16.7.2014 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 226/63 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu e ao Comité sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em processo penal
[COM(2013) 821 final — 2013/0407 (COD)],
a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal
[COM(2013) 822 final — 2013/0408 (COD)],
a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao apoio judiciário provisório para suspeitos ou arguidos privados de liberdade e ao apoio judiciário em processos de execução de mandados de detenção europeus
[COM(2013) 824 final — 2013/0409 (COD)],
e a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Avançar na aplicação da agenda da União Europeia em matéria de garantias processuais dos suspeitos ou arguidos — reforçar as bases do espaço europeu de justiça penal
[COM(2013) 820 final]
2014/C 226/12
Relator: Xavier Verboven
Em 13 e 22 de janeiro de 2014, respetivamente, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre as
Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em processo penal
COM(2013) 821 final — 2013/0407 (COD)
Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal
COM(2013) 822 final — 2013/0408 (COD)
Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao apoio judiciário provisório para suspeitos ou arguidos privados de liberdade e ao apoio judiciário em processos de execução de mandados de detenção europeus
COM(2013) 824 final — 2013/0409 (COD).
Em 27 de novembro de 2013, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Avançar na aplicação da agenda da União Europeia em matéria de garantias processuais dos suspeitos ou arguidos — reforçar as bases do espaço europeu de justiça penal
COM(2013) 820 final.
Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 12 de março de 2014.
Na 497.a reunião plenária de 25 e 26 de março de 2014 (sessão de 25 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 139 votos a favor, 1 voto contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:
1. Conclusões e recomendações
O Comité acolhe favoravelmente e subscreve as propostas de diretiva e as recomendações da Comissão relativas à presunção de inocência, à proteção processual de menores e grupos vulneráveis e ao apoio judiciário provisório.
1.1 |
Não obstante, o Comité tem uma série de reservas que visam reforçar os princípios subjacentes a essas propostas e os seus objetivos. |
1.2 |
No que toca à presunção de inocência, o Comité gostaria de sublinhar que ninguém é culpado até que seja pronunciada a sentença final e que esse direito é inviolável. Salienta que, para que os cidadãos confiem no sistema judicial, os juízes têm de ser imunes a qualquer tipo de pressão ou influência, incluindo dos meios de comunicação social. Neste contexto, a própria comunicação social deve também, sem prejuízo da liberdade de imprensa que lhe é consagrada na Constituição, evitar assumir o papel dos órgãos judiciais. |
1.3 |
Relativamente à proteção dos menores em processo penal, o Comité salienta que os menores se encontram numa posição muito vulnerável quando privados de liberdade, atendendo aos riscos que essa privação de liberdade acarreta para a sua integridade mental e física. Neste contexto, o Comité realça igualmente que deve ser dada prioridade a iniciativas destinadas a integrar os menores em processo penal o mais rápido possível na vida social e cívica. |
1.4 |
No que diz respeito ao apoio judiciário provisório, o Comité considera positivo que os princípios da proposta de diretiva se apliquem também a pessoas que sejam objeto de um mandado de detenção europeu. Subscreve igualmente a recomendação de uma maior convergência dos critérios de atribuição do direito a apoio judiciário em processos penais. Assinala, contudo, que o apoio judiciário em processo penal não pode ficar comprometido pelas dificuldades orçamentais que alguns Estados-Membros enfrentam, e questiona-se em que medida poderão ser disponibilizados recursos para este efeito a nível europeu, por exemplo, sob a forma de um fundo da UE. |
1.5 |
Constata que as propostas de diretiva relativas à presunção de inocência e à proteção de menores em processo penal são aplicáveis apenas no âmbito de um processo penal. O Comité entende que, por analogia à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, deve ser possível interpretar de forma autónoma o conceito de processo penal no direito europeu, independentemente da classificação dos processos nos Estados-Membros. Para garantir ao máximo esta possibilidade de interpretação autónoma, o Comité recomenda que se suprima dos considerandos destas propostas de diretiva a menção de que as garantias não se aplicam a processos administrativos que tenham por resultado a imposição de sanções. |
