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Document 61991CJ0225

    Acórdão do Tribunal de 15 de Junho de 1993.
    Matra SA contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Auxílios de Estado - Denúncia de um concorrente - Não abertura do procedimento de exame - Recurso de anulação.
    Processo C-225/91.

    Colectânea de Jurisprudência 1993 I-03203

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:239

    61991J0225

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE 15 DE JUNHO DE 1993. - MATRA SA CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - AUXILIOS ESTATAIS - QUEIXA DE UM CONCORRENTE - RECUSA DE INSTAURACAO DE PROCESSO DE EXAME - RECURSO DE ANULACAO. - PROCESSO C-225/91.

    Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-03203
    Edição especial sueca página I-00213
    Edição especial finlandesa página I-00233


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Processo ° Intervenção ° Questão prévia de inadmissibilidade não suscitada pela recorrida ° Inadmissibilidade

    (Estatuto CEE do Tribunal de Justiça, artigo 37. , terceiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 93. , n. 4)

    2. Recurso de anulação ° Pessoas singulares ou colectivas ° Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito ° Decisão da Comissão dirigida a um Estado-membro que declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum ° Recurso dos interessados, na acepção do artigo 93. , n. 2, do Tratado ° Admissibilidade

    (Tratado CEE, artigos 93. , n.os 2 e 3, e 173. , segundo parágrafo)

    3. Auxílios concedidos pelos Estados ° Projectos de auxílios ° Instauração de um procedimento de exame ° Poder de apreciação da Comissão ° Referência ao contexto comunitário ° Fiscalização judicial ° Limites

    (Tratado CEE, artigos 93. , n. 3, e 173. )

    4. Auxílios concedidos pelos Estados ° Projectos de auxílios ° Exame pela Comissão ° Fase preliminar e fase contraditória ° Compatibilidade de um auxílio com o mercado comum ° Dificuldades de apreciação ° Obrigação para a Comissão de instaurar um procedimento contraditório ° Importância do investimento ou do auxílio ° Irrelevância

    (Tratado CEE, artigo 93. , n.os 2 e 3)

    5. Auxílios concedidos pelos Estados ° Proibição ° Derrogações ° Poder de apreciação da Comissão e do Conselho ° Limites ° Decisão que declara a compatibilidade com o mercado comum de um auxílio com consequências que se opõem a disposições específicas do Tratado, nomeadamente em matéria de concorrência ° Inadmissibilidade ° Obrigação de aguardar o resultado de um processo em matéria de concorrência, antes de decidir sobre a compatibilidade do auxílio ° Inexistência

    (Tratado CEE, artigos 85. e segs., 92. e segs.; Regulamento n. 17 do Conselho)

    Sumário


    1. Nos termos do artigo 37. , terceiro parágrafo, do Estatuto CEE do Tribunal de Justiça e do n. 4 do artigo 93. do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção e os pedidos do requerimento não podem ter outro objecto que não seja o de sustentar os pedidos de uma das partes. Não tem legitimidade para suscitar uma questão prévia de admissibilidade que não foi arguida pela recorrida.

    2. Os particulares que não sejam destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito, na acepção do artigo 173. , segundo parágrafo, se esta os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualiza de maneira análoga à do destinatário.

    Quando, sem iniciar o procedimento do n. 2 do artigo 93. do Tratado, a Comissão concluir, com base no n. 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão do auxílio, designadamente as empresas concorrentes e as organizações profissionais, que, na sua qualidade de interessadas, beneficiam de garantias processuais quando é instaurado o procedimento do artigo 93. , n. 2, devem poder intentar um recurso de anulação contra a decisão que efectua essa declaração.

    3. Para a aplicação do n. 3 do artigo 93. do Tratado, a Comissão goza de um amplo poder discricionário cujo exercício envolve apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário.

