12.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

L 327/21


DECISÃO DA COMISSÃO

de 13 de Julho de 2009

relativa à reforma das modalidades de financiamento do regime de pensões da RATP [auxílio C 42/07 (ex N 428/06)] a que a França tenciona proceder em benefício da RATP

[notificada com o número C(2009) 5505]

(Apenas faz fé o texto em língua francesa)

(Texto relevante para efeitos do EEE)

(2009/945/CE)

A COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia, nomeadamente o artigo 88.o, n.o 2, primeiro parágrafo,

Tendo em conta o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, nomeadamente o artigo 62.o, n.o 1, alínea a),

Após ter convidado os interessados a apresentarem as suas observações, em conformidade com os referidos artigos (1), e tendo em conta essas observações,

Considerando o seguinte:

1.   PROCEDIMENTO

(1)

Por carta de 29 de Junho de 2006, a França notificou à Comissão a reforma das modalidades de financiamento do regime de pensões da RATP. As autoridades francesas prestaram informações complementares à Comissão por cartas de 29 de Setembro de 2006, 15 de Dezembro de 2006 e 4 de Abril de 2007.

(2)

Por carta de 6 Outubro de 2007, a Comissão informou a França da sua decisão de iniciar o procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, do Tratado CE relativamente à medida notificada.

(3)

A decisão de iniciar o procedimento foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 15 de Janeiro de 2008 (2).

(4)

As autoridades francesas apresentaram as suas observações por carta de 22 de Janeiro de 2008.

(5)

Em 19 de Fevereiro de 2008, a Comissão recebeu observações de uma parte interessada e transmitiu-as às autoridades francesas, convidando-as a comentá-las. As autoridades francesas transmitiram os seus comentários por carta de 3 de Abril de 2008.

(6)

Em 23 de Abril de 2008, as autoridades francesas informaram a Comissão de que haviam iniciado, no Outono de 2007, a reforma dos regimes especiais de pensões das empresas públicas, nomeadamente o regime de pensões do pessoal da RATP.

(7)

Em 6 de Janeiro de 2009, a Comissão solicitou informações complementares às autoridades francesas, que responderam em 3 de Março de 2009.

2.   DESCRIÇÃO DO BENEFICIÁRIO

(8)

A Régie Autonome des Transports Parisiens (RATP) é uma empresa pública francesa, em que o Estado francês detém 100 % do capital. Foi criada pela lei n.o 48-506, de 21 de Março de 1948, relativa à reorganização e à coordenação dos transportes de passageiros na região parisiense (3) e tem por objecto social a exploração das redes e das linhas de transporte colectivo (4).

(9)

A lei confinou as actividades da RATP aos transportes colectivos na região parisiense. Em virtude do artigo 7.o da lei n.o 48-506, de 21 de Março de 1948, a RATP é responsável pela exploração das redes de transportes colectivos da cidade de Paris e do departamento do Sena, bem como das linhas de Seine-et-Oise e Seine-et-Marne anteriormente concessionadas ou arrendadas à Compagnie du chemin de fer métropolitain e à Société des transports en commun de la région parisienne. Esta situação foi confirmada pela portaria n.o 59-151 de 7 de Janeiro de 1959.

(10)

A RATP tem, no entanto, a possibilidade de oferecer serviços fora da Ile-de-France através de filiais (5). As filiais da RATP, que são sociedades anónimas, estão actualmente agrupadas em três grandes pólos, que empregam cerca de 2 050 pessoas, 170 das quais destacadas pela empresa-mãe:

o pólo «transporte», liderado pela RATP Développement SA, cujo volume de negócios consolidado no exercício de 2005 se elevava a 57 milhões de EUR, dos quais 4,7 milhões respeitavam ao segmento internacional e 3,1 milhões ao segmento «regiões» (França, excluindo Ile-de-France);

o pólo «engenharia», liderado pela RATP Internacional SA, cujo volume de negócios consolidado ascendia em 2005 a 86 milhões de EUR e cuja actividade respeita principalmente (quase 80 %) ao segmento internacional, sendo a actividade em França exercida principalmente fora da Ile-de-France;

o pólo «valorização dos espaços», que agrupa essencialmente filiais incumbidas da promoção imobiliária (nos terrenos geridos pela RATP), da valorização dos espaços comerciais nas estações de metro e das telecomunicações, e cujo volume de negócios consolidado ascendia em 2005 a 33 milhões de EUR, exclusivamente na Ile-de-France.

(11)

O grupo RATP emprega cerca de 46 050 pessoas, 44 000 das quais enquanto funcionários «estatutários», trabalhando o pessoal remanescente, ou seja, 2 050 pessoas, nas filiais da RATP.

(12)

As condições de trabalho dos funcionários estatutários são fixadas por via regulamentar no estatuto dos funcionários da RATP (6). Para as 2 050 pessoas empregadas nas filiais da RATP, as condições de trabalho são fixadas por convenção colectiva, não estando, portanto, subordinadas ao estatuto dos funcionários da RATP.

3.   DESCRIÇÃO DO MERCADO DOS TRANSPORTES COLECTIVOS NA ILE-DE-FRANCE

(13)

O mercado dos transportes colectivos na Ile-de-France não está ainda aberto à concorrência. As licenças de exploração dos transportes colectivos foram atribuídas pelo procedimento previsto no decreto n.o 59-157, de 7 de Janeiro de 1959, relativo à organização dos transportes de passageiros na região de Ile-de-France (7), que repartiu este mercado entre a RATP e o grande número de pequenos operadores privados históricos presentes na época naquela região.

(14)

À parte a RATP, uma centena de empresas presta serviços de transporte colectivo na Ile-de-France. Trata-se da SNCF e dos operadores privados agrupados na associação OPTILE (cerca de 95 empresas, três das quais são grandes operadores de transporte rodoviário de passageiros: Veolia Transport, Keolis e Transdev).

(15)

O Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (8) [«o Regulamento (CE) n.o 1370/2007»] prevê a abertura gradual do mercado dos transportes colectivos. O regulamento entra em vigor em 3 de Dezembro de 2009, conforme prevê o seu artigo 12.o

4.   PRESTAÇÕES DO REGIME ESPECIAL DE PENSÕES DOS FUNCIONÁRIOS DA RATP ANTES E DEPOIS DA REFORMA NOTIFICADA

(16)

O regime de pensões da RATP é estabelecido pelo artigo 31.o da lei n.o 48-506, de 21 de Março de 1948, supramencionada, complementado pelo decreto n.o 59-1091, de 23 de Setembro de 1959, que estabelece o estatuto da RATP (9).

(17)

O regime de pensões dos funcionários da RATP é um regime especial na acepção dos artigos L. 711-1 e R. 711-1 do Código da Segurança Social, com regalias próprias que o diferenciam dos regimes de direito comum. Trata-se de um regime regulamentar, ou seja, estabelecido pelo Estado por via administrativa. Além disso, a evolução dos parâmetros, contribuições e prestações depende de disposições regulamentares.

(18)

Até 15 de Janeiro de 2008, as principais características do regime especial de pensões dos funcionários da RATP que o diferenciavam dos regimes de direito comum respeitavam ao modo de cálculo do direito à pensão e de pagamento das pensões.

(19)

Nos regimes de pensões de direito comum, o montante da pensão é calculado com base no salário médio auferido na totalidade ou parte da carreira. O montante é igualmente em função do período de descontos ou da idade, aplicando-se um abatimento ou um acréscimo quando os valores fixados segundo estes dois critérios não são atingidos ou excedidos. Assim, no regime geral, a pensão é calculada com base no salário médio (prémios incluídos) dos 25 melhores anos de carreira (no limite de um salário anual máximo), sendo a taxa aplicável a este salário de 50 % (taxa plena) se o beneficiário tiver comprovadamente descontado durante pelo menos 40 anos.

(20)

Em contrapartida, o regime de pensões da RATP previa que os funcionários estatutários tinham direito, por cada ano de descontos, a 2 % do salário de base, prémios excluídos, auferido nos últimos seis meses de actividade, no limite de 37,5 anuidades. Por conseguinte, após 37,5 anos de trabalho, um funcionário da RATP recebia uma pensão correspondente a 75 % do seu último salário, prémios excluídos, ou seja, perto de 64,5 % do último salário, prémios incluídos.

(21)

Os princípios fundamentais da reforma estabelecida pela lei de 21 de Agosto de 2003 (10) para a quase totalidade dos regimes de pensões de base franceses foram alargados ao regime especial de pensões da RATP pelos decretos 2008-48, de 15 de Janeiro de 2008 (11), 2008-637, de 30 de Junho de 2008 (12), e 2008-1514, de 30 de Dezembro de 2008 (13). Um dos objectivos desta reforma é alinhar os regimes especiais pelas normas de direito comum dos regimes de base dos assalariados do sector privado e dos funcionários públicos. No caso do regime especial da RATP, o período de descontos necessário para a reforma por inteiro é progressivamente aumentado por forma a perfazer 40 anuidades em 2012, sendo em seguida acrescido, a 1 de Julho, de um trimestre por ano decorrido até atingir a duração requerida no regime geral e no regime da função pública (o período de 41 anos aplicável em 2012 ao regime geral e ao regime da função pública seria assim atingido em 2016 no regime especial).

