CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 22 de maio de 2014 ( 1 )

Processo C‑426/12

X

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch (Países Baixos)]

«Diretiva 2003/96/CE — Quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Produtos energéticos com dupla utilização»

1. 

A Diretiva 2003/96/CE do Conselho ( 2 ) introduziu um regime que impõe níveis mínimos harmonizados de tributação sobre todos os produtos energéticos e a eletricidade ( 3 ). Certos produtos energéticos, nomeadamente os que são classificados como produtos com dupla utilização, estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação da diretiva. Neste pedido de decisão prejudicial do Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch (Países Baixos) pede‑se ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre o significado do termo «dupla utilização» para efeitos da referida diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o legislador nacional está vinculado por um conceito da União de dupla utilização no caso de decidir adotar medidas internas com vista a tributar esses produtos energéticos.

Legislação

Diretiva 2003/96

2.

São relevantes os seguintes considerados da Diretiva 2003/96:

«2)

A ausência de disposições comunitárias que sujeitem a uma taxa mínima de tributação da eletricidade e dos produtos energéticos que não os óleos minerais poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

(3)

O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

(4)

A existência de importantes diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

(5)

A fixação a níveis adequados das taxas mínimas comunitárias pode permitir reduzir as atuais diferenças entre os níveis nacionais de tributação.

(6)

Em conformidade com o artigo 6.o do Tratado, as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e aplicação das outras políticas comunitárias.

(7)

Como parte signatária da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, a Comunidade ratificou o Protocolo de Quioto; a tributação dos produtos energéticos e, sendo o caso, da eletricidade constitui um dos instrumentos disponíveis para a consecução dos objetivos do Protocolo de Quioto.

[…]

(22)

Quando utilizados como carburante ou combustível de aquecimento, os produtos energéticos deverão essencialmente estar sujeitos a um quadro comunitário. Nessa medida, decorre da própria natureza do sistema fiscal que se excluam do âmbito de aplicação desse quadro a dupla utilização dos produtos energéticos e a sua utilização para outros fins que não sejam o uso como carburante ou combustível, bem como os processos mineralógicos. Quando utilizada de forma semelhante, a eletricidade deverá ser tratada do mesmo modo.»

3.

O artigo 1.o da diretiva obriga os Estados‑Membros a tributarem os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com as suas disposições.

4.

O artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da diretiva, conjugado com o artigo 2.o, n.o 5, dispõe que, para efeitos desta diretiva, o termo «produtos energéticos» é aplicável, designadamente, aos produtos «abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704 a 2715» ( 4 ). O carvão pode ser classificado sob os códigos NC 2701, 2702 ou 2704.

5.

Algumas utilizações de produtos energéticos não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva ( 5 ). Essas utilizações são enumeradas no artigo 2.o, n.o 4, alínea b), que dispõe:

«A presente diretiva não é aplicável:

[…]

As seguintes utilizações de produtos energéticos e eletricidade:

produtos energéticos utilizados para fins que não o de carburantes ou combustíveis de aquecimento.

dupla utilização de produtos energéticos.

Entende‑se que um produto energético tem uma dupla utilização quando é utilizado quer como combustível de aquecimento quer para fins que não o de carburante ou de combustível de aquecimento. A utilização de produtos energéticos para redução química e em processos eletrolíticos e metalúrgicos será considerada como dupla utilização.

eletricidade utilizada principalmente para fins de redução química e em processos eletrolíticos e metalúrgicos.

eletricidade, quando corresponder a mais de 50% do custo de um produto [...]

processos mineralógicos [...]»

6.

O artigo 4.o, n.o 1 estabelece que os Estados‑Membros devem aplicar os níveis mínimos de tributação previstos na diretiva aos produtos energéticos enumerados no artigo 2.o, entre os quais o carvão.

7.

Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, os níveis mínimos de tributação aplicáveis aos combustíveis de aquecimento devem ser os fixados no quadro C do anexo I da diretiva ( 6 ).

8.

Os Estados‑Membros deviam transpor a diretiva para o direito nacional até 31 de dezembro de 2003 e aplicar as suas disposições a partir de 1 de janeiro de 2004 ( 7 ). As medidas nacionais de transposição devem conter uma referência à diretiva ou ser dela acompanhadas aquando da sua publicação oficial ( 8 ).

Legislação nacional

9.

A Wet belastingen op milieugrondslag (Lei dos impostos para a proteção do ambiente) (a seguir «Wbm») estabelece um imposto sobre os produtos do carvão compreendidos nos códigos NC 2701, 2702 e 2704 utilizados para fins de aquecimento ( 9 ). O imposto é cobrado aquando da entrega dos produtos ao contribuinte em causa. É prevista uma isenção nos casos de «dupla utilização» desses produtos ( 10 ). A dupla utilização abrange a utilização de produtos do carvão quer como combustível de aquecimento, quer para fins que não o de carburante ou de combustível de aquecimento ( 11 ). A dupla utilização de carvão está isenta de imposto e as autoridades nacionais competentes reembolsam o imposto pago pelos contribuintes quando o carvão não é utilizado como combustível ou em caso de dupla utilização dos produtos do carvão em causa ( 12 ).

10.

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que os documentos parlamentares relativos aos trabalhos preparatórios do artigo 20.o da Wbm indicam que a inclusão da definição do termo «dupla utilização» no artigo 20.o, alínea e) tem por objetivo assegurar o alinhamento entre a legislação nacional e a diretiva. ( 13 )

11.

