31999D0197

1999/197/CE: Decisão da Comissão de 22 de Julho de 1998 relativa ao aumento de capital notificado da Air France [notificada com o número C(1998) 2404] (Apenas faz fé o texto em língua francesa) (Texto relevante para efeitos do EEE)

Jornal Oficial nº L 063 de 12/03/1999 p. 0066 - 0076


DECISÃO DA COMISSÃO de 22 de Julho de 1998 relativa ao aumento de capital notificado da Air France [notificada com o número C(1998) 2404] (Apenas faz fé o texto em língua francesa) (Texto relevante para efeitos do EEE) (1999/197/CE)

A COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia e, nomeadamente o n.° 2, primeiro parágrafo, do seu artigo 93.°,

Tendo em conta o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu e, nomeadamente o n.° 1, alínea a), do artigo 62.°, e o seu Protocolo n.° 27,

Tendo notificado os interessados, em conformidade com o artigo 93.° do Tratado, para apresentarem as suas observações dando início ao processo em 25 de Maio de 1994 e tendo em conta essas observações,

Considerando o que segue:

I. OS FACTOS

(1) Pela Decisão 94/653/CE (1) (de ora em diante designada «a decisão de 1994»), a Comissão autorizou a França a conceder à Compagnie Nationale Air France (de ora em diante designada «Air France») um auxílio estatal no montante de 20 000 milhões de francos franceses. Dizem os dois primeiros artigos da decisão:

«Artigo 1.°

O auxílio a conceder a favor da Air France no período 1994-1996, sob a forma de injecção de capital no montante de 20 mil milhões de francos franceses, a pagar em três parcelas, e destinado à reestruturação da empresa de acordo com o "Projet pour l'entreprise", é compatível com o mercado comum e o Acordo EEE, nos termos do n.° 3, alínea c), do artigo 92.° do Tratado e do n.° 3, alínea c), do artigo 61.° do Acordo EEE, na condição de o Estado francês respeitar os seguintes compromissos:

1. A totalidade do auxílio beneficiará exclusivamente a Air France. Por Air France entende-se a Compagnie Nationale Air France e qualquer empresa sobre a qual a mesma exerça um controlo superior a 50 %, com excepção da Air Inter. De modo a evitar quaisquer transferências do auxílio para a empresa Air Inter, será criado antes de 31 de Dezembro de 1994 um holding que terá uma participação maioritária nas empresas Air France e Air Inter. Não será efectuada entre as empresas do grupo, antes ou depois da criação efectiva do holding, qualquer transferência financeira que não constitua uma operação comercial normal. Deste modo, todas as prestações de serviços e cedências de bens entre as empresas serão efectuadas aos preços de mercado; em caso algum a Air France aplicará tarifas preferenciais a favor da Air Inter.

2. O processo de privatização da Air France será iniciado logo que a situação económica e financeira da empresa o permita, em conformidade com o plano, tendo igualmente em conta a situação dos mercados financeiros.

3. A Air France prosseguirá a execução integral do "Projet pour l'entreprise" apresentado à Comissão Europeia em 18 de Março de 1994, nomeadamente no que respeita aos objectivos de produtividade abaixo referidos, expressos no rácio EPKT/empregado durante a execução do plano de reestruturação:

- 1994: 1 556 200 EPKT/empregado,

- 1995: 1 725 500 EPKT/empregado,

- 1996: 1 829 200 EPKT/empregado.

4. As autoridades francesas assumirão relativamente à Air France um comportamento normal de accionista, permitindo que a empresa seja gerida apenas de acordo com princípios comerciais e não interferindo na sua gestão por motivos não relacionados com a referida natureza de accionista.

5. As autoridades francesas não concederão à Air France, em conformidade com o direito comunitário, outras dotações ou auxílios de qualquer espécie.

6. Durante a vigência do plano, o auxílio será utilizado exclusivamente pela Air France para a sua reestruturação e não para adquirir novas participações em outras transportadoras aéreas.

7. Durante a vigência do plano, o número de aviões da frota da Compagnie Nationale Air France explorados pela mesma não será aumentado para mais de 146.

8. Durante a vigência do plano, a oferta da Compagnie Nationale Air France não será aumentada para níveis superiores aos atingidos em 1993, nas rotas seguintes:

- Paris - destinos situados no Espaço Económico Europeu [7 045 milhões de lugares-km-oferecidos (ASK)],

- Província - destinos situados no Espaço Económico Europeu [1 413,4 milhões de lugares-km-oferecidos (ASK)];

Esta oferta poderá ser aumentada de 2,7 % por ano, excepto no caso de a taxa de crescimento de cada mercado correspondente ser inferior.

Todavia, se a taxa de crescimento anual dos mercados em causa exceder 5 %, a oferta poderá ser aumentada, além de 2,7 %, da percentagem do crescimento superior a 5 %.

9. Durante a vigência do plano, a Air France não adoptará práticas que levem a propor tarifas inferiores às praticadas pelos seus concorrentes para uma oferta equivalente, nas rotas exploradas no interior do Espaço Económico Europeu.

10. O Estado francês não concederá à Air France um tratamento preferencial em matéria de direitos de tráfego.

11. Durante a vigência do plano, a Air France não explorará entre a França e os restantes países do Espaço Económico Europeu um número de linhas regulares superior ao explorado em 1993 (89 linhas).

12. Durante a vigência do plano, a oferta da Air Charter será limitada aos níveis de 1993 (3 047 lugares e 17 aviões), com a possibilidade de um aumento anual correspondente à taxa de crescimento do mercado.

13. Qualquer cedência de bens e prestações de serviços da Air France a favor da Air Charter será feita aos preços do mercado.

14. A Air France cederá, nas condições financeiras, comerciais e jurídicas mais favoráveis e antes do final do ano, a sua participação na sociedade hoteleira Meridien.

15. O Estado francês prosseguirá, nos melhores prazos e em cooperação com a empresa dos aeroportos de Paris, a alteração das regras de distribuição do tráfego aplicáveis ao sistema de aeroportos de Paris, em conformidade com a decisão da Comissão de 27 de Abril de 1994 relativa à abertura da ligação Orly-Londres.

16. O Estado francês velará por que os trabalhos necessários à renovação dos dois terminais do aeroporto de Orly efectuados pela empresa dos aeroportos de Paris, bem como uma eventual saturação de um dos referidos terminais, não afecte as condições de concorrência em detrimento das transportadoras aéreas que os utilizam.