5.   FINANCIAMENTO DO REGIME DE PENSÕES DOS FUNCIONÁRIOS DA RATP ANTES E DEPOIS DA REFORMA NOTIFICADA

(22)

O regime de pensões dos funcionários da RATP é um regime de repartição no qual as contribuições pagas pelos trabalhadores no activo a título de seguro de velhice são imediatamente utilizadas para pagar as pensões dos reformados (14).

(23)

Até 31 de Dezembro de 2005, a RATP era legalmente responsável pelo pagamento das pensões a título do regime especial. Em virtude do artigo 20.o da lei de 1948 supracitada, incumbia à RATP assegurar o equilíbrio financeiro do seu regime especial de pensões.

(24)

A gestão deste regime especial era assegurada pelo serviço de pensões da RATP, que fazia parte da pessoa colectiva RATP. Este serviço cobrava as contribuições dos funcionários da RATP no activo, e da própria RATP enquanto empregador, e pagava as pensões aos beneficiários do regime. As taxas das contribuições (7,85 % para os trabalhadores e 15,34 % para o empregador) eram inferiores às taxas do regime comum (respectivamente 12 % e 18 %).

(25)

O regime de pensões da RATP registou durante muitos anos um défice estrutural, por razões ligadas ao desequilíbrio demográfico entre trabalhadores no activo e reformados, às regalias que oferecia em comparação com o regime geral e, até 31 de Dezembro de 2005, à fixação das taxas das contribuições por via regulamentar. Estes défices sucessivos do regime de pensões da RATP foram colmatados pelo Estado, com base no artigo 2.o da portaria de 7 de Janeiro de 1959 e no decreto de 7 de Janeiro de 1959 supracitados.

(26)

Em 29 de Junho de 2006, as autoridades francesas notificaram a reforma das modalidades de financiamento do regime de pensões da RATP. Segundo elas, esta reforma inscreve-se na evolução do contexto institucional dos transportes urbanos na Ile-de-France nos últimos dez anos e da preparação para a abertura do sector dos transportes urbanos à concorrência.

(27)

A reforma notificada tem duas etapas.

5.1.   CRIAÇÃO DA CAIXA DE PENSÕES DO PESSOAL DA RATP A 1 DE JANEIRO DE 2006

(28)

O artigo 1.o do decreto n.o 2005-1635, de 26 de Dezembro de 2005 (15), criou em 1 de Janeiro de 2006 a caixa de pensões do pessoal da RATP (CRP-RATP).

(29)

A CRP-RATP tem o estatuto de organismo de segurança social de direito privado e possui personalidade jurídica e autonomia jurídica e financeira em relação à RATP. Em virtude do artigo L711-1 do Código da Segurança Social, a CRP-RATP tem todas as atribuições definidas no artigo L111-1, que recorda, em especial, que a organização da segurança social se funda no princípio da solidariedade nacional. Está sujeita às regras do código, que é aplicável a todas as caixas autónomas de pensões, e ao controlo das autoridades competentes do Estado, que são representadas por comissários do Governo.

(30)

À data da sua criação, a CRP-RATP substituiu a RATP enquanto única entidade legalmente responsável pelo pagamento das pensões dos funcionários que ocupam postos estatutários.

(31)

A esse título, a CRP-RATP recebe, desde 1 de Janeiro de 2006, uma contribuição liberatória da RATP, correspondente às contribuições dos beneficiários do regime especial no activo e às suas contribuições enquanto empregador. O nível destas contribuições foi, aliás, aumentado, a partir da mesma data, para o nível das do regime de direito comum (16). Além destas contribuições sociais, a CRP-RATP recebe do Estado uma subvenção destinada a equilibrar as suas contas. Esta subvenção financia tanto o défice demográfico do regime especial como os direitos de pensão próprios do regime. Em 2006 e 2007, o seu montante ascendeu a 390,11 e 414 milhões de EUR, respectivamente.

5.2.   INTEGRAÇÃO FINANCEIRA DOS DIREITOS DE BASE DO REGIME ESPECIAL DA RATP NOS REGIMES DE DIREITO COMUM

(32)

O artigo 18.o do decreto n.o 2005-1635, de 26 de Dezembro de 2005, prevê a possibilidade de a CRP-RATP integrar financeiramente parte dos direitos do regime especial de pensões dos funcionários da RATP nos regimes de direito comum [CNAV (17) e AGIRC (18)/ARRCO (19)] (20), ou seja, de realizar tecnicamente a transferência das operações para os regimes de direito comum («os regimes de acolhimento»).

(33)

A integração de parte dos direitos do regime especial de pensões da RATP nos regimes de direito comum tem por objectivo fazer intervir, com uma base demográfica consideravelmente alargada, o mecanismo da solidariedade entre gerações e entre profissões e, mais geralmente, assegurar a perenidade do financiamento dos regimes de pensão obrigatórios financiados segundo o princípio da repartição.

(34)

Em virtude do artigo L222-6 do Código da Segurança Social, a integração de um regime especial ou outro regime de pensões em regimes de direito comum é possível para a parte das prestações pagas pelo regime especial equivalente às prestações de seguro de velhice pagas aos assalariados beneficiários do regime geral.

(35)

No quadro de um regime de pensões por repartição, a assunção, por um regime de acolhimento, de direitos adquiridos anteriormente noutro regime (e, portanto, com base noutros critérios) assenta no cálculo desses direitos segundo as regras do regime de acolhimento, ou seja, como se os beneficiários (reformados, activos e excluídos) tivessem feito toda a sua carreira a coberto deste último regime.

(36)

No caso vertente, as autoridades francesas calcularam os direitos de base, ou seja, os que correspondem às prestações calculadas segundo as regras dos regimes de acolhimento e que estes iriam assumir (21). Só os direitos de base assim definidos podem ser transferidos para os regimes de acolhimento.

(37)

O artigo 222-6 do Código da Segurança Social prescreve, além disso, que a integração de um regime especial deve respeitar o princípio de estrita neutralidade financeira da operação para os beneficiários do regime de acolhimento. Ou seja, a integração financeira de regimes especiais de pensões a regimes de direito comum não pode, em caso algum, deteriorar a situação financeira destes últimos.

(38)

Intervém nesta fase a ponderação, cuja função é determinar que proporção dos direitos de pensão adquiridos anteriormente deve ser efectivamente validada quando da integração, por forma a que o princípio de neutralidade financeira seja estritamente respeitado. Conceptualmente, a ponderação compara o rácio de encargos com pensões do grupo integrado ao rácio de encargos com pensões do regime de acolhimento (22). Este determina então que proporção dos direitos adquiridos reconstituídos pode ser transferida a fim de garantir a igualdade destes rácios: a esta taxa de validação, os direitos de pensão são assumidos «gratuitamente» pelo regime de acolhimento.

(39)

Se a taxa de validação, pelo regime de acolhimento, dos direitos adquiridos reconstituídos for inferior a 100 %, este regime pode propor ao regime integrado que valide 100 % desses direitos mediante o pagamento de uma contribuição para conservação de direitos (torna).

(40)

O propósito do método de cálculo das tornas é obviar a que se altere a situação previsional ex ante do regime de acolhimento. Se a ponderação for previsional, o montante da torna é igual ao valor actualizado líquido dos direitos de adesão anuais. O direito de adesão anual corresponde àquele que, no tocante aos direitos suplementares (ou seja, que excedem os assumidos gratuitamente) assumidos pelo regime de acolhimento, iguala anualmente os rácios de encargos respectivamente do regime integrado e do regime de acolhimento.

(41)

Se a situação financeira do regime de acolhimento for estruturalmente deficitária, o propósito do método de cálculo é obviar a que este desequilíbrio tendencial se agrave, e não reduzi-lo exigindo do grupo transferido um equilíbrio previsional técnico.

(42)

No caso vertente, sendo a estrutura demográfica da RATP pior que a de uma empresa média francesa inscrita em regimes de pensões de direito comum, a integração completa dos direitos de base do regime especial de pensões dos agentes da RATP nos regimes de direito comum implica o pagamento a estes últimos de tornas, ou seja, de contribuições excepcionais, de taxa fixa e liberatórias.

(43)

As autoridades francesas detalharam os métodos de cálculo das tornas. Os cálculos serão feitos segundo os valores dos parâmetros em vigor quando da concretização da operação. Estes parâmetros são:

as taxas das contribuições e a base de cálculo da dotação para as reservas previstas pelos regimes complementares;

a taxa de desconto e eventualmente a tabela de mortalidade, que variam segundo as circunstâncias económicas.