1.6 |
No atinente ao processo à revelia, constante do artigo 8.o da proposta de diretiva relativa à presunção de inocência, o Comité verifica que, nos termos desta disposição, um processo penal só poderá realizar-se à revelia do arguido quando está inequivocamente estabelecido que este tinha conhecimento do julgamento previsto. Uma vez que tal pode conduzir a dificuldades práticas quando não se conhece o local de residência do arguido, o Comité recomenda que se autorize expressamente os Estados-Membros a preverem uma forma especial de convocação para pessoas sem local de residência conhecido (por exemplo, notificação enviada para o comissariado de polícia). |
2. Síntese das propostas da Comissão
2.1 |
Em 27 de novembro de 2013, a Comissão Europeia publicou um pacote de novas medidas relativas às garantias processuais em processo penal. |
2.2 |
Este pacote vem no seguimento de um programa legislativo relativo às garantias processuais em processo penal, no âmbito do qual foram elaboradas a Diretiva 2010/64/CE relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, a Diretiva 2012/13/CE relativa ao direito à informação em processo penal e a Diretiva 2013/48/CE relativa ao direito de acesso a um advogado e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade. |
2.3 |
Com a introdução de garantias processuais mínimas em processo penal, este programa legislativo visa, por um lado, garantir aos cidadãos da União Europeia o direito a um processo equitativo em toda a União e, por outro, aumentar a confiança dos Estados-Membros nos sistemas judiciais uns dos outros, a fim de promover o reconhecimento mútuo das decisões judiciais. |
2.4 |
O pacote ora em apreço é composto por três propostas de diretiva, relativas à presunção de inocência, à proteção processual de menores durante o processo penal e ao direito a apoio judiciário provisório em processo penal. |
2.4.1 |
No tocante à proposta de diretiva relativa à presunção de inocência |
2.4.1.1 |
O facto de um suspeito ou arguido em processo penal ser presumido inocente enquanto a sua culpabilidade não for judicialmente comprovada é um dos princípios mais importantes do direito processual penal e está no cerne do direito a um processo equitativo. O conteúdo do princípio da presunção de inocência foi desenvolvido na jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. |
2.4.1.2 |
A proposta visa estabelecer numa diretiva determinados aspetos desse princípio assim definido, permitindo assegurar da melhor forma a aplicação efetiva da presunção de inocência na União Europeia. |
2.4.1.3 |
Os aspetos da presunção de inocência regulados pela diretiva são os seguintes: 1) a proibição de as autoridades públicas emitirem uma declaração pública ou decisão oficial em que um arguido ainda não condenado seja apresentado como se o tivesse sido; 2) o ónus da prova de culpa recai sobre a acusação e, em caso de dúvida, o arguido deve ser absolvido; 3) o direito de não se autoincriminar e de não colaborar; 4) o direito de guardar silêncio; 5) o direito do arguido de comparecer no próprio julgamento. |
2.4.2 |
No tocante à proposta de diretiva relativa a garantias processuais para os menores em processo penal |
2.4.2.1 |
A Diretiva 2010/64/CE foi publicada no intuito de garantir o direito a um processo equitativo às pessoas que não falam nem compreendem a língua do processo. Contudo, para além das barreiras linguísticas, há ainda outros obstáculos que podem fazer com que um arguido não seja capaz de acompanhar devidamente o processo penal e nele participar, por exemplo, a sua idade ou uma deficiência mental. |
2.4.2.2 |
Com vista a garantir o direito a um processo penal equitativo para menores, a Comissão elaborou uma proposta de diretiva, que prevê a proteção de um processo equitativo mediante: 1) o direito de o menor e o titular da responsabilidade parental serem informados sobre os direitos suplementares dos menores decorrentes desta diretiva ou da sua transposição para o direito nacional; 2) o apoio reforçado de um advogado; 3) o direito a uma avaliação individual; 4) o direito a requerer um exame médico em caso de privação de liberdade; 5) a obrigação de realizar gravações audiovisuais dos interrogatórios de menores; 6) o facto de a privação de liberdade ser apenas uma medida de último recurso; 7) um tratamento especial em caso de privação de liberdade; 8) o direito a um tratamento atempado e diligente do processo; 9) o tratamento do processo à porta fechada; 10) o direito de o menor e o titular da responsabilidade parental comparecerem em tribunal em processo penal; 11) o direito a apoio judiciário. |