Artigo 2.°

De modo a assegurar que o montante do auxílio permanece compatível com o mercado comum, o pagamento da segunda e terceira parcelas do aumento de capital está sujeita ao respeito dos referidos compromissos, à aplicação efectiva do "Projet pour l'entreprise" e à concretização dos resultados previstos (nomeadamente no que respeita aos resultados de exploração e aos rácios de produtividade, expressos em EPKT/empregado, bem como à venda dos activos).

O Estado francês apresentará à Comissão relatórios sobre o avanço do programa de reestruturação e a situação económica e financeira da Air France. Os relatórios serão apresentados, pelo menos, oito semanas antes do pagamento da segunda e terceira parcelas do auxílio, em 1995 e 1996.

A Comissão fará acompanhar por consultores independentes, escolhidos pela Comissão em colaboração com o Estado francês, a evolução da conjuntura e do mercado, a execução correcta do plano e o respeito das condições associadas à aprovação do auxílio.».

(2) A decisão de 1994 foi impugnada no Tribunal de Primeira Instância pelas companhias British Airways, SAS, KLM, Air UK, Euralair e TAT, requerentes no processo T-371/94, por um lado, e pela British Midland, requerente no processo T-394/94, por outro lado. Por acórdão de 25 de Junho de 1998, o Tribunal de Primeira Instância deliberou sobre estes dois recursos e anulou a decisão de 1994. As conclusões da fundamentação do acórdão do tribunal são as seguintes (n.° 454 do acórdão):

«A análise do conjunto dos fundamentos invocados nos presentes processos revelou que a decisão padece de um vício de falta de fundamentação em dois pontos, relativos, respectivamente, à compra de 17 novos aviões que representa um montante de 11,5 mil milhões de francos franceses (ver supra, n.os 84 a 120) e à situação concorrencial da Air France na rede de linhas fora do EEE com o correspondente tráfego aéreo de afluência (ver supra, n.os 238 a 280). O Tribunal considera que estes dois pontos são de uma importância crucial na economia geral da decisão impugnada. Em consequência, a decisão deve ser anulada».

(3) No que se refere mais concretamente ao vício de falta de fundamentação no ponto respeitante à compra de 17 novos aparelhos, o Tribunal começou por recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça (2), citada pelas recorrentes no decurso do processo administrativo prévio à decisão de 1994, de acordo com a qual os investimentos destinados a assegurar a renovação ou a modernização periódica ou normal da capacidade de produção de uma empresa não podem ser financiados com auxílios estatais. Seguidamente, de acordo com o Tribunal, a decisão de 1994 «admite que o auxílio servirá ao financiamento do investimento na frota que implica a compra de 17 novos aviões» e que «em qualquer caso, a decisão não proíbe que o auxílio possa ser utilizado, pelo menos parcialmente, para o financiamento desse investimento», visto que «o único meio financeiro autónomo da Air France destinado a contribuir para o financiamento deste investimento, isto é, a cessão de activos, só deve render 7 mil milhões de francos franceses, quando o custo do financiamento em causa ascende a 11,5 mil milhões de francos franceses» (n.° 111). O Tribunal considera que a compra dos 17 aviões constitui «manifestamente uma modernização da frota da Air France» e que, na fundamentação da decisão de 1994, a Comissão descurara precisar se tolerava, a título excepcional, o financiamento desta compra por meio do auxílio estatal porque considerava a jurisprudência anteriormente referida «impertinente nas circunstâncias particulares do presente caso ou se pretendia demarcar-se do próprio princípio afirmado por essa jurisprudência» (n.° 112). O Tribunal assinalou que a própria prática decisória da Comissão traduz uma oposição de princípio a todos os auxílios ao funcionamento destinados a financiar a modernização normal das instalações, concluindo:

«De onde resulta que não se vislumbra através da fundamentação da decisão impugnada se a Comissão examinou efectivamente se - e, em caso afirmativo, por que razões - a modernização da frota da Air France podia ser parcialmente financiada por um auxílio destinado à reestruturação da companhia, e isso contrariamente à jurisprudência acima mencionada e à sua própria prática decisória» (n.° 114).

(4) O Tribunal acrescentou que as observações apresentadas pelos agentes da Comissão no decurso do processo, segundo as quais o auxílio em causa se destinava exclusivamente ao desendividamento da Air France e não à compra dos 17 novos aviões, não podem ser aceites na medida em que os fundamentos da decisão de 1994 as contrariam e que qualquer alteração da fundamentação compete unicamente ao colectivo dos membros da Comissão. O Tribunal considerou também haver contradição entre as explicações de que o plano de reestruturação devia dar lugar a uma margem bruta de autofinanciamento que permitiria à Air France fazer face às suas despesas de exploração e investimento, por um lado, e a fundamentação da decisão de 1994, da qual resulta que o equilíbrio financeiro e a rentabilidade da Air France só deveriam ser restabelecidos no final de 1996, por outro (n.° 119).

(5) No que se refere à posição concorrencial da Air France na sua rede de linhas fora do Espaço Económico Europeu (EEE) com o tráfego de afluência correspondente, o Tribunal, após ter lembrado que esta questão havia sido levantada por algumas das requerentes no decurso do processo administrativo prévio à adopção da decisão de 1994, verifica que «a fundamentação da decisão impugnada não inclui qualquer indicação, mesmo mínima, da situação concorrencial da Air France fora do EEE» (n.° 270). O Tribunal assinala que não existe nenhuma análise da rede internacional da Air France e que as condições em matéria de oferta e práticas tarifárias associadas à autorização do auxílio visavam apenas as ligações internas ao EEE, apesar de a Comissão ter, num processo relacionado com a aplicação do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (3), procedido a uma análise do mercado relevante em que intervém a noção de substituibilidade dos voos, e que o plano de reestruturação da Air France prevê expressamente o desenvolvimento dos voos de longo curso. O Tribunal entende que «tendo em consideração esta prática decisória e as observações feitas a este respeito pelas partes interessadas, a Comissão estava obrigada a pronunciar-se sobre a problemática das ligações aéreas fora do EEE asseguradas pela Air France, beneficiária do auxílio autorizado, em situação de concorrência com outras companhias situadas no interior do EEE» (n.° 273) e que, não tendo alargado as condições anteriormente mencionadas às linhas fora do EEE asseguradas pela Air France, «a Comissão estava obrigada a avaliar - no quadro do seu exame do mercado relevante - as eventuais possibilidades de substituição dos voos fora do EEE operados, por exemplo, a partir de Paris, Londres, Roma, Francoforte, Copenhaga, Amesterdão ou Bruxelas e, portanto, a eventual situação de concorrência, nesses voos, entre as companhias aéreas cujo terminal está situado numa destas cidades» (n.° 274).