    Em consequência, no quadro da fiscalização da legalidade que o artigo 173. do Tratado prevê, o Tribunal deve limitar-se a examinar se a Comissão não excedeu os limites inerentes ao seu poder de apreciação por uma descaracterização ou um erro manifesto de apreciação dos factos, ou por um desvio de poder ou de processo.

    4. O procedimento do artigo 93. , n. 2, do Tratado reveste um carácter indispensável sempre que a Comissão se depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum. Portanto, a Comissão só se pode limitar à fase preliminar do n. 3 do artigo 93. para adoptar uma decisão favorável a um auxílio, se tiver a convicção, no termo de um primeiro exame, de que esse auxílio é compatível com o Tratado. Pelo contrário, se esse primeiro exame tiver levado a Comissão à convicção oposta, ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento do n. 2 do artigo 93. A este respeito, a importância de um investimento ou de um auxílio não pode, por si só, ser constitutiva de dificuldades sérias, sob pena de se obrigar a Comissão a dar início ao procedimento do n. 2 do artigo 93. , de cada vez que o investimento ou o auxílio exceder certos montantes, que deveriam, aliás, ser especificados, e isto tanto mais quanto o factor determinante não é tanto o montante do auxílio, mas o seu impacto no comércio intracomunitário.

    5. Embora o processo previsto nos artigos 92. e 93. deixe uma ampla margem de apreciação à Comissão e, em certas condições, ao Conselho, para julgar da compatibilidade de um regime de auxílios de Estado com as exigências do mercado comum, resulta do sistema geral do Tratado que este processo não deve nunca atingir um resultado que seja contrário a disposições específicas do Tratado e, em especial, às outras disposições que têm também como objectivo garantir uma concorrência não falseada no mercado comum.

    O que não impede que os procedimentos ao abrigo dos artigos 85. e seguintes e ao abrigo dos artigos 92. e seguintes do Tratado constituam procedimentos independentes, regulados por normas específicas e que, em consequência, ao tomar uma decisão sobre a compatibilidade de um auxílio estatal com o mercado comum, a Comissão não está obrigada a aguardar o resultado do procedimento paralelo iniciado ao abrigo do Regulamento n. 17, adquirida que esteja a convicção, baseada na análise económica da situação e não ferida de qualquer erro manifesto de apreciação, de que o beneficiário do auxílio não se encontra em situação de infringir os artigos 85. e 86. do Tratado.

    Partes


    No processo C-225/91,

    Matra SA, sociedade de direito francês, com sede em Paris, representada por Mario Siragusa, advogado no foro de Roma, e Antoine Winckler, advogado no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Antonio Abate, consultor jurídico principal, e Michel Nolin, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    apoiada por

    República Portuguesa, representada por Rui Chancerelle de Machete, advogado no foro de Lisboa, e Luís Inês Fernandes, director dos Serviços Jurídicos da Direcção-Geral das Comunidades Europeias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes, assistidos por Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete, advogado no foro de Lisboa, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Portugal, 33, allée Scheffer,

    Ford of Europe Inc., sociedade de direito do Estado de Delaware (Estados Unidos da América), com sucursal em Brentwood (Reino Unido), e Ford-Werke AG, sociedade de direito alemão, com sede em Colónia (República Federal da Alemanha), representadas por Wolfgang Schneider, advogado no foro de Francoforte do Meno (República Federal da Alemanha), com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Dupong e Konsbruck, 14a, rue des Bains,

    e

    Volkswagen AG, sociedade de direito alemão, com sede em Wolfsburg (República Federal da Alemanha), representada por Rainer Bechtold, advogado no foro de Estugarda (República Federal da Alemanha), com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 8, rue Zithe,

    intervenientes,

    que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, comunicada, em 16 de Julho de 1991, às autoridades portuguesas e, em 30 de Julho de 1991, à Matra SA, de não levantar objecções relativamente a um projecto de auxílio da República Portuguesa a favor de uma empresa comum entre a Ford of Europe Inc. e a Volkswagen AG para a construção de uma fábrica de veículos para fins múltiplos em Setúbal (Portugal),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: O. Due, presidente, M. Zuleeg e J. L. Murray, presidentes de secção, G. F. Mancini, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse, M. Díez de Velasco e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral: W. Van Gerven

