobiliário, não podia ignorar os riscos que a execução de um programa imobiliário como o que era projectado no caso em apreço acarretaria necessariamente, uma vez que para essa execução era necessário, nomeadamente, alterar as disposições do plano de ocupação dos solos e obter o acordo do Conselho Municipal, pelo que o Sr. Sille deveria normalmente prever a eventualidade de que, face aos resultados negativos do inquérito público e à hostilidade manifestada em relação ao projecto, o município renunciasse ao projecto; tendo assumido esse risco em pleno conhecimento de causa, não poderá argumentar validamente que sofreu um prejuízo anormal e que o município deve suportar as consequências onerosas que para ele advêm da renúncia ao projecto».

(60)  Conselho de Estado, 10 de Julho de 1996, Meunier: «Considerando que a opção de instalar o estabelecimento comercial nesse local e uma carta do presidente da Câmara relativa à possibilidade de movimentos de terrenos apontavam para riscos de instabilidade a que o seu estabelecimento estava exposto e que o interessado aceitara em pleno conhecimento de causa, o Tribunal Administrativo emitiu uma apreciação soberana. Considerando que o prejuízo resultante de uma situação a que o interessado se expusera conscientemente lhe não conferia o direito a reparação, o Tribunal não desrespeitou as regras que regem a responsabilidade das entidades públicas».

(61)  Ver, para mais pormenores, os considerandos 11 a 13 da decisão de início do procedimento.

(62)  JO C 155 de 20.6.2008, p. 10.

(63)  Ver secção 3.1.1.A da presente decisão.

(64)  Ver nota de rodapé 29.

(65)  Ver nota de rodapé 30.

(66)  Ver considerando 110 da decisão do Conselho Constitucional n.o 2001-448 de 25 de Julho de 2001: «Considerando que, uma vez que o artigo 61.o, com fundamento no artigo 34.o da Constituição, pôde prever a obrigação de autorizar na lei do orçamento, por um prazo de três anos, todas as garantias concedidas pelo Estado, a fim de garantir a clareza dos seus compromissos financeiros, a sanção de uma eventual inexistência de autorização não poderá ser a caducidade das garantias em causa; que, efectivamente, uma tal consequência seria de natureza a comprometer a igualdade face aos encargos públicos e, em caso de violação de especial gravidade, de violar o direito de propriedade; que decorre, de resto, dos trabalhos parlamentares que o artigo 61.o tem por objectivo assegurar que o Parlamento seja informado sobre as garantias concedidas pelo Estado, e não tornar caducas as que, tendo sido concedidas no passado, não foram autorizadas dentro dos prazos previstos; que nestas condições o artigo 61.o não é contrário à Constituição».

(67)  Considerando citado na nota anterior.

(68)  Acórdão do Tribunal de 26 de Junho de 2008, SIC/Comissão, T-442/03, Colectânea 2008, p. II-1161, pontos 124-127). Ver também a comunicação relativa às garantias.

(69)  Ver n.os 62 a 68 da nota das autoridades francesas de 23 de Janeiro de 2008.

(70)  Ver nota de rodapé 34.

(71)  Secção 4.1.1.A, alínea b), 3.o) da presente decisão.

(72)  Ver nota de rodapé n.o 39 da decisão de início do procedimento. A nota não é pública, mas foi referida no relatório de 1995.

(73)  Esta parte da nota foi divulgada publicamente pelos redactores do relatório de 1995 (p. 219).

(74)  Nota das autoridades francesas transmitida à Comissão em 9 de Setembro de 2008.

(75)  Ver ponto 5 do anexo a esta nota, em que são referidos actos diferentes como, por exemplo, «a carta ministerial ou qualquer outra base».

(76)  Recorde-se que a decisão de encerramento por insuficiência de activos, sem sanções, no termo de um processo de liquidação judicial comporta a proibição de o credor reabrir o processo: portanto, perde definitivamente o seu crédito.

(77)  Ver considerando 147 da presente decisão.

(78)  A formulação dos textos aplicáveis, a Lei de 16 de Julho 1980, o Decreto de 20 de Maio de 2008 que substitui o Decreto de 12 de Maio de 1981 e a circular de 16 de Outubro de 1989, foi recordada na secção da presente decisão relativa à descrição de medida.

