ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
3 de abril de 2025 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Diretiva 2011/96/UE — Regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes — Isenção do imposto sobre as sociedades relativamente aos dividendos distribuídos por uma afiliada não residente a uma sociedade‑mãe residente — Artigo 1.o, n.os 2 e 3 — Norma contra práticas abusivas — Qualificação da sociedade afiliada como uma montagem não genuína — Etapas de uma montagem — Vantagem fiscal»
No processo C‑228/24,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Mokestinių ginčų komisija prie Lietuvos Respublikos Vyriausybės (Comissão dos Litígios Fiscais junto do Governo da República da Lituânia), por Decisão de 20 de fevereiro de 2024, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de março de 2024, no processo
«Nordcurrent group» UAB
contra
Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: A. Kumin, presidente de secção, T. von Danwitz (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, e S. Gervasoni, juiz,
advogado‑geral: A. Rantos,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação da «Nordcurrent group» UAB, por J. Karvelė, advokatė, M. Mainionytė, I. Ščeponienė e G. Skirbutienė, |
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em representação do Governo Lituano, por V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė e E. Kurelaitytė, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo Belga, por S. Baeyens e P. Cottin, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo Francês, por R. Bénard e O. Duprat‑Mazaré, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por A. Ferrand e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO 2011, L 345, p. 8), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2015/121 do Conselho, de 27 de janeiro de 2015 (JO 2015, L 21, p. 1) (a seguir «Diretiva 2011/96»). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Nordcurrent group» UAB, uma sociedade de direito lituano (a seguir «Nordcurrent»), à Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos (Inspeção Fiscal Nacional junto do Ministério das Finanças da República da Lituânia, a seguir «Inspeção») a respeito da isenção do imposto sobre as sociedades dos dividendos distribuídos à Nordcurrent pela sua sociedade afiliada Nordcurrent Ltd (a seguir «sociedade afiliada»), residente no Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte. |
Quadro jurídico
Direito da União
3 |
Os considerandos 3 a 6 da Diretiva 2011/96 enunciam:
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4 |
Nos termos dos considerandos 1 a 8 da Diretiva 2015/121:
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O artigo 1.o da Diretiva 2011/96 dispõe: «1. Os Estados‑Membros aplicam a presente diretiva:
[…] 2. Os Estados‑Membros não concedem os benefícios da presente diretiva a uma montagem ou série de montagens que, tendo sido posta em prática com a finalidade principal ou uma das finalidades principais de obter uma vantagem fiscal que frustre o objeto ou a finalidade da presente diretiva, não seja genuína tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes. Uma montagem pode ser constituída por mais do que uma etapa ou parte. 3. Para efeitos do n.o 2, considera‑se que uma montagem ou série de montagens não é genuína na medida em que não seja posta em prática por razões comerciais válidas que reflitam a realidade económica. 4. A presente diretiva não obsta a que sejam aplicadas as disposições nacionais ou convencionais necessárias para prevenir a evasão fiscal, a fraude fiscal ou práticas abusivas em matéria fiscal.» |
6 |
O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/96 tem a seguinte redação: «1. Sempre que uma sociedade‑mãe ou o seu estabelecimento estável, em virtude da associação da sociedade‑mãe com a sociedade sua afiliada, obtenha lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado‑Membro da sociedade‑mãe e o Estado‑Membro do estabelecimento estável da sociedade‑mãe:
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7 |
O artigo 6.o da Diretiva 2011/96 prevê: «O Estado‑Membro de que depende a sociedade‑mãe não pode aplicar uma retenção na fonte sobre os lucros que esta sociedade recebe da sua afiliada.» |
Direito lituano
8 |
O artigo 35.o da Lietuvos Respublikos pelno mokesčio įstatymas (Lei da República da Lituânia relativa ao Imposto sobre as Sociedades, a seguir «Lei relativa ao Imposto sobre as Sociedades») enuncia, no n.o 1: «[…] [S]alvo nos casos previstos nos n.os 2 e 3 do presente artigo, os dividendos recebidos por uma entidade lituana, provenientes da detenção de ações, de participações no capital social ou de outros direitos em entidades estrangeiras, ou por um estabelecimento estável, provenientes da detenção de ações, de participações no capital social ou de outros direitos que lhe sejam atribuídos em entidades estrangeiras, são tributados, a título do imposto sobre as sociedades, a uma taxa de 15 %. […]» |
