31996D0614

96/614/CE: Decisão da Comissão de 29 de Maio de 1996 relativa a determinadas medidas de intervenção previstas pelo Estado italiano a favor da Breda Fucine Meridionali SpA (Apenas faz fé o texto em língua italiana) (Texto relevante para efeitos do EEE)

Jornal Oficial nº L 272 de 25/10/1996 p. 0046 - 0052


DECISÃO DA COMISSÃO de 29 de Maio de 1996 relativa a determinadas medidas de intervenção previstas pelo Estado italiano a favor da Breda Fucine Meridionali SpA (Apenas faz fé o texto em língua italiana) (Texto relevante para efeitos do EEE) (96/614/CE)

A COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia e, nomeadamente, os seus artigos 92º e 93º,

Tendo em conta o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu e, nomeadamente, os seus artigos 61º e 62º,

Após ter convidado as partes a apresentarem as suas observações, em conformidade com os artigos citados,

Considerando o seguinte:

I

Por ofício de 10 de Março de 1995, a Comissão informou o Estado italiano da sua decisão de dar início ao processo previsto no nº 2 do artigo 93º do Tratado relativamente aos auxílios concedidos à Breda Fucine Meridionali (a seguir designada «BFM»).

Após uma denúncia formal apresentada por um concorrente da BFM, a Comissão solicitou às autoridades italianas, por ofício de 17 de Outubro de 1994, informações sobre as medidas públicas de que alegadamente beneficiara a empresa BFM.

À luz das informações recolhidas, a Comissão chegou à conclusão que:

- a BFM era uma empresa controlada pela Finanziaria Ernesto Breda, do grupo público EFIM. Este último foi posto em liquidação em Julho de 1992,

- a Finanziaria Ernesto Breda, por seu lado, tinha sido posta em liquidação através de um decreto de 11 de Março de 1994 do Ministro do Tesouro italiano. Neste decreto é referido que a empresa apresenta um passivo de 803 mil milhões de liras italianas, (a seguir designadas «liras»), o que a coloca num estado de insolvência irreversível,

- a BFM era especializada, nomeadamente, no fornecimento de material ferroviário, em especial cróssimas de aço, operando no mesmo sector da empresa autora da denúncia. De referir que as cróssimas de aço representavam mais de 40 % da produção total da BFM,

- a BFM encontrava-se numa situação financeira gravíssima. Com efeito, com base nas informações disponíveis a Comissão concluiu que:

- em 1992, a BFM sofreu perdas de cerca de 27,6 mil milhões de liras, para um volume de negócios de 18,5 mil milhões de liras,

- em 1993, as perdas aumentaram e atingiram 36 mil milhões de liras, tendo o volume de negócios descido para 13,5 mil milhões de liras,

- em 1993, as dívidas da BFM atingiam 88,7 mil milhões de liras, para um capital social de 17 mil milhões de liras, anulado em consequência das perdas da empresa;

- no período de 1985-1994, a Finanziaria Ernesto Breda e o EFIM tinham por várias vezes intervindo em apoio da BFM, através da recapitalização da empresa, absorção das perdas e concessão de empréstimos,

- a BFM tinha conseguido continuar no mercado evitando a liquidação graças, designadamente, a uma disposição ad hoc incluída no artigo 7º segundo parágrafo do Decreto-Lei nº 487 de 19 de Dezembro de 1992, convertido na Lei nº 33 de 17 de Fevereiro de 1993 (a seguir denominada «Lei nº 33/1993»), relativa à liquidação do grupo público EFIM, aplicável exclusivamente às empresas controladas por este grupo.

As considerações acima referidas explicam as graves dificuldades que se deparavam à Comissão para determinar se os auxílios em causa - em especial as recapitalizações da empresa, a absorção das perdas e a concessão de empréstimos à BFM por parte do EFIM e da Finanziaria Ernesto Breda, bem como a não aplicação à BFM das normas gerais do Código Civil italiano em matéria de liquidação de sociedades - seriam compatíveis com o mercado comum. A Comissão, portanto, considerou necessário e oportuno dar início ao processo previsto no nº 2 do artigo 93º do Tratado CE relativamente aos auxílios mencionados.