(44)

As autoridades francesas estimam que o montante das tornas a pagar ascenda a:

no caso da CNAV, que gere o regime geral de segurança social, [entre 400 e 800] (23) milhões de EUR;

no caso dos regimes complementares de direito comum geridos pela AGIRC-ARRCO [entre 80 e 300] milhões de EUR sob forma de participação nas suas reservas técnicas.

(45)

O governo francês prevê tomar a seu cargo, em substituição da CRP-RATP, o pagamento destas tornas aos regimes de direito comum, por forma a garantir a neutralidade financeira da integração do regime especial da RATP nestes regimes de acolhimento.

(46)

No que respeita aos direitos de base adquiridos posteriormente à operação de integração, está previsto que a RATP e os seus funcionários paguem as contribuições do regime de pensões de direito comum em contrapartida da intervenção do regime geral e dos regimes complementares.

6.   RAZÕES QUE CONDUZIRAM À DECISÃO DE INICIAR O PROCEDIMENTO

(47)

Na decisão que dá início ao procedimento, a Comissão exprimia dúvidas quanto à compatibilidade da reforma notificada com o mercado comum. A Comissão precisou que o objecto do procedimento era determinar se a reforma notificada constituía um auxílio à RATP.

(48)

Primeiramente, a Comissão interrogou-se sobre a relação estreita entre a criação da CRP-RATP e a operação de integração nos regimes de direito comum, considerando necessário verificar se a integração dos direitos de base não constituía um auxílio estatal em favor da RATP.

(49)

Seguidamente, a Comissão manifestou dúvidas quanto ao postulado de que o financiamento dos direitos específicos do regime de pensões da RATP pelo Estado não constituía auxílio estatal e, a haver auxílio, quanto à compatibilidade deste com o mercado comum.

(50)

Finalmente, a Comissão exprimiu dúvidas quanto à necessidade da reforma notificada e à sua proporcionalidade à luz do interesse comum. Relativamente à questão da necessidade, a Comissão interrogou-se quanto à real e efectiva abertura do mercado dos transportes colectivos na região parisiense e quanto à eliminação dos elementos que caracterizam a situação de direito e de facto da RATP susceptíveis de impedir uma concorrência efectiva. A Comissão questionou igualmente a proporcionalidade da reforma notificada, essencialmente por esta respeitar também as responsabilidades especiais associadas às pensões dos trabalhadores contratados posteriormente à sua implementação.

(51)

Na sua decisão de 10 de Outubro de 2007, a Comissão concluiu, em contrapartida, que o financiamento pelo Estado do défice do regime de pensões da RATP no período 1995-2005 constituía um auxílio existente à luz do artigo 1.o, alínea b), subalínea iii), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as normas de execução do artigo 93.o do Tratado CE (24) (ver considerando 15 da referida decisão).

(52)

A Comissão considerou, além disso, que o artigo 87.o do Tratado CE não era aplicável à CRP-RATP dado esta não ser uma empresa (ibid., considerando 67).

(53)

A Comissão considerou, por último, que a garantia dada pelo Estado francês aos inscritos no regime especial beneficiava directamente os trabalhadores da RATP, e não a RATP propriamente dita, e não podia, por conseguinte, ser considerada uma vantagem económica oferecida a uma empresa (ibid., considerando 70).

7.   ARGUMENTOS AVANÇADOS PELAS AUTORIDADES FRANCESAS NA SEQUÊNCIA DA DECISÃO DE INICIAR O PROCEDIMENTO

(54)

Na sua correspondência de 22 de Janeiro de 2008, as autoridades francesas assinalam que, do seu ponto de vista, a reforma notificada institucionaliza um auxílio às pessoas e não à empresa RATP e não pode, por conseguinte, ser considerada um auxílio estatal em favor da RATP. Além disso, as autoridades francesas consideram que, ainda que o seu real beneficiário fosse a RATP, a reforma notificada não afecta as trocas comerciais entre os Estados-Membros nem falseia a concorrência, na medida em que a RATP só opera num mercado, o dos transportes colectivos urbanos na Ile-de-France, ainda não aberto à concorrência, não tendo assim a reforma incidências nas actividades das filiais da RATP ou nos mercados em que estas operam.

(55)

As autoridades francesas consideram que a integração da CRP-RATP no regime geral não comporta elementos de auxílio estatal em favor da RATP, visto não trazer vantagens para a RATP.

(56)

As autoridades francesas alegam, em primeiro lugar, que, como a própria Comissão assinalou no ponto 69 da decisão de iniciar o procedimento, a segunda etapa da reforma, ou seja, o pagamento das tornas e a transferência do financiamento dos direitos de base da CRP-RATP para a CNAV e a AGIRC-ARRCO, não afecta a situação económica da RATP.

(57)

Alegam ainda que as obrigações da RATP correspondentes aos direitos de base não constituíam custos que teriam normalmente onerado o seu orçamento, na acepção da jurisprudência comunitária. Segundo as autoridades francesas, os recursos financeiros das empresas francesas são normalmente onerados por contribuições liberatórias pagas às caixas de pensões de direito comum, mas não por uma obrigação de constituição de direitos de pensão para os trabalhadores no activo ou de pagamento das pensões aos reformados, como acontecia no caso da RATP, que, até à reforma notificada, tinha a seu cargo o serviço das pensões. Por conseguinte, visto ser paga uma contribuição liberatória equivalente à dos regimes de direito comum, a integração da CRP-RATP no regime geral e o pagamento das tornas pelo Estado ao regime geral não têm por consequência evitar à RATP custos que teriam normalmente onerado os recursos financeiros da empresa.

(58)

Sustentam, finalmente, que, tendo o regime especial sido imposto pelo Estado quando da criação da RATP em 1948, seria anómalo que a empresa tivesse de suportar o encargo das tornas, que representam a contrapartida da integração da CRP-RATP no regime geral.

(59)

As autoridades francesas alegam, em primeiro lugar, que a jurisprudência segundo a qual os custos resultantes de uma convenção colectiva oneram normalmente, dada a sua natureza, o orçamento da empresa, quer a empresa tenha aceitado voluntariamente a convenção, quer esta lhe tenha sido imposta por via regulamentar ou legislativa (25), não é aplicável no caso vertente na medida em que o regime de pensões dos funcionários da RATP não decorre de uma convenção colectiva.

(60)

Argumentam, em segundo lugar, que os direitos específicos não representam uma vantagem para a RATP. O facto de esta continuar a recrutar funcionários estatutários, que beneficiam dos direitos específicos, não demonstraria que a existência destes direitos constitui uma vantagem económica para a RATP.

(61)

Sustentam, em terceiro lugar, que o financiamento público dos direitos específicos representa a estrita compensação de encargos anormais suportados pela RATP. A conclusão de que o financiamento dos direitos de pensão específicos não constituiria auxílio estatal decorre, no seu entender, dos princípios estabelecidos pela jurisprudência comunitária desde a criação da Comunidade, de que os acórdãos Combus  (26) e Enirisorse  (27) seriam a ilustração mais recente.

(62)

Mesmo que a Comissão viesse a considerar que a reforma notificada comporta elementos de auxílio estatal, esta continuaria, no entender das autoridades francesas, a ser compatível com o mercado comum.

(63)

As autoridades francesas reiteram a sua posição de que a reforma notificada é conforme com a teoria dos custos irrecuperáveis e favorece a concorrência.

(64)

Defendem, além disso, que o novo modo de financiamento dos direitos de pensão a partir de 2006 é proporcionado e necessário para um funcionamento concorrencial do mercado.

(65)

Segundo as autoridades francesas, a reforma notificada é necessária porque constitui condição prévia da abertura à concorrência, prevista pelo Regulamento (CE) n.o 1370/2007, do sector dos transportes urbanos na Ile-de-France. Ela permitirá, por um lado, evitar distorções da concorrência entre operadores públicos e privados e, por outro lado, suprimir definitivamente a barreira à entrada no mercado representada pelo modo de financiamento das pensões da RATP.

(66)

No que respeita à proporcionalidade da reforma notificada, as autoridades francesas informaram a Comissão, na sua correspondência de 23 de Abril de 2008, da reforma do regime especial de pensões da RATP iniciada pelo governo francês, a qual harmoniza este regime com as regras vigentes nos regimes de direito comum.

8.   OBSERVAÇÕES APRESENTADAS POR PARTES INTERESSADAS NA SEQUÊNCIA DA DECISÃO DE INICIAR O PROCEDIMENTO

(67)

Em correspondência datada de 13 de Fevereiro de 2008, o sindicato SUD da RATP exprime a sua oposição ao projecto notificado pelas autoridades francesas por este ter como único objectivo transformar a RATP num grande grupo internacional, movido unicamente pelo lucro. O sindicato chama a atenção da Comissão para o facto de, segundo ele, os funcionários da RATP não terem o estatuto de assalariados regidos pelo direito privado e sujeitos ao Código do Trabalho.

(68)

O sindicato SUD da RATP afirma ainda que a reforma do regime de pensões da RATP deveria ter sido preparada por uma comissão mista paritária, visto o regime ser resultado da negociação colectiva entre parceiros sociais.