9 |
O artigo 35.o, n.o 2, desta lei dispõe: «Os dividendos recebidos por uma entidade lituana, provenientes da detenção de ações, de participações no capital social ou de outros direitos em entidades estrangeiras, ou por um estabelecimento estável, provenientes da detenção de ações, de participações no capital social ou de outros direitos em entidades estrangeiras que lhe sejam atribuídos, não estão sujeitos a tributação quando essas entidades estrangeiras estejam constituídas ou estabelecidas de outro modo num Estado do Espaço Económico Europeu e os respetivos lucros estejam sujeitos ao imposto sobre as sociedades ou a um imposto equivalente ao imposto sobre as sociedades.» |
10 |
O artigo 32.o, n.o 6, da referida lei prevê: «As disposições do […] artigo 35.o, n.os 2 e 3, do presente capítulo relativas à não tributação de dividendos não se aplicam a uma montagem ou série de montagens que, tendo sido posta em prática com a finalidade principal ou uma das finalidades principais de obter uma vantagem fiscal que frustre o objeto ou a finalidade da Diretiva 2011/96 […], não seja genuína tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes. Uma montagem pode ser constituída por mais do que uma etapa ou parte. Considera‑se que uma montagem ou série de montagens não é genuína na medida em que não seja posta em prática por razões comerciais válidas que reflitam a realidade económica.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
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A atividade comercial da Nordcurrent consiste na criação e na distribuição de jogos eletrónicos. No âmbito de uma inspeção fiscal de que esta sociedade foi objeto em 2023, a Inspeção concluiu que esta devia ter pagado o imposto sobre as sociedades no montante de 3205211,53 euros, relativamente aos dividendos recebidos da sociedade afiliada durante os anos de 2018 e 2019. A Inspeção chegou a esta conclusão depois de ter constatado que, durante esses anos, a sociedade afiliada estava abrangida pelo conceito de «montagem não genuína» que não tinha sido posta em prática por razões comerciais válidas. |
12 |
Além disso, a Inspeção constatou que a Nordcurrent tinha reduzido indevidamente os seus lucros tributáveis referentes a esses anos, deduzindo as comissões pagas à sociedade afiliada pela distribuição de jogos num montante total de 728762,81 euros. Por conseguinte, foram aplicadas à Nordcurrent liquidações adicionais do imposto sobre as sociedades no montante de 586722 euros, acrescidos de juros de mora que se elevam a 222028,08 euros e de uma coima no montante de 176017 euros. |
13 |
Segundo a Inspeção, a existência de uma montagem não genuína é demonstrada pelo facto de, durante os anos de 2018 e 2019, a sociedade afiliada não dispor de recursos humanos correspondentes ao grande número de jogos distribuídos, de clientes e de canais de venda, tendo como única funcionária a sua diretora, que dirigia simultaneamente sete outras sociedades. Também segundo a Inspeção, a sociedade afiliada não dispunha de um local próprio de atividade nem de bens materiais no Reino Unido. De facto, um grande número de empresas, a saber, 97110, foi registado no mesmo endereço que a sociedade afiliada, endereço esse fornecido por intermédio de um serviço de registo de sedes de empresas nesse país. |
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A Inspeção considerou, portanto, que, durante os anos de 2018 e 2019, as atividades relativas à criação e à distribuição de jogos pela sociedade afiliada tinham sido, na realidade, levadas a cabo pelos próprios empregados da Nordcurrent, que tinham acesso às plataformas utilizadas pela sociedade afiliada para os anunciantes e para a distribuição dos jogos. |
15 |
A Nordcurrent impugnou a decisão da Inspeção na Mokestinių ginčų komisija prie Lietuvos Respublikos Vyriausybės (Comissão dos Litígios Fiscais junto do Governo da República da Lituânia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Esta sociedade sustenta que a sociedade afiliada não era uma montagem não genuína, mas que, pelo contrário, lhe proporcionou uma vantagem comercial real. Criada em 2009 e liquidada em 2021, a sociedade afiliada era necessária como intermediária entre a Nordcurrent e as plataformas dos anunciantes e as plataformas de distribuição dos jogos até que esta sociedade conseguiu celebrar contratos diretos com essas plataformas. Durante os anos de 2018 e 2019, a Nordcurrent não teve a possibilidade de vender jogos diretamente a partir da Lituânia. Tendo em conta o modo de distribuição dos jogos eletrónicos, a sociedade afiliada não tinha necessidade de instalações físicas. Da mesma forma, a celebração de acordos‑tipo de distribuição de jogos ou de compra de publicidade pela sociedade afiliada não necessitava de mais funcionários além da diretora. |
16 |
