Dan id-dokument hu mislut mis-sit web tal-EUR-Lex
Dokument 62021CJ0647
Judgment of the Court (Fifth Chamber) of 6 March 2025.#D. K. and Others.#Requests for a preliminary ruling from the Sąd Okręgowy w Słupsku.#Reference for a preliminary ruling – Rule of law – Second subparagraph of Article 19(1) TEU – Principle of the irremovability of judges and judicial independence – Resolution of the college of a court withdrawing all cases from a judge – Lack of objective criteria for taking a withdrawal decision – Lack of obligation to state reasons for such a decision – Primacy of EU law – Obligation to disapply such a decision to withdraw cases.#Joined Cases C-647/21 and C-648/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 6 de março de 2025.
D. K. e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Sąd Okręgowy w Słupsku.
Reenvio prejudicial — Estado de direito — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Princípio da inamovibilidade e da independência judicial — Resolução do plenário de um tribunal de afastar um juiz de todos os processos que lhe estão atribuídos — Inexistência de critérios objetivos para a tomada de uma decisão de afastamento do juiz — Inexistência de um dever de fundamentação de tal decisão — Primado do direito da União — Dever de não aplicar essa decisão de afastamento.
Processos apensos C-647/21 e C-648/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 6 de março de 2025.
D. K. e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Sąd Okręgowy w Słupsku.
Reenvio prejudicial — Estado de direito — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Princípio da inamovibilidade e da independência judicial — Resolução do plenário de um tribunal de afastar um juiz de todos os processos que lhe estão atribuídos — Inexistência de critérios objetivos para a tomada de uma decisão de afastamento do juiz — Inexistência de um dever de fundamentação de tal decisão — Primado do direito da União — Dever de não aplicar essa decisão de afastamento.
Processos apensos C-647/21 e C-648/21.
Rapporti tal-qorti - ġenerali
IdentifikaturECLI: ECLI:EU:C:2025:143
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
6 de março de 2025 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Estado de direito — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Princípio da inamovibilidade e da independência judicial — Resolução do plenário de um tribunal de afastar um juiz de todos os processos que lhe estão atribuídos — Inexistência de critérios objetivos para a tomada de uma decisão de afastamento do juiz — Inexistência de um dever de fundamentação de tal decisão — Primado do direito da União — Dever de não aplicar essa decisão de afastamento»
Nos processos apensos C‑647/21 e C‑648/21,
que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk, Polónia), por Decisões de 20 de outubro de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 25 de outubro de 2021, nos processos penais contra
D. K. (C‑647/21),
M. C.,
M. F. (C‑648/21),
sendo intervenientes:
Prokuratura Rejonowa w Bytowie,
Prokuratura Okręgowa w Łomży,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: I. Jarukaitis (relator), presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. Gratsias e E. Regan, juízes,
advogado‑geral: A. M. Collins,
secretário: M. Siekierzyńska, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 24 de janeiro de 2024,
vistas as observações apresentadas:
|
– |
em representação da Prokuratura Rejonowa w Bytowie, por T. Rutkowska‑Szmydyńska, Prokurator Regionalny w Gdańsku, |
|
– |
em representação da Prokuratura Okręgowa w Łomży, por A. Bałazy, Zastępca Prokuratora Okręgowego w Łomży, |
|
– |
em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes, |
|
– |
em representação do Governo Dinamarquês, por D. Elkan, V. Pasternak Jørgensen e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes, |
|
– |
em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes, |
|
– |
em representação do Governo Sueco, por A. M. Runeskjöld e H. Shev, na qualidade de agentes, |
|
– |
em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann, P. Stancanelli e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de abril de 2024,
profere o presente
Acórdão
|
1 |
Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). |
|
2 |
Estes pedidos foram apresentados no âmbito de processos penais instaurados contra D. K. (processo C‑647/21) e contra M. C. e M. F. (processo C‑648/21). |
Quadro jurídico
Constituição da República da Polónia
|
3 |
O artigo 178.o, n.o 1, da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia) enuncia: «Os juízes são independentes no exercício das suas funções, estando apenas sujeitos à Constituição e à Lei.» |
|
4 |
O artigo 179.o desta Constituição prevê: «Os juízes são nomeados pelo presidente da República, sob proposta do Krajowa Rada Sądownictwa [(Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) (a seguir “KRS”)], por tempo indeterminado.» |
|
5 |
O artigo 180.o da referida Constituição dispõe: «1. Os juízes são inamovíveis. 2. Um juiz não pode ser demitido, suspenso das suas funções, transferido para outra instância ou para outra função contra a sua vontade, salvo por força de uma decisão judicial e apenas nos casos previstos na lei.» |
Lei dos Tribunais Comuns
|
6 |
O artigo 11.o, n.o 3, da ustawa Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei da Organização Judiciária dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001 (Dz. U. n.o 98, posição 1070), na versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Lei dos Tribunais Comuns»), enuncia: «O presidente de uma secção é nomeado pelo presidente do tribunal. […] Antes de nomear o presidente de uma secção para um sąd okręgowy [(Tribunal Regional)] ou para um sąd rejonowy [(Tribunal de Primeira Instância)], o presidente do tribunal consulta o plenário do sąd okręgowy [(Tribunal Regional)].» |
|
7 |
Nos termos do artigo 21.o, n.o 1, ponto 2, desta lei, os órgãos de um sąd okręgowy (Tribunal Regional) são o presidente do tribunal, o plenário do tribunal e o diretor do tribunal. |
|
8 |
O artigo 22.o‑a da referida lei prevê: «1. […] o presidente do sąd okręgowy [(Tribunal Regional)], sob parecer do plenário do sąd okręgowy, fixa a repartição das tarefas, determinando:
4. O presidente do tribunal pode, a qualquer momento, decidir proceder a uma redistribuição, total ou parcial, de tarefas, se assim se justificar pelas razões referidas no n.o 1. […] 4a. A transferência de um juiz para outra secção depende do seu consentimento. 4b. A transferência de um juiz para outra secção não depende do seu consentimento:
4c. As disposições do n.o 4b, pontos 1 e 2, não são aplicáveis ao juiz que, num período de três anos, tenha sido transferido para outra secção sem o seu consentimento. Em caso de transferência de um juiz para outra secção sem o seu consentimento no caso referido no n.o 4b, ponto 2, é tida em conta, nomeadamente, a antiguidade dos juízes na secção da qual são transferidos. 5. O juiz ou o juiz‑adjunto cuja repartição de tarefas tenha sido modificada de forma a alterar o âmbito das suas funções, nomeadamente na sequência de uma transferência para outra secção do tribunal, pode interpor recurso para o [KRS] no prazo de sete dias a contar da notificação das suas novas funções. Não há recurso em caso de:
6. O recurso referido no n.o 5 deve ser interposto por intermédio do presidente do tribunal em causa que atribuiu as tarefas objeto do mencionado recurso. O sobredito presidente deve enviar o recurso [ao KRS] no prazo de 14 dias a contar da sua receção, juntamente com a sua posição sobre o caso. O [KRS] adota uma resolução de deferimento ou indeferimento do recurso interposto pelo juiz, tendo em conta os elementos referidos no n.o 1. A decisão [do KRS] sobre o recurso referido no n.o 5 não necessita de ser fundamentada. A decisão [do KRS] é irrecorrível. Até que a decisão seja adotada, o juiz ou o juiz‑adjunto deve exercer as suas funções.» |
|
9 |
O artigo 24.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns estabelece: «O presidente do sąd okręgowy [(Tribunal Regional)] é nomeado pelo ministro da Justiça de entre os juízes do sąd apelacyjny [(Tribunal de Recurso)], do sąd okręgowy [(Tribunal Regional)] ou do sąd rejonowy [(Tribunal de Primeira Instância)]. Após ter nomeado o presidente do sąd okręgowy (Tribunal Regional), o ministro da Justiça apresenta‑o à assembleia dos juízes do [mesmo] sąd okręgowy.» |
|
10 |
Em conformidade com o artigo 30.o, n.o 1, desta lei, o plenário do sąd okręgowy (Tribunal Regional) é composto pelo presidente do sąd okręgowy (Tribunal Regional) e pelos presidentes dos sądy rejonowe (tribunais de primeira instância) da área de jurisdição do sąd okręgowy (Tribunal Regional). |
|
11 |
O artigo 42.o‑a da referida lei prevê: «1. No âmbito das atividades dos tribunais ou dos respetivos órgãos, não é permitido pôr em causa a legitimidade dos tribunais e outros órgãos jurisdicionais, dos órgãos constitucionais do Estado ou dos órgãos de fiscalização e tutela do direito. 2. Um tribunal comum ou qualquer outro órgão de poder não tem competência para declarar ou apreciar a legalidade da nomeação de um juiz ou legitimidade para exercer as funções em matéria de administração da justiça que decorrem desta nomeação.» |
|
12 |
O artigo 47.o‑a da Lei dos Tribunais Comuns dispõe: «1. Os processos são distribuídos aos juízes e aos juízes auxiliares por sorteio segundo categorias específicas de processos, salvo nos casos de atribuição de processos aos juízes de turno. 2. As diferentes categorias de processos são repartidas em partes iguais, podendo a parte ser reduzida devido ao cargo ocupado, à participação na distribuição de processos de outra categoria ou por outros motivos previstos na lei.» |
|
13 |
Nos termos do artigo 47.o‑b desta lei: «1. A composição de um tribunal só pode ser alterada se este não puder tramitar o processo com a composição atual ou se houver um obstáculo duradouro que impeça a tramitação do processo com esta composição. O disposto no artigo 47.o‑a aplica‑se mutatis mutandis. […] 3. As decisões mencionadas [no n.o 1] são tomadas pelo presidente do tribunal ou por um juiz por este designado. 4. A mudança do local da colocação de um juiz ou o seu destacamento para outro tribunal, bem como a cessação de um destacamento, não impedem a prática de atos [processuais] nos processos distribuídos no local da colocação ou local do exercício de funções atual até ao encerramento dos processos. 5. O plenário do tribunal da área de jurisdição do novo local de colocação ou de destacamento do juiz pode, oficiosamente ou a pedido deste, respetivamente, afastá‑lo da totalidade ou de uma parte dos processos ou dispensá‑lo de neles intervir, nomeadamente em razão da distância entre este tribunal e o novo local de colocação ou de destacamento do juiz e em função do estado da tramitação dos processos pendentes. Antes de adotar uma resolução, o plenário do tribunal consulta os presidentes dos tribunais competentes. 6. O disposto nos n.os 4 e 5 aplica‑se mutatis mutandis em caso de transferência para outra secção do mesmo tribunal.» |
|
14 |
O artigo 17.o, n.o 1, da ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei dos Tribunais Comuns e outras Leis), de 12 de julho de 2017 (Dz. U. de 2017, posição 1452), dispõe: «Os presidentes e vice‑presidentes dos órgãos jurisdicionais nomeados com base nas disposições da lei alterada no artigo 1.o, na versão em vigor até à data, podem ser destituídos pelo ministro da Justiça, no prazo máximo de seis meses a contar da data da entrada em vigor da presente lei, sem cumprimento dos requisitos enunciados no artigo 27.o da lei alterada no artigo 1.o, conforme alterada pela presente lei.» |
Litígios nos processos principais e questões prejudiciais
|
15 |
Os pedidos de decisão prejudicial foram apresentados pela mesma juíza aquando da apreciação de dois processos penais distintos. |
|
16 |
No que respeita ao processo C‑647/21, o processo principal tem origem num processo penal instaurado contra D. K. Por decisão do Tribunal de Primeira Instância, D. K. foi condenado a uma pena de prisão. D.K. interpôs recurso desta decisão para o Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Nesse processo, que é julgado por juiz singular, a juíza que submeteu os dois pedidos de decisão prejudicial é, simultaneamente, juíza relatora e juíza presidente da formação de julgamento. |
|
17 |
No que se refere ao processo C‑648/21, o processo principal tem origem num processo penal instaurado contra M. C. e F. Por decisão de um tribunal de primeira instância, M. C. e F. foram condenados. O órgão jurisdicional de segunda instância para o qual estes últimos interpuseram recurso absolveu M. C. e confirmou a condenação de F. O Prokurator Generalny (Procurador‑Geral, Polónia) interpôs recurso da decisão do órgão jurisdicional de segunda instância para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) relativamente a M. C. Este Supremo Tribunal anulou essa decisão e remeteu o processo ao Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Neste processo, a formação de julgamento reúne em coletivo de três juízes, o qual é composto pela presidente da formação, pelo presidente do órgão jurisdicional de reenvio e por um terceiro juiz. O pedido de decisão prejudicial foi apresentado apenas pela presidente da formação de julgamento, que é também a juíza do processo C‑647/21. |
|
18 |
Em setembro de 2021, num processo não relacionado com os processos principais, a juíza que submeteu os presentes dois pedidos de decisão prejudicial proferiu uma decisão na qual solicitou ao presidente da Secção de Recurso do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk) que reatribuísse um processo a outro juiz, ou mesmo que substituísse, na formação de julgamento desse processo, o presidente do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk) por outro juiz de julgamento. Fundamentou esta solicitação no facto de o presidente do órgão jurisdicional de reenvio ter sido nomeado para as suas funções com base numa resolução do KRS na sua nova composição. Assim, a presença desse juiz na formação de julgamento viola o direito a um tribunal previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, TUE, do artigo 47.o da Carta e do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). O vice‑presidente do órgão jurisdicional de reenvio, também nomeado sob proposta do KRS na sua nova composição, anulou a decisão que continha a referida solicitação dessa juíza. |