Os trabalhos preparatórios revelam o seguinte:

«No artigo 20.o, é introduzida numa nova alínea a definição de dupla utilização, que toma como referência a definição da diretiva relativa à tributação da energia [ ( 14 ) ]. Entende‑se por ‘dupla utilização’ o uso do carvão, em que este, para além da função de combustível, também tem uma ou mais funções diferentes. A utilização de carvão para redução química e em processos metalúrgicos é considerada dupla utilização. Não são consideradas dupla utilização as situações em que é valorizado exclusivamente um produto da combustão do carvão (por exemplo, CO2) e o próprio carvão é utilizado apenas como combustível [ ( 15 ) ].»

12.

Por sua vez, os documentos relativos aos trabalhos preparatórios da «Wijziging van de Wet belastingen op milieugrondslag en de Wet op de accijns (implementatie richtlijn Energiebelastingen)» [Lei de alteração da Lei dos impostos para a proteção do ambiente e da Lei dos impostos especiais sobre o consumo (transposição da diretiva relativa à tributação da energia)] referem o seguinte:

«Na utilização do carvão transformado em coque, em que estão em causa funções diferentes da função de combustível, prescinde‑se da tributação. Estas outras funções podem ser a função de matéria‑prima e a função de redução. Um exemplo dessa utilização do carvão é a produção de ferro gusa [ ( 16 ) ].»

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

13.

X, recorrente no processo principal, produz açúcar e produtos que contêm açúcar a partir de beterraba sacarina. Para produzir açúcar, X aceitou o fornecimento de carvão ( 17 ) e pagou o imposto sobre os combustíveis devido nos termos da Wbm.

14.

No processo de produção do açúcar a partir de beterraba sacarina distinguem‑se diversas fases ( 18 ). A primeira fase consiste na extração do suco da difusão da beterraba sacarina. Seguidamente, o suco da difusão é depurado e, depois, o suco leve obtido na sequência do processo de depuração é submetido a concentração e cristalização, dando finalmente origem a açúcar granulado. Durante este processo, também se forma um precipitado, que constitui um subproduto (cal fertilizante) que é utilizado na indústria agrícola para manter o equilíbrio do pH no solo. Esse precipitado, conhecido como espuma de carbonatação, é composto principalmente por carbonato de cálcio.

15.

Para depurar o suco da difusão extraído da beterraba sacarina, a empresa de transformação do açúcar necessita de gás do forno de cal. Para obter esse gás, o calcário e o carvão são previamente misturados e introduzidos num forno de cal. A reação química no forno de cal cria o gás do forno de cal, (uma mistura de dióxido de carbono CO2) (proveniente do carvão e do próprio calcário) e azoto (proveniente do ar). O gás do forno de cal contém cerca de 40% de CO2 e não deve conter impurezas. Substâncias diferentes do carvão não são adequadas para produzir o gás do forno de cal «puro» necessário. Simultaneamente, o forno de cal é utilizado para produzir cal viva. O aquecimento do calcário (carbonato de cálcio composto aproximadamente por 97% de CaCO3) a uma temperatura suficientemente elevada ( 19 ) produz (CO2) através da reação do carvão (que possui um elevado teor de carbono correspondente a aproximadamente 85% de átomos de carbono) com o oxigénio (O2) do ar. Esta reação liberta calor que é utilizado para decompor o calcário em cal viva e em dióxido de carbono (dissociação).

16.

Em todas as fábricas de açúcar de beterraba sacarina (neerlandesas), a cal viva e o CO2 necessários para a depuração do suco são produzidos no próprio estabelecimento, num forno de cal.

17.

Cerca de 12% do gás produzido no forno de cal é libertado para o ar. O restante (88%) é utilizado nas carbonatações ( 20 ). Uma parte do gás do forno de cal utilizado nas carbonatações (designada como efluente gasoso da carbonatação) é libertada. Cerca de um quarto do CO2 utilizado nas carbonatações é perdido nessa altura. O restante CO2 é absorvido pela espuma de carbonatação.

18.

Por carta de 7 de março de 2008, X pediu o reembolso do montante de 97114,23 euros pago a título de imposto sobre os combustíveis. As autoridades nacionais competentes indeferiram esse pedido por decisão de 24 de abril de 2008. X recorreu da referida decisão, tendo sido negado provimento a esse recurso em primeira instância. Subsequentemente, X interpôs recurso no Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch, que submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Existe dupla utilização, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), da [diretiva] quando é utilizado carvão (os produtos abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704) como combustível de aquecimento num forno de cal, ao passo que o dióxido de carbono produzido neste forno de cal, proveniente do carvão (e do calcário) serve para a produção de gás do forno de cal, que é posteriormente utilizado e que é indispensável para a depuração do suco da difusão obtido da beterraba sacarina?

2)

Existe dupla utilização, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), da [diretiva] quando é utilizado carvão (os produtos abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704) como combustível de aquecimento, ao passo que 66% do dióxido de carbono produzido durante o aquecimento e contido no gás do forno de cal é absorvido, no decurso da subsequente depuração [acima referida], pela espuma de carbonatação, que é vendida como cal fertilizante ao setor agrícola?