Segundo a Nordcurrent, as funções de distribuição da sociedade afiliada foram‑lhe parcialmente transferidas em 2017, depois da celebração de um acordo com a plataforma Google. Durante o ano de 2018, a organização das atividades foi alterada, tendo todos os riscos ligados à criação de jogos, ao financiamento dessa criação e às despesas publicitárias sido transferidos da sociedade afiliada para a Nordcurrent. Por conseguinte, era esta sociedade que detinha todos os direitos sobre os jogos, sendo a sociedade afiliada unicamente responsável pela sua distribuição. A partir do final de 2019, a atividade de distribuição de jogos e de compra de publicidade deixou de ser exercida através da sociedade afiliada e decidiu‑se liquidá‑la. |
17 |
Ao comparar a situação que lhe foi submetida com a que deu origem ao Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark (C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135), o órgão jurisdicional de reenvio precisa que a sociedade afiliada auferia o rendimento da atividade que exercia em nome próprio e que, portanto, não agia como uma entidade interposta inserida na estrutura do grupo de que fazia parte, mas como uma entidade que gerava ela própria esse rendimento. Por conseguinte, no caso da sociedade afiliada, este órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a aplicação da norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96. |
18 |
O órgão jurisdicional de reenvio salienta também que a Inspeção não põe em causa as razões que levaram à criação da sociedade afiliada nem a sua atividade durante períodos não compreendidos entre 2018 e 2019. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio destaca o facto de, segundo a Nordcurrent, não ter havido uma vantagem fiscal real, uma vez que a sociedade afiliada, estabelecida no Reino Unido, realizava lucros e que a taxa do imposto sobre as sociedades a que os lucros tributáveis estão sujeitos na Lituânia, a saber, 15 %, é inferior à aplicada no Reino Unido, que é de 24 %. |
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Foi neste contexto que a Mokestinių ginčų komisija prie Lietuvos Respublikos Vyriausybės (Comissão dos Litígios Fiscais junto do Governo da República da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
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Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual é recusada a uma sociedade‑mãe, no seu Estado‑Membro de residência, a isenção do imposto sobre as sociedades relativamente aos dividendos recebidos de uma sociedade afiliada estabelecida noutro Estado‑Membro, com o fundamento de que esta sociedade afiliada constitui uma montagem não genuína, quando a referida sociedade afiliada não seja uma sociedade interposta e os lucros distribuídos sob a forma de dividendos foram realizados no âmbito da atividade exercida em nome dessa mesma sociedade afiliada. |
21 |
A título preliminar, importa recordar que resulta do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/96 que, sempre que uma sociedade‑mãe obtém, na qualidade de associada da sua afiliada, distribuição de lucros, o Estado‑Membro em que está estabelecida a sociedade‑mãe ou se abstém de tributar esses lucros ou autoriza essa sociedade‑mãe a deduzir do montante do seu imposto a fração do imposto da afiliada correspondente a esses lucros. No caso em apreço, segundo os autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, a República da Lituânia optou pelo sistema de isenção, que está previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva. |
22 |
No entanto, em conformidade com o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96, que contém uma norma contra práticas abusivas, os Estados‑Membros não concedem as vantagens desta diretiva a uma montagem ou série de montagens que, tendo sido posta em prática para obter, a título principal ou a título de um dos objetivos principais, uma vantagem fiscal que frustre o objeto ou a finalidade desta diretiva, não é genuína, tendo em conta todos os factos e circunstâncias pertinentes. Considera‑se que uma montagem ou série de montagens não é genuína na medida em que não seja posta em prática por razões comerciais válidas que reflitam a realidade económica. |
23 |
Para interpretar esta disposição, há que ter em conta não só a sua redação, mas também a sistemática e os objetivos da Diretiva 2011/96 (v., por analogia, Acórdão de 12 de maio de 2022, Schneider Electric e o., C‑556/20, EU:C:2022:378, n.o 40). |
24 |
São também pertinentes, para interpretar a norma contra práticas abusivas, as precisões que o Tribunal de Justiça forneceu, ao abrigo do princípio geral da proibição das práticas abusivas, no âmbito da sua jurisprudência relativa à Diretiva 90/435, que era aplicável antes de ser revogada pela Diretiva 2011/96. |
25 |