II

No âmbito deste processo, a Comissão convidou o Estado italiano a apresentar as suas observações, enquanto os outros Estados-membros e terceiros interessados foram informados através de uma comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (1).

A empresa Manoir Industries SA («Manoir»), por carta de 21 de Novembro de 1995, bem como o Governo alemão, por ofício 6 de Dezembro de 1995, enviaram à Comissão as suas observações na sequência da decisão de dar início ao processo. A Comissão transmitiu essas observações às autoridades italianas por ofício de 31 de Janeiro de 1996, convidando-as a responder, se o desejassem, num prazo de 15 dias. Até ao momento não chegou nenhuma resposta das autoridades italianas.

Nas suas observações, a Manoir, uma empresa francesa concorrente da BFM no mercado das cróssimas de aço, afirma o seguinte:

- a BFM conseguiu manter-se activa no mercado graças exclusivamente às intervenções públicas de que beneficiou, em especial a uma derrogação do direito comum italiano em matéria de falência e liquidação prevista pela Lei nº 33/1993,

- a BFM pôde suspender todos os pagamentos aos fornecedores desde Julho de 1992,

- A BFM perdeu várias vezes um montante igual ao seu capital e os seus fundos próprios são negativos,

- desde há vários anos que a BFM opera com margens negativas,

- por conseguinte, a concorrência no mercado comunitário das cróssimas de aço foi gravemente falseada, com repercussões pesadas para a Manoir que, sendo uma empresa privada, teve de enfrentar a concorrência de BFM com os seus próprios meios, necessariamente limitados.

A Manoir defendeu, por fim, que os auxílios em causa não podiam beneficiar das derrogações previstas no nº 3 do artigo 92º do Tratado, pelo que pediu à Comissão que exigisse sem demora às autoridades italianas a recuperação dos auxílios.

Nas suas observações, o Estado alemão, que concorda com a decisão da Comissão de dar início neste caso a um processo, afirma que as intervenções do Estado italiano através do EFIM e da Finanziaria Ernesto Breda nunca teriam sido efectuadas por um investidor privado numa economia de mercado, tendo em conta o montante das dívidas da BFM - que se agravaram cada vez mais com o tempo - e a situação financeira da empresa, considerando por estes motivos que as referidas intervenções constituíam auxílios estatais.

No seu ofício de 24 de Maio de 1995, o Estado italiano, respondendo à decisão da Comissão de dar início ao processo, afirmou o seguinte:

- no período anterior ao início da liquidação do grupo EFIM (Julho de 1992), a BFM não beneficiou de qualquer medida ou regime de garantia,

- durante o processo de liquidação do EFIM, o liquidatário limitou-se a entregar à BFM determinados adiantamentos para o pagamento das retribuições dos operários, afirmou ainda que a partir de 1992 e com excepção das somas antecipadas já referidas, a BFM não obteve financiamentos da empresa de controlo, Finanziaria Ernesto Breda, nem de outras e que o liquidatário, nomeado pelo Governo italiano para a liquidação do grupo EFIM sempre respeitou o princípio do investidor privado numa economia de mercado, comportando-se sempre como tal, com a diferença que a liquidação do EFIM era regulada por legislação que visava especificamente o grupo público EFIM,

- nos últimos anos, a dívida da BFM cresceu, não por efeito de novos empréstimos concedidos, mas apenas devido aos encargos financeiros inerentes ao anterior endividamento, visto que todos os financiamentos concedidos tiveram taxas de juro de mercado,

- todos os financiamentos concedidos pelas empresas-mãe à BFM se destinaram essencialmente à realização de investimentos produtivos que, na altura em que foram realizados, podiam razoavelmente apresentar perspectivas adequadas de rendibilidade,

- mesmo que fossem considerados auxílios estatais, estas intervenções deveriam, de qualquer modo, poder beneficiar do disposto no nº 3 do artigo 92º do Tratado, tendo em conta, nomeadamente: i) a situação e perspectivas da empresa, ii) a transferência para terceiros da mesma, iii) a localização da empresa no «Mezzogiorno», região italiana que preenche os requisitos exigidos no nº 3, alínea a), do artigo 92º do Tratado,