(79)  Ver secção 3.1.1 B, alínea a), ponto 1, da presente decisão, que se refere por sua vez à secção IV, A, 1, p. 19-20, da carta de 23 de Janeiro de 2008 das autoridades francesas

(80)  Efectivamente e como o sublinha a perita da Comissão, na hipótese de os recursos do estabelecimento público serem insuficientes, as possibilidades de a autoridade de tutela resolver a situação são limitadas. Os recursos necessários podem provir, antes de mais nada, de recursos existentes afectados a outras despesas e desafectados para honrar a dívida. Em seguida, podem provir da cessão de bens ou do aumento das tarifas, se esses processos forem viáveis. O estabelecimento público pode também contrair um empréstimo. Porém, se essas possibilidades não forem viáveis, a única solução que resta será uma dotação do accionista Estado.

(81)  Na hipótese em que não exista uma exigência de continuidade de serviço público.

(82)  Relatório da perita, secção I.2.A.2.o, p. 18.

(83)  Artigo L. 620.o-1 do Código Comercial.

(84)  O artigo L. 640.o-1 do Código Comercial estipula que «é instituído um procedimento de liquidação judicial a mover contra todos os devedores referidos no artigo L. 640.o-2, em cessação de pagamentos e cuja recuperação é manifestamente impossível».

(85)  Os bens da La Poste foram desclassificados pela Lei de 11 de Dezembro de 2001, a chamada lei MURCEF. Contudo, essa lei estipula que «quando as condições de cessão ou de aquisição de um bem comprometem a boa execução pela La Poste das suas obrigações legislativas e regulamentares ou o cumprimento dos compromissos assumidos no âmbito do seu contrato de plano […], o Estado opõe-se à cessão ou à aquisição ou subordina a respectiva realização à condição de que não prejudiquem a boa execução das referidas obrigações».

(86)  As tarifas dos serviços do sector reservado são aprovadas pela ARCEP, a entidade reguladora postal. As tarifas do serviço universal são reguladas pela ARCEP.

(87)  Ver secção 4.1.1.A, alínea b), ponto 3, da presente decisão.

(88)  Ver n.os 112 e 113 da nota transmitida pelas autoridades francesas em 23 de Janeiro de 2008.

(89)  Ver secção 4.1.1.A., alínea b), ponto 3, da presente decisão.

(90)  Segundo a entidade reguladora francesa (ARCEP), a regulamentação abrange as actividades dos serviços postais, que incluem a recolha, triagem, transporte e entrega dos envios de correspondência no âmbito das distribuições regulares. São excluídos: a distribuição de publicidade não endereçada, a distribuição de encomendas ao domicílio e o transporte expresso.

(91)  Ver apresentação estratégica do projecto anual de desempenho.

(92)  Para informações mais pormenorizadas sobre a posição das autoridades francesas, ver nomeadamente a secção 3.1.1.B., alínea a), ponto 2, da presente decisão.

(93)  Tribunal Administrativo de Recurso, Lyon, 6 de Junho de 1996, Société fermière de Campoloro, n.o 95LY00935.

(94)  P. Bon, citado na nota de rodapé 37.

(95)  Veja a nota de rodapé 37.

(96)  Veja a nota de rodapé 34.

(97)  N.o 57516/00.

(98)  Série A, n.o 37.

(99)  Ver nota transmitida em 27 de Outubro de 2009.

(100)  Conselho de Estado, 29 de Dezembro de 2004, Societé d’aménagement des coteaux de Saint-Blaine, n.o 257804: a indemnização pelas servidões de utilidade pública é possível quando o proprietário suporta um encargo especial e exorbitante, desproporcionado em relação ao objectivo de interesse geral prosseguido.

Tribunal Administrativo de Recurso, Bordéus, 14 de Outubro de 2003, M. e Mme Claude X., n.o 99BX01530: a interrupção da circulação automóvel em estradas municipais danificadas por um deslizamento de terras pode causar um prejuízo anormal e especial ao proprietário que fica isolado. O juiz administrativo considera, nomeadamente, que a duração do prejuízo (a circulação foi interrompida durante 7 meses, o tempo necessário para efectuar as obras) confere a esse prejuízo um carácter anormal e especial que vai além dos encargos que os dois utentes da via pública deveriam normalmente suportar, devendo, portanto, ser objecto de indemnização.

Tribunal Administrativo, Montpellier, 23 de Junho de 1999, M. Van der Velden, n.o 97-03716: o encerramento definitivo de um parque de campismo, devido a um grave risco de inundação, causou ao proprietário um prejuízo anormal e especial, de natureza a conferir-lhe o direito a reparação, na medida em que esse encerramento provocou a cessação da única actividade profissional do interessado e a perda total do seu estabelecimento comercial.