9.   COMENTÁRIOS DA FRANÇA ÀS OBSERVAÇÕES DAS PARTES INTERESSADAS

(69)

Relativamente ao regime jurídico aplicável aos funcionários da RATP, as autoridades francesas precisam, na sua correspondência de 3 de Abril de 2008, que as disposições do Código do Trabalho são aplicáveis aos funcionários estatutários, excepto se o código ou a jurisprudência o excluir expressamente. Segundo as autoridades francesas, a existência de tais excepções não é suficiente para se concluir que os funcionários da RATP se inscrevem numa relação laboral de direito público.

(70)

As autoridades francesas indicam igualmente que o decreto n.o 60-1362 de 19 de Dezembro de 1960, que dá competência à comissão mista paritária da RATP em matéria de estatuto do pessoal, não menciona o regime de pensões. No seu entender, o regime de pensões da RATP não resulta de negociações colectivas, foi imposto à RATP pelo Estado por via administrativa.

10.   ÂMBITO DA PRESENTE DECISÃO

(71)

A presente decisão incide na compatibilidade do novo sistema de financiamento das pensões com as regras comunitárias relativas aos auxílios estatais.

(72)

A abertura do processo por infracção, a 10 de Outubro de 2007, e, em especial, as observações das autoridades francesas, permitiram que a Comissão avaliasse com maior precisão as modalidades de aplicação da reforma notificada e identificasse três medidas que poderão comportar elementos de auxílio estatal.

(73)

Primeiramente, a partir de 1 de Janeiro de 2006, a CRP-RATP substituiu a RATP enquanto única entidade legalmente responsável pelo pagamento das pensões dos funcionários que ocupam postos estatutários.

(74)

Em segundo lugar, desde 1 de Janeiro de 2006, o Estado paga à CRP-RATP uma subvenção destinada a equilibrar as contas desta. Esta subvenção pública cobre o défice demográfico e o custo adicional do regime especial da RATP.

(75)

Em terceiro lugar, a reforma notificada contempla a possibilidade de a CRP-RATP integrar os direitos de base do regime de pensões especial nos regimes de direito comum. O Estado assumirá, em substituição da CRP-RATP, o pagamento das tornas destinadas a garantir o respeito do princípio de estrita neutralidade financeira dessa integração.

11.   APRECIAÇÃO DA PRIMEIRA MEDIDA: CRIAÇÃO DA CRP- RATP

(76)

A Comissão observa que, a partir de 1 de Janeiro de 2006, a CRP-RATP substituiu a RATP enquanto única entidade legalmente responsável pelo pagamento das pensões dos funcionários que ocupam postos estatutários e que, simultaneamente, a contribuição paga pela RATP à CRP-RATP a título das pensões passou a ser liberatória.

(77)

A Comissão observa ainda que, no âmbito do sistema anterior a 1 de Janeiro de 2006, a RATP era legalmente responsável pelo pagamento das pensões a título do regime especial. O sistema de financiamento do regime especial dos funcionários da RATP derrogava assim ao direito comum: a RATP era o garante do equilíbrio financeiro do regime em questão, já que a contribuição «patronal» da empresa para o regime especial não era liberatória.

(78)

A Comissão conclui, por conseguinte, que as disposições previstas pela reforma notificada tiveram como efeito principal tornar liberatória a contribuição «patronal» da RATP para as pensões dos seus funcionários, libertando-a assim da obrigação histórica de assegurar o equilíbrio do regime especial. Por outras palavras, a reforma notificada transferiu a responsabilidade pelo equilíbrio financeiro do regime especial da RATP para a CRP-RATP e in fine o Estado.

(79)

A Comissão constata ainda que a obrigação de assegurar o equilíbrio financeiro do regime especial que recaía sobre a RATP se teria traduzido, sem a reforma notificada, na inscrição contabilística de uma responsabilidade perante o Estado, que seria suprida por uma provisão quando da passagem às normas IFRS (Internacional Financial Reporting Standard, Normas Internacionais de Relato Financeiro), aplicáveis à RATP desde 30 de Junho de 2007 (28).

(80)

A Comissão entende dever sublinhar, neste ponto, que o problema suscitado pela criação da CRP-RATP é idêntico ao que se colocou a propósito da reforma do financiamento das pensões dos funcionários públicos dos Correios (29). Por conseguinte, a Comissão verificará se a medida em causa no caso vertente comporta elementos de auxílio estatal utilizando a mesma metodologia que seguiu na decisão referida.

11.1.   EXISTÊNCIA DE AUXÍLIO ESTATAL

(81)

O artigo 87.o, n.o 1, do Tratado CE estabelece: «Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

(82)

Para que uma medida nacional seja considerada auxílio estatal na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado CE devem estar preenchidas as condições cumulativas seguintes: 1) a medida confere uma vantagem económica selectiva; 2) essa vantagem é financiada com recursos do Estado, 3) falseia ou ameaça falsear a concorrência e 4) afecta as trocas comerciais entre os Estados-Membros.

(83)

Convém expor as razões que levam a considerar que a medida em apreço preenche estas condições cumulativas e constitui, portanto, um auxílio estatal em favor da RATP, na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado.

11.1.1.   EXISTÊNCIA DE UMA VANTAGEM SELECTIVA QUE APROVEITA À RATP

(84)

A fim de avaliar se a medida em apreço comporta elementos de auxílio estatal, convém determinar se a mesma confere à RATP uma vantagem económica que lhe evita ter de suportar custos que normalmente onerariam os recursos financeiros próprios da empresa, impedindo assim que as forças presentes no mercado produzam os seus efeitos normais (30).

(85)

Neste contexto, segundo jurisprudência assente, um encargo normal é um custo normal inerente à gestão diária ou às actividades correntes de uma empresa (31). Segundo proferiu igualmente o Tribunal de Justiça, um auxílio consiste num desagravamento dos encargos que normalmente recaem sobre o orçamento das empresas, tendo em conta a natureza ou a economia do sistema de encargos em causa, enquanto um encargo especial é, pelo contrário, um encargo suplementar em relação a esses encargos normais (32).

(86)

À luz da jurisprudência do Tribunal, e em conformidade com a sua prática decisória (33), a Comissão considera que a qualificação de encargo «normal» ou «especial» implica a definição de um quadro de referência com o objectivo de identificar empresas que estariam numa situação de direito e de facto comparável à luz do objectivo da medida em causa.

(87)

Recorde-se, a esse respeito, que, para efeitos da aplicabilidade do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado, se deve unicamente determinar se, no âmbito de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções», na acepção daquela disposição do Tratado, em relação a outras empresas que se encontram numa situação de facto e de direito comparável à luz do objectivo da medida em causa.

(88)

Mais precisamente, o Tribunal indica que a escolha do sistema de referência segue uma abordagem em dois tempos: primeiramente, a determinação do sistema de encargos objecto da medida em causa e, em segundo lugar, a determinação do regime geral aplicável a esse sistema de encargos.

(89)

Na hipótese de se poder identificar um quadro de referência exógeno pertinente que permita determinar a existência de encargos «anormais», a medida em causa não constitui auxílio estatal na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado. No caso contrário, a medida constitui auxílio estatal na acepção da mesma disposição.

11.1.1.1.    Falta de um quadro de referência exógeno no caso vertente

(90)

Aplicando esta metodologia ao caso vertente, a Comissão considera que o sistema de encargos objecto da medida em apreço é constituído pelas contribuições sociais a cargo do empregador no âmbito do seguro de velhice obrigatório dos seus empregados.

(91)

No plano teórico, a Comissão distingue dois quadros de referência potenciais:

as disposições em matéria de seguro de velhice obrigatório aplicáveis aos regimes de pensões de direito comum, ou seja, o regime de segurança social gerido pela CNAV e os regimes complementares geridos pela AGIRC e a ARRCO;

as disposições em matéria de seguro de velhice obrigatório aplicáveis às empresas públicas.

(92)

Olhando para o primeiro quadro de referência, a saber, os regimes de pensões de direito comum, a Comissão observa que a RATP paga, desde 1 de Janeiro de 2006, uma contribuição social cujo nível é idêntico ao da que pagam as empresas às caixas de pensões dos regimes de direito comum. Regista, contudo, que, à data de 1 de Janeiro de 2006, as prestações pagas aos funcionários da RATP beneficiários do regime especial gerido pela CRP-RATP são superiores às prestações de que beneficiam os assalariados inscritos nos regimes de direito comum.

(93)

Além disso, a Comissão constata que os beneficiários dos regimes de direito comum são assalariados cujo contrato de trabalho se rege pelo direito privado, enquanto os empregados da RATP são funcionários estatutários. Convirá assinalar, a este respeito, que o estatuto do pessoal da RATP derroga ao direito comum a vários títulos (ver nota 6).