No que respeita, antes de mais, à redação da norma contra práticas abusivas, esta não sugere que esta disposição seja apenas aplicável a situações ou a tipos de montagem específicos. Pelo contrário, adota uma perspetiva global que consiste em identificar o eventual caráter não genuíno de uma montagem à luz de todos os factos e circunstâncias pertinentes, sendo esta montagem caracterizada pela inexistência de razões comerciais válidas que reflitam a realidade económica. |
26 |
Em seguida, quanto à sistemática e aos objetivos da Diretiva 2011/96, resulta dos considerandos 4 e 5 da Diretiva 2015/121, a qual inseriu, na Diretiva 2011/96, a norma contra práticas abusivas contida desde então no artigo 1.o, n.os 2 e 3, desta, que esta disposição é muito útil, nomeadamente em virtude da diversidade dos regimes fiscais nacionais, para evitar qualquer utilização abusiva desta última diretiva. Há que considerar que, tanto à luz da sua inserção, a saber, no primeiro artigo da Diretiva 2011/96, como do objetivo assim expresso, a referida disposição reveste um caráter transversal, pugnando a favor de uma interpretação que permite a sua aplicação independentemente das circunstâncias em que ocorrem as práticas abusivas. Uma interpretação mais restritiva não seria coerente com o objetivo de evitar qualquer utilização abusiva. |
27 |
Por último, na sua jurisprudência relativa à Diretiva 90/435, o Tribunal de Justiça considerou que um grupo de sociedades que não seja posto em prática por razões que reflitam a realidade económica, que tenha uma estrutura puramente formal e que tenha como principal objetivo ou como um dos seus principais objetivos a obtenção de uma vantagem fiscal que frustre o objeto ou a finalidade do direito fiscal aplicável pode ser considerado uma montagem artificial. É esse o caso, nomeadamente, quando, através de uma entidade interposta inserida na estrutura do grupo entre a sociedade que paga os dividendos e a sociedade do grupo que é a beneficiária efetiva destes, é evitado o pagamento do imposto sobre os dividendos (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 100). |
28 |
No entanto, não se pode deduzir destes fundamentos que a norma contra práticas abusivas se aplica unicamente às montagens que incluem sociedades interpostas e que a situação em causa no processo principal não é abrangida pela mesma. Pelo contrário, resulta desse mesmo número do Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark (C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135), que a hipótese de uma sociedade interposta é apenas um exemplo, entre outros, da aplicação do princípio da proibição de práticas abusivas, o que é assinalado pela utilização do termo «nomeadamente». |
29 |
Esta forma de proceder através de um exemplo para apreciar o caráter abusivo de uma prática inscreve‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça no âmbito da qual este considerou igualmente, à luz do princípio da proibição do abuso de direito, que se pode considerar que uma sociedade afiliada «caixa de correio» ou de «fachada» apresenta o caráter de uma montagem puramente artificial (Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/04, EU:C:2006:544, n.o 68). |
30 |
Cabe, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz de todos os factos em causa no processo principal, se, no caso em apreço, os elementos constitutivos de uma prática abusiva estão reunidos (v., por analogia, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.os 98 e 99). |
31 |
Atendendo ao que precede, há que responder à primeira questão que a norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma prática nacional segundo a qual é recusada a uma sociedade‑mãe, no seu Estado‑Membro de residência, a isenção do imposto sobre as sociedades relativamente aos dividendos recebidos de uma sociedade afiliada estabelecida noutro Estado‑Membro com o fundamento de que essa sociedade afiliada constitui uma montagem não genuína, quando a referida sociedade afiliada não é uma sociedade interposta e os lucros distribuídos sob a forma de dividendos foram realizados no âmbito da atividade exercida em nome da mesma sociedade afiliada, desde que os elementos constitutivos de uma prática abusiva estejam reunidos. |
Quanto à segunda questão
32 |
Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual só a situação existente nas datas de pagamento dos dividendos é tida em conta para qualificar de montagem não genuína uma sociedade afiliada estabelecida noutro Estado‑Membro, ainda que a constituição dessa sociedade afiliada se tenha baseado em razões comerciais válidas e a realidade da sua atividade antes dessas datas não seja posta em causa. |
33 |
Com efeito, esse órgão jurisdicional especifica que as conclusões da Inspeção que constatam uma montagem não genuína dizem unicamente respeito à situação existente nas datas de pagamento dos dividendos que foram isentos do imposto sobre as sociedades. Em contrapartida, a Inspeção não põe em causa nem a criação da sociedade afiliada nem a atividade por ela exercida antes dessas datas, a saber, antes de 2018 e de 2019. |
34 |