(101)  O conceito de erro legítimo de natureza a produzir efeitos jurídicos está associado à teoria da aparência. Segundo o vocabulário jurídico Cornu, a aparência é «o aspecto resultante, intencionalmente ou não, de um conjunto de sinais exteriores através do qual se manifestam normalmente um estado, uma função (qualidade de mandatário, herdeiro, proprietário, etc.), e que levam a crer que a pessoa que apresenta esses sinais tem realmente esse estado ou essa função». A teoria da aparência é uma «teoria do tribunal segundo a qual a aparência é suficiente para produzir efeitos junto de terceiros que, em consequência de um erro legítimo, ignoraram a realidade». A teoria da aparência é utilizada em jurisprudência, estando inclusive na origem de soluções muito célebres (TEDH, 7 de Junho de 2001, Kress). É aplicada em direito privado quando é necessário que um contrato em que uma das partes se fiou legitimamente numa simples aparência produza efeitos jurídicos. Pode ser também citado o exemplo do domicílio aparente ou, em direito público, o dos «fonctionnaires de fait» (funcionários sem competências legais) cujas decisões são susceptíveis de serem consideradas válidas. Tem a vantagem de facilitar a demonstração da existência de um atributo jurídico ou de um efeito jurídico, quando essa existência não é expressa e explicitamente afirmada em nenhum texto.

(102)  Distinção estabelecida com base na tese de S. Carpi-Petit, Les successions en droit administratif, PUR, 2006.

(103)  Como decorre do decreto de 15 de Julho de 2002 (JORF de 23 de Julho de 2002) que fixa as modalidades de liquidação da universidade temática de Agen, cujo artigo 1.o estipula que o síndico está encarregado «de propor ao ministro responsável pelo ensino superior a repartição entre as universidades de Bordéus I e Bordéus IV dos bens, dos créditos, das dívidas e do saldo remanescente das contas de liquidação após o termo do período de liquidação».

(104)  

Decreto n.o 53-404 de 11 de Maio de 1953 relativo à liquidação da Caisse de compensation pour la décentralisation de l’industrie aéronautique, JORF de 12 de Maio de 1953, artigo 3.o: «nos termos do artigo 7.o do supracitado decreto de 24 de Maio de 1938, as instalações e os equipamentos pertencentes à caixa, bem como os montantes disponíveis após o apuramento do passivo, reverterão para o Estado» (neste caso, é evidente que o saldo é positivo).

Decreto n.o 75-926 de 6 de Outubro de 1975 relativo à supressão da Bourse d’échanges de logements, artigo 2.o: «as operações de pagamento de dívidas, de recuperação de créditos e de liquidação dos bens da Bourse d’échanges de logements, bem como, se for caso disso, as acções judiciais que lhe dizem respeito, na qualidade de recorrente ou recorrida, serão da competência do Ministro da Economia e das Finanças. As escrituras serão transferidas para uma conta especial do Tesouro 904.14 intitulada “Liquidação de estabelecimentos públicos do Estado, de organismos para-administrativos ou profissionais e liquidações diversas”».

Decreto n.o 81-1009 de 12 de Novembro de 1981 relativo à supressão do Institut Auguste Comte pour l’étude des sciences et de l’action: o eventual remanescente da liquidação reverte para o Estado.

Decreto n.o 83-1185 de 27 de Dezembro de 1983 relativo à dissolução do estabelecimento público responsável pelo ordenamento da cidade nova de Lille-Est: «o activo e o passivo do estabelecimento público de ordenamento da cidade nova de Lille-Est são transferidos nesta data para a autarquia de Lille, nas condições estabelecidas na supramencionada convenção de 5 de Dezembro de 1983, à excepção dos bens enumerados no anexo do presente decreto, que são transferidos para o Institut de recherche des transports».

Decreto n.o 83-1263 de 30 de Dezembro de 1983 relativo à dissolução do Service national d’examen des permis de conduire: «as operações são transferidas para a conta especial do Tesouro “Liquidação de estabelecimentos públicos”».

Decreto n.o 87-590 de 30 de Junho de 1987 que estabelece as condições de liquidação do Centre mondial informatique et ressources humaines, artigo 1.o: «a partir de 1 de Julho de 1987, data de dissolução do Centre mondial informatique et ressources humaines (CMIRH), os bens móveis, bem como os direitos e obrigações deste organismo revertem para o Estado».