3)

No caso de se verificar uma dupla utilização, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), da [diretiva]: a diretiva é inaplicável atendendo à redação (literal) do proémio do n.o 4 do seu artigo 2.o, pelo que a recorrente não pode invocar (para a interpretação do conceito de direito nacional de dupla utilização, a que se refere o artigo 20.o, alínea e), da Wbm) o efeito direto da diretiva?

4)

No caso de se verificar uma dupla utilização, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), da [diretiva] e (por conseguinte) de esta não ser aplicável: o direito da União opõe‑se a uma interpretação do conceito de dupla utilização, pelo direito nacional, mais estrita do que a que lhe é dada pela [diretiva], no caso da cobrança de um imposto como o imposto sobre os combustíveis aqui em apreço?»

19.

Apresentaram observações escritas X, o Governo neerlandês e a Comissão Europeia, os quais também apresentaram observações orais na audiência de 12 de dezembro de 2013.

Apreciação

20.

Os Estados‑Membros devem pelo menos aplicar os níveis mínimos de tributação aos produtos energéticos, tais como o carvão em conformidade com a diretiva ( 21 ). No processo de produção de açúcar descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, é utilizado carvão como combustível de aquecimento. Uma vez que as questões submetidas não dizem respeito a produtos energéticos utilizados como carburante, limitarei a minha apreciação à eventual dupla utilização de produtos energéticos quando uma delas é a de combustível de aquecimento.

Primeira e segunda questões: dupla utilização

21.

Com a primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer o significado do termo «dupla utilização» utilizado no artigo 2.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão, da diretiva no contexto da produção de açúcar e do subproduto (cal fertilizante) resultante desse processo. Uma vez que aquelas questões estão intimamente ligadas, analisarei as duas em conjunto.

22.

X alega que o âmbito do conceito da União de dupla utilização não está definido em pormenor na diretiva. Embora sejam dados alguns exemplos de dupla utilização, esses exemplos não são exaustivos. Nada na diretiva indica se as palavras «dupla utilização» devem ser interpretadas de forma ampla ou estrita. Não obstante, a referida expressão deve ser interpretada de forma uniforme em todos os Estados‑Membros.

23.

Segundo X, no caso em apreço, a dupla utilização consiste na utilização do carvão como combustível de aquecimento, por um lado, e na produção de um gás, CO2, que faz necessariamente parte do processo de produção de açúcar e do subproduto, cal fertilizante, por outro. O CO2 resultante da queima de carvão desempenha um papel fundamental no processo de carbonatação, o carvão do qual é libertado e é utilizado para vários fins diferentes da produção de calor. Por conseguinte, enquadra‑se na definição da União de dupla utilização. Sem carvão, o processo de produção de açúcar e de cal fertilizante não decorreria da melhor forma. A diretiva não estabelece qualquer distinção entre a utilização de produtos energéticos como matérias‑primas para fabricar produtos acabados ou como materiais de consumo ou a utilização útil desses produtos. A diretiva também não especifica que o produto energético em causa deve ser utilizado simultaneamente para aquecimento e para outro fim para que exista dupla utilização. Acresce que nada indica que o objetivo de proteção do ambiente da diretiva deva ser determinante para a interpretação do texto.

24.

O Governo neerlandês e a Comissão defendem a posição contrária.

25.

Na sua opinião, a dupla utilização na aceção da diretiva só existe quando a energia gerada pelo produto é, ela própria, utilizada para um fim diferente da produção de calor. Esta conclusão é confirmada pelos considerandos da diretiva (em especial, os considerandos 2 a 7 e 22). A utilização de produtos energéticos para a produção de calor dá origem ao pagamento de um imposto. Daqui decorre que, quando os produtos energéticos são utilizados exclusivamente para produzir calor, devem estar sujeitos ao imposto em conformidade com a diretiva. Qualquer outra interpretação prejudicaria o funcionamento do mercado único. Essa interpretação é confirmada pelos trabalhos preparatórios ( 22 ).

26.

O carvão é utilizado numa das fases do processo de produção de açúcar. A única reação química que envolve o carvão dá‑se com o oxigénio, produzindo calor que se utiliza para dissociar o calcário através da sua decomposição em cal viva e CO2. Nas fases posteriores do processo, não é o próprio carvão que é utilizado, mas o resíduo ou os resultados da combustão que são subsequentemente utilizados para produzir açúcar e gerar o subproduto daí resultante, ou seja, a cal fertilizante.

27.

Embora seja verdade que o carvão é utilizado para produzir simultaneamente calor e CO2, sendo ambos importantes para produzir açúcar a partir de beterraba sacarina, para responder à questão em causa há que ter em conta a utilização do produto energético em si e não a finalidade para que é utilizado. No presente caso, o carvão é totalmente consumido por queima, esgotando‑se assim a sua utilização.

28.