- de facto, a empresa tornara-se rendível: já em 1995 a BFM, se excluirmos a dívida anterior e os respectivos encargos financeiros, teria gerado lucros, ainda que mínimos. Para 1996 prevê-se que a empresa realiza lucros significativos,

- por conseguinte, uma decisão negativa pareceria injusta, dado que comportaria a liquidação da empresa, sem ter em conta os esforços realizados para a reestruturação da mesma,

- o segundo parágrafo do artigo 7º da Lei nº 33/1993, que prevê a suspensão da aplicação às empresas do grupo EFIM dos artigos 2446º e 2447º do Código Civil, tem unicamente como objectivo permitir que as empresas deste grupo continuem as suas actividades empresarias durante o tempo estritamente necessário para a liquidação completa do grupo.

III

Antes de mais, é necessário identificar as normas de direito comunitário aplicáveis ao caso em exame, tomando em consideração o mercado susceptível de ser prejudicado pelas medidas em causa, ou seja, o mercado das cróssimas de aço em manganês para cruzamentos de vias férreas.

Ora, ainda que os carris estejam incluídos no Tratado CECA, as cróssimas para cruzamentos ou desvios são abrangidas pelos artigos 92º e 93º do Tratado, como decorre da distinção feita na Nomenclatura Combinada, no capítulo 73, relativo às obras de ferro fundido, ferro ou aço, abrangidas no código 7302 30 00 (agulhas, cróssimas, alavancas para comando de agulhas e outros elementos de cruzamentos e desvios). Aos outros produtos fabricados pela BFM também se aplica o Tratado CE.

O artigo 92º do Tratado CE estabelece que - com excepção das derrogações previstas pelo Tratado - são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

Devemos portanto apurar: i) se as intervenções públicas de que teria beneficiado a BFM constituem auxílios estatais, ii) se afectam as trocas comerciais entre os Estados-membros e, por fim, iii) se podem beneficiar das disposições dos nºs 2 e 3 do artigo 92º do Tratado CE, podendo, por conseguinte, apesar de se tratar de auxílios ilegais por não terem sido notificados à Comissão, ser considerados compatíveis com o mercado comum.

IV

Segundo dados do processo, a BFM foi constituída em meados dos anos sessenta e nunca obteve lucros, tendo registado perdas significativas nestes últimos dez anos, conforme se pode verificar pelos balanços da sociedade em poder da Comissão. O endividamento, que ultrapassou os 85 mil milhões de liras no final de 1994, equivale já ao quintuplo do capital social inicial, no montante de 17 mil milhões de liras italianas. A BFM perdeu, apenas no período de 1990-1994:

- em 1990: 18 mil milhões de liras para um volume de negócios de 14,6 mil milhões de liras,

- em 1991: 14 mil milhões de liras para um volume de negócios de 18,4 mil milhões de liras,

- em 1992: 27,6 mil milhões de liras para um volume de negócios de 19,9 mil milhões de liras,

- em 1993: 36,1 mil milhões de liras para um volume de negócios de 14,7 mil milhões de liras,

- em 1994: 13,8 mil milhões de liras para um volume de negócios de 20,6 mil milhões de liras.

No período 1985-1994 a empresa beneficiou, da parte do grupo público EFIM e da empresa por si controlada, a Finanziaria Ernesto Breda, de:

a) Injecções de capital: 7 mil milhões de liras em 1986, 5 mil milhões em 1987;

b) Absorção das perdas: 7,1 mil milhões de liras em 1985, 11,2 mil milhões em 1987, 3,9 mil milhões em 1988, 11,6 mil milhões em 1990, 17 mil milhões em 1991;

c) Financiamentos por parte das empresas-mãe em virtude dos quais, actualmente, a BFM tem uma dívida de 57 mil milhões de liras relativamente à Finanziaria Ernesto Breda e de 6 mil milhões em relação ao EFIM. A este propósito, convém sublinhar que o próprio EFIM, na sua carta de 20 de Fevereiro de 1996, através da qual pede à Comissão para autorizar a conversão em capital das referidas dívidas, reconhece que a BFM tem dívidas de cerca de 63 mil milhões de liras para com as empresas-mãe.