    secretário: J.-G. Giraud

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 3 de Fevereiro de 1993,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Abril de 1993,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de Setembro de 1991, a Matra SA (a seguir "Matra") pediu, ao abrigo do disposto no segundo parágrafo do artigo 173. do Tratado CEE, a anulação de uma decisão da Comissão, que lhe foi comunicada em 30 de Julho de 1991, de não levantar objecções relativamente a um projecto de auxílio da República Portuguesa a favor de uma empresa comum entre a Ford of Europe Inc. (a seguir "Ford") e a Volkswagen AG (a seguir "VW") para a construção de uma fábrica de veículos para fins múltiplos em Setúbal (Portugal).

    2 Resulta dos autos que, em 26 de Março de 1991, a República Portuguesa notificou à Comissão, nos termos do disposto no artigo 93. , n. 3, do Tratado e no enquadramento comunitário dos auxílios estatais no sector dos veículos automóveis (JO 1989, C 123, p. 3), um projecto de auxílio a favor da empresa Newco, criada, em partes iguais, pela Ford e pela VW, para a instalação de uma fábrica de veículos para fins múltiplos em Setúbal, para o período compreendido entre 1991 e 1995.

    3 O auxílio notificado é do montante de 97,44 mil milhões de escudos, para um custo total do investimento de 454 mil milhões de escudos, dos quais 297 mil milhões de escudos podem ser objecto de auxílio. O auxílio abrange uma subvenção regional de 89,1 mil milhões de escudos, paga no quadro do Sistema de Incentivos de Base Regional (a seguir "SIBR"), regime português de auxílios com finalidade regional, aprovado pela Comissão em 1988, e benefícios fiscais no montante de 8,34 mil milhões de escudos, a conceder a partir de 1997. Estão ainda previstos um programa de formação dos trabalhadores, organizado conjuntamente pelo Governo português e pela Newco, num montante de 36 mil milhões de escudos, financiado em 90% pelo Governo português, e certos investimentos em infra-estruturas, ao nível da construção de estradas, de abastecimento de água e electricidade e de tratamento de resíduos.

    4 Na sequência da apresentação pela Matra, em 26 de Junho de 1991, de uma denúncia por infracção, pela República Portuguesa, ao disposto nos artigos 92. e seguintes do Tratado, e, pelas Ford e VW, ao disposto no artigo 85. do mesmo diploma, realizou-se entre a Comissão e a Matra uma reunião, sendo esta última ouvida e tendo a Comissão exposto as razões por que não tinha dado início ao procedimento previsto no n. 2 do artigo 93. do Tratado.

    5 Em 16 de Julho de 1991, a Comissão informou o Governo português de que não tinha objecções a levantar ao projecto de auxílio notificado.

    6 Em 30 de Julho de 1991, a Comissão comunicou à Matra, para informação, a decisão de 16 de Julho de 1991.

    7 Por despacho de 4 de Dezembro de 1991, Matra/Comissão (C-225/91 R, Colect., p. I-5823), o presidente do Tribunal indeferiu o pedido da Matra destinado a obter a suspensão da execução da decisão que é objecto do presente recurso de anulação.

    8 Por despachos de 8 de Abril de 1992, a República Portuguesa e as sociedades Ford of Europe Inc., Ford-Werke AG e Volkswagen AG foram admitidas como intervenientes no processo, em apoio dos pedidos da Comissão.

    9 Para mais ampla exposição da matéria de facto relativa ao litígio, da tramitação processual, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    Quanto à admissibilidade

    10 As intervenientes Ford-Werke AG e República Portuguesa contestam a admissibilidade do recurso, invocando que a Matra não pode sustentar ser directa e individualmente afectada pela decisão impugnada. A Comissão, pelo contrário, explicando embora que a Matra não é destinatária da decisão, não contesta que a recorrente seja directa e individualmente afectada.