Nas suas observações escritas, os Países Baixos apresentam dois exemplos em apoio da sua posição. Um exemplo de redução química para os efeitos da diretiva consiste na utilização de carvão na produção de ferro a partir de minério. Nesse processo, o carvão é utilizado como i) substância de aquecimento e ii) agente redutor. Quando o carvão atinge uma temperatura suficientemente elevada, o agente redutor introduzido no alto‑forno separa o metal dos óxidos. O ferro gusa obtido a partir desse processo contém 4% de carbono que provém do carvão utilizado no processo de produção. Assim, no processo de produção de ferro gusa, o carvão é utilizado simultaneamente como combustível de aquecimento e como agente redutor. Além disso, contrariamente ao que acontece no processo de produção de açúcar, em que não existe carbono no produto final, o ferro gusa resultante da redução do minério de ferro contém carbono. Consequentemente, o carvão tem uma dupla utilização no processo de redução. Outro exemplo de dupla utilização é dado pela utilização de eletricidade na redução do zinco. Nesse processo, a eletricidade é utilizada para converter concentrados de zinco (minérios que contêm zinco) em zinco puro. Existem dois processos: o processo eletrolítico e o processo pirometalúrgico. A eletrólise produz‑se mediante a passagem de uma corrente elétrica através de uma solução de sulfato de zinco, o que provoca a separação do zinco dos óxidos a que está ligado. A eletricidade também é utilizada para produzir calor para fins de eletrólise na refinação do zinco.

29.

Parece‑me que todas as partes aceitam a descrição que o órgão jurisdicional de reenvio fez do processo de produção de açúcar. Não se discute o facto de, nesse processo, o carvão ser utilizado como combustível de aquecimento para decompor o calcário e produzir CO2. A este respeito, os Países Baixos e a Comissão sublinham, acertadamente, que o que importa determinar é se o carvão, e não o CO2, que é objeto de dupla utilização. A questão é se ambos também têm razão quando alegam que, para que exista dupla utilização na aceção da diretiva, o próprio produto energético deve ser utilizado no âmbito de um processo (e não em processos subsequentes) para desencadear uma reação química diferente da que resulta da combustão (ou seja, da reação que resulta da utilização como combustível de aquecimento).

30.

Nas suas observações escritas, os Países Baixos afirmam que o órgão jurisdicional de reenvio considera que o carvão é utilizado exclusivamente para produzir calor (embora, na audiência, os Países Baixos tenham explicado que o carvão é utilizado para produzir simultaneamente calor e CO2). Não creio que o despacho de reenvio dê como provado o facto de o carvão ser exclusivamente utilizado para produzir calor. Pelo contrário, considero que o órgão jurisdicional de reenvio indica que o gás do forno de cal que contém uma certa quantidade de CO2 resulta da reação do carvão com o oxigénio do ar. Essa reação liberta calor, que é depois utilizado para decompor (ou dissociar) o calcário, o que gera mais CO2 ( 23 ). Esta conclusão leva‑me a pensar que o carvão é utilizado para dois fins num forno de cal: como matéria‑prima para produzir CO2 e como combustível de aquecimento.

31.

A questão é se a utilização de carvão para dois fins — para produzir calor e CO2 — constitui uma dupla utilização na aceção da diretiva.

32.

Considero que a diretiva está redigida em termos suficientemente amplos para que essa utilização do carvão possa ser considerada «dupla utilização».

33.

A definição de produtos energéticos com dupla utilização encontra‑se no próprio artigo 2.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão. Entende‑se que um produto energético tem uma «dupla utilização» quando é utilizado quer como combustível de aquecimento quer para fins que não o de combustível de aquecimento. A dificuldade reside na ausência de uma definição desses «outros» fins. O texto nada diz sobre se o produto energético deve ser utilizado simultaneamente para produzir calor e para fins que não o de combustível de aquecimento; sobre se a «dupla utilização» também abrange procedimentos sequenciais num processo de produção, por exemplo quando um produto energético é utilizado, em primeiro lugar, para desencadear uma determinada reação química e, seguidamente, para produzir calor. (No presente caso, o carvão é utilizado simultaneamente para fins de aquecimento e de produção de CO2, pelo que não é necessário determinar se os procedimentos sequenciais estão abrangidas pelo conceito de «dupla utilização».) A diretiva limita‑se a enumerar vários exemplos, entre os quais a utilização de produtos energéticos para redução química e em processos eletrolíticos e metalúrgicos. Não são utilizados termos limitativos que levem a pensar que os exemplos apresentados são exaustivos. Também não é claro se o legislador pretendeu centrar‑se na finalidade («para redução química») ou no processo («em processos eletrolíticos e metalúrgicos»): com efeito, parece que as duas situações foram previstas.

34.

Este entendimento é corroborado pelo considerando 22 da diretiva, que explica que os produtos energéticos estão essencialmente sujeitos ao imposto quando são utilizados como combustível de aquecimento. Decorre da própria natureza do sistema fiscal que se excluam do âmbito de aplicação da tributação a dupla utilização desses produtos e a sua utilização para outros fins que não sejam o uso como carburante ou combustível. O referido considerando faz referência à dupla utilização em geral, o que leva a pensar que os exemplos de dupla utilização dados no artigo 2.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão, da diretiva são meramente indicativos.

35.

Os exemplos ilustrativos descrevem diferentes processos. Não duvido que exista carbono no ferro gusa quando se utiliza carvão como agente redutor no processo de produção e que o teor de carbono é responsável pela fragilidade do ferro gusa. No entanto, quando a eletricidade é utilizada na redução do zinco, a própria eletricidade não faz parte do produto acabado e não confere propriedades específicas ao zinco que foi separado dos seus óxidos e ficou depositado em cátodos. Na minha opinião estes exemplos não demonstram que o legislador pretendeu que só existisse dupla utilização quando se obtém um resultado específico com a utilização do produto energético (por exemplo, a sua integração no produto acabado do processo em questão). Acresce que, mesmo no exemplo apresentado pelos Países Baixos, não é o próprio carvão que aparece no ferro gusa; sendo o elemento derivado do carvão, o carbono, que está integrado no produto acabado.

