ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

26 de junho de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Processo de execução coerciva de um crédito hipotecário — Ato notarial diretamente executório — Fiscalização judicial das cláusulas abusivas — Suspensão da execução coerciva — Incompetência do juiz que conhece do pedido de execução coerciva — Proteção do consumidor — Princípio da efetividade — Interpretação conforme»

No processo C‑407/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor, Eslovénia), por decisão de 6 de junho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de junho de 2018, no processo

Aleš Kuhar,

Jožef Kuhar

contra

Addiko Bank d.d.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, C. G. Fernlund e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo esloveno, por B. Jovin Hrastnik, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Kocjan e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Aleš e Jožef Kuhar ao Addiko Bank d.d., instituição bancária eslovena, a propósito da execução coerciva de um crédito ao abrigo de um contrato de crédito hipotecário celebrado sob a forma de ato notarial diretamente executório.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 3.o da Diretiva 93/13 prevê:

«1.   Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.   Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

[…]»

4

O artigo 4.o desta diretiva enuncia:

«1.   Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.   A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

5

O artigo 5.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. Em caso de dúvida sobre o significado de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável ao consumidor. […]»

6

O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

7

Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre profissionais e consumidores.»

Direito esloveno

Lei relativa à Proteção dos Consumidores

8

O artigo 23.o da Zakon o varstviu potrošnikov (Lei relativa à Proteção dos Consumidores, Uradni list RS, n.o 98/04) prevê:

«Uma empresa não pode prever cláusulas contratuais abusivas relativas ao consumidor.

As cláusulas contratuais referidas no número anterior são nulas.»

9

O artigo 24.o, primeiro parágrafo, desta lei enuncia:

«As cláusulas contratuais consideram‑se abusivas quando estabeleçam, em prejuízo do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes, se tornarem a execução do contrato indevidamente prejudicial para o consumidor, ou se tornarem a execução do contrato nitidamente diferente de quanto o consumidor podia razoavelmente esperar, ou se não respeitarem o princípio da boa‑fé e da lealdade.»

Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares

10

O artigo 9.o da Zakon o izvršbi in zavarovanju (Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares, Uradni list RS, n.o 3/07) enuncia:

«Uma decisão de primeira instância é suscetível de recurso a menos que a lei disponha em sentido contrário.

O recurso interposto por um devedor contra um despacho de execução que julgue procedente um pedido de execução constitui uma reclamação.

[…]

É suscetível de recurso a decisão que conheça da reclamação.

[…]»

11

O artigo 15.o desta lei prevê:

«As disposições do Zakon o pravdnem postopku [(Código de Processo Civil, Uradni list RS, n.o 73/07)] aplicam‑se por analogia ao processo de execução coerciva e às medidas cautelares, salvo disposição em contrário da presente lei ou de outra lei.»

12

O artigo 17.o, primeiro e segundo parágrafos, da referida lei dispõe:

«O juiz ordena a execução com base num título executivo.

Constituem títulos executórios:

1.

uma decisão judicial executória e uma transação judicial executória;

2.

um ato notarial executório;

[…]»

13

Nos termos do artigo 55.o, primeiro parágrafo, da mesma lei:

«É possível deduzir reclamação de um despacho de execução coerciva por motivos que obstem à execução, nomeadamente:

[…]

2)

se o título com base no qual a execução coerciva foi concedida não for título executivo ou um ato autêntico;

[…]»

14

O artigo 71.o da Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares tem a seguinte redação:

«O órgão jurisdicional pode suspender total ou parcialmente a execução coerciva a pedido do devedor se este demonstrar de modo credível que uma execução imediata lhe causaria um prejuízo irreparável ou dificilmente reparável e maior do que aquele que pode suportar o credor se a execução for adiada, nas situações seguintes:

[…]

5)

interposição de um recurso tendo por objeto a declaração de nulidade da transação concluída no ato notarial diretamente executório com base no qual a execução coerciva foi concedida;

[…]

Sem prejuízo do número anterior, o juiz pode, a pedido do devedor, suspender a execução coerciva igualmente noutros casos, por motivos legítimos particulares, mas por um período máximo de três meses e uma única vez.