Decreto de 17 de Novembro de 1987 relativo à dissolução do Centre d’étude des systèmes et des technologies avancées (JORF de 18 de Novembro de 1987) e Decreto n.o 87-1167 de 31 de Dezembro de 1987 que estabelece as condições de liquidação, artigo 1.o: «os bens, direitos e obrigações do Centre d’études des systèmes et technologies avancées (CESTA) revertem para o Estado a partir de 1 de Janeiro de 1988, data de dissolução deste organismo».

Decreto de 28 de Setembro de 1988 que estabelece as condições de conclusão do processo de liquidação da Agence de l’informatique (JORF de 23 de Dezembro de 1988): as operações de liquidação são asseguradas pelo Ministro da Indústria e do Ordenamento do Território.

Decreto n.o 93-775 de 26 de Março de 1993 relativo à supressão do estabelecimento público denominado «Musée de la Poste» (JORF de 30 de Março de 1993): transferência dos direitos e obrigações para a La Poste.

Decreto de 26 de Dezembro de 1996 relativo à dissolução do estabelecimento público Caisse française des matières premières (JORF de 29 de Dezembro de 2006): «os bens, direitos e obrigações deste estabelecimento são transferidos para o Estado».

Decreto n.o 97-882 de 26 de Setembro de 1997 relativo à liquidação do estabelecimento público Centre de conférences international de Paris: o saldo da liquidação reverte para o Estado.

Decreto n.o 99-1151 de 29 de Dezembro de 1999 relativo à dissolução do estabelecimento público Museu Nacional da Legião de Honra, artigo 2.o: «as missões, assim como os bens, direitos e obrigações deste estabelecimento público são transferidos a partir da mesma data para a Ordem Nacional da Legião de Honra».

Decreto n.o 2000-1126 de 22 de Novembro de 2000 relativo à devolução do saldo de liquidação do Estabelecimento público de ordenamento da cidade nova de Vaudreuil: o saldo é transferido para o orçamento do Estado e o artigo 2.o especifica que «os direitos e obrigações decorrentes da actividade do organismo ou existentes no período de liquidação e desconhecidos no fim do período de liquidação são transferidos para o Estado».

Decreto n.o 2001-1383 de 31 de Dezembro de 2001 relativo à dissolução do estabelecimento público responsável pelo ordenamento das margens do lago de Berre: o artigo 6.o prevê que um decreto determinará a transferência para o Estado dos elementos do activo e do passivo remanescentes à data de encerramento da conta de liquidação, bem como dos direitos e obrigações decorrentes da actividade do organismo ou existentes no período de liquidação e desconhecidos no fim do período de liquidação. O Decreto n.o 2004-234 de 17 de Março de 2004 que estabelece diversas disposições relativas à liquidação do estabelecimento público responsável pelo ordenamento das margens do lago de Berre transfere para o Estado os «contentieux nés de l’activité» (contenciosos decorrentes da actividade).

Decreto de 29 de Abril de 2004 relativo à dissolução do sindicato misto de desenvolvimento da zona industrial e portuária de Eure-Calvados (JORF de 6 de Maio de 2004), artigo 4.o: «os encargos existentes à data de liquidação do sindicato misto são repartidos entre os seus membros, em conformidade com os seus estatutos».

(105)  S. Carpi-Petit, Les successions en droit administratif, PUR, 2006.

(106)  

Decreto de 24 de Fevereiro de 2004 relativo à dissolução das Houillères de bassin du centre et du Midi (JORF de 28 de Fevereiro de 2004): transferência das actividades, bens, direitos e obrigações para a empresa Charbonnages de France.

Portaria n.o 59-80 de 7 de Janeiro de 1959 relativa à reorganização dos monopólios fiscais do tabaco e dos fósforos: criação do estabelecimento público SEITA, com dotação.

Decreto n.o 65-116 de 17 de Dezembro de 1965 relativo ao grupo Régie autonome des pétroles e Bureau de recherches du pétrole: «todos os bens, direitos e obrigações da Régie autonome des pétroles e do Bureau de recherches de pétrole são transferidos de pleno direito para a Entreprise de recherches et d’activités pétrolières».

Decreto n.o 67-796 relativo ao grupo Mines domaniales de potasse d’Alsace e Office national industriel de l’Azote, artigo 2.o: «todos os bens, direitos e obrigações das Mines domaniales de potasse d’Alsace e do Office national industriel de l’azote são transferidos de pleno direito para a Entreprise minière et chimique».