(6) O Tribunal acrescenta que o comportamento da Air France nas ligações fora do EEE à partida do aeroporto de Paris-Charles de Gaulle pode ter repercussões no tráfego aéreo de afluência para este terminal, eventualmente em detrimento do tráfego aéreo de afluência para outros terminais e que, consequentemente, a Comissão se deveria igualmente ter pronunciado, na fundamentação da sua decisão, sobre a situação das pequenas companhias aéreas, frequentemente dependentes de certas linhas específicas.

(7) O Tribunal assinala ainda que nenhuma das condições associadas à decisão de 1994 impostas pela Comissão pode remediar o vício de falta de fundamentação de que padece esta decisão no que se refere às linhas fora do EEE. O Tribunal rejeitou também, considerando-a não coberta pelo princípio da colegiabilidade, a argumentação da Comissão e das intervenientes de que restrições impostas à Air France nas ligações fora do EEE, regidas por acordos bilaterais, teriam apenas beneficiado as companhias externas ao EEE e seriam, portanto, manifestamente contrárias ao interesse comum. O Tribunal conclui não estar em condições de apreciar a procedência dos argumentos desenvolvidos quanto aos efeitos do auxílio na posição concorrencial da Air France relativamente à sua rede de linhas fora do EEE e do tráfego aéreo de afluência correspondente e que também não está em condições «de se pronunciar sobre a argumentação relativa às práticas tarifárias da Air France na sua rede fora do EEE, alegadamente financiadas pelo auxílio, enquanto medidas operacionais» (n.° 280).

(8) Importa assinalar que todos os outros fundamentos apresentados pelas requerentes, tanto os relativos à tramitação incorrecta do processo administrativo como os relativos a erros de apreciação e erros de direito, em particular a alegada violação do princípio da proporcionalidade quanto ao montante do auxílio, a alteração das condições do comércio de maneira contrária ao interesse comum ou ainda a incapacidade do plano de reestruturação para restabelecer a viabilidade económica da Air France, foram considerados improcedentes pelo Tribunal.

II. APRECIAÇÃO JURÍDICA

(9) Nos termos do artigo 176.° do Tratado, «a instituição ou as instituições de que emane o acto anulado, ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária ao presente Tratado, devem tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça».

(10) Estas disposições foram explicitadas pelo Tribunal da seguinte forma: «Para dar cumprimento ao acórdão e executá-lo plenamente, a instituição é obrigada a respeitar não apenas a sua parte decisória, mas igualmente a motivação que conduziu a ela e que constitui o seu fundamento necessário, na medida em que é indispensável para determinar o sentido exacto do que foi estabelecido na parte decisória. Com efeito, é esta motivação que, por um lado, identifica exactamente a disposição considerada ilegal e, por outro lado, revela as razões exactas da ilegalidade declarada na parte decisória, que têm de ser tomadas em consideração pela instituição, ao substituir o acto anulado» (4). O Tribunal assinalou igualmente que incumbe à instituição de que emana o acto determinar as medidas que comporta a execução de um acórdão de anulação (5).

(11) No caso vertente, e a fim de se ter na devida conta o acórdão do Tribunal, compete à Comissão tomar uma nova decisão que comporte a fundamentação dos dois pontos relativamente aos quais o Tribunal considerou haver vício de falta de fundamentação. Por outro lado, tendo a decisão de 1994 sido anulada por vício de forma, o artigo 176.° não impõe à Comissão o reinício do processo que conduziu à decisão nem a repetição de todo o processo antes da adopção de uma nova decisão. É, com efeito, jurisprudência constante que, quando a anulação de um acto se funda em vício de forma ou processual, a instituição em causa pode retomar o processo a partir da fase em que se verificou o vício (6). Em particular, visto que, como indicou o Tribunal no seu acórdão de 25 de Junho de 1998 (n.° 81), a presente decisão se deve fundar nos elementos de facto existentes à data em que a decisão de 1994 foi tomada, que os Estados-membros e os outros interessados directos tiveram já ocasião de exprimir os seus pontos de vista no âmbito do processo administrativo prévio à adopção da decisão de 1994 e que os direitos processuais foram, portanto, respeitados, a Comissão pode tomar uma nova decisão sem reiniciar o processo previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado.

(12) Conforme lembrou o Tribunal no seu acórdão de 25 de Junho de 1998, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela autoridade comunitária, autora do acto impugnado, por forma a permitir ao juiz comunitário exercer o seu controlo e aos interessados conhecer as razões da medida adoptada, a fim de poderem defender os seus direitos (7). Por outro lado, segundo jurisprudência constante, a questão de saber se a fundamentação de uma decisão satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz, não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (8). A este respeito, ainda que não esteja obrigada a responder, na fundamentação de uma decisão, a todas as questões de facto e de direito invocadas pelos interessados no decurso do processo administrativo, a Comissão deve, todavia, ter em conta todas as circunstâncias e todos os elementos relevantes do caso, a fim de permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade e dar a conhecer aos Estados-membros e aos cidadãos interessados em que termos aplicou o Tratado (9).

(13) A fim de dar cumprimento às referidas obrigações no que respeita aos dois pontos relativamente aos quais o Tribunal considerou haver vício de falta de fundamentação, a Comissão insiste, primeiramente, no facto de o auxílio concedido à Air France constituir um auxílio à reestruturação da empresa. Em conformidade com o n.° 3, alínea c), do artigo 92.° do Tratado, a Comissão considera que os auxílios à reestruturação de empresas em dificuldade podem contribuir para o desenvolvimento de certas actividades económicas sem afectar as trocas comerciais de maneira que se contrarie o interesse comum. Compete assim à Comissão assegurar, sob controlo do juiz comunitário, a disciplina necessária para que a intervenção dos Estados-membros não se faça em detrimento das actividades económicas, apreciadas do ponto de vista do interesse comum. Neste exercício, a Comissão dispõe do poder de apreciação indispensável para identificar e precisar as condições em que a intervenção nacional em favor de empresas específicas não tem por efeito a transferência das dificuldades de um Estado-membro para outro e pode ser considerada favorável ao interesse comum do desenvolvimento das actividades de um sector económico. A prática decisória da Comissão na matéria foi exposta logo em 1978 no seu oitavo relatório sobre a política da concorrência: os auxílios às empresas em dificuldade podem justificar-se à luz do Tratado se estiverem subordinados à execução de um programa de reestruturação bem articulado, destinado a sanear duradouramente a situação e a restabelecer a competitividade das empresas, e se se limitarem ao estritamente necessário para assegurar o equilíbrio da empresa durante o inevitável período que decorre até que o programa dê frutos (10). Esta abordagem foi confirmada na comunicação da Comissão relativa aos auxílios de Estado no sector da aviação (11), que retoma a prática seguida pela Comissão, nomeadamente nas suas Decisões 94/118/CE, relativa à Aer Lingus (12), 94/698/CE, relativa à TAP (13), e 94/696/CE, relativa à Olympic Airways (14), tendo sido exposta em termos mais gerais nas orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (15).