Sob proposta do credor, o juiz subordina a suspensão da execução à constituição de uma garantia pelo devedor, exceto se isso prejudicar o seu sustento ou o dos membros da sua família. Se o devedor não constituir a garantia no prazo fixado pelo juiz, que não pode exceder 15 dias, considera‑se que o pedido de suspensão foi retirado.»

Código de Processo Civil

15

O artigo 3.o, terceiro parágrafo, ponto 1, do Código de Processo Civil dispõe:

«Um órgão jurisdicional não reconhece uma disposição das partes:

1.

que seja contrária à ordem pública.»

Lei do Notariado

16

O artigo 4.o da Zakon o notariatu (Lei do Notariado, Uradni list RS, n.o 2/07) enuncia:

«O ato notarial que preveja uma obrigação de dar, de fazer, de não fazer ou de tolerar alguma coisa, que possa ser objeto de resolução amigável, constitui um título executivo se o devedor reconhecer expressamente esse caráter diretamente executório no próprio ato ou num ato notarial separado e se o crédito for exigível.»

17

O artigo 42.o desta lei estabelece:

«Antes de lavrar um ato notarial, o notário deve descrever às partes, de forma compreensível, o conteúdo, as consequências jurídicas do ato jurídico ou da expressão de vontade previstas, deve chamar a atenção das partes para os riscos conhecidos e habituais associados a esse ato jurídico ou a essa expressão de vontade. O notário deve igualmente chamar a atenção das partes para outras circunstâncias eventuais no que respeita ao ato jurídico previsto, caso as conheça […]. Deve igualmente dissuadir as partes de empregar expressões pouco claras, incompreensíveis ou ambíguas e chamar expressamente a atenção das partes para as consequências jurídicas eventuais do uso de tais expressões. Se as partes mantiverem essas expressões, deve inscrevê‑las no ato notarial, mas mencionando igualmente o correspondente aviso feito às partes.»

Lei relativa à Assistência Judiciária

18

O artigo 8.o, quarto travessão, da Zakon o brezplačni pravni pomoči (Lei relativa à Assistência Judiciária) dispõe:

«A assistência judiciária gratuita nos termos da presente lei não é concedida:

[…]

ao devedor visado por um processo de execução coerciva, instaurado com base num título executivo na aceção da Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares, a menos que o devedor demonstre de maneira credível que existem motivos de reclamação contra a execução que a esta obstem de acordo com a Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

19

O Addiko Bank e A. Kuhar e J. Kuhar celebraram um contrato de crédito hipotecário, sob a forma de ato notarial diretamente executório, destinado a financiar a aquisição de uma habitação (a seguir «ato notarial em causa»). O crédito estava redigido em francos suíços (CHF), mas A. Kuhar e J. Kuhar deviam pagar as mensalidades de reembolso em euros, à taxa de referência do Banco Central Europeu (BCE) na data de pagamento. A taxa de juros estava indexada à taxa LIBOR CHF a seis meses.

20

Dado que A. Kuhar e J. Kuhar se encontravam em falta de pagamento, o Addiko Bank apresentou, com base no ato notarial em causa, um pedido no Okrajno sodišče v Gornji Radgoni (Tribunal de Primeira Instância de Gornja Radgona, Eslovénia) para que fosse ordenada a execução coerciva desse ato.

21

Esse órgão jurisdicional deferiu o pedido de execução coerciva no montante total de 128765,66 euros.

22

Na reclamação que apresentaram no referido órgão jurisdicional contra o despacho que concedeu a execução coerciva, A. Kuhar e J. Kuhar, sem serem assistidos por um advogado, sustentaram que o Addiko Bank não os tinha alertado devidamente para o risco cambial, o que os levara a celebrar um contrato em que algumas das cláusulas revestiam caráter abusivo e por força do qual deveriam atualmente reembolsar um montante nitidamente superior ao do crédito obtido.

23

O Okrajno sodišče v Gornji Radgoni (Tribunal de Primeira Instância de Gornja Radgona) indeferiu esta reclamação com o fundamento, designadamente, de que, em substância, cabia a A. Kuhar e J. Kuhar dar cumprimento à obrigação tal como esta decorria do ato notarial em causa e que pouco importava que o Addiko Bank os tivesse devidamente alertado ou não para o risco cambial.