À luz das considerações acima referidas há razões para acreditar que, ainda antes da entrada em vigor, em Julho de 1992, das disposições ad hoc que serão analisadas na secção V, a BFM conseguiu manter-se no mercado graças às intervenções públicas de que beneficiou: financiamentos e dotações de capital e absorção das perdas efectuados pelas duas empresas-mãe.

A fim de determinar a existência de auxílios estatais nas medidas em questão, é necessário considerar que, segundo a Comissão [ver comunicação aos Estados-membros de 13 de Novembro de 1993 (1)], as empresas públicas podem retirar vantagens do facto de serem controladas pelo Estado; isto verifica-se quando, concedendo recursos financeiros, os poderes públicos vão para além do simples papel de proprietários da empresa. Se os fundos públicos são postos à disposição da empresa pública em condições mais favoráveis do que aquelas em que um proprietário privado concederia recursos a uma empresa privada numa situação financeira e concorrencial análoga, ou então quando são postos à disposição da empresa pública recursos públicos, quando tal não se verificasse por parte de um investidor privado, no caso de uma empresa privada análoga na mesma situação financeira, a empresa pública retira uma vantagem que os proprietários privados não podem proporcionar às suas empresas e, por conseguinte, a concorrência no mercado comum é falseada. A este respeito pouco importa se as intervenções a favor das empresas públicas provêm directamente do Estado ou indirectamente de sociedades gestoras de participações sociais ou outras empresas públicas.

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias decidiu em jurisprudência constante a partir dos acórdãos de 21 de Março de 1991 proferidos nos processos C-303/88, Itália/Comissão (1) e C-305/89, Itália/Comissão (2), que para determinar se uma intervenção pública constitui um auxílio estatal é necessário que a mesma seja apreciada com base na diferença entre as condições em que o Estado concede recursos à empresa pública em questão e as condições em que um investidor privado consideraria aceitável fornecer recursos a uma empresa privada comparável nas condições normais de uma economia de mercado. Além disso, no acórdão de 3 de Outubro de 1991, processo C-261/89, Itália/Comissão (3), o Tribunal precisou que «a circunstância de uma intervenção ser destinada a investimentos produtivos não exclui, por si só, a natureza de auxílio dessa intervenção uma vez que, tendo em consideração a situação da empresa, parece inverosímil que o investidor privado efectue esses investimentos financeiros».

Ora, no caso em exame, as medidas contestadas, ou seja, a concessão repetida de empréstimos, as dotações de capital e a absorção das dívidas em favor de uma empresa como a BFM - que nunca realizou lucros e que em condições económicas e jurídicas normais deveria já ter sido liquidada em consequência das perdas que conduziram à anulação do seu capital social - não podem considerar-se medidas que um investidor privado operando em condições normais de uma economia de mercado teria adoptado na sua actividade normal.

Noutros termos, as intervenções dos poderes públicos em causa constituem auxílios estatais uma vez que, em circunstâncias análogas e segundo o id quod plerumque accidit, um investidor privado, ainda que da dimensão do EFIM ou da Finanziaria Ernesto Breda, teria renunciado às dotações de capital e a financiamentos neste valor, a menos que tivesse elaborado um plano de reestruturação da empresa capaz de restabelecer a sua rendibilidade. Ora, do processo conclui-se que nunca foi encarada a hipótese de uma verdadeira reestruturação da BFM, nem que tenha sido esta a finalidade das intervenções públicas contestadas.

Na realidade, é muito provável que em condições normais, ou seja, se a BFM fosse uma empresa privada, o proprietário teria deixado há muito que a mesma fosse à falência; com efeito, é difícil que um empresário privado deixe permanecer no mercado, sem um plano de reestruturação preciso, uma empresa que, registando perdas superiores ao volume de negócios, não lhe traga qualquer vantagem económica.

Ainda que o comportamento do investidor privado, ao qual deverá ser comparada a intervenção do investidor público, não corresponda necessariamente ao comportamento do investidor comum que investe os seus capitais com vista a uma rendibilidade mais ou menos a curto prazo, deve corresponder pelo menos ao comportamento de um investidor que intervém para assegurar a sobrevivência de uma empresa numa situação de dificuldade passageira, mas que após uma reestruturação deveria tornar-se rendível. Não é este o caso da BFM, cujo endividamento é de tal modo elevado que se pode excluir, mesmo a longo prazo, qualquer rendibilidade. Nenhum investidor privado a operar em condições normais de uma economia de mercado poderia permitir-se, nem sequer em nome de objectivos de longo prazo e na perspectiva de uma cessão da empresa, continuar a financiar uma empresa tão deficitária por um período tão longo.