2.4.2.3 |
São previstas garantias idênticas para adultos que se encontrem numa posição vulnerável. Contudo, dada a dificuldade de definir o conceito de «adultos numa posição vulnerável», a Comissão optou por não incluir essas garantias numa diretiva mas sim numa recomendação. |
2.4.3 |
No tocante à proposta de diretiva relativa ao apoio judiciário provisório |
2.4.3.1 |
A Diretiva 2013/48/CE prevê o direito de assistência por um advogado. Para que este direito seja efetivo para todos, é necessário providenciar apoio judiciário para as pessoas que não dispõem de meios económicos suficientes para pagar a um advogado. |
2.4.3.2 |
A Comissão propõe uma recomendação para os critérios de acesso ao apoio judiciário e as garantias da qualidade e eficácia dos serviços de apoio judiciário. Trata-se apenas de uma recomendação, tendo em conta o custo que tal pode implicar para os Estados-Membros e o princípio da proporcionalidade inerente às ações da União. |
2.4.3.3 |
No entanto, para garantir a assistência efetiva de um advogado nos casos em que é mais necessária, a Comissão propõe uma diretiva relativa ao apoio judiciário provisório. Assim, a proposta de diretiva prevê que os Estados-Membros sejam obrigados, em dois casos, a providenciar sempre apoio judiciário imediato, ou seja, antes de as autoridades competentes no respetivo Estado-Membro tomarem uma decisão definitiva relativamente à concessão (ou recusa) de apoio judiciário, designadamente a favor de: 1) pessoas privadas de liberdade, 2) pessoas procuradas no âmbito de processos de execução de mandados de detenção europeus e privadas de liberdade no Estado-Membro de execução. |
3. Observações
3.1 |
O Comité acolhe favoravelmente e subscreve as propostas da Comissão, fazendo uma avaliação nitidamente positiva. |
3.2 |
No entanto, existem algumas reservas em relação aos documentos apresentados, que a seguir se enumeram. Algumas são mais gerais, enquanto outras são de caráter mais técnico-jurídico. Apesar dessas reservas, o Comité subscreve os princípios subjacentes às propostas apresentadas e os seus objetivos, visando porém reforçá-los. |
3.3 Observações na generalidade
3.3.1 |
Relativamente à presunção de inocência |
3.3.1.1 |
O Comité apoia totalmente o reforço da presunção de inocência, tal como estabelecido na proposta de diretiva relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência. |
3.3.1.2 |
A este respeito, o Comité gostaria de sublinhar que ninguém é culpado até que seja pronunciada a sentença final e que esse direito é inviolável. Salienta que, para que os cidadãos confiem no sistema judicial, os juízes têm de ser imunes a qualquer tipo de pressão ou influência, incluindo dos meios de comunicação social. Neste contexto, a própria comunicação social deve também, sem prejuízo da liberdade de imprensa que lhe é consagrada na Constituição, evitar assumir o papel dos órgãos judiciais. |
3.3.2 |
Relativamente à proteção processual de menores e pessoas vulneráveis |
3.3.2.1 |
O Comité apoia também plenamente o reforço dos direitos das pessoas vulneráveis em processo penal e, em especial, dos menores, tal como estabelecido na proposta de diretiva relativa às garantias essenciais para os menores e na recomendação proposta, que garante que as pessoas vulneráveis são reconhecidas como tal e que as suas necessidades são tidas em conta. |
3.3.2.2 |
Os menores que enveredam pela criminalidade, frequentemente devido às condições sociais ou ao meio que os rodeia, encontram-se numa posição muito vulnerável quando privados de liberdade, atendendo aos riscos inerentes ao seu desenvolvimento físico, mental e social. |
3.3.2.3 |
Além disso, o Comité realça que deve ser dada prioridade a iniciativas destinadas a integrar os menores confrontados com um processo penal o mais rápido possível na vida social e cívica. |
3.3.2.4 |
Em aplicação da disposição que prevê que o direito dos menores ao acesso obrigatório a um advogado é igualmente aplicável aos processos penais suscetíveis de conduzir ao arquivamento definitivo do processo, o Comité considera conveniente precisar que esse direito também se aplica no âmbito de medidas alternativas às ações penais. |