36.

Além disso, o artigo 2.o, n.o 4, alínea b) faz referência à utilização do produto energético para «fins que não...» Esta redação sugere que o fim para que o produto energético é utilizado (para além da produção de calor) é (ou, pelo menos, poderá ser) um fator relevante.

37.

Por último, o artigo 2.o, n.o 4, alínea b), enumera cinco casos em que a utilização de produtos energéticos está fora do âmbito de aplicação da diretiva. Essa lista é heterogénea. O primeiro travessão do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), visa os produtos energéticos utilizados para fins que não o de combustíveis de aquecimento. Os produtos com dupla utilização são referidos no segundo travessão daquela disposição, que inclui exemplos que se referem tanto ao processo como à finalidade. O terceiro travessão do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), diz respeito à eletricidade utilizada principalmente para fins de redução química. O quarto travessão menciona a eletricidade quando corresponde a mais de 50% do custo de um produto. O quinto travessão abrange os processos mineralógicos. Nada na redação ou sistemática do próprio artigo 2.o, n.o 4, alínea b) sugere que o produto energético em questão tem sempre de ser utilizado de certa forma ou que certos tipos de utilização podem não estar excluídos da expressão «para fins que não... combustível de aquecimento».

38.

Concluo, assim, que o artigo 2.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão está redigido de forma suficientemente ampla para englobar os produtos energéticos que, como no caso em apreço, são utilizados para dois fins, ou seja, gerar calor e libertar CO2.

39.

A análise dos objetivos da diretiva não conduz a outra conclusão.

40.

A diretiva tem três objetivos principais: estabelecer um regime que impõe uma taxa mínima de tributação sobre os produtos energéticos ( 24 ); assegurar o bom funcionamento do mercado interno mediante a redução das diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia ( 25 ); e melhorar a proteção do ambiente, especialmente reduzindo as emissões de CO2 em conformidade com o Protocolo de Quioto ( 26 ). Contudo, os considerandos da diretiva não oferecem nenhuma explicação expressa do significado do termo «dupla utilização» no contexto dos referidos objetivos.

41.

Os trabalhos preparatórios ( 27 ) indicam que a exclusão dos produtos energéticos utilizados para fins que não o de combustíveis de aquecimento do âmbito de aplicação da diretiva «[…] significa nomeadamente que os produtos utilizados na indústria para efeitos de redução química ou enquanto matérias‑primas não são tributados» ( 28 ). O texto do que veio a ser o considerando 22 e o artigo 2.o, n.o 4, alínea b), primeiro e segundo travessões foi introduzido quando a proposta se encontrava em discussão no Conselho, embora a redação do primeiro travessão tivesse sido incluída na proposta original da Comissão ( 29 ).

42.

Nada nos trabalhos preparatórios indica que o produto energético em questão não pode ser utilizado simultaneamente para produzir calor e como matéria‑prima da qual provém outra substância, sendo esta outra substância necessária para o processo de produção em causa.

43.

Além disso, na minha opinião a expressão «fins que não o de […] combustível[eis] de aquecimento», que surge no artigo 2.o, n.o 4, alínea b), primeiro e segundo travessões, deve ser logicamente interpretada do mesmo modo em ambas as disposições.

44.

Seria contrário ao sistema da diretiva que um produto energético utilizado unicamente como matéria‑prima num processo de produção estivesse excluído do âmbito de aplicação da diretiva em virtude do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), primeiro travessão, mas pudesse estar abrangido pelo seu âmbito de aplicação em virtude do segundo travessão com fundamento pelo facto de ser simultaneamente utilizado como combustível de aquecimento. Assim, se um produto energético for considerado uma matéria‑prima para efeitos do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), primeiro travessão, deverá ser classificado como um produto com dupla utilização na aceção do segundo travessão quando for utilizado simultaneamente como combustível de aquecimento e como matéria‑prima.

45.

Importa então determinar se o carvão, para além de ser utilizado como combustível de aquecimento, também é uma matéria‑prima no processo de produção no caso em apreço.

46.

Segundo a explicação do processo de produção de açúcar apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, a decomposição (dissociação) do calcário em cal viva e CO2 é provocada por calor. Presumivelmente, esse calor pode ser gerado por produtos energéticos diferentes do carvão. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o calcário e o carvão são previamente misturados e introduzidos no forno de cal e que nenhuma outra substância é adequada para a produção do gás do forno de cal «puro» que é necessário. Daqui depreendo que é necessário carvão para produzir o gás do forno de cal com as propriedades necessárias no processo de produção de açúcar em causa. Refere também que o carvão é utilizado como matéria‑prima no referido processo produzido com duas finalidades: como combustível de aquecimento e para produzir CO2. Existe, assim, uma dupla utilização.

47.

No que respeita ao objetivo da diretiva de melhorar a proteção do ambiente, o Protocolo de Quioto visa a redução das emissões globais de seis gases com efeito de estufa, incluindo o CO2 ( 30 ). Segundo a explicação do processo de produção de açúcar apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, a maior parte do CO2 gerado não é emitida, sendo uma grande parte absorvida pelo subproduto, cal fertilizante ( 31 ). A interpretação do conceito de dupla utilização no sentido de que abrange o carvão utilizado para produzir calor e para gerar CO2 no referido contexto não é necessariamente incompatível com os objetivos ambientais da diretiva.