|
19 |
Em outubro de 2021, num outro processo, a referida juíza anulou uma sentença de um tribunal de primeira instância proferida por uma pessoa que tinha sido nomeada para o cargo de juiz com base numa resolução do KRS na sua nova composição. A mesma baseou a sua decisão de anulação, nomeadamente, no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 47.o da Carta. |
|
20 |
Em 11 de outubro de 2021, o plenário do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk), composto pelo presidente desse tribunal e pelos presidentes dos cinco sądy rejonowe (tribunais de primeira instância) da área de jurisdição do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk), adotou uma resolução destinada a afastar a juíza que submeteu os dois presentes pedidos de decisão prejudicial de cerca de setenta processos que lhe tinham sido atribuídos no âmbito da Sexta Secção Criminal de recurso, nos quais se incluem os processos principais (a seguir«resolução do plenário»). Segundo esta juíza, essa resolução não lhe foi notificada e os fundamentos da mesma não lhe foram dados a conhecer. A mesma refere que o presidente do órgão jurisdicional de reenvio a informou simplesmente de que foi afastada desses processos. Acrescenta que este último recusou duas vezes deferir os seus pedidos de acesso ao conteúdo da referida resolução. |
|
21 |
Em 13 de outubro de 2021, o presidente do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk) proferiu um despacho de transferência da referida juíza da secção de recurso desse tribunal, no qual estão pendentes os processos principais, para a secção de primeira instância do referido tribunal (a seguir «despacho de transferência»). Para o seu lugar foi transferido outro juiz, com vista a integrar a secção de recurso. |
|
22 |
Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os fundamentos do despacho de transferência limitam‑se, de forma lacónica, a mencionar a necessidade de assegurar o bom funcionamento das duas secções. O mesmo despacho faz ainda referência a uma correspondência não especificada, trocada entre o presidente do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk) e o presidente de uma dessas secções. |
|
23 |
Em 18 de outubro de 2021, o despacho de transferência passou a vigorar. Este despacho não contém nenhuma informação sobre eventuais vias de recurso. |
|
24 |
Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a juíza que submeteu os dois presentes pedidos de decisão prejudicial pode continuar a fazer parte da formação de julgamento do processo principal, correspondente ao processo C‑647/21, enquanto juiz singular, e no processo principal, correspondente ao processo C‑648/21, na qualidade de presidente da formação de julgamento. |
|
25 |
Segundo este órgão jurisdicional, tendo em conta as circunstâncias expostas nos n.os 18 a 23 do presente acórdão, que levaram ao afastamento dessa juíza dos processos de que era relatora, nos quais se incluem os processos principais, vê‑se confrontado com a necessidade de decidir se tais atos violam o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta. Se for este o caso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se é obrigado a ignorar a resolução do plenário e os demais atos subsequentes, como sejam a decisão que reatribui a outro juiz os processos de que a referida juíza foi afastada, em que se incluem os processos principais. |
|
26 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera que o facto de a juíza que submeteu os dois presentes pedidos de decisão prejudicial ter sido afastada dos processos que lhe tinham sido confiados, bem como o facto da sua transferência, violam os requisitos de independência e de inamovibilidade. Além disso, as medidas tomadas contra esta juíza constituem uma reação às tentativas que encetou para verificar se o órgão jurisdicional de primeira instância cumpria o requisito de ser um tribunal estabelecido por lei e têm por objetivo prevenir futuras tentativas nesse sentido. |
|
27 |
Nestas circunstâncias, o Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk) decidiu suspender a execução da resolução do plenário, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, em cada um dos processos principais, as seguintes questões prejudiciais:
|
Tramitação processual no Tribunal de Justiça
Quanto à apensação dos processos
|
28 |
Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de novembro de 2021, os processos C‑647/21 e C‑648/21 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral do processo, bem como do acórdão. |
Quanto aos pedidos de aplicação da tramitação prejudicial acelerada
|
29 |
O órgão jurisdicional de reenvio pediu que os presentes reenvios prejudiciais fossem submetidos a tramitação acelerada, nos termos do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Como fundamento destes pedidos, alegou, em substância, que a aplicação desse procedimento se justificava pelo facto de as questões prejudiciais incidirem sobre questões fundamentais de direito polaco, nomeadamente de direito constitucional, a saber, o princípio da inamovibilidade dos juízes e o direito das partes processuais a um tribunal estabelecido por lei, imparcial e independente. Acrescentou que havia motivos justificados para crer que a prática de outros atos nos processos principais levará ao desaparecimento dos fundamentos pelos quais foi necessário submeter questões ao Tribunal de Justiça e que a execução das respostas dadas por este poderá ser entravada, impedindo assim que seja garantida a efetividade do direito da União e uma tutela jurisdicional efetiva. |
|
30 |
O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada. |
|
31 |
Importa recordar que esta tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia, C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 37 e jurisprudência referida). |
|
32 |
No caso em apreço, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 29 de novembro de 2021, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, que não era de deferir os pedidos para sujeição dos presentes reenvios prejudiciais a tramitação acelerada. Com efeito, os argumentos apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio para justificar estes pedidos são de ordem geral e não indicam com precisão as razões específicas que justificam o tratamento desses reenvios prejudiciais dentro de prazos curtos. Em especial, a circunstância de as questões submetidas serem relativas a questões fundamentais de direito polaco, nomeadamente de direito constitucional, não caracteriza uma situação de urgência extraordinária, condição necessária para justificar um tratamento acelerado. Por último, o facto de os processos principais serem de direito penal não justifica, por si só, a tramitação acelerada dos presentes autos. |