(14) Neste último documento, a Comissão lembra que uma reestruturação «faz parte de um plano exequível, coerente e de grande envergadura, destinado a restaurar a viabilidade a longo prazo de uma empresa. A reestruturação inclui normalmente um ou mais dos seguintes elementos: a reorganização e racionalização das actividades da empresa numa base mais eficiente, que conduz normalmente essa empresa a abandonar as actividades que deixaram de ser viáveis ou que já são deficitárias, a reestruturação das actividades cuja competitividade pode ser restaurada e, por vezes, o desenvolvimento ou a diversificação de novas actividades rendíveis. Normalmente, a reestruturação em termos físicos deve ser acompanhada de uma reestruturação financeira (injecções de capital, redução do passivo). Os planos de reestruturação têm em conta, nomeadamente, as circunstâncias que conduziram às dificuldades da empresa, a oferta e a procura no mercado dos produtos relevante e a sua evolução previsível, bem como os pontos fortes e fracos específicos da empresa. Estes planos permitem uma transição metódica da empresa para uma nova estrutura que lhe abre perspectivas de viabilidade a longo prazo e a possibilidade de funcionar com os seus próprios recursos sem ter de recorrer de novo a auxílios estatais» (ponto 2.1). Quando examina, à luz das disposições do artigo 92.° do Tratado, uma operação de reestruturação que comporta um auxílio estatal, a Comissão deve primeiramente determinar se o restabelecimento da empresa pode ser considerado um objectivo da política comunitária. Seguidamente, a Comissão verifica se o auxílio assegura o retorno à viabilidade, por um lado, e se é proporcional aos custos e benefícios da reestruturação e não cria distorções indevidas da concorrência, por outro. A este título, a Comissão pode subordinar uma decisão de autorização ao respeito de certas condições.

(15) Assim, no caso presente, a Comissão considerou, na sua decisão de 1994, ser do interesse da Comunidade favorecer o êxito da reestruturação da Air France e assegurar a sua viabilidade a longo prazo, apreciação esta que o Tribunal não pôs em causa (n.° 235 do acórdão).

Fundamento relativo ao financiamento da renovação da frota

(16) No quadro atrás referido, relativamente ao financiamento da compra de novos aparelhos pela Air France durante a fase de reestruturação, convém assinalar que a reestruturação da companhia tem por base um programa global e autónomo, de modo a que a companhia possa, num prazo de tempo razoável, voltar a ser viável sem concessão de mais nenhum auxílio (16). A reestruturação compreende a reorganização e racionalização das actividades da Air France, reduções programadas de custos, o abandono da exploração de certas ligações deficitárias, o aumento da eficiência e da produtividade, cessões de activos, redução dos consideráveis encargos financeiros que pesam sobre a empresa, tudo medidas sem as quais o retorno à viabilidade está condenado ao fracasso. O conjunto destas operações é financiado em parte pela recapitalização da empresa, num montante total de 20 mil milhões de francos franceses. Esta injecção constitui, portanto, um elemento indispensável e indissociável da reestruturação global da companhia, tal como ressalta do relatório elaborado pela firma Lazard Frères.

(17) Dadas a globalidade da operação de reestruturação e a indispensabilidade da recapitalização, o montante total do auxílio serve para financiar o conjunto das medidas de reestruturação. Estas podem ser de natureza diferente: puramente «estruturais», como as medidas de reorganização da actividade; sociais (17), como as que se traduzem em reduções de efectivos (despedimentos, pré-reforma, etc.); financeiras, por exemplo a cobertura dos prejuízos acumulados da empresa ou mesmo a cobertura dos prejuízos incorridos no período de reestruturação (18). Pode igualmente tratar-se de medidas relacionadas com a actividade ou o funcionamento normais da empresa. Resumindo, a natureza da medida cofinanciada pelo auxílio não é determinante, na medida em que essa medida se integre num plano de reestruturação susceptível de assegurar o retorno da empresa à viabilidade e que estejam reunidas as condições atrás mencionadas de proporcionalidade e inexistência de distorções indevidas da concorrência (19). No caso vertente, a compra de novos aparelhos constitui parte integrante do plano de reestruturação da Air France, podendo a viabilidade da reestruturação ficar comprometida se não se procedesse à renovação da frota, como indicou a Comissão na decisão de 1994. O Tribunal reconheceu que a fundamentação da decisão neste ponto era suficiente (n.° 102 do acórdão). A Comissão considera, portanto, que não há qualquer obstáculo a que o auxílio recebido pela Air France financie a renovação da frota.

(18) É certo que, como lembrou o Tribunal (n.° 113 do acórdão), os auxílios ao funcionamento destinados a financiar a modernização normal das instalações e a libertar uma empresa dos custos que deveria normalmente suportar no âmbito da gestão corrente não podem, em princípio, ser objecto de derrogação à proibição prevista no n.° 1 do artigo 92.° do Tratado, salvo se os seus efeitos de distorção forem contrabalançados por um dos objectivos de interesse comum enunciados nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo (20). É neste contexto que se situa a referência à jurisprudência dos acórdãos Deufil e Glaverbel feita pelas recorrentes no decurso do processo administrativo. No caso presente, todavia, mesmo que não constituísse um investimento inicial e não respeitasse a equipamentos suplementares ou novos (21), a renovação da frota inscreve-se no quadro geral de uma operação de reestruturação, que compreende os elementos atrás especificados, em contraste com a situação existente no caso da referida jurisprudência.

(19) Acresce que os investimentos em causa naqueles dois processos se inscreviam num contexto de importante excesso de capacidade nos mercados relevantes e que, no caso Deufil, o investimento tinha permitido à empresa duplicar a sua capacidade de produção. No caso presente, pelo contrário, a compra dos novos aparelhos não implica o aumento da oferta de lugares da Air France, por um lado, e o mercado europeu dos transportes aéreos não estava em 1994, por outro lado, afectado por uma crise estrutural de excesso de capacidade, como adiante se indica.