48.

Por uma questão de exaustividade, deve‑se examinar se se podem extrair princípios úteis do direito do ambiente da União suscetíveis de serem aplicados por analogia. Os termos «resíduo» e «subproduto» foram analisados pelo Tribunal de Justiça no contexto do direito do ambiente, em especial no âmbito da interpretação da diretiva‑quadro dos resíduos ( 32 ). Na minha opinião esses conceitos não são aplicáveis por analogia ao caso em apreço. Em primeiro lugar, o processo principal diz respeito à utilização de carvão, que não é um subproduto ou um resíduo, mas um produto utilizado no processo de produção em causa. Em segundo lugar, a classificação do CO2 não está em causa, como tal, o facto de ser considerado um subproduto ou resíduo da combustão é irrelevante. Em terceiro lugar, a jurisprudência no domínio do ambiente relativa ao significado dos termos «resíduo» e «desfazer» na aceção da diretiva‑quadro dos resíduos enquadra‑se num contexto muito diferente. A redação, a estrutura e os objetivos da referida medida não são os mesmos que os da diretiva em causa no presente processo. Por este motivo, considero que a jurisprudência no domínio do ambiente não pode servir de ajuda no caso em apreço.

49.

Resumindo, considero que existe dupla utilização para os efeitos do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão, da diretiva quando o carvão é utilizado simultaneamente para gerar CO2 e como combustível de aquecimento necessário para a dissociação do calcário com vista a libertar gases do forno de cal para depuração do suco da difusão obtido a partir da beterraba sacarina. Se o carvão tem uma dupla utilização nesse processo, tem também necessariamente uma dupla utilização em relação à cal fertilizante, o subproduto daí resultante.

Terceira e quarta questões: qualificação da dupla utilização como conceito da UE

50.

A terceira questão visa determinar se, caso a utilização de carvão na produção de açúcar constitua uma dupla utilização para os efeitos do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão, da diretiva, esta deve aplicar‑se para interpretar as leis nacionais que, como as que estão em causa no processo principal sujeitam esses produtos energéticos a um imposto. Com a quarta questão, pergunta‑se se, caso a diretiva não seja aplicável, o direito da União impede o uso pelo legislador nacional de um conceito mais restrito de dupla utilização.

51.

Com a terceira e a quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a diretiva cria um conceito da União de dupla utilização e, em caso afirmativo, em que medida esse conceito deve ser tomado em consideração na interpretação das disposições pertinentes da legislação nacional (a Wbm).

52.

Nas suas observações escritas, X refere que determinados Estados‑Membros vizinhos não sujeitam a produção de açúcar a impostos sobre a energia, quer porque aquele processo não está abrangido pelo regime de tributação da energia em causa ( 33 ) quer porque o carvão é considerado um produto com dupla utilização ( 34 ). X alega que a interpretação que o Governo neerlandês faz do termo «dupla utilização» não está em consonância com o conceito da União de dupla utilização e que os Estados‑Membros estão obrigados a aplicar esse conceito no seu direito interno.

53.

Nem a Comissão nem os Países Baixos fazem quaisquer observações sobre o conceito de produtos energéticos com dupla utilização aplicado noutros Estados‑Membros. Essa questão nem sequer é suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Não creio que seja necessário que o Tribunal de Justiça analise a situação dos outros Estados‑Membros para responder às terceira e quarta questões e, na ausência de informações completas e de qualquer debate entre as partes sobre a situação existente nos outros Estados‑Membros, não terei em conta na minha apreciação o pouco material disponível sobre esta matéria.

54.

O artigo 2.o, n.o 4 estabelece expressamente que «[a] presente diretiva não é aplicável [à]... dupla utilização de produtos energéticos». Assim, é evidente que estes produtos estão excluídos do âmbito de aplicação da diretiva e que a taxa mínima de tributação harmonizada não lhes é aplicável. Por conseguinte, os Estados‑Membros são, em princípio, competentes para tributar esses produtos energéticos, desde que exerçam a sua competência no respeito pelo direito da União, em especial pelos artigos 30.° e 110.° TFUE ( 35 ).

55.

A diretiva estabelece um regime de harmonização mínima. Nesse contexto, o legislador da União optou por excluir os produtos energéticos com dupla utilização do seu âmbito de aplicação. Por conseguinte, os Estados‑Membros têm a faculdade de estabelecer medidas para reforçar a proteção do ambiente, nomeadamente criando um imposto sobre todos os produtos com dupla utilização ou optando por tributar apenas certos produtos com dupla utilização. Em alternativa, os Estados‑Membros podem optar por seguir a diretiva e não tributar esses produtos.

56.

O órgão jurisdicional de reenvio explica que o legislador nacional utilizou o termo «dupla utilização» no artigo 20.o, alínea e), da Wbm especificamente com o intuito de ajustar a referida lei à diretiva. Coloca‑se, assim, a questão da eventual existência de um conceito da União de dupla utilização que X possa invocar no processo principal e, nesse caso, pretende‑se saber se o acórdão Leur‑Bloem ( 36 ) do Tribunal de Justiça é aplicável.

57.