Quanto à suspensão dos processos e aos pedidos de esclarecimento
|
33 |
Em 18 de outubro de 2022, o Tribunal de Justiça suspendeu os processos apensos C‑647/21 e C‑648/21 até se pronunciar nos processos apensos C‑615/20 e C‑671/20. Em 20 de julho de 2023, o Tribunal de Justiça notificou o órgão jurisdicional de reenvio do Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz) (C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562), e convidou‑o a indicar se pretendia manter os seus pedidos de decisão prejudicial nos processos apensos C‑647/21 e C‑648/21. |
|
34 |
Por instrução do presidente do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk), a juíza que submeteu os dois presentes pedidos de decisão prejudicial respondeu, em 25 de setembro de 2023, que o órgão jurisdicional de reenvio pretendia manter os pedidos de decisão prejudicial. |
|
35 |
Por haver alguma ambiguidade nessa resposta, o Tribunal de Justiça enviou a este órgão jurisdicional um segundo pedido de esclarecimento ao abrigo do artigo 101.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo. O Tribunal de Justiça perguntou, nomeadamente, se a juíza que submeteu os dois presentes pedidos de decisão prejudicial continuava a integrar as formações de julgamento relativas aos processos principais que deram origem aos reenvios prejudiciais nos processos apensos C‑647/21 e C‑648/21 e, em caso afirmativo, em que qualidade. O órgão jurisdicional de reenvio respondeu a este pedido por intermédio da juíza que procedeu ao reenvio dos presentes pedidos, em 17 de outubro de 2023. |
Quanto à competência do Tribunal de Justiça
|
36 |
Por um lado, o Governo Dinamarquês e a Comissão Europeia alegam, em substância, que o artigo 47.o da Carta não é aplicável aos processos principais. Em especial, a Comissão observa que, embora os pedidos de decisão prejudicial, nomeadamente a redação das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, se refiram à Diretiva 2016/343, não é pedida uma interpretação desta diretiva. |
|
37 |
A este propósito, importa lembrar que, no âmbito de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça só pode interpretar o direito da União nos limites das competências que lhe são atribuídas (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 30 e jurisprudência referida). |
|
38 |
O âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, está definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros, quando aplicam o direito da União, confirmando esta disposição a jurisprudência constante segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União se destinam a ser aplicados em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora delas (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 31 e jurisprudência referida). |
|
39 |
No caso em apreço, no que se refere ao pedido de interpretação do artigo 47.o da Carta, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu nenhuma indicação de que os litígios nos processos principais respeitam à interpretação ou à aplicação de uma norma de direito da União implementada ao nível nacional. Com efeito, embora as segundas questões prejudiciais se refiram à Diretiva 2016/343, as mesmas não são submetidas à luz das disposições desta diretiva e o órgão jurisdicional de reenvio não fornece nenhuma explicação sobre o nexo existente entre a referida diretiva e esses processos. |
|
40 |
Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o artigo 47.o da Carta enquanto tal. |
|
41 |
Por outro lado, a Prokuratura Rejonowa w Bytowie (Procuradoria Distrital de Bytów, Polónia) e a Prokuratura Okręgowa w Łomży (Procuradoria Regional de Łomży, Polónia) alegam, em substância, que a problemática relativa à organização judiciária dos Estados‑Membros, suscitada nas questões submetidas, em especial no que respeita ao afastamento de um juiz dos processos que lhe estão atribuídos, são da competência exclusiva destes últimos e não do âmbito de aplicação material do direito da União. Em contrapartida, o Governo Polaco declarou na audiência que o Tribunal de Justiça é, em seu entender, competente para responder às questões prejudiciais. |
|
42 |
A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros seja, na verdade, da competência destes últimos, não é menos verdade que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros são obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e que o mesmo se pode dizer, nomeadamente, no que respeita às regras nacionais relativas à adoção das decisões de nomeação dos juízes e, sendo caso disso, das regras relativas à fiscalização jurisdicional aplicável no contexto desses processos de nomeação [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.o 57 e jurisprudência referida]. |
|
43 |
Além disso, resulta claramente dos termos utilizados nas questões submetidas que estas não têm por objeto a interpretação do direito polaco, mas, nomeadamente, o artigo 19.o, n.o 1, TUE. |
|
44 |
Daqui resulta que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial, mas não para interpretar o artigo 47.o da Carta enquanto tal. |
Quanto à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial
|
45 |
A Procuradoria Distrital de Bytów e a Procuradoria Regional de Łomża contestam a admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial. Alegam, em primeiro lugar, que a juíza de reenvio apresentou estes pedidos após a adoção da resolução do plenário, ou seja, numa data em que esta juíza, assim afastada dos processos principais, já não podia proferir as referidas decisões. Em segundo lugar, observam que as questões prejudiciais dizem respeito à situação individual da juíza de reenvio, sendo, portanto, de ordem pessoal. Em terceiro lugar, sustentam que os pedidos de decisão prejudicial não cumprem os requisitos do artigo 94.o, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo. Por seu lado, na audiência, o Governo Polaco pronunciou‑se pela admissibilidade desses pedidos. |
|
46 |
A Comissão alega, por outro lado, que as terceiras questões prejudiciais são inadmissíveis pelo facto de a questão de saber se eventualmente existe um recurso efetivo para os arguidos nos processos principais não é uma questão preliminar que se coloque in limine litis nem uma questão necessária para a resolução destes processos. |
|
47 |
A este respeito, importa sublinhar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento),C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 25 e jurisprudência referida]. |
|
48 |
Como decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 40 e jurisprudência referida). |
|
49 |
A este respeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou que pode ser necessária uma resposta a questões prejudiciais para poder fornecer aos órgãos jurisdicionais de reenvio uma interpretação do direito da União que lhes permita resolver questões processuais de direito nacional antes de poderem decidir sobre o mérito dos litígios que lhes foram submetidos (Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 48 e jurisprudência referida). |