24

A. Kuhar e J. Kuhar, sempre sem serem assistidos por um advogado, recorreram para o órgão jurisdicional de reenvio, o Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor, Eslovénia), pedindo a anulação do despacho que concedeu a execução coerciva.

25

Resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio já decidiu, a título interlocutório, que a cláusula, constante do ato notarial em causa, que estipula que o crédito está redigido em divisas, mas que o seu reembolso deve ser efetuado em euros, reveste caráter abusivo na medida em que não prevê nenhuma limitação adequada do risco cambial. Ainda que diga respeito ao objeto principal do contrato, esta cláusula não era clara nem compreensível para A. Kuhar e J. Kuhar. Mais geralmente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, mesmo que a falta de limitação do risco cambial possa afetar tanto o consumidor como o banco, existe, contudo, um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes no contrato, quanto mais não seja em razão dos meios nitidamente mais importantes de que dispõe um banco para controlar esse risco, enquanto instituição financeira de tamanho considerável, que pode, para esse efeito, basear‑se em conhecimentos especializados, em dados importantes e em experiência na matéria. Por outro lado, esse órgão jurisdicional entende que, ao subscrever um crédito destinado a financiar a aquisição de habitação, um consumidor razoável não se expõe a um risco cambial ilimitado, suscetível de lhe causar consequências económicas nefastas e duradouras. Pelo contrário, se pudesse negociar em pé de igualdade com o banco e se estivesse devidamente informado por este último, esse consumidor só se comprometeria se o contrato de crédito implicasse uma limitação razoável de tal risco.

26

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se sobre se cabe ao juiz que conhece de um pedido de execução coerciva de um contrato de crédito hipotecário, quando se concluir que este último contém uma cláusula abusiva, proibir, se for caso disso oficiosamente, a aplicação dessa cláusula desde essa fase processual ou se essa decisão está abrangida pela apreciação do juiz que conhece do mérito, ao qual o consumidor tenha eventualmente recorrido no âmbito de um processo separado.

27

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, antes de mais, que, em conformidade com o princípio da efetividade do direito da União, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, as regras processuais nacionais relativas à força de caso julgado de uma decisão judicial não podem tornar excessivamente difícil para o órgão jurisdicional que conhece de um pedido de execução recusar a aplicação das cláusulas abusivas. Ora, em direito esloveno, no âmbito de um processo de execução coerciva instaurado com base num ato notarial diretamente executório, o juiz competente seria, porém, confrontado com disposições processuais desta natureza. Trata‑se, mais especificamente, das disposições de direito nacional relativas à aplicação do princípio da legalidade formal e às condições legais de suspensão da execução coerciva, conforme previstas na Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares.

28

Por um lado, quanto ao princípio da legalidade formal, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, segundo a interpretação tradicional acolhida em direito esloveno, o juiz não pode recusar a execução coerciva, uma vez que, por força deste princípio, a sua fiscalização limita‑se à verificação de que o ato autêntico que declara o contrato de crédito cuja execução coerciva é prosseguida foi elaborado com respeito pelas exigências formais previstas pela legislação aplicável. A posição do juiz que conhece de um pedido de execução coerciva baseada num ato notarial, como o ato notarial em causa, é, portanto, do ponto de vista da violação do princípio da efetividade, análoga, em substância, à referida no processo que deu origem ao Despacho de 14 de novembro de 2013, Banco Popular Español e Banco de Valencia (C‑537/12 e C‑116/13, EU:C:2013:759).

29

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o direito esloveno não prevê a suspensão do processo de execução coerciva em caso de propositura, pelo consumidor, de uma ação de declaração de nulidade baseada na existência de uma cláusula abusiva no contrato que celebrou com um profissional. A suspensão da execução, prevista no artigo 71.o, primeiro e segundo parágrafos, da Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares, só é possível a título excecional, mediante pedido fundamentado do devedor, em condições muito estritas relativas à existência de um prejuízo irreparável ou dificilmente reparável que, segundo a jurisprudência constante dos tribunais eslovenos, não pode consistir no prejuízo resultante da própria execução coerciva.