Decreto n.o 68-369 de 16 de Abril de 1968 relativo à fusão das bacias carboníferas do Centro e do Sul: «todos os bens, direitos e obrigações das bacias carboníferas assim suprimidas serão transferidas para a Houillères du bassin du centre et du midi».

Decreto n.o 69-69 de 24 de Janeiro de 1969 relativo à transferência para a ORTF: «a partir de 1 de Janeiro de 1969, os bens mobiliários e imobiliários, direitos e obrigações do Office de coopération radiophonique são transferidos para a ORTF».

Decreto n.o 93-1176 de 13 de Outubro de 1993 relativo à dissolução do Estabelecimento Público da Ópera da Bastilha, artigo 2.o: «os bens, direitos e obrigações do Estabelecimento Público da Ópera da Bastilha são transferidos para o Estabelecimento Público do Parque de La Villette».

Decreto n.o 2000-1294 de 26 de Dezembro de 2000 relativo à dissolução do estabelecimento público responsável pelo ordenamento da cidade nova de Evry e transferência dos seus direitos e obrigações para a Agence foncière et technique de la région parisienne, artigo 2.o: «o activo e o passivo do estabelecimento público responsável pelo ordenamento da cidade nova de Evry são transferidos nesta data para a Agence foncière et technique de la région parisienne» [] «[a agência] assume todos os direitos e obrigações associados à actividade exercida pelo estabelecimento público».

Decreto n.o 2004-103 de 30 de Janeiro de 2004 relativo à UbiFrance, agência francesa para o desenvolvimento internacional das empresas: «transferência para a UbiFrance […] dos direitos, obrigações, bens imobiliários e mobiliários do Centre français du commerce extérieur».

Lei n.o 2004-105 de 3 de Fevereiro de 2004 que cria a Agence nationale pour la garantie des droits des mineurs, artigo 6.o: «Sob reserva da dissolução, por deliberação da sua assembleia geral, da associação denominada“Association nationale de gestion des retraités des Charbonnages de France et des Houillères de bassin ainsi que de leurs ayants droit”, os bens, direitos e obrigações desta associação serão transferidos para a Agence nationale pour la garantie des droits des mineurs».

Decreto n.o 2004-186 de 26 de Fevereiro de 2004 que cria a Universidade de Ciências das Organizações e da Decisão de Paris-Dauphine: «os bens, direitos e obrigações da Universidade de Paris IX serão transferidos para a Universidade de Paris-Dauphine».

(107)  

Lei n.o 80-495 de 2 Julho 1980 que altera o estatuto do Service d’exploitation industriel des tabacs et allumettes: artigo 2.o«o património do estabelecimento de carácter industrial e comercial denominado“Service d’exploitation industriel des tabacs et allumettes»é conferido à sociedade criada pela presente lei, segundo as modalidades fixadas pela autoridade competente».

Ver também o Decreto n.o 80-1025 de 19 de Dezembro de 1980 relativo à transferência dos bens, direitos e obrigações da Caisse nationale des marchés de l’Etat, des collectivités et établissements publics para a sociedade denominada CEPME.

Lei n.o 88-50 de 18 de Janeiro de 1988 relativa à mutualização da Caisse nationale de crédit agricole, artigo 1.o: «O património da Caisse nationale de crédit agricole e o do Fonds commun de garantie reverte para a sociedade prevista no 1.o parágrafo supra, titular de todos os direitos e obrigações da Caisse nationale e do Fonds de garantie, com as garantias e seguranças associadas».

Decreto de 19 de Abril de 1989 que autoriza o Centre d’études des systèmes d’information des administrations a transferir todos os seus bens, direitos e obrigações para uma sociedade anónima denominada Cesia e que dissolve esse organismo.

Lei n.o 92-665 de 16 de Julho de 1992 relativa à adaptação ao mercado único europeu da legislação aplicável em matéria de seguros e de crédito: transferência para uma sociedade anónima de todos os bens, direitos e obrigações do EPIC Caisse nationale de prévoyance.

Decreto n.o 2001-1213 de 19 de Dezembro de 2001 que autoriza o estabelecimento público do Estado denominado «Agence pour la diffusion de l’information technologique» a transferir o seu património para uma sociedade anónima com a mesma denominação, dissolve este estabelecimento público e autoriza a transferência desta sociedade para o sector privado.