À luz destas considerações, a Comissão considera que as medidas públicas descritas constituem auxílios estatais nos termos do artigo 92º do Tratado.

V

O segundo parágrafo do artigo 7º da Lei nº 33/1993 prevê a não aplicação às empresas do grupo EFIM, entre as quais a BFM, das regras imperativas incluídas nos artigos 2446º e 2447º do Código Civil italiano. Estes artigos prevêem, entre as causas de dissolução das empresas, a redução do capital social, em consequência de perdas, abaixo do mínimo legal (200 milhões de liras). A BFM conseguiu manter-se no mercado evitando a liquidação, destino reservado a qualquer outra empresa privada, graças a esta disposição ad hoc, em derrogação ao regime geral, contida no artigo 7º da Lei nº 33/1993. A aplicação dos referidos artigos do Código Civil à BFM teria podido determinar a falência e o desaparecimento desta empresa do mercado.

Esta disposição - que não é uma medida geral, mas sim uma medida específica adoptada a favor de uma empresa determinada - constitui um auxílio estatal, uma vez que permitiu à BFM, em especial, evitar o reembolso das dívidas públicas e para com empresas públicas, incluindo as dívidas contraídas pela BFM junto de instituições financeiras estatais. As referidas disposições permitiriam igualmente à BFM manter-se em actividade sem reembolsar os auxílios públicos declarados incompatíveis e sem ser dissolvida. Deste modo, a presente decisão ficaria privada de qualquer eficácia prática.

Este regime especial, que data de Julho de 1992, deveria caducar no fim de 1994. No entanto, a Itália, como já tinha acontecido em 1995, renovou a medida relativa ao regime especial de liquidação do EFIM a favor de algumas empresas do grupo que ainda não tinham sido cedidas ou colocadas em liquidação, como é o caso da BFM, prorrogando-a para 1996 mediante decreto ministerial de 24 de Janeiro de 1996. Deste modo, o Governo italiano, desde Julho de 1992, protegeu e continua a proteger a BFM de uma eventual falência ou liquidação, desvirtuando completamente a avaliação inicial que poderia ter sido feita da liquidação do EFIM, ou seja, de um regime a que se podia recorrer durante o período estritamente necessário para a cessão a terceiros ou para a liquidação das empresas do grupo.

É evidente que qualquer prorrogação deste regime a favor da BFM, uma vez que comporta graves distorções da concorrência no mercado comum, só pode justificar-se por razões objectivamente válidas. Ora, as autoridades italianas nunca invocaram qualquer motivo para defender a necessidade de prorrogar o regime especial, declarando apenas que tinham necessidade de tempo para encontrar um adquirente. É óbvio que esta justificação é inaceitável, visto que, assim, as autoridades italianas poderiam prorrogar sine die e à sua vontade o regime em questão até encontrar um adquirente.

A impossibilidade de encontrar um adquirente para a BFM durante todo este período de tempo comprova, além disso, a grave situação financeira actual da BFM. De resto, tal situação é de tal modo precária que torna impossível a venda da empresa num período de tempo razoável.

Daí concluir-se que mesmo a prorrogação a favor da BFM das disposições contidas na lei em questão - ou seja, o nº 2 do artigo 7º da Lei nº 33/1993, prorrogado pelo decreto de 24 de Janeiro de 1996 - deve ser considerada um auxílio estatal, uma vez que, permitindo artificialmente à BFM manter-se activa no mercado e, portanto, favorecendo-a em relação às empresas concorrentes, falseou a concorrência no mercado.

Além disso, a Comissão sublinha que o regime derrogatório previsto na Lei nº 33/1993, prorrogado através do decreto de Janeiro de 1996, permitiu à BFM:

- beneficiar de uma subvenção de 2 710 milhões de liras, concedida pelo liquidatário do EFIM para pagamento de salários do pessoal excedentário,

- congelar créditos dos fornecedores no montante de 9 941 milhões de liras,

- suspender o reembolso dos créditos concedidos pelas instituições financeiras ISVEIMER e IMI, num montante de 6 609 milhões de liras,

- suspender o pagamento dos juros devidos aos bancos credores a partir de 17 de Julho de 1992, num montante de 4 478 milhões de liras.