30

O órgão jurisdicional de reenvio observa em seguida que, em regra geral, o devedor visado por um processo de execução coerciva não pode beneficiar de assistência judiciária gratuita e também não tem os meios para se fazer representar, o que, na maioria dos casos, o leva a não se fazer representar por um advogado no âmbito de tal processo. Existe, portanto, um risco que não deve ser descurado de que, por ignorância, o devedor não apresente nenhum pedido de suspensão da execução ou de que esse pedido apresente lacunas tais que não possa ser acolhido. As possibilidades, já muito reduzidas, de que dispõe o devedor de invocar os seus direitos seriam ainda mais reduzidas em razão do direito do credor de exigir ao devedor a constituição de uma garantia. Com efeito, o artigo 71.o, terceiro parágrafo, da Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares prevê que, se o devedor não constituir essa garantia, o pedido de suspensão da execução coerciva é considerado retirado.

31

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, para respeitar o princípio da efetividade do direito da União, é possível, para os órgãos jurisdicionais eslovenos, perfilhar uma interpretação menos estrita do princípio da legalidade formal referido no n.o 28 do presente acórdão, permitindo ao juiz que conhece de um pedido de execução coerciva proceder oficiosamente à verificação do caráter abusivo de uma cláusula desde essa fase processual. Com efeito, nesta fase, o juiz deveria declarar apurados de modo completo todos os factos juridicamente determinantes, incluindo os não assentes entre as partes. Por outro lado, o ato notarial presta‑se mais a uma verificação de fundo do que títulos executórios clássicos emitidos por órgãos jurisdicionais. Por outro lado, o artigo 4.o da Lei do Notariado prevê que o devedor deve aceitar expressamente o caráter diretamente executório do título, o que exclui que disposições de ordem pública, como as disposições em matéria de proteção dos consumidores relativas às cláusulas abusivas, possam ser contornadas mediante obtenção do acordo do devedor. Com base nessa interpretação, o juiz que conhece de um pedido de execução coerciva estaria, portanto, em condições de recusar oficiosamente a execução de um ato notarial, como o ato notarial em causa, que tivesse sido aceite pelo devedor em violação de disposições de ordem pública.

32

Porém, uma vez que é a interpretação estrita e restritiva do princípio da legalidade formal que prevalece atualmente na maioria dos órgãos jurisdicionais eslovenos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se sobre se essa interpretação é compatível com o princípio da efetividade do direito da União, aplicado à Diretiva 93/13.

33

Nestas condições, o Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Considerando o princípio da efetividade do direito da União […], deve a Diretiva 93/13 […] ser interpretada no sentido [de] que, no âmbito de um processo executivo, o juiz de execução é obrigado a recusar oficiosamente a execução com fundamento numa cláusula abusiva (vexatória) constante de um ato notarial diretamente executório (título executivo), num caso como o em apreço, em que o regime processual do Estado‑Membro não confere ao juiz de execução uma possibilidade efetiva de interromper ou suspender a execução (a pedido do devedor ou oficiosamente) até ser proferida uma decisão definitiva sobre o caráter abusivo da cláusula, no final do processo declarativo instaurado pelo devedor na qualidade de consumidor?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

34

O Governo esloveno contesta, a título preliminar, a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Este Governo salienta que o órgão jurisdicional de reenvio entende que lhe compete impedir oficiosamente a aplicação de cláusulas ilícitas contidas num ato notarial, como o ato notarial em causa, uma vez que o direito processual esloveno não permite uma suspensão provisória da execução coerciva. Ora, até à data do reenvio prejudicial, A. Kuhar e J. Kuhar não preenchem, eles próprios, os requisitos processuais para obter essa medida de suspensão em conformidade com a legislação nacional, por não terem interposto um recurso de mérito, destinado à declaração de nulidade de cláusulas contratuais, razão pela qual a questão da suspensão da execução não se colocaria sequer.

35

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 267.o TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais a mais ampla faculdade de recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões relativas, designadamente, à interpretação das disposições do direito da União necessárias à resolução do litígio que lhes é submetido e têm liberdade para exercer essa faculdade a qualquer momento do processo que entenderem adequado (v., designadamente, Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov, C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 26, e de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall’Antonia, C‑342/17, EU:C:2018:906, n.o 33 e jurisprudência referida).