    11 A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 37. , terceiro parágrafo, do Estatuto CEE do Tribunal de Justiça, os pedidos do requerimento de intervenção não podem ter outro objecto que não seja o de sustentar os pedidos de uma das partes em litígio. Por outro lado, nos termos do disposto no n. 4 do artigo 93. do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.

    12 De onde se conclui que as intervenientes não têm legitimidade para suscitar a questão prévia da admissibilidade e que o Tribunal não é, portanto, obrigado a examinar os fundamentos invocados por estas (v. acórdão de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125).

    13 Todavia, visto que se trata de pressuposto processual de interesse e ordem pública, deve ser examinada oficiosamente a admissibilidade do recurso nos termos do artigo 92. , n. 2, do Regulamento de Processo (v., nomeadamente, o acórdão de 11 de Julho de 1990, Neotype Techmashexport/Comissão e Conselho, C-305/86 e C-160/87, Colect., p. I-2945, e o acórdão CIRFS e o./Comissão, já referido).

    14 Há que recordar a este propósito que resulta de uma jurisprudência constante que os particulares que não sejam destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito, na acepção do artigo 173. , segundo parágrafo, se os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualiza de maneira análoga à do destinatário (acórdão de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279).

    15 Para verificar se estas condições estão preenchidas no presente processo, há que recordar o objectivo dos procedimentos previstos, respectivamente, nos n.os 2 e 3 do artigo 93. do Tratado.

    16 Como o Tribunal já decidiu (v., por último, o acórdão de 19 de Maio de 1993, Cook, C-198/91, Colect., p. I-2487), é preciso distinguir, por um lado, entre a fase preliminar de exame dos auxílios, instituída pelo n. 3 do artigo 93. do Tratado, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de exame do n. 2 do mesmo artigo do Tratado. É apenas no âmbito desta fase de exame, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado prevê a obrigação, para a Comissão, de dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações.

    17 Quando, sem iniciar o procedimento do n. 2 do artigo 93. , a Comissão concluir, com base no n. 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários dessas garantias processuais só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar perante o Tribunal de Justiça aquela decisão da Comissão.

    18 Os interessados, na acepção do n. 2 do artigo 93. do Tratado, foram definidos pelo Tribunal como sendo as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão do auxílio, isto é, designadamente, as empresas concorrentes e as organizações profissionais (v., nomeadamente, o acórdão de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n. 16, e o acórdão Cook, já referido, n. 24).

    19 No caso ora em apreço, não se pode negar que a Matra, na sua qualidade de principal produtor comunitário de veículos para fins múltiplos e de futuro concorrente da empresa Newco, é afectada nos seus interesses pela concessão do auxílio litigioso e que, por conseguinte, tem a qualidade de interessada, na acepção do n. 2 do artigo 93. do Tratado.

    20 De onde se conclui que o recurso interposto pela Matra deve ser julgado admissível.

    Quanto ao mérito

    21 Para alicerçar o seu recurso, a Matra invoca três fundamentos baseados, o primeiro, na apreciação manifestamente errada do auxílio em causa, o segundo, na violação das normas processuais, e, o terceiro, no desrespeito de certos princípios gerais de direito.

    Quanto ao fundamento baseado no manifesto erro de apreciação

    22 A Matra avança, no quadro deste fundamento de anulação, três críticas à Comissão, a quem censura uma apreciação manifestamente errada do risco da criação de excessos de capacidade de produção e da debilidade regional e a qualificação manifestamente errada dos auxílios para infra-estruturas e formação.

    23 Para examinar estas críticas, há, liminarmente, que recordar que, no quadro de um recurso para a fiscalização da legalidade, ao Tribunal incumbe apenas verificar se a decisão impugnada está ferida de uma das causas de ilegalidade que o artigo 173. do Tratado prevê, não podendo o Tribunal substituir a sua apreciação quanto aos factos, nomeadamente no plano económico, à efectuada pelo autor da decisão.