(94)

Face às considerações que precedem e à sua prática decisória (34), a Comissão considera que as disposições aplicáveis aos regimes de seguro de velhice obrigatório de direito comum não podem servir de referência na análise efectuada pela Comissão para ajuizar da existência de uma vantagem económica na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado CE.

(95)

No que respeita ao segundo quadro de referência, a saber, as empresas públicas, a Comissão não conseguiu identificar um conjunto de operadores económicos que formassem um grupo homogéneo e pudessem servir de referência. A situação de direito e de facto da RATP em França é, com efeito, muito específica a vários títulos (35).

(96)

Em conclusão, a Comissão considera não existir um quadro de referência exógeno que permita definir o que é uma contribuição «normal» de empresas em situação de direito e de facto comparável à da RATP à luz do objectivo da medida em apreço.

(97)

O acórdão Enirisorse  (36), invocado pela França, não altera as conclusões da Comissão quanto à existência de uma vantagem que beneficia a RATP. De facto, neste acórdão, o Tribunal de Justiça baseia a sua conclusão na comparação da medida controvertida com uma «situação normal», que o Tribunal definiu mas que não se verifica com contornos semelhantes no presente caso.

(98)

Na falta de um quadro de referência exógeno pertinente, a Comissão considera que, para ajuizar da existência de uma vantagem na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado, o quadro de referência é a situação da própria RATP anteriormente à medida.

11.1.1.2.    Existência de uma vantagem económica

(99)

Como indicado acima, no sistema existente até 1 de Janeiro de 2006, a RATP era legalmente responsável pelo pagamento das pensões a título do regime especial. A RATP era, assim, o garante do equilíbrio financeiro do regime especial, uma vez que a sua contribuição «patronal» para o regime não era liberatória.

(100)

A Comissão constatou que as disposições previstas pela reforma notificada tiveram por efeito principal tornar liberatória a contribuição «patronal» paga pela RATP a título das pensões dos seus funcionários.

(101)

A Comissão conclui, portanto, que a medida em apreço liberta a RATP de encargos que teria tido de assumir por força da lei de 1948.

(102)

No contexto da análise da natureza normal ou anormal dos encargos com pensões da própria RATP, a Comissão considera que as obrigações que uma empresa deve assumir em virtude da legislação laboral ou das convenções colectivas celebradas com os sindicatos em matéria de indemnizações por despedimento e/ou de reforma antecipada fazem parte dos custos normais que a empresa tem de financiar com os seus recursos próprios (37).

(103)

Por analogia, a Comissão conclui que os encargos da RATP decorrentes da lei de 1948 são encargos normais. Assim, uma vez que a medida em apreço permite evitar custos que normalmente onerariam os recursos financeiros próprios da RATP, a Comissão considera que ela confere ao operador uma vantagem económica na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado CE. Esta vantagem é selectiva, visto aproveitar a um só beneficiário.

(104)

A Comissão constatou, além disso, que a obrigação de assegurar o equilíbrio financeiro do regime especial que recaía sobre RATP se teria traduzido, sem a reforma notificada, na inscrição no balanço de uma responsabilidade perante o Estado, que seria suprida por uma provisão quando da passagem às normas IFRS (Internacional Financial Reporting Standard, Normas Internacionais de Relato Financeiro), aplicáveis à RATP desde 30 de Junho de 2007.

(105)

Este elemento confirma que a criação da CRP-RATP liberta a RATP de encargos que teria normalmente de suportar.

11.1.1.3.    Inaplicabilidade da jurisprudência Combus no caso vertente

(106)

As autoridades francesas citam o acórdão Combus  (38), no qual o Tribunal de Primeira Instância considera «anormais» os encargos resultantes do estatuto derrogatório do pessoal de uma empresa que, na sequência de uma reforma, se encontra numa situação de direito comum, idêntica à dos seus concorrentes, no que respeita à gestão do seu pessoal. Declarou o TPI: «[…] a medida em questão [destinava-se] a substituir o estatuto privilegiado e dispendioso dos funcionários que trabalhavam para a Combus por um estatuto de agente contratado comparável aos dos empregados de outras empresas de transportes por autocarro que estavam em concorrência com a Combus. Tratava-se, portanto, de libertar a Combus de uma desvantagem estrutural relativamente aos seus concorrentes privados. Ora, o artigo 87.o, n.o 1, CE tem por único objecto impedir vantagens que favoreçam certas empresas, uma vez que o conceito de auxílio abrange apenas intervenções que aliviam os encargos que normalmente agravam o orçamento de uma empresa e que devem ser considerados uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado. […]. Além disso, o Estado dinamarquês teria podido, em vez de pagar a quantia de 100 milhões de DKK directamente aos funcionários que trabalhavam para a Combus, obter o mesmo resultado através da readmissão dos referidos funcionários na Administração Pública, sem pagamento de uma bonificação específica, o que teria permitido à Combus empregar imediatamente agentes contratados sujeitos a um estatuto de direito privado».

(107)

De forma geral, importa recordar, em primeiro lugar, que a jurisprudência Combus não foi confirmada pelo Tribunal de Justiça. Alguns elementos da jurisprudência do Tribunal contradizem a tese de que a compensação de uma desvantagem estrutural excluiria a qualificação de auxílio. Assim, o Tribunal tem indicado constantemente que a existência de auxílio deve ser apreciada tendo em conta os efeitos e não as causas ou os objectivos das intervenções estatais (39). O Tribunal sustentou também que o conceito de auxílio abrange as vantagens concedidas pelas autoridades públicas que diminuem, de diversas formas, os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa (40) e indicou claramente que os custos de remuneração dos trabalhadores oneram, pela sua própria natureza, o orçamento das empresas, independentemente de decorrerem ou não de obrigações legais ou de acordos colectivos (41). Neste quadro, o Tribunal sustentou que o facto de as medidas estatais se destinarem a compensar custos adicionais não exclui que possam ser qualificadas de auxílio (42). As autoridades francesas invocam, nesse contexto, a aplicabilidade do princípio enunciado pelo TPI no acórdão Combus, afirmando que a reforma notificada apenas liberta a RATP de um encargo «anormal».

(108)

A Comissão assinala, a esse respeito, que vários elementos materiais importantes diferenciam o caso Combus do vertente:

as compensações são pagas directamente aos funcionários públicos empregados pela Combus, ao passo que as medidas objecto da presente decisão se referem às contribuições «patronais» da RATP;

no processo Combus, a medida estatal pertinente destinava-se a substituir o estatuto privilegiado e dispendioso dos funcionários empregados pela Combus por um estatuto de agente contratado comparável ao dos trabalhadores de outras empresas de transporte rodoviário de passageiros concorrentes da Combus. No caso da RATP, pelo contrário, o estatuto e os direitos dos seus funcionários não sofrem alterações em consequência da medida em apreço. Esses estatuto e direitos são diferentes dos dos trabalhadores das empresas inscritas nos regimes de pensões de direito comum, cujo contrato de trabalho se rege pelo direito privado;

o contexto concorrencial das actividades da Combus era diferente daquele em que evolui a RATP. A sociedade anónima Combus A/S devia gerir a actividade de transporte numa base comercial e operar no mercado em condições de concorrência comparáveis às das empresas privadas de transporte rodoviário de passageiros. Num tal contexto, as sociedades públicas de gestão dos transportes cedem, por concurso, a exploração do transporte em autocarro a empresas privadas ou públicas. De acordo com as regras aplicáveis aos concursos, os contratos são adjudicados à «proposta economicamente mais vantajosa», sem ter em conta se o proponente é uma entidade privada ou pública. A RATP, quanto a ela, dispõe de um importante sector não liberalizado, que o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 só abrirá à concorrência muito gradualmente e no qual as condicionantes económicas intervêm, portanto, de forma muito diferente.

(109)

No entender da Comissão, as diferenças de situação entre o processo Combus e o caso em apreço são suficientes para justificar um raciocínio distinto nos dois casos.

11.1.2.   PRESENÇA DE RECURSOS ESTATAIS

(110)

A Comissão considera que a medida em apreço implica a mobilização de recursos do Estado em proveito da RATP, uma vez que a responsabilidade final pelo equilíbrio do regime especial de pensões dos funcionários da RATP já não incumbe a esta, mas ao Estado. Com efeito, a partir da data de aplicação da reforma, é o Estado que deve assegurar o equilíbrio financeiro da CRP-RATP, através de uma subvenção ao organismo de segurança social, a qual, sem a reforma, teria de ser assumida pela RATP.

(111)

A Comissão conclui, assim, que a medida em apreço envolve recursos estatais, na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado.

11.1.3.   DISTORÇÃO DA CONCORRÊNCIA E INCIDÊNCIA NAS TROCAS COMERCIAIS

(112)

Como indicado anteriormente, a RATP, beneficiária da medida em apreço, é a empresa-mãe de um grupo de empresas, o grupo RATP, com actividade nos sectores do transporte e dos serviços conexos. O conjunto destes operadores exerce actividades nos mercados comunitários dos sectores referidos.