36

De igual modo, o Tribunal de Justiça recordou reiteradamente que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais relativas ao direito da União gozam de presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre tais questões se for manifesto que a interpretação solicitada de uma regra da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 27 e jurisprudência referida).

37

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que não lhe compete, no âmbito da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE, verificar se a decisão de reenvio foi tomada em conformidade com as regras judiciais nacionais de organização e de processo (v., designadamente, neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 30 e jurisprudência referida).

38

No caso em apreço, há que observar que o argumento apresentado pelo Governo esloveno para demonstrar o caráter hipotético do pedido de decisão prejudicial, submetido pelo órgão jurisdicional de reenvio, que conhece da execução coerciva de um crédito hipotecário, assenta em considerações ligadas ao respeito das regras processuais de direito nacional, mais especificamente na circunstância de os devedores no processo principal não terem interposto, ao abrigo do direito esloveno e até à data do reenvio prejudicial, um recurso de mérito tendo por objeto obter a declaração de nulidade das cláusulas contratuais contidas no ato notarial em causa e que consideram abusivas.

39

Ora, como resulta dos n.os 35 e 37 do presente acórdão, um pedido de decisão prejudicial não pode ser declarado inadmissível por ter sido adotado em violação das regras judiciais nacionais de organização e de processo ou por ter sido apresentado, sendo caso disso, numa fase precoce do procedimento nacional.

40

Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto à questão prejudicial

41

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se a Diretiva 93/13 deve, à luz do princípio da efetividade, ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual o órgão jurisdicional nacional que conhece de um pedido de execução coerciva de um contrato de crédito hipotecário, celebrado entre um profissional e um consumidor sob a forma de um ato notarial diretamente executório, não dispõe, quer a pedido do consumidor quer oficiosamente, da possibilidade de examinar se as cláusulas contidas em tal ato não revestem caráter abusivo, na aceção dessa diretiva, e, com esse fundamento, de suspender a execução coerciva solicitada.

42

A título preliminar, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação dos artigos 3.o a 5.o da Diretiva 93/13, que lhe permitem examinar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas do contrato de crédito que é objeto do ato notarial em causa e cuja execução é pedida. Com efeito, como resulta do n.o 25 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio já decidiu, a título interlocutório, sobre a natureza abusiva das cláusulas do referido contrato, o que não cabe ao Tribunal de Justiça pôr em causa no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE.

43

Enunciada esta premissa, importa sublinhar que, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, os Estados‑Membros estabelecerão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculam o consumidor.

44

Há que recordar igualmente que, tendo em conta a natureza e a importância do interesse público que constitui a proteção dos consumidores, que se encontram numa situação de inferioridade face aos profissionais, a Diretiva 93/13 impõe aos Estados‑Membros, como resulta do seu artigo 7.o, n.o 1, lido em conjugação com o seu vigésimo quarto considerando, que prevejam os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 40 e jurisprudência referida).

45

Embora o Tribunal de Justiça já tenha enquadrado, sob vários aspetos, e tendo em conta as exigências do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, a maneira como o juiz nacional deve assegurar a proteção dos direitos que decorrem para os consumidores dessa diretiva, não deixa de ser verdade que, em princípio, o direito da União não harmoniza os procedimentos aplicáveis ao exame do caráter pretensamente abusivo de uma cláusula contratual e que, consequentemente, estes são abrangidos pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 57).

46

É por esta razão que, na falta de harmonização dos mecanismos nacionais de execução coerciva, as modalidades da sua aplicação são reguladas pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos. No entanto, estas modalidades devem satisfazer o duplo requisito de não serem menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e de não tornarem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, Finanmadrid EFC, C‑49/14, EU:C:2016:98, n.o 40 e jurisprudência referida).

47

No que diz respeito, por um lado, ao princípio da equivalência, que não é objeto do pedido de decisão prejudicial, há que salientar, à semelhança da Comissão Europeia nas suas observações escritas, que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita suscitar dúvidas quanto à conformidade da regulamentação nacional em causa no processo principal com o referido princípio.