    24 Há ainda que referir ser de jurisprudência constante que, para a aplicação do n. 3 do artigo 93. do Tratado, a Comissão goza de um amplo poder discricionário cujo exercício envolve apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário (v., nomeadamente, o acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, n. 34).

    25 No quadro desta fiscalização da legalidade, o Tribunal deve, portanto, limitar-se a examinar se a Comissão não excedeu os limites inerentes ao seu poder de apreciação por uma descaracterização ou um erro manifesto de apreciação dos factos, ou por um desvio de poder ou de processo.

    26 Relativamente à avaliação do risco da criação de excessos de capacidade de produção, deve, como salientou o advogado-geral (n.os 13 a 15 das conclusões), dar-se como assente que a Comissão procedeu a um exame ponderado e detalhado desta questão antes de concluir pela não existência desse risco. No quadro desse exame, fez referência, nomeadamente, a análises de mercado, realizadas por peritos independentes, que prevêem uma expansão considerável do mercado dos veículos para fins múltiplos até meados dos anos 90, e às evoluções previsíveis relativas à produção dos diferentes fabricantes interessados, para considerar que o auxílio em causa não deveria afectar, de modo substancial, a adequação da oferta à procura.

    27 Relativamente à avaliação da debilidade regional, deve sublinhar-se que a Comissão procedeu igualmente a um exame e a uma avaliação dos diferentes factores constitutivos das desvantagens decorrentes de um investimento na região de Setúbal. Referiu, nomeadamente, o afastamento geográfico da zona de Setúbal em relação aos principais mercados e o relativo atraso económico desta região, factores que contribuem para um aumento dos custos de transporte, de armazenagem, de destacamento de pessoal e de infra-estruturas e concluiu que esta debilidade só era parcialmente compensada por custos inferiores no que respeita à mão-de-obra e à construção. Deve acrescentar-se que a intensidade do auxílio concedido fica largamente aquém dos limites autorizados no quadro do SIBR aprovado pela Comissão.

    28 Nestas condições, os argumentos da Matra, apoiados nas análises da evolução do mercado e na avaliação da debilidade regional por ela feitas, não constituem prova de que a Comissão baseou a sua decisão numa apreciação manifestamente errada dos dados económicos.

    29 Relativamente aos investimentos em infra-estruturas e ao programa de formação, deve sublinhar-se que a Comissão concluiu, na decisão impugnada, que essas infra-estruturas e essa formação não iam beneficiar exclusivamente a empresa comum, o que lhe permitiu concluir que a assistência financeira concedida pela República Portuguesa não devia ser qualificada como um auxílio estatal.

    30 Portanto, há que considerar assente que a Matra também não conseguiu provar que, nessa análise e na qualificação da assistência financeira que dela deduziu, a Comissão procedeu a uma apreciação manifestamente errada dos dados económicos.

    31 O primeiro fundamento deve, assim, ser julgado improcedente.

    Quanto ao fundamento baseado na violação das normas processuais

    32 A Matra defende que, tendo em conta as sérias dificuldades de apreciação da compatibilidade do auxílio litigioso com o mercado comum, a Comissão tinha a obrigação de dar início ao procedimento previsto no n. 2 do artigo 93. do Tratado e que a Comissão não podia adoptar uma decisão enquanto aguardava pelo resultado do procedimento instaurado, nos termos do Regulamento n. 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85. e 86. do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), a propósito do acordo celebrado entre a Ford e a VW. A Matra acrescenta que a Comissão não fundamentou suficientemente a decisão impugnada.