(113)

Convirá recordar, neste contexto, que os auxílios que visam libertar uma empresa dos custos que teria normalmente de suportar no quadro da sua gestão corrente ou das suas actividades normais falseiam, em princípio, as condições da concorrência (43). Com efeito, segundo a jurisprudência, a concessão de auxílios a uma empresa que exerce as suas actividades no mercado comunitário pode causar distorções da concorrência e afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros (44). O Tribunal de Justiça indicou, por outro lado, não estar de forma alguma excluído que uma subvenção pública a uma empresa que forneça apenas serviços de transporte local ou regional e não forneça serviços de transporte fora do seu Estado de origem possa, não obstante, ter incidência nas trocas comerciais entre os Estados-Membros, na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado. Com efeito, quando um Estado-Membro concede uma subvenção pública a uma empresa, o fornecimento de serviços de transporte pela referida empresa pode por esse facto ser mantido ou aumentado, o que tem como consequência que as hipóteses de empresas estabelecidas noutros Estados-Membros fornecerem os seus serviços de transporte no mercado desse Estado são diminuídas (45).

(114)

No caso vertente, o grupo RATP encontra-se numa situação privilegiada em relação tanto aos seus concorrentes nacionais (46) como aos seus concorrentes de outros Estados-Membros que não podem beneficiar da medida em apreço.

(115)

Convém mencionar, a esse respeito, que o Regulamento (CE) n.o 1370/2007 prevê a abertura progressiva dos mercados em causa à concorrência e que a liberalização de um sector implica que um auxílio estatal a uma empresa a ele pertencente poderá afectar as trocas comerciais intracomunitárias e falsear a concorrência no mercado em causa.

(116)

A Comissão considera, por conseguinte, que a medida em apreço afecta as trocas comerciais entre Estados-Membros e falseia a concorrência entre esses operadores.

11.2.   ILEGALIDADE DO AUXÍLIO

(117)

Em conformidade com o artigo 88.o, n.o 3, do Tratado, os Estados-Membros são obrigados a notificar os projectos de instituição ou alteração de auxílios. O Estado-Membro interessado não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de o procedimento de exame ser objecto de uma decisão final.

(118)

No caso vertente, as autoridades francesas notificaram a reforma das modalidades de financiamento do regime de pensões da RATP por carta datada de 29 de Junho de 2006. Nessa carta, as autoridades francesas indicam que o dispositivo não parece constituir um auxílio estatal que deva ser objecto de notificação prévia à Comissão por força do artigo 88.o, n.o 3, do Tratado.

(119)

A Comissão constata, no entanto, que o auxílio estatal em causa foi executado pela França com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2006, ou seja, antes de a Comissão adoptar uma decisão final. A Comissão conclui, assim, que a França agiu ilegalmente ao executar o auxílio em violação do artigo 88.o, n.o 3, do Tratado.

11.3.   COMPATIBILIDADE DO AUXÍLIO COM O MERCADO COMUM

(120)

Constituindo a medida em apreço um auxílio estatal na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado CE, importa determinar a sua eventual compatibilidade à luz das derrogações previstas no Tratado.

(121)

No entender da Comissão, a base jurídica mais adequada para o efeito é o artigo 87.o, n.o 3, alínea c), do Tratado CE, segundo o qual um auxílio destinado a facilitar o desenvolvimento de certas actividades pode ser considerado compatível com o mercado comum se não alterar as condições das trocas comerciais de maneira a contrariar o interesse comum.

(122)

Tendo em conta a natureza e os efeitos da reforma, a Comissão considera que a avaliação da compatibilidade do auxílio em causa deve ser efectuada à luz da igualdade de condições («level playing field»), no que respeita às contribuições sociais obrigatórias, entre a RATP e os seus concorrentes actuais, potenciais e futuros no mercado dos transportes colectivos urbanos na Ile-de-France.

(123)

Para analisar os efeitos do auxílio e avaliar a intensidade da distorção da concorrência, a Comissão deve começar por examinar o nível das contribuições a cargo da RATP no sistema reformado em comparação com os seus concorrentes. Seguidamente, identificará a situação que existiria se a RATP não tivesse beneficiado do auxílio. Analisará por fim, antes de elaborar um balanço global da compatibilidade, os efeitos positivos e também os efeitos negativos do auxílio.

(124)

A título preliminar, a Comissão observa que, anteriormente a 1 de Janeiro de 2006, o financiamento do regime especial de pensões da RATP se distinguia do dos regimes de direito comum em dois aspectos: o carácter não liberatório das contribuições e a taxa da contribuição «patronal».

(125)

A Comissão considera que o auxílio deu solução à primeira divergência entre o regime especial da RATP e os regimes de direito comum. Com efeito, anteriormente a 1 de Janeiro de 2006, a RATP não pagava uma contribuição liberatória, mas estava encarregada por lei de equilibrar o regime de pensões dos seus funcionários. A reforma notificada teve por efeito instituir o pagamento de uma contribuição liberatória, que é característica das contribuições pagas por um empregador regido pelo direito comum às caixas que gerem regimes de pensões por repartição. Relativamente à segunda divergência, a Comissão constata que a reforma notificada teve por efeito igualar os níveis dos encargos com o seguro de velhice obrigatório da RATP e das empresas cujas prestações para as reformas se regem pelo direito comum.

(126)

Sem a reforma notificada, a RATP teria de constituir provisões para os exercícios posteriores a 2006, a fim de suprir as responsabilidades associadas às pensões dos seus funcionários estatutários. A necessidade dessas provisões decorreria directamente do facto de as contribuições «patronais» para as pensões dos funcionários da RATP não serem liberatórias.

(127)

Além disso, as contribuições da RATP para o seguro de velhice destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do regime de pensões não estariam harmonizadas com as dos seus concorrentes potenciais.

(128)

Sem a reforma, a RATP teria de assumir um encargo anual suplementar de várias centenas de milhões de EUR.

(129)

A RATP ver-se-ia, portanto, numa situação de desvantagem, decorrente dos seus encargos com pensões no contexto de um mercado liberalizado, o que teria afectado significativamente as suas actividades.

(130)

Resulta do que precede que, tendo em conta o Regulamento (CE) n.o 1370/2007, que prevê a abertura gradual do mercado dos transportes colectivos urbanos, o regime de pensões da RATP segundo a lei de 1948 apresenta características específicas que, consideradas separadamente, criam uma distorção da concorrência em detrimento da RATP e do grupo a que pertence. O efeito essencial do auxílio em apreço é harmonizar as contribuições da RATP com as pagas pelos seus concorrentes e os concorrentes do grupo RATP, eliminando assim a distorção da concorrência específica que afecta a RATP e o grupo RATP.

(131)

Além disso, a reforma possibilita que a RATP passe a agir progressivamente como um investidor privado confrontado com condicionantes comerciais normais. É esse, de resto, um dos objectivos da reforma.

(132)

A Comissão considera igualmente que a medida em apreço é consentânea com o objectivo de interesse comunitário que visa. Nenhum outro instrumento poderia resolver o problema de forma mais eficaz. A atribuição de compensações de serviço público seria uma possibilidade, mas tal abordagem não seria adequada nem sustentável a longo prazo dada a natureza estrutural do problema.

(133)

No que diz respeito à proporcionalidade da medida, a Comissão considera que o auxílio concedido se limita ao estrito mínimo. Desde 1 de Janeiro de 2006, a RATP assume encargos com pensões idênticos aos de uma empresa cujos empregados estejam inscritos nos regimes de direito comum.

(134)

Finalmente, no entender da Comissão, a medida permite assegurar a perenidade de um sistema de pensões cujo modo de financiamento estava obsoleto. A Comissão considera, aliás, que a reforma das prestações do regime especial de pensões (47) constitui um elemento suplementar determinante. Conclui, portanto, que estas medidas se inscrevem perfeitamente no âmbito mais geral da reforma dos sistemas de pensões dos Estados-Membros, preconizada pelo Conselho e pela Comissão (48).

(135)

Numa análise estática, a Comissão considera, por um lado, que as distorções da concorrência induzidas pela medida em apreço no mercado dos transportes colectivos urbanos na Ile-de-France são, por natureza, muito limitadas, visto ser manifesto, tendo em conta o passado e as actividades da RATP, que as responsabilidades associadas às pensões objecto da reforma respeitam a actividades historicamente exercidas num mercado não liberalizado, no qual a concorrência era até ao momento inexpressiva. Por outro lado, no caso dos mercados nos quais o grupo RATP opera através das filiais da empresa RATP, a Comissão considera que a medida tem um efeito muito marginal. Com efeito, estes mercados apenas serão afectados indirectamente, dado que, para além da estrita separação jurídica, contabilística e financeira entre a empresa-mãe e as suas filiais, a reforma notificada não abrange o pessoal das filiais.