|
50 |
No que respeita à primeira alegação de inadmissibilidade, relativa ao facto de a juíza em causa ter apresentado os pedidos de decisão prejudicial após ter sido afastada dos processos principais, importa constatar, por um lado, que resulta dos autos no Tribunal de Justiça que, à data em que essa juíza apresentou os pedidos de decisão prejudicial, a saber, em 20 de outubro de 2021, estavam‑lhe atribuídos os processos principais e, por outro, que, após ter sido afastada destes processos, o órgão jurisdicional de reenvio não retirou os referidos pedidos de decisão prejudicial. |
|
51 |
Com efeito, na sua resposta ao segundo pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio confirmou que a juíza em causa era, respetivamente, a juíza‑relatora e a presidente da formação de julgamento nos dois processos principais na data em que foram proferidas as decisões de reenvio, a saber, em 20 de outubro de 2021. Indicou ainda que foi por Despacho de 21 de outubro de 2021, proferido após aquelas decisões de reenvio, que o processo na origem do reenvio prejudicial que é objeto do processo C‑648/21 foi reatribuído a outro juiz‑relator, que anteriormente integrava o tribunal coletivo de três juízes destinado a conhecer desse processo, e que foi também em 21 de outubro de 2021 que foi alterada a composição do tribunal singular no processo na origem do reenvio prejudicial que é objeto do processo C‑647/21. Além disso, esse órgão jurisdicional confirmou que estes dois processos foram suspensos por efeito dos presentes pedidos de decisão prejudicial e que permanecem suspensos desde então. |
|
52 |
Quanto à segunda alegação de inadmissibilidade, relativa ao facto de as questões prejudiciais dizerem respeito, em substância, à situação individual da juíza que submeteu os dois presentes pedidos de decisão prejudicial e de não terem, portanto, ligação com os processos principais, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio é confrontado, no contexto dos processos principais, com questões de natureza processual que lhe cabe decidir in limine litis e cuja resolução depende de uma interpretação das disposições e dos princípios do direito da União sobre os quais incidem estas questões prejudiciais. Com efeito, as referidas questões prejudiciais visam, em substância, determinar se, à luz dessas disposições e princípios do direito da União, essa juíza continua a poder legitimamente conhecer dos processos principais, não obstante a resolução do plenário que a afastou desses processos. |
|
53 |
Ora, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, as questões prejudiciais que, deste modo, visam permitir a um órgão jurisdicional de reenvio resolver in limine litis dificuldades de ordem processual, como as relativas à sua própria competência para conhecer de um processo nele pendente ou, ainda, os efeitos jurídicos que devem ou não ser reconhecidos a uma decisão jurisdicional que potencialmente obsta ao prosseguimento da apreciação desse processo pelo referido órgão jurisdicional, são admissíveis por força do artigo 267.o TFUE [Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz) (C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 47 e jurisprudência referida]. |
|
54 |
Quanto à terceira alegação de inadmissibilidade, segundo a qual os pedidos de decisão prejudicial não cumprem os requisitos do artigo 94.o, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo, basta salientar que, como resulta dos n.os, respetivamente, 6 a 14 e 15 a 26 do presente acórdão, estes pedidos de decisão prejudicial, elucidados de forma precisa pelo órgão jurisdicional de reenvio na resposta aos dois pedidos de esclarecimento do Tribunal de Justiça, contêm, no que respeita a uma parte das primeiras questões e às segundas questões, todas as informações exigidas por este artigo 94.o, alíneas a) e b), nomeadamente, o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar no caso em apreço, uma exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e as normas nacionais invocadas, pelo que, nessa medida, o Tribunal de Justiça está em condições de se pronunciar sobre as questões prejudiciais. |
|
55 |
No que se refere à parte das primeiras questões que respeita à composição do plenário de um tribunal, a saber, o facto de, por um lado, o ministro da Justiça, que é também o Procurador‑Geral, dispor do poder de nomear os presidentes dos sądy rejonowe (tribunais de primeira instância) que formam o plenário de um sąd okręgowy (tribunal regional) e, por outro, o facto de alguns dos membros do plenário terem sido nomeados para lugares de juiz sob proposta do KRS, a qual não dá garantias de independência suficientes, importa recordar que, uma vez que a decisão de reenvio serve de fundamento ao processo previsto no artigo 267.o TFUE, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a explicitar, na própria decisão de reenvio, o quadro factual e regulamentar em que se insere o litígio no processo principal e a dar as explicações necessárias sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita, bem como sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido [v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2020, C.F. (Fiscalização Tributária), C‑430/19, EU:C:2020:429, n.o 23 e jurisprudência referida]. |
|
56 |
Ora, no caso em apreço, salvo algumas explicações limitadas sobre a composição do plenário de um tribunal, as decisões de reenvio não indicam com suficiente precisão o quadro jurídico nacional relativo à nomeação dos membros desse plenário. Também não explicam por que razão seria necessário que o Tribunal de Justiça respondesse à parte das primeiras questões que se refere à composição do plenário de um tribunal. Nestas condições, o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos suficientes que lhe permitam responder a esta parte das primeiras questões de forma útil, pelo que os pedidos de decisão prejudicial não preenchem, nesta medida, os requisitos previstos no artigo 94.o, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo. |
|
57 |
No que respeita às terceiras questões prejudiciais, através das quais o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a eventual existência de um recurso efetivo para os arguidos nos processos principais, há que constatar que estas não são questões preliminares que se coloquem in limine litis e também não são necessárias para a resolução dos processos principais. Em especial, não resulta dos autos no Tribunal de Justiça que, no processo principal, se coloque a questão de saber se é possível aos arguidos contestar a regularidade da formação de julgamento que conhece dos seus processos. |
|
58 |
Tendo em conta as considerações precedentes, há que declarar que os pedidos de decisão prejudicial são admissíveis, com exceção da parte das primeiras questões que diz respeito à composição do plenário de um tribunal e das terceiras questões prejudiciais. |