Apesar de, à luz dos termos da norma contra práticas abusivas se afigurar que a sua aplicação se cinge à instalação de uma montagem, dado que é especificamente referida nos dois números do artigo 1.o da Diretiva 2011/96 que a prevê, importa também ter em conta a precisão, introduzida no artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta diretiva, segundo a qual uma montagem pode ser constituída por mais do que uma etapa ou parte. |
35 |
A este respeito, decorre do considerando 8 da Diretiva 2015/121 que apenas certas etapas ou partes de uma montagem poderão ser, isoladamente, não genuínas e, portanto, ser abrangidas pela cláusula contra práticas abusivas, o que permitiria conferir a esta disposição o seu pleno efeito útil, garantindo simultaneamente a sua proporcionalidade. |
36 |
Neste contexto, como observou o Governo Francês nas suas observações escritas, não é de excluir que uma montagem, originalmente posta em prática por razões comerciais válidas que refletem a realidade económica, deva ser considerada não genuína a partir de um determinado momento, pelo facto de essa montagem ter sido mantida apesar de se ter verificado uma alteração das circunstâncias. |
37 |
Assim, cabe entender a possibilidade de aplicar a norma contra práticas abusivas a etapas não genuínas de uma montagem, no sentido de que podem ser tidas em conta circunstâncias posteriores à criação da montagem para apreciar o caráter genuíno ou não da etapa da montagem em questão. |
38 |
Por conseguinte, embora não seja de limitar a apreciação da existência de um abuso de direito somente à criação da montagem em questão, não se pode abstrair, para constatar tal abuso, das circunstâncias existentes à data dessa criação ou, em todo o caso, anteriores à etapa da montagem em questão, etapa essa que consiste, no caso em apreço, no pagamento dos dividendos em causa no processo principal. |
39 |
Com efeito, segundo o considerando 7 da Diretiva 2015/121, ao avaliarem se uma montagem ou uma série de montagens constitui uma prática abusiva, as administrações fiscais dos Estados‑Membros deverão efetuar uma análise objetiva de todos os factos e circunstâncias relevantes. Esta formulação é reproduzida, em substância, no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2011/96, segundo o qual os benefícios desta diretiva não devem ser concedidos a montagens que não sejam genuínas tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes. |
40 |
Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 90/435 que é o exame de um conjunto de factos que permite verificar se os elementos constitutivos de uma prática abusiva estão reunidos (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 98). |
41 |
Daqui resulta que, numa situação em que uma montagem é constituída por várias etapas, todos os factos e circunstâncias relevantes devem ser tidos em conta para demonstrar que há uma ou várias etapas que não são genuínas. Na norma contra práticas abusivas, não é sugerido que os factos e as circunstâncias relevantes cujo exame é necessário para esse efeito se restrinjam à situação existente à data da etapa da montagem em questão, a saber, no caso em apreço, o pagamento dos dividendos em causa no processo principal. |
42 |
Apesar de as autoridades nacionais poderem ter em conta esta última situação para qualificar de montagem não genuína uma sociedade afiliada estabelecida noutro Estado‑Membro, a referida situação não pode ser a única pertinente para efeitos dessa qualificação. |
43 |
Atendendo ao que precede, a norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual, sem exceção, só a situação existente nas datas de pagamento dos dividendos é tida em conta para qualificar de montagem não genuína uma sociedade afiliada estabelecida noutro Estado‑Membro, ainda que a constituição dessa sociedade afiliada se tenha baseado em razões comerciais válidas e a realidade da sua atividade antes dessas datas não seja posta em causa. |
Quanto à terceira questão
44 |
Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96 deve ser interpretada no sentido de que, quando uma sociedade‑mãe recebeu dividendos de uma sociedade afiliada qualificada de montagem não genuína, esta qualificação é suficiente, por si só, para concluir que, ao ter beneficiado de uma isenção do imposto sobre as sociedades relativamente a esses dividendos, a sociedade‑mãe obteve uma vantagem fiscal que frustra o objeto e a finalidade desta diretiva. |
45 |
À luz dos termos da norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96, devem estar reunidas duas condições para que os benefícios desta diretiva sejam recusados. Por um lado, deve tratar‑se de uma montagem não genuína, na aceção especificada nesse n.o 3. Por outro lado, a montagem deve ter sido posta em prática para obter, a título de objetivo principal ou a título de um dos objetivos principais, uma vantagem fiscal que frustra o objeto da referida diretiva. |
46 |