48

Por outro lado, quanto ao princípio da efetividade, é jurisprudência constante que a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisada tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa em todo o processo, o desenrolar e as particularidades deste perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, sendo caso disso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a boa marcha do processo (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary, C‑32/14, EU:C:2015:637, n.o 51, e de 18 de fevereiro de 2016, Finanmadrid EFC, C‑49/14, EU:C:2016:98, n.os 43 e 44).

49

É à luz desta jurisprudência que há que verificar se um regime processual nacional, como o que está em causa no processo principal, prejudica a efetividade da proteção conferida aos consumidores pela Diretiva 93/13.

50

A este respeito, no caso em apreço, resulta da descrição feita pelo órgão jurisdicional de reenvio que, em direito esloveno, o regime de execução coerciva tem as características seguintes:

o órgão jurisdicional encarregado da execução coerciva de um contrato de crédito hipotecário, celebrado sob a forma de ato notarial diretamente executório, não pode recusar a referida execução coerciva em razão da existência, no contrato em questão, de uma cláusula abusiva, pois esse órgão jurisdicional deve cingir‑se incondicionalmente ao conteúdo de um título executivo, sem poder apreciar a legalidade do respetivo conteúdo;

a suspensão da execução coerciva não é, em princípio, possível, mesmo a título provisório, exceto na hipótese de instauração de um processo para conhecimento do mérito, intentado pelo devedor enquanto consumidor, destinado a obter a declaração de nulidade de uma cláusula contratual abusiva;

esta suspensão da execução coerciva, até ser proferida uma decisão final sobre o mérito, só é autorizada a título excecional e está sujeita a requisitos legais estritos relativos à demonstração de um prejuízo irreparável ou dificilmente reparável, na aceção do artigo 71.o, primeiro parágrafo, da Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares, que exclui o prejuízo ligado à própria execução coerciva, o que, na prática, torna essa suspensão praticamente impossível;

o credor tem o direito de exigir ao devedor a constituição de uma garantia no caso de este último pedir a suspensão da execução coerciva; e

o devedor visado pelo processo de execução coerciva não pode obter assistência judiciária gratuita, pelo que deve suportar ele próprio as despesas importantes de representação por um advogado.

51

Nas suas observações escritas, o Governo esloveno opôs‑se à interpretação do direito nacional, tal como acolhida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Mais especialmente, este Governo alegou que, tendo em conta a jurisprudência recente do Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional, Eslovénia), tal como aplicada igualmente por vários outros órgãos jurisdicionais nacionais, agora, tanto havia que interpretar o critério do prejuízo irreparável ou dificilmente reparável, na aceção do artigo 71.o, primeiro parágrafo, da Lei relativa à Execução e às Medidas Cautelares, como ponderar a situação do devedor e a do credor tendo em conta igualmente o prejuízo que resultaria da execução coerciva.

52

A este respeito, basta recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, as funções do Tribunal de Justiça e as do órgão jurisdicional de reenvio são claramente separadas. Embora caiba ao Tribunal de Justiça interpretar as disposições do direito da União, cabe apenas ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar a legislação nacional. O Tribunal de Justiça deve, portanto, ater‑se à interpretação do direito nacional, tal como a mesma lhe foi exposta pelo referido órgão jurisdicional (Acórdão de 27 de fevereiro de 2019, Associação Peço a Palavra e o., C‑563/17, EU:C:2019:144, n.o 36 e jurisprudência referida).

53

Quanto ao regime processual da execução coerciva em causa no processo principal, tendo em conta as características do referido regime salientadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e resumidas no n.o 50 do presente acórdão, há que constatar que tal regime é suscetível de prejudicar a efetividade da proteção prosseguida pela Diretiva 93/13.

54

Com efeito, já foi demonstrado que uma proteção efetiva dos direitos conferidos ao consumidor por essa diretiva só pode ser garantida na condição de o sistema processual nacional permitir, no âmbito do procedimento de injunção de pagamento ou do processo de execução da injunção de pagamento, uma fiscalização oficiosa da natureza potencialmente abusiva das cláusulas contidas no contrato em causa (v., designadamente, Acórdãos de 18 de fevereiro de 2016, Finanmadrid EFC, C‑49/14, EU:C:2016:98, n.o 46, e de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 44).