É evidente que todas estas medidas específicas, adoptadas pela Itália em derrogação ao direito comum, tinham como único objectivo manter artificialmente a BFM no mercado desde Julho de 1992, permitindo-lhe operar sem ser obrigada a honrar as suas obrigações financeiras relativamente às empresas públicas.

VI

O nº 1 do artigo 92º do Tratado CE estabelece que os auxílios concedidos pelos Estados-membros são incompatíveis com o mercado comum na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-membros.

No que se refere à definição do mercado geográfico das cróssimas para vias férreas, verifica-se que se trata de um mercado comunitário. Com efeito, os principais produtores da Comunidade de cróssimas para vias férreas desenvolvem grande actividade em toda a Comunidade e concorrem entre si relativamente aos concursos lançados pelas entidades adjudicantes dos vários Estados-membros, no caso concreto as companhias ferroviárias, exportando assim grande parte da sua produção para os outros Estados-membros.

Além disso, à luz das informações de que dispõe a Comissão, esta concorrência é acentuada por este mercado se caracterizar por uma capacidade de produção excedentária (1). As autoridades italianas sublinharam o carácter marginal das exportações da BFM. A este propósito, será necessário recordar as afirmações do Tribunal no citado acórdão do processo C-305/89: «quando uma empresa actua num sector caracterizado por capacidade de produção excedentária, onde se verifica uma concorrência efectiva da parte de produtores de diversos Estados-membros, qualquer auxílio de que beneficie da parte dos poderes públicos é susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros e de atentar contra a concorrência, na medida em que a sua manutenção no mercado impede os concorrentes de aumentar a sua parte de mercado e diminui as suas possibilidades de aumentar as suas exportações» (2).

VII

Tendo-se verificado que as intervenções públicas de que beneficiou a BFM constituem auxílios estatais e que, como tal, afectam as trocas comerciais intracomunitárias, deve-se determinar se os referidos auxílios, apesar de ilícitos, uma vez que nunca foram notificados à Comissão, podem ser considerados compatíveis com o mercado comum.

Os nºs 2 e 3 do artigo 92º prevêem alguns tipos de auxílios que são ou podem ser compatíveis com o mercado comum. O nº 2 do artigo 92º estabelece que são compatíveis com o mercado comum os auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais e os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários.

A este propósito deve-se salientar que o nº 2 do artigo 92º não pode aplicar-se aos auxílios em exame, na medida em que não são auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais; do processo conclui-se, além disso, que também não são destinados a remediar os danos causados por calamidades.

As disposições do nº 3 do artigo 92º que poderiam ser aplicáveis neste caso concreto e que foram invocadas pelas autoridades italianas são: a) auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego; e c) auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum.

No que se refere às disposições do nº 3, alínea a), do artigo 92º, verifica-se que as medidas de auxílio em questão não foram concedidas em aplicação de um programa de intervenção pública regional. Do processo também não se pode concluir que tenham sido concedidos para criar postos de trabalho numa região assistida. Pelo contrário, a análise do processo indica que se trata de medidas pontuais destinadas a garantir a qualquer preço a sobrevivência industrial da BFM.

No que se refere ao disposto no nº 3, alínea c), do artigo 92º, as autoridades italianas afirmam que as intervenções em questão teriam permitido uma reestruturação e, a partir daí, o restabelecimento da rendibilidade da BFM. A este propósito, a Comissão observa que as autoridades italianas não forneceram qualquer elemento a favor desta tese, segundo a qual os auxílios contestados foram concedidos em aplicação de um plano de reestruturação da empresa. Além disso, mesmo supondo que a reestruturação tivesse sido uma eventualidade encarada pelos accionistas públicos, os factos demonstraram que qualquer plano de reestruturação da BFM seria errado e infundado. Com efeito, conclui-se do processo que o objectivo nunca foi reestruturar a BFM e que uma hipotética reestruturação nunca foi a causa das intervenções públicas contestadas, as quais tiveram apenas natureza pontual para permitir a sobrevivência da empresa, prescindindo de qualquer lógica económica e de qualquer contexto de reestruturação.