Por conseguinte, não basta demonstrar que a montagem não é posta em prática por razões comerciais válidas que reflitam a realidade económica, o que corresponde à definição de montagem não genuína enunciada no artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2011/96. É também necessário, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, que a montagem seja posta em prática com a finalidade principal de obter uma vantagem fiscal que frustra o objeto ou a finalidade da diretiva. |
47 |
Esta interpretação corresponde à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a prova de uma prática abusiva requer, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do respeito formal dos requisitos previstos na legislação da União, o objetivo prosseguido por essa legislação não foi alcançado e, por outro, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da legislação da União, através da criação artificial dos requisitos exigidos para a sua obtenção (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 97 e jurisprudência referida). |
48 |
Se, para constatar que, no caso em apreço, a sociedade‑mãe, ao beneficiar de uma isenção do imposto sobre as sociedades relativamente aos dividendos que recebeu de uma sociedade afiliada, obteve uma vantagem fiscal que frustra o objeto ou a finalidade da Diretiva 2011/96, fosse suficiente qualificar a sociedade afiliada em causa no processo principal como não genuína com base nos elementos apresentados pela Inspeção, a saber, a falta de recursos humanos e materiais e a inexistência de atividade económica real, o elemento subjetivo ligado à vantagem fiscal não seria, contrariamente à jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão, tido em conta enquanto elemento distinto que permite demonstrar a qualificação de abuso de direito. |
49 |
Com efeito, não se pode considerar que a qualificação da sociedade afiliada como uma montagem não genuína é suficiente para recusar à sociedade‑mãe a isenção do imposto sobre as sociedades relativamente aos dividendos recebidos da sociedade afiliada, por força da norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96. |
50 |
Por último, em relação ao conceito de vantagem fiscal, cabe constatar que este não está definido nas Diretivas 2011/96 e 2015/121. |
51 |
Coloca‑se, portanto, a questão de saber se, no caso em apreço, a vantagem fiscal visada por estas diretivas deve ser interpretada como sendo a isenção de imposto mencionada pela Diretiva 2011/96, o que afirmam, em substância, os Governos Lituano, Belga e Francês nas respetivas observações, ou, num sentido mais amplo, proposto pela Nordcurrent e pela Comissão Europeia, que tem em conta a questão de saber se, tendo em conta a diferença da taxa de imposto sobre as sociedades existente entre o Reino Unido e a Lituânia, esta sociedade fez uma «economia de imposto». |
52 |
Se atendermos unicamente à redação da norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96, verificamos que esta não impõe que se considere que a vantagem fiscal deve ser avaliada isoladamente. Pelo contrário, como salienta a Comissão, a exigência de ter em conta todos os factos e circunstâncias, prevista nesta disposição, pugna pela tomada em consideração do efeito fiscal global resultante do facto de ter sido posta em prática uma montagem no Estado‑Membro em questão. |
53 |
Na falta dessa visão de conjunto, seria também difícil avaliar o elemento subjetivo exigido para concluir pela existência de um abuso de direito. A este respeito, não se pode excluir que haja outra justificação para que seja posta em prática uma montagem noutro Estado‑Membro, na medida em que vise obter uma redução da carga fiscal em vez de uma vantagem prevista por esta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 110). |
54 |
Por conseguinte, o facto, invocado pela Nordcurrent, de os lucros realizados pela sociedade afiliada terem sido objeto, no Reino Unido, de uma taxa de tributação superior à taxa do imposto sobre as sociedades que teria sido aplicada na Lituânia, e admitindo que está demonstrado, é um elemento pertinente, entre outros, para apreciar se o objetivo principal ou um dos objetivos principais da existência da sociedade afiliada nas datas de pagamento dos dividendos em causa era beneficiar de uma vantagem fiscal, na aceção da norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96. |
55 |
Atendendo ao que precede, a norma contra práticas abusivas contida no artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/96 deve ser interpretada no sentido de que, quando uma sociedade‑mãe recebeu dividendos de uma sociedade afiliada qualificada de montagem não genuína, esta qualificação não é suficiente, por si só, para concluir que, ao ter beneficiado de uma isenção do imposto sobre as sociedades relativamente a esses dividendos, a sociedade‑mãe obteve uma vantagem fiscal que frustra o objeto e a finalidade desta diretiva. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: lituano.