55

É certo que, como alega o Governo esloveno, não pode ser excluído, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, tendo em conta, designadamente, a Lei do Notariado, os notários estejam sujeitos a obrigações de consultadoria e de informação dos consumidores, em especial no âmbito de um contrato de crédito hipotecário, celebrado sob a forma de um ato autêntico, de modo a assegurar uma fiscalização preventiva do caráter abusivo das cláusulas desse contrato e, portanto, a contribuir para o respeito das exigências enunciadas no artigo 6.o, n.o 1, e no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 (v., por analogia, Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary, C‑32/14, EU:C:2015:637, n.os 55, 57 e 58).

56

No entanto, ainda que exista, uma fiscalização preventiva desta natureza não é suficiente para assegurar a efetividade da proteção garantida pela Diretiva 93/13.

57

Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 59 do Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary (C‑32/14, EU:C:2015:637), mesmo quando a legislação nacional prevê essa fiscalização preventiva, os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados por um profissional com os consumidores devem incluir disposições que permitam garantir a estes últimos uma proteção jurisdicional efetiva, que lhes ofereça a possibilidade de impugnar judicialmente esse contrato, incluindo na fase da sua execução coerciva, e isto em condições processuais razoáveis, de modo a que o exercício dos seus direitos não esteja sujeito a condições, nomeadamente de prazos e de despesas, que tornem excessivamente difícil ou, na prática, impossível o exercício dos direitos garantidos pela Diretiva 93/13.

58

Mais especialmente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça precisou, nos n.os 60 e 61 deste, que, por força do direito nacional em causa nesse processo, o consumidor podia, por um lado, intentar uma ação de impugnação da validade do contrato em causa e, por outro, intentar um processo destinado à exclusão ou à limitação da execução coerciva, o que, nesse contexto, implicava o direito de o consumidor pedir a suspensão da execução coerciva desse contrato. Além disso, o Tribunal de Justiça tinha inferido dos elementos dos autos que lhe tinham sido submetidos no referido processo que, no âmbito dos referidos processos, os órgãos jurisdicionais nacionais podiam e deviam conhecer oficiosamente dos casos de nulidade manifesta, em função dos elementos de prova disponíveis. Estas modalidades processuais das ações em direito interno pareciam, portanto, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional nacional, garantir uma proteção jurisdicional efetiva ao consumidor.

59

Em contrapartida, no que respeita ao processo principal, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o direito esloveno não oferece ao consumidor nenhuma garantia comparável às referidas nos n.os 54, 57 e 58 do presente acórdão.

60

Com efeito, resulta dos autos, em primeiro lugar, que o direito processual esloveno não prevê claramente o direito de o consumidor solicitar, ainda que a título provisório, a suspensão da execução de um contrato de crédito hipotecário alegando que este último inclui uma cláusula abusiva. De qualquer modo, mesmo admitindo que o consumidor dispõe dessa possibilidade, não deixa de ser verdade que o direito nacional sujeita o pedido de suspensão da execução coerciva ao preenchimento de requisitos processuais muito estritos, bem como à constituição de um depósito de garantia a pedido do credor. Tais exigências tornam, na prática, impossível a obtenção dessa medida de suspensão, desde que seja provável que um devedor em falta de pagamento não dispõe dos recursos financeiros necessários para constituir a garantia exigida. Em segundo lugar, afigura‑se que o juiz ao qual o credor hipotecário apresentou um pedido destinado a obter a execução coerciva do seu crédito não pode fiscalizar oficiosamente a natureza eventualmente abusiva das cláusulas desse contrato. Por último, em terceiro lugar, resulta do pedido de decisão prejudicial que existe um risco não negligenciável de, no âmbito do processo de execução coerciva, os consumidores em causa serem dissuadidos de assegurar a sua defesa e de fazer valer plenamente os seus direitos, tendo em conta os custos de representação que o procedimento implicaria em relação ao montante da dívida em causa e à impossibilidade de pedir assistência judiciária.