Quanto às questões prejudiciais
Quanto às primeiras questões
|
59 |
A título preliminar, importa começar por observar que, embora, com as suas primeiras questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio questione formalmente sobre se é compatível com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE o facto de um órgão de um tribunal nacional, como o plenário, ser competente para afastar um juiz desse tribunal de uma parte ou da totalidade dos processos que lhe estão atribuídos, resulta dos autos no Tribunal de Justiça que estas primeiras questões dizem essencialmente respeito à legislação nacional que rege o procedimento ao abrigo do qual um juiz pode ser afastado dos seus processos. |
|
60 |
Em contrapartida, mesmo que a transferência da juíza que submeteu os presentes dois pedidos de decisão prejudicial da secção de recurso do tribunal de reenvio, na qual os processos principais estão pendentes, para a secção de primeira instância do referido tribunal seja um elemento importante a tomar em consideração para apreender a situação contemplada pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, estes mesmos autos não permitem considerar que as primeiras questões devem ser entendidas no sentido de que dizem também respeito à compatibilidade com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE de uma decisão de transferência, ou, mais genericamente, de uma legislação que rege o procedimento de transferência, como as que estão em causa no processo principal. |
|
61 |
Perante estas constatações, há que considerar que, com as suas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual um órgão de um tribunal nacional, como o plenário, pode afastar um juiz desse tribunal de uma parte ou da totalidade dos processos que lhe estão atribuídos, sem que essa legislação fixe os critérios que devem orientar esse órgão na tomada da decisão de afastamento, imponha o dever de fundamentar essa decisão e preveja a possibilidade de uma fiscalização jurisdicional da referida decisão. |
|
62 |
A este respeito, importa recordar que, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros, nomeadamente o estabelecimento, a composição, as competências e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais nacionais, seja da competência desses Estados, no exercício dessa competência estes não deixam de estar vinculados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e, em especial, do artigo 19.o TUE (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 44 e jurisprudência referida). |
|
63 |
O princípio da tutela jurisdicional efetiva a que se refere o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE constitui um princípio geral do direito da União que foi consagrado, nomeadamente, no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, a que corresponde o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Esta última disposição deve, por conseguinte, ser tomada devidamente em conta para efeitos da interpretação desse artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 45 e jurisprudência referida). |
|
64 |
Por outro lado, uma vez que a Carta enuncia direitos correspondentes aos garantidos pela CEDH, o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa assegurar a coerência necessária entre os direitos nela contidos e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que isso prejudique a autonomia do direito da União. Segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. O Tribunal de Justiça deve, assim, assegurar que a sua interpretação nos presentes processos garanta um nível de proteção que não vá contra o garantido pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 46 e jurisprudência referida). |
|
65 |
Feita esta precisão, importa recordar, em primeiro lugar, que todos os Estados‑Membros devem, em virtude do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assegurar que as instâncias que, enquanto «órgãos jurisdicionais», na aceção do direito da União, são chamadas a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação desse direito e que fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva, nomeadamente em matéria de independência (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 47 e jurisprudência referida). |
|
66 |
Esta exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito à tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que revestem importância essencial enquanto garantias da proteção de todos os direitos que o direito da União confere aos particulares e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do valor do Estado de direito (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 49 e jurisprudência referida). |
|
67 |
A referida exigência de independência comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, requer que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a nenhuma entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência, estando assim protegida contra as intervenções ou as pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de «imparcialidade» e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto deste. Este último aspeto exige o respeito pela objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio que não seja a estrita aplicação da norma jurídica (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida). |
|
68 |
Embora a parte «externa» da independência tenha essencialmente como objetivo preservar a independência dos órgãos jurisdicionais em relação aos poderes legislativo e executivo, em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de direito, pretende também proteger os juízes de influências indevidas provenientes do interior do órgão jurisdicional em causa (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 54 e jurisprudência referida). |
|
69 |
Importa ainda sublinhar que o exercício da função de julgar deve ser protegido não só de qualquer influência direta, na forma de instruções, mas também de formas de influência mais indireta, suscetíveis de orientar as decisões judiciais [v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 53 e jurisprudência referida, e de 14 de novembro de 2024, S. (Alteração da formação de julgamento), C‑197/23, EU:C:2024:956, n.o 62 e jurisprudência referida]. |
|
70 |
Estas garantias de independência e de imparcialidade pressupõem a existência de regras relativas, designadamente, à composição da instância em causa, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade dessa instância a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 52). |
|
71 |
Aliás, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também sublinhou que a importância primordial, nomeadamente, da independência judicial e da segurança jurídica no Estado de direito exige uma especial clareza das normas aplicadas em cada caso e garantias claras para assegurar a objetividade e a transparência e, sobretudo, para evitar qualquer aparência de arbitrariedade na atribuição de processos específicos a juízes (TEDH, 5 de outubro de 2010, DMD GROUP, a.s. c. Eslováquia, E:ECHR:2010:1005JUD001933403, § 66). |