(108)  Cite-se, por exemplo, a operação de supressão da Caisse nationale des marchés de l’Etat, des collectivités et établissements publics: o Decreto n.o 80-1025 de 19 de Dezembro de 1980 estipula que os bens, direitos e obrigações do estabelecimento público são transferidos para uma sociedade anónima (CEPME) e o estabelecimento público em troca recebe acções. Em seguida, através do Decreto n.o 80-1076 de 23 de Dezembro de 1980, o estabelecimento público é suprimido e o seu património reverte para o Estado. É utilizado o mesmo mecanismo para efeitos de supressão da Agence pour la diffusion de l’information technologique (Decreto n.o 2001-1213 de 19 de Dezembro de 2001).

(109)  «Etablissements publics», J-cl. admi. fasc. 135, 2007.

(110)  Por exemplo, Lei n.o 80-495 de 2 de Julho de 1980 relativa à transformação do Service d’exploitation des tabacs et allumettes em sociedade nacional; Lei n.o 96-660 de 26 de Julho de 1996 relativa à empresa nacional France Télécom, artigo 1.o: «A pessoa colectiva de direito público France Télécom referida no artigo 1.o é transformada a partir de 31 de Dezembro de 1996 numa empresa nacional denominada France Télécom, de que o Estado detém directamente mais de metade do capital social»;«Os bens, direitos e obrigações da pessoa colectiva de direito público France Télécom são transferidos de pleno direito, em 31 de Dezembro de 1996, para a empresa nacional France Télécom». Este procedimento é evidentemente o único possível, uma vez que se trata de um serviço de Estado que dispõe de um orçamento anexo e que é «transformado» numa sociedade de direito privado. Lei n.o 93-1419 de 31 de Dezembro de 1993 relativa à Imprimerie Nationale, artigo 1.o: «Todos os direitos, bens e obrigações do Estado associados às missões dos serviços que dependem do orçamento anexo da Imprimerie Nationale são transferidos para uma sociedade nacional denominada“Imprimerie Nationale”»; mais recentemente, o artigo 78.o da Lei do orçamento rectificativo de 2001, n.o 2001-1276 de 28 de Dezembro de 2001, que transforma o serviço de competência nacional DCN em sociedade anónima, conferindo-lhe os direitos, bens e obrigações do Estado relacionados com o serviço.

(111)  Procedeu-se da mesma forma em relação aos ADP, através da Lei n.o 2005-357 de 20 de Abril de 2005, relativa aos aeroportos, artigo 1.o: «O estabelecimento público Aéroports de Paris é transformado em sociedade anónima. Esta transformação não implica a criação de uma nova pessoa colectiva ou consequências para o regime jurídico a que o pessoal está sujeito».

(112)  G. Cornu, Vocabulaire juridique, PUF.

(113)  S. Carpi-Petit, ver Les successions en droit administratif, supracitado, p. 207.

(114)  Ver nota de rodapé 61.

(115)  Acórdão do Tribunal, EPAC/Comissão, processos apensos T-204/97 e T-270/97, Colectânea 2000, p. II-2267, pontos 80 e 81.

(116)  A notação financeira é uma etapa obrigatória do financiamento das empresas nos mercados de capitais, sendo também utilizada como referência para os empréstimos bancários. Ver a este propósito a nota da página 46 da decisão de início do procedimento.

(117)  A Standard & Poor’s e a Fitch, duas das principais agências de notação a nível mundial.

(118)  Extraído de «International Postal Entities: Influence of government support on ratings», Standard and Poor’s, 22 de Novembro de 2004: «La Poste’s legal status, which ensures a last-recourse sovereign guarantee, confers the ultimate statutory guarantee of the Republic of France on its obligations».

(119)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «In 1991, LP — previously part of the government bureaucracy — became an independent publicly owned entity with EP status, which ensures LP an ultimate state guarantee on its obligations, but not a timely and explicit guarantee as reflected by the rating differentiation between LP and the Republic of France».

(120)  Ver ponto 1.2, segundo e quarto travessões, da Comunicação relativa às garantias.

(121)  Ver artigo «Fitch confirme la note “AA” attribuée à La Poste», Fitch Ratings, Paris/Londres, 4 de Setembro de 2009.

(122)  Ver considerando 2 da presente decisão.