Deve-se também observar que, ao contrário das afirmações das autoridades italianas, segundo as quais a empresa é actualmente rendível, a BFM mesmo em 1995 registou perdas num montante de 15 mil milhões de liras para um volume de negócios de 28,1 mil milhões; as perdas elevaram-se a 27,6 mil milhões de liras em 1992, 36,1 mil milhões em 1993 e 13,8 mil milhões em 1994 Do mesmo modo, os resultados do exercício, sem ter em conta as receitas e encargos financeiros, foi de: P 1 994 milhões de liras em 1995, P 4 217 milhões de liras em 1992, P 5 103 milhões de liras em 1993, + 87 milhões de liras em 1994. À luz destes dados, a Comissão considera que as afirmações das autoridades italianas relativas à rendibilidade da BFM não têm fundamento.

Por fim, parece dificilmente, compreensível que se possa utilizar, como fazem as autoridades italianas, a alegada rendibilidade da empresa, do ponto de vista estritamente operativo, para defender a compatibilidade do auxílio, abstraindo dos encargos financeiros que a empresa deveria normalmente honrar.

Além disso, também não parece compatível com o direito comunitário o facto de uma empresa que sem as subvenções e condições derrogatórias ao direito comum deveria desaparecer, poder beneficiar de um tratamento favorável com o pretexto do restabelecimento da rendibilidade a nível dos resultados de gestão, enquanto é mantida no mercado apenas graças aos auxílios ilícitos. Por outro lado, deve ser sublinhado que este raciocínio corresponderia à concessão de uma vantagem ilícita aos Estados-membros que atrasam o mais possível a supressão das medidas de auxílio.

Consequentemente, a Comissão considera que no caso presente não pode ser concedida qualquer derrogação ao abrigo dos nºs 2 e 3 do artigo 92º do Tratado.

Por fim, o facto de uma decisão da Comissão que proíbe auxílios ilícitos e exige a sua restituição poder comportar a liquidação da BFM, como afirmam as autoridades italianas, deve ser considerado no contexto próprio do caso presente. O caso BFM inclui-se no plano de liquidação apresentado à Comissão pelo grupo EFIM. Ora, este plano prevê, no fim de um período transitório, a liquidação das empresas que não tenham encontrado adquirente. A Itália prorrogou por duas vezes, sem autorização da Comissão, este regime especial de liquidação, a segunda vez através do decreto de 24 de Junho de 1996.

Não tendo sido possível encontrar um adquirente, a liquidação da BFM já devia ter sido efectuada no fim de 1994, prazo inicialmente previsto pela lei de liquidação do grupo EFIM. Em consequência, a liquidação da BFM constituiria apenas a consequência lógica e prevista pelo legislador italiano do plano de liquidação do grupo EFIM e não uma aplicação excessivamente rígida das regras comunitárias.

VIII

À luz das considerações anteriores, deve-se concluir que as medidas públicas de que beneficiou a BFM, ou seja:

a) Dotações de capital num montante de 12 mil milhões de liras, mais precisamente 7 mil milhões em 1986 e 5 mil milhões em 1987;

b) Absorções das perdas num montante de 50,8 mil milhões de liras, concretamente: 7,1 mil milhões em 1985, 11,2 mil milhões em 1987, 3,9 mil milhões em 1988, 11,6 mil milhões em 1990 e 17 mil milhões em 1991;

c) Financiamentos concedidos à BFM pela Finanziaria Ernesto Breda e pelo EFIM, de que resultou um endividamento da BFM em relação a estas duas empresas-mãe num montante de 63 mil milhões de liras;

d) O segundo parágrafo do artigo 7º da Lei nº 33/1993, tal como prorrogado pelo decreto de 24 de Janeiro de 1996, na medida em que permitiu à BFM não reembolsar as dívidas públicas e para com empresas públicas, incluindo as dívidas contraídas pela BFM junto de instituições financeiras públicas, bem como continuar em actividade sem reembolsar os auxílios estatais incompatíveis e não ser liquidada;