O presente caso é, no meu entender, diferente da situação que o Tribunal de Justiça apreciou no acórdão Leur‑Bloem. Naquele processo, estava em causa saber se o Tribunal de Justiça era competente para interpretar disposições da legislação nacional que aplicavam legislação da União a situações em que não era obrigatório fazê‑lo. A questão suscitava‑se no contexto específico da interpretação do termo «permuta de ações» utilizado no artigo 2.o, alínea d), da diretiva fusão ( 37 ). No acórdão Leur‑Bloem, o Tribunal de Justiça referiu que o órgão jurisdicional de reenvio considerava que a interpretação do conceito «fusão por permuta de ações», tomado no seu (então) contexto comunitário, era necessária para a solução do litígio que lhe tinha sido submetido, que esse conceito figurava na Diretiva 90/434, que tinha sido retomado na lei nacional que transpôs a diretiva e que tinha passado a abranger situações similares puramente internas ( 38 ).

58.

No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o legislador nacional prosseguia certos objetivos ao transpor a diretiva para o direito nacional. Esses objetivos parecem ser, em primeiro lugar, garantir que o alcance da exclusão dos produtos com dupla utilização dos níveis mínimos de tributação estabelecidos não ultrapassa os limites permitidos pela diretiva ( 39 ); e, em segundo, tributar certos produtos com dupla utilização, aplicando uma definição daquele termo mais restrita do que a utilizada na diretiva ( 40 ). Ao contrário do que aconteceu no acórdão Leur‑Bloem, no presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio no presente caso manifesta, assim, dúvidas sobre se o conceito da União de dupla utilização foi transposto para o direito nacional.

59.

Sem prejuízo de comprovação pelo órgão jurisdicional de reenvio, na minha opinião o legislador nacional, quando estabeleceu o âmbito de aplicação da medida nacional em causa, tomou em consideração o termo «dupla utilização» utilizado na diretiva e certificou‑se de que não era mais amplo do que o conceito da União de dupla utilização. Contudo, o legislador nacional foi mais longe e decidiu tributar certos produtos com dupla utilização ao adotar um conceito mais restrito daquele termo.

60.

Na medida em que os produtos energéticos com dupla utilização estão excluídos do âmbito de aplicação da diretiva, os Estados‑Membros são livres, em princípio, de tributar os referidos produtos. Os Estados‑Membros não podem utilizar uma definição de «dupla utilização» mais ampla do que o conceito da União — se o fizerem, estarão a excluir ilicitamente produtos energéticos que estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva e que deveriam estar sujeitos aos níveis harmonizados de tributação estabelecidos no anexo I.

61.

No entanto, podem aplicar uma definição mais restrita de dupla utilização e optar por tributar os produtos energéticos com dupla utilização, desde que exerçam a sua competência no respeito pelo direito da União ( 41 ). Se um Estado‑Membro optar por aplicar uma definição mais restrita daquele termo, os contribuintes não podem invocar o conceito da União mais amplo de dupla utilização para obterem uma isenção do imposto exigível ao abrigo do direito nacional.

Conclusão

62.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch nos seguintes termos:

«Existe dupla utilização na aceção do artigo 2.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade quando o carvão (produtos abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704) é utilizado como combustível de aquecimento num forno de cal com vista a gerar dióxido de carbono para produzir gás do forno de cal, que é depois utilizado para a depuração do suco da difusão obtido a partir da beterraba sacarina, processo que resulta precipitado, o subproduto constituído por espuma de carbonatação.

Os Estados‑Membros podem aplicar uma definição mais restrita de dupla utilização e optar por tributar os produtos energéticos com dupla utilização, desde que exerçam a sua competência no respeito pelo direito da União. Se um Estado‑Membro optar por aplicar uma definição mais restrita daquele termo, os contribuintes não podem invocar o conceito da União mais amplo de dupla utilização para obterem uma isenção do imposto exigível ao abrigo do direito nacional.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003 L 283, p. 51) (a seguir «diretiva»).

( 3 ) A diretiva não esclarece se a eletricidade é ou não um produto energético. No entanto, decorre do artigo 2.o, n.o 2 que a eletricidade está abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva.

( 4 ) V. Regulamento (CE) n.o 2031/2001 da Comissão, de 6 de agosto de 2001, que altera o anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 279, p. 1) Poderá ser útil ter em conta que o código NC contém uma descrição geral de cada produto que, em certos casos, é subdividida em descrições mais específicas do produto em causa. Assim, a descrição geral dos produtos abrangidos pelo código NC 2701 é «Hulhas — briquetes, bolas em aglomerados e combustíveis sólidos semelhantes, obtidos a partir da hulha»; e aquele código inclui, entre outros produtos, a antracite (código NC 2701 11). O código NC 2702 inclui linhite. O código NC 2704 inclui coques e semicoques de hulha, de linhite ou de turfa.

( 5 ) V. também n.o 36, infra.

( 6 ) O carvão e o coque (códigos NC 2701, 2702 e 2704) correspondem ao item 6 do quadro.

( 7 ) Artigo 28.o, n.os 1 e 2.

( 8 ) Artigo 28.o, n.o 3.

( 9 ) Artigo 20.o, lido em conjunto com o artigo 21.o

( 10 ) Artigo 26.o

( 11 ) Artigo 20.o, alínea e).

( 12 ) Artigo 26.o, n.o 3.

( 13 ) Kamerstukken II, 2003/04, 29758, n.o 3, exposição de motivos, p. 7 e 8.

( 14 ) Ou seja, a Diretiva 2003/96/CE.