(20) Na notificação que enviaram à Comissão em 18 de Março de 1994, as autoridades francesas indicaram que o endividamento da Air France se reduziria de 34 mil milhões de francos franceses para 15 mil milhões de francos franceses entre o final de 1993 e o final de 1996 graças à injecção de capital. O relatório da Lazard Frères anexado à notificação prevê, aliás, a seguinte evolução dos fundos próprios e dívidas líquidas da Air France no referido período:

>POSIÇÃO NUMA TABELA>

Deste quadro conclui-se que o endividamento líquido da Air France deveria conhecer uma redução de 18,9 mil milhões de francos franceses entre o final de 1993 e o final de 1996. Tendo em conta o endividamento suplementar da companhia na primeira metade de 1994, a Comissão considera que o auxílio concedido à Air France se destina, integralmente, a reduzir o endividamento da companhia, correlativamente com o aumento dos fundos próprios, e não a financiar a compra de novos aparelhos. O quadro relativo ao financiamento, incluído no relatório da Lazard Frères, mostra também, aliás, que os recursos de exploração provenientes das cessões de activos (7 000 milhões de francos franceses) e da capacidade de autofinanciamento (12,1 mil milhões de francos franceses), que compreende não apenas os resultados da empresa como as dotações para provisões e amortizações, são amplamente suficientes para cobrir as necessidades de exploração (14 mil milhões de francos franceses), entre as quais figuram investimentos aeronáuticos no valor de 11,5 mil milhões de francos franceses. Convém, por fim, assinalar que as despesas líquidas em investimentos aeronáuticos no decurso do programa de reestruturação não ascendem a 11,5 mil milhões de francos franceses mas a 6,2 mil milhões de francos franceses, 3,5 dos quais se referem ao investimento em aviões, uma vez que o plano notificado à Comissão prevê recursos no montante de 4,1 mil milhões de francos franceses e 1,2 mil milhões de francos franceses, provenientes, respectivamente, da cessão de aviões e da venda de peças sobressalentes aeronáuticas durante o período 1994-1996.

Fundamento relativo à situação concorrencial da Air France nas linhas fora do EEE

(21) Relativamente, em segundo lugar, à situação concorrencial da Air France na sua rede de linhas com destino a países fora do EEE, cabe primeiramente indicar que os mercados relevantes definidos pela Comissão num processo de auxílios estatais são mais globais do que aqueles a que se refere a sua análise nos processos de concorrência nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado ou do Regulamento (CEE) n.° 4064/89. Assim, a comunicação da Comissão relativa aos auxílios de Estado no sector da aviação prevê que o mercado geográfico a considerar para limitar os efeitos de um auxílio na concorrência pode ser o mercado do EEE no seu conjunto ou mercados regionais específicos, caracterizados por níveis de concorrência importantes (22), ao passo que, ao aplicar os artigos 85.° e 86.° do Tratado aos mercados da aviação civil, a Comissão procede em parte a uma análise linha por linha (23).

(22) O acórdão do Tribunal de 25 de Junho de 1998 confirma a validade desta abordagem. Com efeito, na decisão de 1994, a Comissão absteve-se de proceder a uma análise linha por linha no interior do EEE, mas abordou de modo geral a questão da situação concorrencial da Air France no conjunto desse mercado. O Tribunal aceitou a posição adoptada pela Comissão, quer no plano da fundamentação (n.° 269) quer no seu próprio princípio (n.° 288). A Comissão considera, consequentemente, poder proceder a uma análise global similar no que respeita às linhas fora do EEE.

(23) No que se refere, por outro lado, às restrições a impor eventualmente para limitar as distorções decorrentes do auxílio ou as incidências nas trocas comerciais entre os Estados-membros, as orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade prevêem que o plano de reestruturação deverá incluir a redução da capacidade de produção quando exista excesso estrutural de capacidade no mercado comunitário em causa. O mesmo não se passa quando não há excesso de capacidade: «Se, por outro lado, não existir excesso de capacidade de produção no mercado relevante da Comunidade Europeia em que opera o beneficiário do auxílio, normalmente a Comissão não exigirá uma redução de capacidade em contrapartida do auxílio. Todavia, deve ser demonstrado à Comissão que o auxílio servirá apenas para restabelecer a viabilidade da empresa e que não permitirá ao seu beneficiário, durante a aplicação do plano de reestruturação, aumentar a sua capacidade de produção, excepto se tal for necessário para restabelecer a viabilidade da empresa sem que no entanto seja falseada a concorrência» (24). Esta abordagem é confirmada pela jurisprudência, que considera a redução de capacidade uma contrapartida aceitável das distorções da concorrência (25). No que se refere, todavia, à proporcionalidade dos mecanismos de restrição a impor eventualmente, a jurisprudência admite que não deve ser estabelecida qualquer relação quantitativa precisa entre os montantes dos auxílios e a importância da capacidade de produção a eliminar. A apreciação da Comissão a este respeito não se limita a um controlo unicamente baseado em critérios económicos, pode igualmente «ter em conta um grande leque de considerações de ordem política, económica ou social» no quadro do exercício do poder discricionário da Comissão (26).

(24) No caso vertente, a fim de evitar alterações nas condições das trocas comerciais de maneira que se contrariasse o interesse comum, a Comissão subordinou a sua decisão de autorização do auxílio ao respeito das seguintes condições principais: o compromisso de que o auxílio seria utilizado pela Air France exclusivamente para os fins da reestruturação; a limitação do número de aviões da Air France a 146 durante a vigência do plano; a limitação da oferta da Air France em termos de lugares-km-oferecidos no interior do EEE durante a vigência do plano; a proibição à Air France de adoptar práticas de líder tarifário (price leader) no interior do EEE durante a vigência do plano; a não concessão de tratamento preferencial à Air France em matéria de direitos de tráfego; a limitação do número de linhas regulares exploradas pela Air France entre a França e os outros países do EEE a 89. Entre estas condições, as referentes à não concessão de tratamento preferencial em matéria de direitos de tráfego e à limitação do número de aparelhos a 146 aplicam-se ao conjunto das ligações, incluindo as ligações aos países terceiros. No quadro do seu poder de apreciação global, a Comissão optou por não alargar às ligações exteriores ao EEE as outras condições, em particular a proibição da price leadership e a limitação do número de lugares-km-oferecidos, pelas três razões seguintes:

- a existência de garantias substanciais quanto ao conjunto das ligações,

- as condições da concorrência e as trocas intracomunitárias eram, em 1994, bastante mais afectadas pelo desenvolvimento das ligações internas ao EEE do que pelo desenvolvimento das ligações externas ao EEE,

- o alargamento das condições às ligações externas ao EEE beneficiaria essencialmente as companhias de países terceiros.