|
72 |
Em segundo lugar, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE exige também a existência de um tribunal «previamente estabelecido por lei», atendendo aos laços indissociáveis existentes entre o acesso a esse tribunal e as garantias de independência e de imparcialidade dos juízes [v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 14 de novembro de 2024, S. (Alteração da formação de julgamento), C‑197/23, EU:C:2024:956, n.o 63 e jurisprudência referida]. |
|
73 |
Ora, a referência a um «tribunal estabelecido por lei», que consta também do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, reflete, nomeadamente, o princípio do Estado de direito e diz respeito não só à base legal da própria existência do tribunal mas também à composição da formação de julgamento em cada processo, bem como a qualquer outra disposição de direito interno cuja inobservância torne irregular a participação de um ou de vários juízes no exame do processo (v., por analogia, Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 121 e jurisprudência referida). |
|
74 |
Assim, as regras de atribuição e de reatribuição de processos fazem parte do conceito de tribunal «previamente estabelecido por lei», o qual exige não só uma base legal para a própria existência do tribunal mas também o respeito pela composição da formação de julgamento em cada processo, bem como a existência de qualquer outra disposição de direito interno cuja inobservância torne irregular a participação de um ou de vários juízes no exame do processo. |
|
75 |
Consequentemente, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE exige ainda, a este título, que as regras que regem a composição das formações de julgamento sejam suscetíveis de excluir qualquer ingerência indevida, no processo decisório relativo a um dado processo, de pessoas estranhas à formação de julgamento que tem a cargo esse processo e perante a qual as partes não puderam apresentar o seus argumentos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 59). |
|
76 |
No caso em apreço, sem prejuízo das verificações que cabem ao órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que o artigo 47.o‑b, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns prevê que a composição de um tribunal pode ser alterada quando exista um «obstáculo duradouro que impeça a tramitação do processo com [a composição atual]», sem mais precisões. Ora, embora o n.o 4 deste artigo 47.o‑b preveja, em substância, que um juiz mantém a competência para a tramitação dos processos que lhe foram atribuídos apesar da sua transferência para outro local ou do seu destacamento para outro tribunal, até ao encerramento desses processos, o n.o 5 do referido artigo 47.o‑b enuncia que os processos lhe podem ser retirados por decisão do plenário do tribunal em causa sem enunciar critérios para esse efeito. Por último, em conformidade com o n.o 6 do mesmo artigo 47.o‑b, o plenário do tribunal dispõe também da possibilidade de afastamento do juiz dos processos a seu cargo em caso de transferência deste para outra secção, mas sem que esta possibilidade seja, mais uma vez, acompanhada de nenhum critério preciso. |
|
77 |
Por conseguinte, há que concluir que uma legislação nacional como a descrita no número anterior não só não prevê critérios objetivos que enquadrem a possibilidade de um juiz ser afastado de um ou de vários dos seus processos como também permite ao plenário do tribunal em causa afastar um juiz dos processos que tem a cargo sem fundamentação dessa decisão. Com efeito, a referência à existência de um «obstáculo duradouro à tramitação do processo na [sua composição atual]» é demasiado vaga para poder ser considerada suscetível de evitar qualquer arbitrariedade na decisão de alteração de uma composição de julgamento. Além disso, o Governo Polaco confirmou, na audiência no Tribunal de Justiça, que o direito polaco não impõe um dever de fundamentar o afastamento de um juiz dos processos que tem a cargo nos termos do artigo 47.o‑b, n.os 5 e 6, da Lei dos Tribunais Comuns. |
|
78 |
Por outro lado, no que respeita ao afastamento em causa no processo principal, resulta dos autos no Tribunal de Justiça que a resolução do plenário que afastou a juíza em causa dos processos principais carece de qualquer fundamentação. |
|
79 |
Além disso, esta resolução do plenário é insuscetível de ser justificada com o despacho de transferência, pelo qual o presidente do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk), em 13 de outubro de 2021 e nos termos do artigo 22.o, n.o 4, da Lei dos Tribunais Comuns, decidiu transferir a juíza que procedeu ao reenvio prejudicial dos presentes pedidos para outra secção do mesmo tribunal. |
|
80 |
Com efeito, por um lado, este despacho foi justificado de forma lacónica com a necessidade de «assegurar o bom funcionamento da Sexta Secção Criminal de recurso e da Segunda Secção Criminal» do Sąd Okręgowy w Słupsku (Tribunal Regional de Slupsk). |
|
81 |
Por outro lado, a resolução do plenário foi adotada dois dias antes do despacho de transferência. |
|
82 |
Além disso, no que respeita à transferência não consentida de um juiz para outro tribunal ou entre duas secções de um mesmo tribunal, o Tribunal de Justiça já declarou que estas transferências podem constituir um meio de exercer o controlo sobre o conteúdo das decisões judiciais, uma vez que podem não só afetar o âmbito das atribuições dos magistrados em causa e o tratamento dos processos que lhes foram confiados mas também ter consequências significativas na vida e na carreira destes e, assim, de produzir efeitos análogos aos de uma sanção disciplinar [Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 115]. |
|
83 |
Ora, do mesmo modo, o afastamento de um juiz dos processos que tem a seu cargo, sem que a legislação nacional pertinente fixe critérios objetivos que permitam enquadrar esta possibilidade e, além disso, sem que a decisão de proceder a este afastamento deva sequer ser fundamentada, não permite excluir que esse afastamento seja arbitrário ou mesmo que constitua uma sanção disciplinar dissimulada. E é tanto mais assim quando esse afastamento é seguido da transferência do juiz em causa para outra secção do mesmo tribunal. |
|
84 |
Assim, medidas organizativas de afastamento de juízes como as que estão em causa no processo principal, cuja aplicação não está enquadrada por critérios suficientemente precisos e não está sujeita a um dever de fundamentação suficiente, são suscetíveis de gerar interrogações sobre a eventualidade de o afastamento do juiz dos processos, seguida de uma transferência, ter ocorrido em resposta a atos anteriores do juiz em causa. |
|
85 |