(136)

Numa análise dinâmica, sem dúvida mais adequada, a Comissão considera, à luz do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, que, embora a medida possa teoricamente permitir que a RATP conserve uma posição dominante, o risco de tal acontecer é baixo. Esta conclusão decorre do facto de a medida se limitar a harmonizar as contribuições pagas pela RATP com as dos seus concorrentes e de o regime de pensões da RATP resultante da reforma de 2008 não representar, no tocante à empresa, um atractivo específico.

(137)

À luz do que precede, a Comissão conclui que os efeitos negativos do auxílio concedido à RATP serão moderados. A reforma notificada limita-se ao estritamente necessário para estabelecimento de condições iguais no que respeita às contribuições para o seguro de velhice obrigatório e põe termo a uma distorção da concorrência que teria prejudicado a RATP, não alterando, por conseguinte, as condições das trocas comerciais de maneira a contrariar o interesse comum.

(138)

O auxílio em apreço é, portanto, compatível com o mercado comum, na condição de a reforma do regime especial de pensões da RATP, destinada a alinhá-lo pelas normas de direito comum que regem os regimes de base dos assalariados do sector privado e dos funcionários públicos, ser integralmente executada.

(139)

A Comissão considera que a conclusão precedente não é posta em causa pela que retirou na sua Decisão 2005/145/CE relativa ao processo EDF (49).

(140)

Nessa decisão, a Comissão autorizou auxílios estatais que libertavam as empresas de um sector de obrigações específicas, relativas às pensões de reforma, que excediam as decorrentes do regime geral de pensões e haviam sido definidas na época do monopólio. A Comissão sustentou, então, que o desagravamento parcial dos encargos resultante do mecanismo de financiamento dos direitos de pensão específicos adquiridos anteriormente à reforma constituía um auxílio estatal na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado, que podia ser considerado compatível com o mercado comum. A Comissão concluiu, na sua análise da compatibilidade, que a situação da EDF não diferia substancialmente da que caracteriza em geral o sector da energia no que respeita aos «custos irrecuperáveis». Tratava-se, com efeito, de auxílios destinados a facilitar a transição para um sector energético liberalizado. A Comissão julgou conveniente equiparar os auxílios à EDF à compensação de custos irrecuperáveis (50) e anunciou que seguiria esta abordagem na análise de casos semelhantes.

(141)

No caso vertente, e tendo em conta o que precede, a Comissão considera que o auxílio estatal concedido à RATP a liberta de obrigações com as pensões de reforma que excediam as decorrentes do regime geral e que haviam sido definidas anteriormente à liberalização do mercado. Considera ainda que a reforma implementada na RATP no início de 2008 alinha o regime especial de pensões dos funcionários da RATP pelas normas de direito comum que regem os regimes de base dos assalariados do sector privado e dos funcionários públicos.

11.4.   CONCLUSÃO

(142)

Em conclusão, a Comissão considera que a medida em apreço constitui um auxílio estatal na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado. Esse auxílio é ilegal, mas é compatível com o mercado comum ao abrigo do artigo 87.o, n.o 3, alínea c), do Tratado.

12.   APRECIAÇÃO DA SEGUNDA E DA TERCEIRA MEDIDAS

(143)

Conforme indicado atrás, no quadro da reforma notificada o Estado atribuirá à CRP-RATP, a partir de 1 de Janeiro de 2006, uma subvenção destinada a equilibrar as contas desta caixa.

(144)

Além disso, a reforma notificada contempla a possibilidade de a CRP-RATP integrar os direitos de base do regime especial de pensões nos regimes de direito comum. A fim de respeitar o princípio geral de neutralidade financeira, esta integração pressupõe o pagamento de tornas aos regimes de acolhimento, que o Estado assumirá em substituição da CRP- RATP.

(145)

Trata-se, portanto, de determinar se estas medidas constituem auxílio estatal na acepção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado.

(146)

A esse respeito, convém recordar que o artigo 87.o do Tratado se aplica apenas às empresas na acepção do direito comunitário da concorrência. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a protecção social não constitui, quando se funda na solidariedade, uma actividade económica na acepção do Tratado (ver ponto 67 da decisão de 10 de Outubro de 2007 que dá início ao procedimento) (51).

(147)

À luz dessa jurisprudência, a Comissão considera, pelos motivos enumerados a seguir, que nem a CRP-RATP nem as caixas de pensões em que estão inscritos os trabalhadores no activo e reformados da RATP, ou seja, a CNAV e a AGIRC-ARRCO, são empresas na acepção do direito comunitário da concorrência.

(148)

A Comissão observa, primeiramente, que os funcionários da RATP beneficiam de uma protecção social obrigatória, que comporta um regime de seguro de velhice autónomo cujo objectivo é social. Este regime destina-se a assegurar, ao conjunto das pessoas abrangidas, a cobertura do risco associado à velhice, independentemente da condição social e do estado de saúde no momento da inscrição.

(149)

A Comissão considera, além disso, que o regime obedece ao princípio da solidariedade, na medida em que as contribuições pagas pelos trabalhadores no activo financiam as pensões dos trabalhadores reformados.

(150)

A Comissão assinala, ainda, que a gestão do regime foi confiada por lei à CRP-RATP, cuja actividade está sujeita ao controlo do Estado. A esse título, ela recebe o produto das contribuições devidas pelos assalariados da RATP e pela própria RATP e assegura o pagamento e o serviço das pensões. A Comissão observa que a CRP-RATP tem, em virtude do artigo L711-1 do Código da Segurança Social, todas as atribuições definidas no artigo L111-1 do mesmo código, que recorda, em especial, que a organização da segurança social se funda no princípio da solidariedade nacional.

(151)

A Comissão constata por último que, na execução da sua missão, a CRP-RATP aplica a lei e não tem nenhuma possibilidade de influir no montante das contribuições, a utilização dos fundos ou a determinação do nível das prestações. As prestações pagas são legais e não dependem do montante das contribuições recebidas.

(152)

Uma vez que a CRP-RATP não constitui uma empresa na acepção do direito comunitário da concorrência, a Comissão considera que o pagamento pelo Estado de uma subvenção à CRP-RATP destinada a assegurar o seu equilíbrio e o financiamento das tornas pelo Estado em substituição da CRP-RATP não constituem auxílios estatais na acepção do artigo 87, n.o 1, do Tratado CE,

ADOPTOU A PRESENTE DECISÃO:

Artigo 1.o

A criação da caixa de pensões do pessoal da RATP (CRP-RATP) constitui um auxílio estatal à luz do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado CE, concedido ilegalmente pela França em violação do artigo 88.o, n.o 3, do Tratado CE.

O referido auxílio estatal é compatível com o mercado comum ao abrigo do artigo 87.o, n.o 3, alínea c), do Tratado CE, na condição de a reforma do regime especial de pensões da RATP, destinada a harmonizá-lo com as normas de direito comum que regem os regimes de base dos assalariados do sector privado e dos funcionários públicos, ser integralmente executada.

A execução do referido auxílio é, por conseguinte, autorizada.

Artigo 2.o

O pagamento pelo Estado de uma subvenção à CRP-RATP destinada a assegurar o seu equilíbrio e o financiamento das tornas pelo Estado, em substituição da CRP-RATP, quando da integração dos direitos de base do regime especial nos regimes de direito comum não constituem auxílios estatais na acepção do artigo 87, n.o 1, do Tratado CE.

Artigo 3.o

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.

Feito em Bruxelas, em 13 de Julho de 2009.

Pela Comissão

Antonio TAJANI

Vice-Presidente


(1)  JO C 9 de 15.1.2008, p. 13.

(2)  Ibid.

(3)  Journal Officiel de la République française de 26 de Março e 3 de Abril de 1948.

(4)  Artigo 2.o da portaria n.o 59-151, de 7 de Janeiro de 1959, conforme alterada, relativa à organização dos transportes de passageiros na região parisiense (Journal Officiel de la République française de 10 de Janeiro de 1959), que alterou a lei de 1948 supramencionada.

(5)  A legislação subordina essa possibilidade às condições seguintes: fora da região de Ile-de-France e no estrangeiro, a RATP pode igualmente construir, equipar e explorar, por meio de filiais, redes e linhas de transporte público de passageiros, no respeito recíproco das regras de concorrência. As filiais devem ter o estatuto de sociedade anónima e a sua gestão deve ser autónoma no plano financeiro, no quadro dos objectivos do grupo. As filiais não podem beneficiar de subvenções do Estado, do Syndicat des Transports d’Ile-de-France e de outras entidades públicas a título do investimento e do funcionamento dos transportes na região de Ile-de-France.

(6)  O estatuto do pessoal da RATP define os princípios de classificação dos trabalhadores e as disposições relativas, designadamente, às seguintes situações:

cessação de funções, precisando as regras a aplicar em caso de demissão, despedimento ou destituição;

licenças (férias anuais, licenças especiais de ordem familiar, etc.);

promoções.

Anteriormente à reforma do regime especial de pensões, o estatuto do pessoal da RATP previa igualmente (artigo 51.o) as condições de passagem à reforma, com base no regulamento existente na matéria. Este regulamento foi revogado em 1 de Julho de 2008 (artigo 52.o do decreto n.o 2008-637, de 30 de Junho de 2008).