(25) Relativamente ao primeiro aspecto, a Comissão considera que o compromisso de utilização do auxílio exclusivamente para os fins da reestruturação da Air France e a limitação do número de aparelhos, que se aplicam cabalmente às ligações externas ao EEE, constituem contrapartidas substanciais do auxílio recebido pela Air France. Com efeito, como atrás se mostrou, deve considerar-se a injecção de capital no montante de 20 mil milhões de francos franceses utilizada unicamente para a redução do endividamento, excluindo uma utilização visando recorrer a práticas tarifárias ou outras susceptíveis de gerar prejuízos. Além disso, o plano de reestruturação notificado limita o número de aparelhos a 146 durante a sua vigência, limitação esta acompanhada ainda por uma ligeira diminuição do número total de lugares oferecidos; e, na sua comunicação sobre os auxílios de Estado no sector da aviação, a Comissão precisa que o objectivo do programa financiado pelo auxílio estatal «não deve ser o aumento da capacidade e da oferta da companhia aérea considerada em detrimento dos seus concorrentes europeus directos» e que «seja como for, o programa não deve levar a um aumento do número de aviões ou da capacidade (lugares) oferecida nos mercados relevantes, superior ao crescimento do mercado» (27).

(26) Ora, na decisão de 1994, a Comissão considerou que o mercado dos transportes aéreos europeus não estava afectado por uma crise estrutural de excesso de capacidade e que a situação do sector da aviação não justificava uma redução global da capacidade. O raciocínio da Comissão foi aceite pelo Tribunal nestes dois pontos (n.os 365 e 367 do acórdão). Cabe acrescentar aqui que a aviação civil é, desde há 50 anos, um dos sectores em que o crescimento a longo prazo tem sido mais forte. Este crescimento prosseguiu mesmo no período 1990-1994, período em que o transporte aéreo atravessou, no entanto, a mais grave crise da sua história. Conforme indicou a Comissão na decisão de 1994, as perspectivas de crescimento a longo prazo são da ordem dos 6 % ao ano. Num tal contexto, a ligeira diminuição do número total de lugares oferecidos pela Air France durante a vigência do programa, equivalente ao congelamento da sua capacidade de produção, afigura-se por si só uma séria limitação, em particular na falta de projectos de aliança com outras grandes companhias aéreas. As previsões de evolução do tráfego da Air France nas ligações fora do EEE durante o período 1990-1994, comunicadas à Comissão em Abril de 1994, apontam aliás, relativamente a cada uma das grandes regiões do mundo, para um crescimento do tráfego da Air France sensivelmente inferior ao do conjunto do tráfego, medido em número de passageiros-km-transportados (por exemplo, [ . . . ] contra [ . . . ] para a América do Norte, [ . . . ] contra [ . . . ] para a América do Sul, [ . . . ] contra [ . . . ] para a região Ásia/Pacífico, etc.) (28). Enfim, o risco de a Air France aproveitar o auxílio para oferecer mais capacidade e utilizar mais aparelhos nas ligações aos países terceiros revela-se diminuto na prática, na medida em que, por um lado, a capacidade que a Air France pode oferecer nestas ligações é enquadrada por acordos bilaterais, cuja alteração pressupõe o consentimento do Estado terceiro interessado, conforme indicado adiante, e que, por outro lado, os aparelhos de pequeno e médio curso utilizados nas linhas internas ao EEE dificilmente podem substituir-se aos aviões de longo curso utilizados nas ligações intercontinentais, que representam uma parte importantíssima das ligações externas ao EEE.

(27) Relativamente ao segundo aspecto, convém primeiro lembrar que a Comissão centra logicamente as limitações impostas à Air France nas ligações internas ao EEE, em que são de longe maiores os efeitos do auxílio, visto competir-lhe velar por que esses efeitos não alterem as condições da concorrência de maneira que contrarie o interesse da Comunidade. Importa seguidamente assinalar que o «terceiro pacote da aviação», que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1993, dá às transportadoras aéreas comunitárias toda a liberdade para proporem as tarifas, as frequências e a capacidade em lugares que desejem nas ligações internas ao EEE. As condições de exploração das ligações entre os diferentes países membros do EEE, por um lado, e os países não membros, por outro, são em contrapartida enquadradas, na grande maioria dos casos, por acordos bilaterais que, salvo em certas ligações transatlânticas, limitam estritamente a capacidade oferecida e as possibilidades de variações tarifárias. Os riscos de utilização de um auxílio estatal para financiar práticas anticoncorrência nas ligações internas ao EEE são, pois, naturalmente bastante mais elevados do que nas ligações fora do EEE. Na sua comunicação sobre os auxílios de Estado no sector da aviação, a Comissão indicou, aliás, expressamente, no que se refere às relações com países terceiros, que «as condições de acesso ao mercado e de limitação da concorrência estabelecidas em muitos acordos bilaterais com países terceiros parecem ser muito mais importantes do ponto de vista económico que eventuais auxílios de Estado» (29).

(28) Assim, um terço dos acordos bilaterais em vigor em 1994 entre a França e os países não membros do EEE contém uma cláusula de monodesignação, que limita a um o número de transportadoras passíveis de designação do lado francês. A quase totalidade destes acordos compreende cláusulas que limitam total ou parcialmente a oferta (em termos de frequências, capacidade em lugares, etc.) da transportadora ou transportadoras designadas por cada parte. Os acordos bilaterais assinados pela França que não prevêem disposições específicas de limitação da oferta representam uma proporção muito marginal. As relações bilaterais franco-americanas são um caso particular, visto que, após a denúncia do acordo que as regia em 1992, a capacidade oferecida por cada companhia devia ser aprovada por cada uma das partes para cada estação aeronáutica. As tarifas estão, por sua vez, totalmente enquadradas por acordos bilaterais concluídos pela França, visto relevarem, de forma quase sistemática, do princípio da dupla aprovação pelos Estados interessados (30). Por fim, todos estes acordos bilaterais restringem as possibilidades de designação às companhias «substancialmente participadas e efectivamente controladas» por nacionais franceses.

(29) Entre as ligações fora do EEE cuja exploração poderia ser afectada pelo auxílio concedido à Air France, há que distinguir os voos directos entre a França e os países não membros do EEE, por um lado, e os voos entre outros países membros do EEE e países não membros operados de forma indirecta via o terminal de correspondência do aeroporto de Paris-Charles de Gaulle.