(123)  Extraído de «International Postal Entities: Influence of government support on ratings». Standard and Poor’s, 22 de Novembro de 2004: «Category 2: notching down with respect to the state owner’s ratings. The second category includes those entities that, while autonomous in their operations, are largely public-policy-based institutions, still in receipt of substantial direct or indirect financial backing from the State. There is, however, a high level of uncertainty surrounding the level and/or timeliness of this state support. A top-down approach that assumes notching down from the sovereign rating by up to two categories (six notches) applies to such postal entities. La Poste and Poste Italiane currently fall within this category».

(124)  Extraído de «International Postal Entities: Influence of government support on ratings». Standard and Poor’s, 22 de Novembro de 2004: «Unlike the credit quality of companies that operate in a commercial manner at arm’s length from the government, like SingPost, Deutsche Post or TPG, a major factor underpinning La Poste’s robust credit quality is its extremely strong State support. La Poste’s legal status confers the ultimate statutory guarantee of the Republic of France (AAAA/Stable/A–1+) on its obligations».

(125)  A última descida da notação da La Poste teve lugar em 21 de Janeiro de 2009, pouco tempo depois de o Presidente da República Francesa ter anunciado a transformação da La Poste em sociedade anónima: a notação da La Poste desceu para A+, o que confirma mais uma vez que, em igualdade de circunstâncias, o estatuto de entidade pública da La Poste tem efectivamente uma influência importante na notação.

(126)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «S & P continues to follow a top-down rating methodology for La Poste — which allows for a governement supported entity to be rated by up to two categories below the sovereign- as we expect the French state to remain La Poste’s 100 % shareholder in the medium term. The ratings nevertheless already factor in the long-term likelihood of a change in the group’s capital structure, which would require a change in its current “établissement public” legal status and result in the loss of the state’s ultimate guarantee on LP’s financial obligations, the elimination of which was recently recommended by the European Commission».

(127)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «The EC recently recommended that the French government end this guarantee by year-end 2008, which they believe provides La Poste with more favorable financing conditions than its competitors in a market in the process of being liberalized. The ratings on La Poste were unaffected by this recommendation since we consider that a change in La Poste’s status would not necessarily reflect a decrease in the strong state support that underpins La Poste’s ratings and that has been reaffirmed by recent government decisions».

(128)  Extraído de ADP news de 21 de Janeiro de 2009: «S & P lowers ratings on La Poste with negative outlook» … «The announced legal status and ownership change will give the company a greater autonomy from the government, which is why its rating has a four-notch differential with the rating on the Republic of France, rated AAA/A–1+ with a “stable” outlook. S & P’s “negative” outlook reflects concerns that the changes in the company’s legal status and ownership, likely to take place in the next two years as part of a capital hike, could pressure the ratings. These initiatives could limit the government’s ability to provide the postal operator with exceptional support without improving its standalone profile in the short term, as the capital hike should not decrease La Poste’s debt relative to its cash generation».

(129)  Ver ponto 197 das observações transmitidas pela França em 23 de Janeiro de 2008.

(130)  «Rating Government-Related Entities: A Primer», Standard and Poor’s, 14 de Junho de 2006.

(131)  Ver também «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «The entities’ credit standing is linked to that of the government, but ratings can be notched down from those on the State by up to two categories as the financial links between these companies and the state may be increasingly subject to change in the medium or long term» (A notação de crédito das entidades está relacionada com a do Governo, mas as notações podem baixar duas categorias, na medida em que as ligações financeiras entre a empresa em causa e o Estado podem evoluir a médio ou longo prazo).

(132)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «In 1991, La Poste became an independent publicly owned entity with Etablissement Public status, which ensures La Poste an ultimate State guarantee on its obligations, but not a timely and explicit guarantee as reflected by the rating differentiation between La Poste and the Republic of France».

(133)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «The EC recently recommended that the French government end this guarantee by year-end 2008, which they believe provides La Poste with more favorable financing conditions than its competitors in a market in the process of being liberalized. The ratings on La Poste were unaffected by this recommendation since we consider that a change in La Poste’s status would not necessarily reflect a decrease in the strong state support that underpins La Poste’s ratings and that has been reaffirmed by recent government decisions».

(134)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «A change in the group’s ownership structure would lead Standard and Poor’s to shift to a bottom-up rating approach, focusing more on La Poste’s stand-alone business and financial profiles. This rating approach may not necessarily translate into rating changes given the expected improvement in La Poste’s stand-alone situation in the coming years» (Uma alteração da estrutura de propriedade do grupo levaria a Standard and Poor’s a adoptar uma abordagem de notação bottom-up, mais centrada no perfil comercial e financeiro da La Poste. Esta abordagem de notação não se traduziria necessariamente numa alteração da notação, atendendo à melhoria prevista da situação intrínseca da La Poste nos próximos anos).