e) As disposições da Lei nº 33/1993, na medida em que permitiram à BFM beneficiar da suspensão do reembolso dos créditos concedidos pelas instituições financeiras públicas ISVEIMER e IMI num montante de 6 609 milhões de liras,

constituem auxílios estatais ilícitos, na medida em que nunca foram notificados à Comissão, e são incompatíveis com o mercado comum, uma vez que não podem beneficiar da aplicação de qualquer das derrogações previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 92º do Tratado.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente o acórdão proferido em 2 de Fevereiro de 1989, no processo 94/87, Comissão/Alemanha, as disposições da ordem jurídica nacional aplicáveis devem sê-lo de forma a não tornar praticamente impossível a restituição do auxílio exigida pelo direito comunitário (1),

TOMOU A PRESENTE DECISÃO:

Artigo 1º

Os auxílios estatais de que beneficiou a BFM, isto é:

a) Dotações de capital num montante de 12 mil milhões de liras, mais precisamente 7 mil milhões em 1986 e 5 mil milhões em 1987;

b) Absorções das perdas num montante de 50,8 mil milhões de liras, concretamente: 7,1 mil milhões em 1985, 11,2 mil milhões em 1987, 3,9 mil milhões em 1988, 11,6 mil milhões em 1990 e 17 mil milhões em 1991;

c) Financiamentos concedidos à BFM pela Finanziaria Ernesto Breda e pelo EFIM, de que resultou um endividamento da BFM em relação a estas duas empresas-mãe num montante de 63 mil milhões de liras;

d) O segundo parágrafo do artigo 7º da Lei nº 33/1993, tal como prorrogado pelo decreto de 24 de Janeiro de 1996, na medida em que permitiu à BFM não reembolsar as dívidas públicas e para com empresas públicas, incluindo as dívidas contraídas pela BFM junto de instituições financeiras públicas, bem como continuar em actividade sem reembolsar os auxílios estatais incompatíveis e não ser liquidada;

e) As disposições da Lei nº 33/1993, na medida em que permitiram à BFM beneficiar da suspensão do reembolso dos créditos concedidos pelas instituições financeiras públicas ISVEIMER e IMI num montante de 6 609 milhões de liras,

são ilícitos, na medida em que não foram notificados à Comissão antes da sua concessão, em conformidade com o nº 3 do artigo 93º do Tratado CE.

As referidas medidas são, além disso, incompatíveis com o mercado comum nos termos do artigo 92º do Tratado CE.

Artigo 2º

A Itália procederá à recuperação dos auxílios pagos à empresa BFM segundo as disposições da legislação italiana relativas à recuperação dos créditos do Estado.

A fim de suprimir os efeitos decorrentes dos referidos auxílios, o montante a reembolsar incluirá uma majoração correspondente aos juros a partir do dia do pagamento dos auxílios até à data do reembolso.

A taxa de juro a aplicar será a taxa utilizada pela Comissão para o cálculo do equivalente subvenção líquido no quadro dos auxílios com finalidade regional durante o período considerado.

Artigo 3º

Relativamente à BFM, a Itália procederá à suspensão imediata e à não aplicação das disposições relativas à prorrogação do regime derrogatório ao direito comum no que se refere às dívidas públicas e às dívidas para com empresas públicas. Além disso, a Itália procederá, também em relação à BFM, à suspensão imediata e à não aplicação das disposições relativas à suspensão do reembolso dos créditos concedidos pelas instituições financeiras públicas.

Artigo 4º

A Itália informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, das medidas adoptadas para o seu cumprimento.

Artigo 5º

A República Italiana é a destinatária da presente decisão.

Feito em Bruxelas, em 29 de Maio de 1996.

Pela Comissão Karel VAN MIERT Membro da Comissão

(1) O mercado das cróssimas monobloco para cruzamentos na rede europeia continua a caracterizar-se por uma capacidade de produção excedentária. Em 1996 a capacidade total estimada na Comunidade (Manoir, BFM, Jadot, Jez Amurrio) eleva-se a 8 400 cróssimas, enquanto as necessidades de cróssimas deveriam atingir um máximo de 5 615 unidades.

(2) Fundamento 26.

(1) Colectânea 1989, p. 175.