(30) No mercado dos voos entre a França e os países não membros do EEE, na prática a Air France não está em concorrência directa com outras companhias comunitárias não francesas dadas as restrições impostas pelos acordos bilaterais em matéria de nacionalidade do transportador. A cláusula de monodesignação incluída em muitos acordos obsta também à designação de transportadoras francesas concorrentes da Air France. Em qualquer caso, mesmo que outra companhia francesa se apresentasse no mercado em resultado, em particular, da condição que proíbe o tratamento preferencial da Air France, as outras restrições impostas pelos acordos bilaterais em matéria de preços e oferta limitam fortemente as condições da concorrência. Note-se igualmente que o regime de dupla aprovação das tarifas exclui de facto qualquer risco de práticas tarifárias predatórias por parte de transportadoras designadas numa ligação extracomunitária, o que retira utilidade à proibição da price leadership. Uma limitação da capacidade oferecida pela Air France nas ligações extracomunitárias não teria também qualquer utilidade, visto que o enquadramento dos preços limita o interesse que uma transportadora poderia ter em proceder a um forte aumento da oferta de lugares nestas ligações, e isto no pressuposto que os acordos bilaterais autorizassem tal aumento. No mercado do Atlântico Norte, em particular, de longe o mais importante mercado intercontinental dos voos à partida de França, o controlo exercido pelas autoridades francesas e americanas desde 1992 visa na prática limitar o crescimento da capacidade oferecida.

(31) No mercado dos voos indirectos, via Paris-Charles de Gaulle, entre outros países membros do EEE e países não membros, existe uma certa forma de concorrência entre a Air France e os seus principais concorrentes comunitários que exploram igualmente terminais de correspondência. As condições desta concorrência são, todavia, igualmente limitadas por cláusulas restritivas dos acordos bilaterais concluídos entre os países membros e os países não membros do EEE, cujos efeitos foram explicitados atrás. Em geral, estes acordos não permitem que uma transportadora «de sexta liberdade» actue como price leader. Por outro lado, os serviços em causa apenas parcialmente se podem substituir mutuamente, visto que uma ligação directa não é comparável com um voo indirecto, que implica um compasso de espera em trânsito, frequentemente a mudança de aparelho e por vezes a mudança de aerogare, com o risco correspondente a nível do tratamento das bagagens. A Comissão considera haver um certo grau de substituibilidade nos mercados considerados, para o segmento da clientela interessado sobretudo em tarifas atractivas, essencialmente os turistas, entre o terminal de correspondências de Paris-Charles de Gaulle e outros terminais de correspondência situados na Comunidade. Esta substituibilidade é, em contrapartida, bastante diminuta para a clientela de negócios, mais sensível à duração do voo, ao respeito dos horários e à qualidade do serviço. Ora, é neste segmento da clientela que as margens das companhias são mais importantes e que os riscos de distorção da concorrência por utilização abusiva do auxílio são maiores.

(32) Importa também lembrar que o aeroporto de Paris-Charles de Gaulle não era em 1994 um terminal de correspondência eficiente que combinasse optimizadamente vagas sucessivas de chegadas e partidas de aviões. O tempo médio de correspondência era, em 1992, 2 horas e 48 minutos para os passageiros da Air France e a companhia oferecia em média, no início de 1994, 16 correspondências possíveis por voo à chegada (medidas em grau de oportunidade), contra 23 da Lufthansa em Francoforte e 29 da KLM em Amesterdão. Além disso, as ligações internas francesas têm principalmente como destino o aeroporto de Paris-Orly, situado a cerca de 40 quilómetros e com más ligações ao aeroporto de Paris-Charles de Gaulle. Este duplo obstáculo prejudica a «substituibilidade» do terminal de Paris-Charles de Gaulle. Assim, o número de passageiros da Air France em correspondência entre países membros do EEE (França excluída) e países não membros representava apenas 4 % e 5 % do tráfego da companhia em 1991 e 1993. Daqui resulta que os efeitos do auxílio no tráfego aéreo de afluência do terminal de Paris-Charles de Gaulle se podem considerar muito reduzidos. A situação das pequenas companhias aéreas que servem o aeroporto de Paris-Charles de Gaulle e os outros grandes terminais de correspondência europeus será, por conseguinte, pouco afectada.

(33) Relativamente ao terceiro aspecto, decorre do que atrás se expôs no que respeita às restrições impostas pelos acordos bilaterais em matéria de designação que qualquer limitação de capacidade ou preço imposta à Air France nas ligações entre a França e os países não membros do EEE beneficiaria essencialmente os transportadores residentes no exterior do EEE, nos casos em que os acordos bilaterais permitem alguma margem de manobra. No mercado das linhas transatlânticas entre a França e os Estados Unidos da América, no qual a Air France enfrenta dificuldades desde há vários anos face a companhias americanas mais eficientes, que em 1993 tinham dois terços do mercado, uma limitação da capacidade oferecida pela transportadora francesa seria mesmo directamente favorável às companhias além-Atlântico, uma vez que as restrições impostas à Air France não poderiam ser impostas pelas autoridades franceses às transportadoras americanas na mesma proporção. Tal situação seria contrária ao interesse comunitário, que, pelo contrário, exige o desenvolvimento do sector da aviação civil na Comunidade.

(34) Limitar, para além do que já limitam os acordos bilaterais, as possibilidades dadas à Air France de adaptar a sua oferta em termos de preços ou capacidade nas ligações intercontinentais à partida de França poderia igualmente comprometer o restabelecimento da viabilidade da empresa. Recorde-se, com efeito, que a Air France é - com a KLM, a British Airways e a Lufthansa - uma das quatro companhias comunitárias a dispor de uma rede internacional que se estende de França a todas as partes do mundo. A existência desta rede e a marca «Air France» são dois dos principais trunfos da transportadora, que se confronta com uma concorrência cada vez maior por parte das companhias dos países não membros do EEE, nomeadamente nas ligações transatlânticas.

III. CONCLUSÃO

(35) A exposição precedente dá resposta às exigências de fundamentação nos dois pontos em que a decisão de 1994 apresentava vício de falta de fundamentação. Relativamente aos outros pontos, a Comissão remete para os considerandos do texto da decisão de 1994, que devem ser considerados parte integrante da presente decisão sem que seja necessário aqui os reproduzir na íntegra.

(36) A Comissão verifica igualmente que a anulação da decisão de 1994 teve por efeito privar de fundamento jurídico as três decisões que tomou em 21 de Junho de 1995, 24 de Julho de 1996 e 16 de Abril de 1997 relativas ao pagamento das segunda e terceira parcelas do auxílio à Air France. Nestas condições, não deve ser feita de novo oposição ao pagamento das parcelas em causa. A este respeito, a Comissão remete para a fundamentação os ofícios que endereçou às autoridades francesas em 5 de Julho de 1995 (31), 31 de Julho de 1996 (32) e 10 de Junho de 1997 (33), a qual deve igualmente ser considerada parte integrante da presente decisão,

ADOPTOU A PRESENTE DECISÃO:

Artigo 1.°

O auxílio concedido à Air France pelo Estado francês no período 1994-1996, na forma de um aumento de capital de 20 mil milhões de francos franceses, a pagar em três parcelas, é compatível com o mercado comum e o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, nos termos do n.° 3, alínea c), do artigo 92.° do Tratado e do n.° 3, alínea c), do artigo 61.° do Acordo EEE, tendo em conta os compromissos e condições que figuram nos artigos 1.° e 2.° da Decisão 94/653/CE, reproduzidos na parte I da presente decisão.