(135)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «The ratings on La Poste could be downgraded, however, if state backing for the company were to weaken» (Contudo, as notações da La Poste poderão baixar, se o apoio do Estado a esta empresa se reduzir).

(136)  Ver secção 3.2.1.D da presente decisão e parte V.4 das observações apresentadas pelas autoridades francesas em 23 de Janeiro de 2008.

(137)  Parte V 4 a) das observações transmitidas pela França em 23 de Janeiro de 2008.

(138)  Ver ponto 186 das observações transmitidas pela França em 23 de Janeiro de 2003.

(139)  Ver quadro 1 de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007.

(140)  Extraído de «International Postal Entities: Influence of government support on ratings», Standard and Poor’s, 22 de Novembro de 2004: «Unlike the credit quality of companies that operate in a commercial manner at arm’s length from the government, like SingPost, Deutsche Post or TPG, a major factor underpinning La Poste’s robust credit quality is its extremely strong State support. La Poste’s legal status confers the ultimate statutory guarantee of the Republic of France (AAAA/Stable/A–1+) on its obligations».

(141)  Ver ponto 196 das observações transmitidas pela França em 23 de Janeiro de 2008.

(142)  Ver pontos 198-200 das observações transmitidas pela França em 23 de Janeiro de 2008.

(143)  «International Postal Entities: Influence of government support on ratings», Standard and Poor’s, 22 de Novembro de 2004.

(144)  Extraído de «Ratings direct» sobre a La Poste, S & P, 3 de Abril de 2007: «The ratings nevertheless already factor in the long-term likelihood of a change in the group’s capital structure, which would require a change in its current “établissement public” legal status and result in the loss of the state’s ultimate guarantee on LP’s financial obligations, the elimination of which was recently recommended by the European Commission». Um dos pontos fracos identificados na La Poste é o seguinte: «Likely capital structure change at company or bank level in the long term».

(145)  O mid swap é a mediana entre a taxa oferecida (offer) e proposta (bid) pelos bancos num determinado momento para as suas trocas (tomadas e cedências de fundos) por maturidade, correspondendo à taxa fixa à qual um banco está disposto a trocar (emprestar ou pedir emprestado) dinheiro, recebendo em troca uma taxa variável, regra geral a Euribor a 6 meses. Esta taxa constitui a taxa de referência de mercado para as emissões obrigacionistas, nomeadamente.

(146)  Acórdão do Tribunal de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, «Boussac», C-301/87, Colectânea 1990, p. I-307, ponto 33.

(147)  Acórdão do Tribunal de 11 de Março de 2009, TF1/Comissão, T-354/05, Colectânea 2009, p. II-113, pontos 166 e 167.

(148)  Nomeadamente na sua Decisão EDF [ponto 57 da Decisão 2005/145/CE da Comissão, de 16 de Dezembro de 2003, relativa aos auxílios estatais concedidos pela França à EDF e ao sector industrial da electricidade e do gás (JO L 49 de 22.2.2005, p. 9)], a Comissão considerou que «a impossibilidade de a EDF ser sujeita a um procedimento de recuperação ou de liquidação judiciárias e, por conseguinte, de falência, equivale a uma garantia geral sobre o conjunto dos compromissos da empresa. Tal garantia não pode ser objecto de qualquer remuneração de acordo com as regras do mercado. Esta garantia, cuja cobertura é ilimitada no tempo e em termos de montante, constitui um auxílio estatal».

(149)  Ver Comunicação relativa às garantias, ponto 2.1, terceiro parágrafo.

(150)  JO L 15 de 21.1.1998, p. 14.

(151)  Ver, por exemplo, a Decisão 2005/145/CE.

(152)  Ver, nomeadamente, o ponto 1.5 da Comunicação relativa às garantias, que confirma o princípio da neutralidade, bem como o ponto 1.2, que explica que uma garantia estatal pode decorrer do simples facto da forma jurídica (segundo e quarto travessões deste ponto).

(153)  Processo E 10/2000, «Anstaltslast und Gewährträgerhaftung», ponto 5 da proposta de medidas úteis de 8 de Maio de 2001. Pode ser consultado no sítio Internet da Comissão: http://ec.europa.eu/community_law/state_aids/comp-2000/e010-00-1.pdf

(154)  Ver a Decisão 2005/145/CE.