(7)  Journal Officiel de la République française de 10 de Janeiro de 1959.

(8)  JO L 315 de 3.12.2007, p. 1.

(9)  Journal Officiel de la République française de 24 de Setembro de 1959.

(10)  Lei n.o 2003-775, de 21 de Agosto de 2003, que reforma o sistema de pensões.

(11)  Decreto n.o 2008-48, de 15 de Janeiro de 2008, relativo ao regime especial de pensões do pessoal da Régie Autonome des Transports Parisiens.

(12)  Decreto n.o 2008-637, de 30 de Junho de 2008, que regulamenta as reformas do pessoal da Régie Autonome des Transports Parisiens.

(13)  Decreto n.o 2008-1514, de 30 de Dezembro de 2008, relativo a certos regimes especiais de segurança social e ao regime de pensões complementar dos seguros sociais aplicáveis aos funcionários não titulares do Estado e das autarquias.

(14)  O financiamento dos regimes de repartição assenta na solidariedade entre gerações. O equilíbrio financeiro destes regimes depende da relação entre o número de contribuintes e o número de reformados. Os dois factores principais da sua evolução são, assim, as taxas de crescimento respectivamente das receitas e da população activa empregada.

(15)  Decreto n.o 2005-1635, de 26 de Dezembro de 2005, relativo à caixa de pensões do pessoal da Régie Autonome des Transports Parisiens.

(16)  Decreto n.o 2005-1638, de 26 de Dezembro de 2005, que fixa as taxas das contribuições para a caixa de pensões do pessoal da Régie Autonome des Transports Parisiens.

(17)  CNAV: Caisse Nationale d’Assurance Vieillesse.

(18)  AGIRC: Association générale des instituitions de retraite des cadres.

(19)  ARRCO: Association pour le régime de retraite complémentaire des salariés.

(20)  A integração financeira não interfere com o regime especial e as regras deste. O objectivo é retirar do balanço das empresas abrangidas o passivo associado às pensões. Ao contrário da assimilação, a integração exclui qualquer relação directa entre o regime de direito comum e as empresas, assalariados e pensionistas do grupo integrado. Graças a uma estrutura «ecrã» criada entre as empresas e os assalariados do sector integrado, por um lado, e o regime de direito comum, por outro lado, a integração limita-se à organização dos fluxos financeiros globais através de operações «virtuais». Estas são virtuais na medida em que os trabalhadores não têm nenhum vínculo jurídico ou administrativo directo com as instituições do regime de acolhimento e em que, para a determinação dos seus direitos de pensão e a revalorização das pensões pagas, se continuam a aplicar unicamente as regras do regime especial.

(21)  Os direitos próprios do regime especial, ou direitos «específicos», correspondem à diferença entre os direitos de pensão adquiridos a título do regime especial da RATP e a parte correspondente às prestações do regime de direito comum, ou seja, aos direitos de base. Os direitos «específicos» do regime especial da RATP correspondem, portanto, aos direitos de pensão que excedem os normalmente assumidos pelos regimes de direito comum. Estes direitos específicos, que deverão, aliás, ser progressivamente suprimidos no quadro da reforma dos regimes especiais de pensões (ver considerando 21), continuam a cargo da CRP-RATP.

(22)  A diferença entre os rácios de encargos de dois regimes depende, por um lado, do nível e da estrutura das remunerações (que influem nos encargos com as pensões) e, por outro lado, da base demográfica (e.g., uma base de contribuintes proporcionalmente mais restrita, que influi no montante das contribuições).

(23)  Informação confidencial milhões

(24)  JO L 83 de 27.3.1999, p. 1.

(25)  Acórdão de 5 de Outubro de 1999 do Tribunal de Justiça no processo C-251/97, França/Comissão, Col. I-6639, n.o 40.

(26)  Acórdão de 16 de Março de 2004 do Tribunal de Primeira Instância no processo T-157/01, Danske Busvognmaend/Comissão, Col. II-917.

(27)  Acórdão de 23 de Março de 2006 do Tribunal de Justiça no processo C-237/04, Enirisorse SpA/SotaCRP-RATPbo SpA, Col. I-2843.

(28)  Segundo o relatório do Senador Bertrand Auban, apresentado em 9 de Julho de 2008 em nome da comissão das finanças, do controlo orçamental e das contas económicas do Estado, as responsabilidades associadas às pensões são estimadas em 21000 milhões de EUR.

(29)  Decisão 2008/204/CE da Comissão, de 10 de Outubro de 2007, relativa aos auxílios estatais concedidos pela França com vista à reforma das modalidades de financiamento das pensões dos funcionários públicos destacados junto de La Poste (JO L 63 de 7.3.2008, p. 16).

(30)  Acórdão de 14 de Fevereiro de 1990 do Tribunal de Justiça no processo C-301/87, França/Comissão, Col. I-307, n.o 41.

(31)  Ver o acórdão de 20 de Setembro de 2000 do TPI no processo T-55/99, Espanha/Comissão, Col. II-3207, n.o 82.

(32)  Processo C-390/98, H. J. Banks & Co. Ltd/The Coal Authority e Secretary of State for Trade and Industry, Col. I-6117, n.o 33.

(33)  Ver, a este propósito, a Decisão 2008/204/CE atrás citada e a Decisão da Comissão, de 10 de Outubro de 2007, relativa à reforma do financiamento do regime de pensões do sector bancário na Grécia (JO C 308 de 19.12.2007, p. 9).

(34)  Ver as decisões mencionadas na nota de rodapé 6.

(35)  Ver secções 2 e 3.

(36)  Processo C-34/01, Enirisorse SpA/Ministero delle Finanze, Col. I-14243.

(37)  Ver ponto 63 das orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à restruturação de empresas em dificuldade (JO C 244 de 1.10.2004, p. 2).

(38)  Processo T-157/01, Danske Busvognmaend/Comissão, Col. II-917.

(39)  Processo 173/73, Itália/Comissão, Col. p. 709, n.o 13; acórdão de 24 de Fevereiro de 1987 no processo C-310/85, Deufil/Comissão, Col. p. 901, n.o 8; acórdão de 26 de Setembro de 1996 no processo C-241/94, França/Comissão, Col. I-4551, n.o 20.

(40)  Processo C-387/92, Banco Exterior, Col. I-877, n.o 13; acórdão no processo C-241/94, já citado, n.o 34.

(41)  Processo C-5/01, Bélgica/Comissão, Col. p. I-1191, n.o 39.

(42)  Processo 30/59, Gezamenlijke Steenkolenmijnem in Limburg/Haute Autorité, Col. p. 3, n.os 29 e 30; acórdão no processo C-173/73, já citado, n.os 12 e 13; acórdão no processo C-241/94, já citado, n.os 29 e 35; processo C-251/97, França/Comissão, Col. I-6639, n.os 40, 46 e 47.

(43)  Ver processo C-156/98, Alemanha/Comissão, Col. I-6857, n.o 30, e a jurisprudência já citada.

(44)  Ver, por exemplo, processo C-730/79, Philip Morris/Comissão, Col. p. 2671, n.os 11 e 12, e processo T-214/95, Vlaams Gewest/ Comissão, Col. II-717, n.os 48 a 50.

(45)  Processo T-222/04, Itália/Comissão, n.o 45.

(46)  Note-se que não é necessário que a própria empresa participe nas trocas comerciais intracomunitárias. De facto, quando um Estado-Membro concede um auxílio a uma empresa, a actividade interna pode ser mantida ou aumentada por esse facto, daí resultando que as hipóteses de empresas estabelecidas noutros Estados-Membros entrarem no mercado desse Estado-Membro são diminuídas. Por outro lado, o reforço da posição de uma empresa que, até então, não participava em trocas comerciais comunitárias pode colocá-la numa situação que facilita a sua entrada no mercado de outro Estado-Membro (ver processo C 301/99, Itália/Comissão, Col. I-2289, n.o 84).

(47)  Ver considerando 21.

(48)  Ver o relatório conjunto da Comissão e do Conselho sobre pensões adequadas e sustentáveis, CS/7165/03 de 18 de Março de 2003.

(49)  JO L 49 de 22.2.2005, p. 9.

(50)  Comunicação da Comissão relativa à metodologia de análise dos auxílios estatais ligados a custos ociosos [SG (2001) D/290869 de 6.8.2001].

(51)  Decidiu, assim, o Tribunal, nos processos conjuntos C-159 e C-160/91, Poucet et Pistre, que as caixas de previdência ou os organismos que participam na gestão do serviço público de segurança social desempenham uma função de natureza exclusivamente social, já que esta actividade se funda no princípio da solidariedade nacional e não tem fins lucrativos. Segundo o Tribunal, as prestações pagas são prestações legais e que não dependem do montante das contribuições, do que resulta não ser esta uma actividade económica nem constituírem os organismos dela encarregados empresas na acepção dos artigos 81.o e 82.o do Tratado.