( 15 ) Kamerstukken II, 2003/04, 29758, n.o 3, exposição de motivos, p. 32.

( 16 ) Kamerstukken II, 2003/04, 29207, n.o 3, p. 12.

( 17 ) O órgão jurisdicional de reenvio referre‑se à coque e antracite no seu despacho de reenvio. Utilizarei o termo genérico «carvão» para designar todos os produtos abrangidos pelos códigos NC pertinentes, incluindo coque e antracite.

( 18 ) O despacho de reenvio do Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch contém uma descrição técnica detalhada muito útil, que resumo nos n.os 14 a 17 das presentes conclusões.

( 19 ) A equação química da produção de cal viva e gás do forno de cal é a seguinte: CaCO3 + calor → CaO + CO2. Quando uma substância é aquecida, o calor (uma forma de energia) transmite às partículas energia para se deslocarem e, se for suficientemente forte, quebra as ligações entre as partículas que unem a substância.

( 20 ) A carbonatação é uma reação química em que o hidróxido de cálcio reage com o dióxido de carbono e forma carbonato de cálcio insolúvel. A reação química é: Ca(OH)2 + CO2 → CaCO3 + H2O. O termo «carbonatação» também designa o processo de depuração do suco da difusão extraído da beterraba sacarina.

( 21 ) Artigos 1.°, 4.°, n.o 1 e 9.°, n.o 1.

( 22 ) V. n.o 40 e nota 27, infra.

( 23 ) V. n.o 15, supra.

( 24 ) Considerando 2.

( 25 ) Considerandos 3 a 5.

( 26 ) Considerandos 6 e 7.

( 27 ) Os trabalhos preparatórios incluem a proposta da Comissão de uma nova diretiva sobre a tributação dos produtos energéticos [COM(97) 30 final, de 12 de março de 1997[ e os documentos do Conselho 13062/02, de 17 de outubro de 2002, 13422/02, de 29 de outubro de 2002, 14200/02, de 13 de novembro de 2002, 14862/02 ADD 1, de 27 de novembro de 2002 e 15354/02, de 9 de dezembro de 2002. O documento 14200/02 afigura‑se especialmente pertinente. Introduziu propostas para, entre outras coisas, os que vieram a ser o considerando 22, o artigo 2.o, n.o 4, alínea b) e o artigo 14.o da Diretiva 2003/96. O Tribunal de Justiça já analisou anteriormente os trabalhos preparatórios para determinar a finalidade da legislação da União (v., por exemplo, acórdão Rockfon, C‑449/93, EU:C:1995:420, n.os 30 a 34). Os documentos do Conselho podem ser consultados em http://register.consilium.europa.eu.

( 28 ) COM(97) 30 final, p. 6. A referida exclusão do âmbito de aplicação da diretiva figurava no artigo 13.o da proposta original. Nessa fase, não estava prevista qualquer exceção para os produtos de dupla utilização. V. ainda o Comunicado de Imprensa IP/03/1456 «Os produtos energéticos só são tributados quando forem utilizados como combustível ou para fins de aquecimento e não quando forem utilizados como matérias‑primas, em reduções químicas ou em processos eletrolíticos ou metalúrgicos».

( 29 ) V. documento 14200/02, em que o texto de uma declaração conjunta da Comissão e do Conselho, a anexar à ata do Conselho, confirmava expressamente que decorria da própria natureza do sistema fiscal que se excluísse do âmbito de aplicação do quadro a dupla utilização dos produtos energéticos e a sua utilização para outros fins que não fossem o uso como carburante ou combustível. Os Estados‑Membros poderiam então adotar medidas para tributar ou não essas utilizações. Contudo, essa declaração não pode ser tida em consideração para efeitos de interpretação de uma disposição de direito derivado quando, como no presente caso, o seu conteúdo não encontre qualquer expressão no texto da disposição em causa, não tendo, por conseguinte, nenhum conteúdo jurídico (v. acórdão Antonissen, C‑292/89, EU:C:1991:80, n.o 18, e, mais recentemente, acórdão Agrargenossenschaft Neuzelle, C‑545/11, EU:C:2013:169, n.o 52 e jurisprudência aí referida).

( 30 ) Os outros cinco gases são: metano; óxido nitroso; hexafluoreto de enxofre; hidrocarbonetos fluorados (HFC) e perfluorados (PCF).

( 31 ) V. n.o 17, supra.

( 32 ) Diretiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129; a seguir «Diretiva‑quadro dos resíduos»). V., em especial, artigos 1.°, alínea a) e 2.°, n.o 1, alínea b).

( 33 ) Segundo X, no caso da Bélgica e do Reino Unido.

( 34 ) Segundo X, no caso da França e da Alemanha.

( 35 ) Acórdão Fendt Italiana (C‑145/06 e C‑146/06, EU:C:2007:411, n.os 41 e 42).

( 36 ) C‑28/95, EU:C:1997:369, n.os 31 e 32. V., mais recentemente, acórdão Isbir (C‑522/12, EU:C:2013:711, n.os 25, 28 e 30).

( 37 ) Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes (JO L 225, p. 1) (a seguir, «a diretiva fusão»).

( 38 ) Acórdão Leur‑Bloem (EU:C:1997:369, referido na nota 36 supra, n.o 31).

( 39 ) V. n.o 10, supra.

( 40 ) V. n.o 11, supra.

( 41 ) V. n.o 53, supra.