3.3.3 |
Relativamente ao apoio judiciário provisório |
3.3.3.1 |
O Comité concorda com os princípios contidos na proposta de diretiva, que garantem o apoio judiciário quando o acesso a um advogado é mais necessário, através do «apoio judiciário provisório». |
3.3.3.2 |
Considera positivo que esses princípios se apliquem também a pessoas que sejam objeto de um mandado de detenção europeu. Por fim, subscreve a recomendação no sentido de uma maior convergência dos critérios de atribuição do direito a apoio judiciário em processos penais. |
3.3.3.3 |
Assinala, contudo, que o apoio judiciário em processo penal não pode ficar comprometido pelas dificuldades orçamentais que alguns Estados-Membros enfrentam, e questiona-se em que medida poderão ser disponibilizados recursos para este efeito a nível europeu, por exemplo, sob a forma de um fundo da UE. |
3.4 Reservas de teor técnico-jurídico
3.4.1 |
Relativamente ao âmbito de aplicação das propostas de diretiva relativas à presunção de inocência e à proteção de menores em processo penal. |
3.4.2 |
Tanto na proposta de diretiva relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência como na proposta de diretiva relativa a garantias processuais para os menores em processo penal, na descrição do âmbito de aplicação, determina-se que esta proteção é evidentemente aplicável apenas no âmbito de um processo penal. |
3.4.3 |
O texto da proposta não especifica o que deve entender-se por «processo penal». Por conseguinte, surge a questão de saber se só se trata de processos que são classificados como «processo penal» nos Estados-Membros ou se o conceito de «processo penal» nas propostas de diretiva é mais lato, podendo abranger também, por exemplo, processos administrativos que tenham por resultado a imposição de sanções. |
3.4.4 |
Segundo a jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o caráter penal de um processo é determinado com base nos denominados «critérios Engel», a saber: 1) a classificação como penal no direito nacional; 2) o tipo de infração; 3) o tipo e a gravidade da sanção. Assim, no intuito da aplicação do direito a um processo equitativo, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem considera uma série de procedimentos administrativos como processos penais. Esta jurisprudência visa evitar que os Estados-Membros se desobriguem das garantias fundamentais da Convenção meramente com base na classificação que atribuem a um processo. |
3.4.5 |
Por conseguinte, recomenda-se, pelo menos, que o Tribunal de Justiça disponha de uma margem para interpretar o conceito de «processo penal» independentemente da classificação conferida pelo direito nacional. Caso contrário, existe um risco real de que as garantias estabelecidas nas diretivas não cumpram o seu objetivo. |
3.4.6 |
Todavia, o considerando 6 da proposta de diretiva relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência estabelece muito claramente que a diretiva se aplica exclusivamente a processos penais e exclui os processos administrativos que tenham por resultado a imposição de sanções. |
3.4.7 |
Este considerando impede uma interpretação ampla do conceito de «processo penal», preconizado e considerado necessário pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no âmbito da concretização dos mesmos direitos e princípios que são objeto destas diretivas. Assim, o Comité entende que este considerando deve ser suprimido. |
3.4.8 |
Relativamente à realização de um processo à revelia nos termos do artigo 8.o da Diretiva relativa à presunção de inocência |
3.4.9 |
O artigo 8.o supracitado estabelece que os Estados-Membros só podem prever a possibilidade de o tribunal competente decidir sobre a culpabilidade na ausência do suspeito ou arguido, desde que este tenha sido notificado pessoalmente e desse modo informado da data e do local previstos para o julgamento, ou recebido efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto. |
3.4.10 |
Não se prevê aqui a possibilidade de realizar o processo ainda assim (à revelia), caso se desconheça o local de residência da pessoa em causa, não podendo esta ser notificada. Neste caso, poder-se-á contemplar enviar a convocação (notificação) para o comissariado da polícia. |
Bruxelas, 25 de março de 2014
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Henri MALOSSE