61

Importa acrescentar que o facto de que, por força do direito processual esloveno, a fiscalização do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contidas num contrato de crédito hipotecário, celebrado entre um profissional e um consumidor, pode ser feita não pelo juiz que conhece do pedido de execução coerciva desse contrato, mas unicamente, posteriormente e sendo caso disso, pelo juiz de mérito que conhece de uma ação de declaração de nulidade de tais cláusulas abusivas, intentada pelo consumidor, é manifestamente insuficiente para assegurar a plena efetividade da proteção dos consumidores pretendida pela Diretiva 93/13.

62

Com efeito, no caso de o juiz que conhece do pedido de execução coerciva não poder suspender o pedido de execução coerciva com o fundamento de que o contrato de crédito hipotecário está viciado por uma cláusula abusiva, é provável que a penhora imobiliária do bem hipotecado seja concluída antes de ser proferida a decisão pelo juiz de mérito que declara, sendo caso disso, a nulidade dessa cláusula tendo em conta o caráter abusivo desta e, portanto, o processo de execução coerciva. Nestas condições, mesmo que, quanto ao mérito, essa decisão se pronunciasse a favor do consumidor em causa, este último apenas beneficiará por esse motivo de uma proteção a posteriori, sob a forma de uma reparação financeira, pelo que essa proteção reveste um caráter incompleto e insuficiente, sobretudo se a penhora de bens imóveis tivesse por objeto o alojamento desse consumidor e da sua família, o qual se perderia definitivamente. Essa proteção a posteriori não constitui, portanto, um meio adequado nem eficaz para pôr termo à utilização de uma cláusula abusiva, contrariamente ao objetivo previsto no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Despacho de 14 de novembro de 2013, Banco Popular Español e Banco de Valencia, C‑537/12 e C‑116/13, EU:C:2013:759, n.os 56, 57 e jurisprudência referida).

63

Por conseguinte, a Diretiva 93/13, interpretada à luz do princípio da efetividade, opõe‑se a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que apresenta as características descritas no n.o 50 do presente acórdão.

64

É certo que, no caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a regulamentação eslovena é suscetível de ser interpretada em conformidade com o direito da União, pelo que, em particular, permite ao juiz que conhece de um pedido de execução coerciva apreciar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula de um contrato de crédito hipotecário, celebrado sob a forma de ato notarial, e suspender, com esse fundamento, essa execução coerciva.

65

A este respeito, importa recordar que o princípio da interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração o direito interno no seu todo e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme com a finalidade por ela prosseguida (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 59 e jurisprudência referida).

66

Como o Tribunal de Justiça já declarou igualmente, a exigência de tal interpretação conforme inclui, nomeadamente, a obrigação de o órgão jurisdicional nacional alterar, sendo caso disso, uma jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional não pode validamente considerar que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de essa disposição ter sido, de forma constante, interpretada num sentido que não é compatível com este direito (v., designadamente, Acórdãos de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 33 e 34, e de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 60).

67

Tendo em conta a circunstância referida no n.o 64 do presente acórdão, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se a regulamentação nacional em causa no processo principal pode efetivamente ser objeto de uma interpretação conforme com a Diretiva 93/13 e, em caso afirmativo, retirar daí as consequências jurídicas.

68

Tendo em conta as considerações precedentes, deve responder‑se à questão submetida que a Diretiva 93/13 deve, à luz do princípio da efetividade, ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual o órgão jurisdicional nacional que conhece de um pedido de execução coerciva de um contrato de crédito hipotecário, celebrado entre um profissional e um consumidor sob a forma de um ato notarial diretamente executório, não dispõe, quer a pedido do consumidor quer oficiosamente, da possibilidade de examinar se as cláusulas contidas em tal ato não revestem caráter abusivo, na aceção dessa diretiva, e, com esse fundamento, de suspender a execução coerciva solicitada.

Quanto às despesas

69

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve, à luz do princípio da efetividade, ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual o órgão jurisdicional nacional que conhece de um pedido de execução coerciva de um contrato de crédito hipotecário, celebrado entre um profissional e um consumidor sob a forma de um ato notarial diretamente executório, não dispõe, quer a pedido do consumidor quer oficiosamente, da possibilidade de examinar se as cláusulas contidas em tal ato não revestem caráter abusivo, na aceção dessa diretiva, e, com esse fundamento, de suspender a execução coerciva solicitada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: esloveno.