Artigo 2.°

A Comissão não se opõe ao pagamento das segunda e terceira parcelas do aumento de capital da Air France efectuado em 1995 e 1996.

Artigo 3.°

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.

Feito em Bruxelas, em 22 de Julho de 1998.

Pela Comissão

Neil KINNOCK

Membro da Comissão

(1) JO L 254 de 30. 9. 1994, p. 73.

(2) Acórdãos do Tribunal de 24 de Fevereiro de 1987, Deufil/Comissão, 310/85, Colectânea 1987, p. 901, e de 8 de Março de 1988, Exécutif régional wallon e SA Glaverbel/Comissão, 62 e 72/87, Colectânea 1988, p. 1573.

(3) JO L 395 de 30. 12. 1989, p. 1. Rectificação: JO L 257 de 21. 9. 1990, p. 13.

(4) Acórdão do Tribunal de 26 de Abril de 1988, Astéris e outros/Comissão, processos apensos 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, Colectânea 1988, p. 2181, n.° 27.

(5) Acórdão do Tribunal de 5 de Março de 1980, Könecke/Comissão, processo 76/79, Colectânea 1980, p. 665, n.os 13 a 15.

(6) Acórdão do Tribunal de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e.a., processo C-331/88, Colectânea 1990, p. I-4023, e acórdão do Tribunal de 17 de Outubro de 1991, de Compte/Parlamento Europeu, processo T-26/89, Colectânea 1991, p. II-781, n.° 70.

(7) Acórdão do Tribunal de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e.a./Comissão, processo C-350/88, Colectânea 1990, p. I-395, n.° 15.

(8) Ibidem, n.° 16. Ver também o acórdão do Tribunal de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, processo C-367/95 P, Colectânea 1998, p. I-1719, n.° 63.

(9) Acórdãos do Tribunal de 24 de Outubro de 1996, Bremer Vulkan/Comissão, processos apensos C-329/93, C-62/95 e C-63/95, Colectânea 1996, p. I-5151, n.° 32, e 17 de Janeiro de 1995, Publishers Association/Comissão, processo C-360/92 P, Colectânea 1995, p. I-23, n.° 39.

(10) Ver pontos 227, 228 e 177 do oitavo relatório sobre a política da concorrência.

(11) JO C 350 de 10. 12. 1994, p. 5.

(12) JO L 54 de 25. 2. 1994, p. 30.

(13) JO L 279 de 28. 10. 1994, p. 29.

(14) JO L 273 de 25. 10. 1994, p. 22.

(15) JO C 368 de 23. 12. 1994, p. 12.

(16) Ver nota 11, ponto V.2.38.

(17) Ibidem.

(18) Ver ponto 228 do oitavo relatório sobre a política da concorrência.

(19) Processo T-149/95, acórdão de 5 de Novembro de 1997, Ducros/Comissão, Colectânea 1997, p. II-2031, n.° 65. Ver também as decisões da Comissão, publicadas na íntegra, ABB (JO L 309 de 13. 12. 1993, p. 21), La Papelera Española (JO C 123 de 5. 5. 1993, p. 7), Bull (JO L 386 de 31. 12. 1994, p. 1), Iritecna (JO L 330 de 13. 12. 1995, p. 23), Seda de Barcelona (JO L 298 de 21. 11. 1996, p. 14), SEAT (JO L 88 de 5. 4. 1996, p. 7), Compagnie Générale Maritime (JO L 5 de 9. 1. 1997, p. 40), Aircraft Services Lemverder (JO L 306 de 11. 11. 1997, p. 19), e as inúmeras decisões da Comissão de não levantar objecções, publicadas em pacotes, por exemplo, Bayerische Zellstoff [SG(93) D/18262], Polte [SEC(97) 1055], Magdeburger Stahlbau [SEC(97) 1271], Koenitz [SEC(97) 546/2], etc.

(20) Acórdão do Tribunal de 15 de Maio de 1997, Siemens/Comissão, processo C-278/95 P, Colectânea 1997, p. I-2507, n.° 23, que confirma o acórdão do Tribunal no processo T-459/93, Colectânea 1995, p. II-1675, n.° 48.

(21) Note-se que o conceito de auxílio ao funcionamento alargado aos investimentos de substituição, que figura na jurisprudência dos acórdãos Glaverbel e Deufil, não é necessariamente idêntico ao desenvolvido pela teoria económica.

(22) Ver nota 11, ponto V.2.38.4.

(23) Acórdão do Tribunal de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro/Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs, processo 66/86, Colectânea 1989 p. 803, n.os 40 a 46; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, processo T-2/93, Colectânea 1994, p. II-323, n.os 45 e 80 a 85; Decisões da Comissão: 92/213/CEE, British Midland/Aer Lingus, JO L 96 de 10. 4. 1992, p. 34; de 5 de Outubro de 1992, Air France/Sabena, JO C 272 de 21. 10. 1992; de 27 de Novembro de 1992; British Airways/TAT, JO C 326 de 11. 12. 1992; de 20 de Julho de 1995, Swissair/Sabena, JO C 200 de 4. 8. 1995, p. 10; 96/180/CE, LH/SAS, JO L 54 de 5. 3. 1996, p. 28.

(24) Ver nota 15.

(25) TPI, Ducros, ver nota 19, n.° 67.

(26) TPI, Wirtschaftsvereinigung Stahl/Comissão, processo T-244/94, acórdão de 24 de Outubro de 1997, Colectânea 1997, p. II-1963, n.° 111, reportando-se ao acórdão do TJCE de 3 de Outubro de 1985, Alemanha/Comissão, processo 214/83, Colectânea 1985, p. 3053, n.° 33.

(27) Ver nota 11, ponto V.2.38.4.

(28) Na presente versão da presente decisão foram suprimidas informações de natureza confidencial.

(29) Ver nota 11, ponto II.2.11.

(30) Ver a colectânea de resumos dos acordos bilaterais de transporte aéreo publicada pela Organização da Aviação Civil Internacional.

(31) JO C 295 de 10. 11. 1995, p. 2.

(32) JO C 374 de 11. 12. 1996, p. 9.

(33) JO C 374 de 10. 12. 1997, p. 6 (incorporação no capital do montante de 1 000 milhões de francos franceses até então bloqueado).