Deste modo, para evitar deixar margem para a arbitrariedade que poderia decorrer de um processo não transparente, suscetível de pôr em causa os princípios da independência e da inamovibilidade dos juízes, importa que as regras nacionais que regulam o afastamento de um juiz dos processos a seu cargo prevejam critérios objetivos claramente enunciados com base nos quais um juiz pode ser afastado dos seus processos, bem como o dever de fundamentar as decisões de afastamento, nomeadamente nos casos de afastamento não consentidos pelo juiz em causa, para garantir que a independência dos juízes não seja comprometida por influências externas indevidas. |
|
86 |
Tendo em conta o que precede, há que responder às primeiras questões submetidas que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual um órgão de um tribunal nacional, como o plenário, pode afastar um juiz desse tribunal de uma parte ou da totalidade dos processos que lhe estão atribuídos, sem que essa legislação fixe os critérios que devem orientar esse órgão na tomada da decisão de afastamento e imponha o dever de fundamentar essa decisão. |
Quanto às segundas questões
|
87 |
Com as suas segundas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o princípio do primado do direito da União devem ser interpretados no sentido de que impõem a um tribunal nacional e a qualquer outra autoridade do Estado‑Membro em causa que não apliquem, por um lado, uma resolução do plenário desse tribunal que afaste um juiz do referido tribunal dos processos que lhe estão atribuídos, e, por outro, os demais atos subsequentes, como as decisões relativas à reafetação desses processos, quando essa resolução tenha sido adotada em violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. |
|
88 |
A este respeito, importa recordar que, por força de jurisprudência constante, o princípio do primado do direito da União consagra a preeminência deste direito sobre o direito dos Estados‑Membros. Este princípio impõe, portanto, a todas as instâncias dos Estados‑Membros que confiram pleno efeito às diferentes normas da União, não podendo o direito dos Estados‑Membros afetar o efeito reconhecido a essas normas no território dos referidos Estados [Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 61 e jurisprudência referida]. |
|
89 |
O referido princípio impõe assim, nomeadamente, a qualquer juiz nacional encarregado de aplicar as disposições do direito da União no âmbito da sua competência a obrigação de garantir o pleno efeito das mesmas, não aplicando, se necessário, por iniciativa própria, qualquer regulamentação ou prática nacional contrária ao direito da União, sem que tenha de pedir ou aguardar pela sua eliminação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional [Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 62 e jurisprudência referida]. |
|
90 |
Ora, o Tribunal de Justiça já declarou anteriormente que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, que impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e que não está sujeita a nenhuma condição, nomeadamente no que respeita à independência e à imparcialidade dos órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e a aplicar o direito da União e ao requisito de que estes sejam previamente estabelecidos por lei, tem esse efeito direto que implica a não aplicação de qualquer disposição nacional, jurisprudência ou prática nacional contrária a essas disposições do direito da União, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 63 e jurisprudência referida]. |
|
91 |
Resulta ainda de jurisprudência constante que, mesmo não havendo medidas legislativas nacionais que tenham posto termo a um incumprimento declarado pelo Tribunal de Justiça, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais adotar todas as medidas para facilitar a realização do pleno efeito do direito da União em conformidade com os ensinamentos contidos no acórdão que declara esse incumprimento. Por outro lado, os referidos órgãos jurisdicionais estão obrigados, por força do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, a eliminar as consequências ilícitas de uma violação do direito da União [Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 64 e jurisprudência referida]. |
|
92 |
Para dar cumprimento às obrigações recordadas nos n.os 88 a 91 do presente acórdão, um órgão jurisdicional nacional deve afastar a aplicação de um ato, como a resolução do plenário daquele tribunal, que, em violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ordenou que um juiz desse tribunal fosse afastado dos seus processos, quando isso seja indispensável, atendendo à situação processual em causa, para garantir o primado do direito da União [v., por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 65 e jurisprudência referida]. |
|
93 |
Uma vez que, no âmbito de um processo previsto no artigo 267.o TFUE, a apreciação final dos factos, bem como a aplicação e a interpretação do direito nacional, competem exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio, é a este que caberá determinar, de forma definitiva, as consequências concretas que decorrem, nos litígios nos processos principais, do princípio recordado no número anterior. Porém, em conformidade com jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode fornecer a esse órgão jurisdicional, a partir dos elementos dos autos, os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis para esse efeito [Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 66 e jurisprudência referida]. |
|
94 |
A este respeito, decorre da resposta às primeiras questões que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE se opõe a uma legislação nacional que regula o afastamento de um juiz dos processos, como a descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio. |
|
95 |
Ora, nessa situação, uma formação de julgamento deve poder não aplicar qualquer tipo de resolução adotada com fundamento nessa legislação e, portanto, prosseguir, com a mesma composição, a apreciação dos processos principais sem que os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do tribunal nacional a isso possam obstar [v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 72 e jurisprudência referida]. |
|
96 |
Nesta mesma situação, os órgãos competentes em matéria de determinação e de alteração da composição dessa formação de julgamento não devem aplicar essa resolução [v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 80]. |
|
97 |
Tendo em conta o que precede, há que responder às segundas questões que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o princípio do primado do direito da União devem ser interpretados no sentido de que impõem a um tribunal nacional que não aplique uma resolução do plenário desse tribunal que afasta um juiz do referido tribunal dos processos que lhe estão atribuídos, bem como os demais atos subsequentes, como as decisões relativas à reafetação desses processos, quando essa resolução tenha sido adotada em violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição dessa formação de julgamento não devem aplicar essa resolução. |
Quanto às despesas
|
98 |
Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
|
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: |
|
|
|
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: polaco.