    33 Relativamente à crítica sobre a não instauração do procedimento previsto no artigo 93. , n. 2, do Tratado, há que recordar que é jurisprudência constante (v., por último, o acórdão de 19 de Maio de 1993, Cook, já referido, n. 29) que este procedimento reveste um carácter indispensável sempre que a Comissão se depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum. Portanto, a Comissão só se pode limitar à fase preliminar do n. 3 do artigo 93. para adoptar uma decisão favorável a um auxílio, se tiver a convicção, no termo de um primeiro exame, de que esse auxílio é compatível com o Tratado. Pelo contrário, se esse primeiro exame tiver levado a Comissão à convicção oposta, ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento do n. 2 do artigo 93.

    34 É, pois, conveniente verificar se, no caso em apreço, as apreciações em que a Comissão se baseou apresentavam dificuldades susceptíveis de justificar a instauração desse procedimento.

    35 Como dificuldades sérias de apreciação com que a Comissão se teria deparado, a Matra refere a envergadura do projecto e o montante elevado do auxílio, o risco da criação de excessos de capacidade de produção e a necessidade de solicitar à República Portuguesa que introduzisse modificações no projecto inicial de auxílio.

    36 A este propósito, é de salientar que a importância de um investimento ou de um auxílio não pode, por si só, ser constitutiva de dificuldades sérias, sob pena de se obrigar a Comissão a dar início ao procedimento do n. 2 do artigo 93. , de cada vez que o investimento ou o auxílio exceder certos montantes, que deveriam, aliás, ser especificados. De resto, o factor determinante não é tanto o montante do auxílio, mas o seu impacto no comércio intracomunitário. Finalmente, deve sublinhar-se que a intensidade do auxílio fica, amplamente, aquém dos limites autorizados pela Comissão no quadro do SIBR.

    37 Relativamente à apreciação do risco da criação de excessos de capacidade de produção, o Tribunal já deu como assente, no n. 26 do presente acórdão, que a Comissão procedeu a uma análise económica desta questão, com base, nomeadamente, num estudo de peritos independentes, e que não ultrapassou os limites do seu poder de apreciação dos dados económicos.

    38 Relativamente ao desenrolar do processo, a Comissão refere, com razão, que o Governo português se limitou a acrescentar ao projecto inicialmente notificado alguns esclarecimentos e complementos de informação que não podem ser considerados como modificações substanciais introduzidas para preencher condições impostas pela Comissão. A Matra não conseguiu, portanto, provar que, como sustenta, a utilização das infra-estruturas por terceiros e a abertura do programa de formação a outras empresas para além da Newco foram introduzidas a pedido da Comissão. Finalmente, há que dar como assente que a apresentação, pela República Portuguesa, de um relatório anual de avaliação visa unicamente permitir à Comissão examinar se esse Estado-membro respeitou as modalidades de concessão do auxílio e não pode, em consequência, ser considerada como provando a existência de dificuldades sérias de apreciação.

    39 Nestas condições, há que considerar assente que a Comissão não cometeu qualquer ilegalidade quando entendeu não ter dificuldades sérias para apreciar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum e que, em consequência, não estava obrigada a instaurar o procedimento do artigo 93. , n. 2, do Tratado.

    40 A Matra critica ainda à Comissão ter decidido não levantar objecções aos auxílios litigiosos, sem aguardar pelo resultado do procedimento instaurado nos termos do Regulamento n. 17 a propósito do acordo celebrado entre a Ford e a VW, não tendo, assim, em conta a conexão existente entre os artigos 85. e 92. do Tratado.

    41 A este respeito, há que recordar que, embora o processo previsto nos artigos 92. e 93. deixe uma ampla margem de apreciação à Comissão e, em certas condições, ao Conselho, para julgar da compatibilidade de um regime de auxílios de Estado com as exigências do mercado comum, resulta do sistema geral do Tratado que este processo não deve nunca atingir um resultado que seja contrário às disposições específicas do Tratado (acórdão de 21 de Maio de 1980, Comissão/Itália, 73/79, Recueil, p. 1533, n. 11). O Tribunal decidiu ainda que as modalidades de um auxílio que contrariem disposições particulares do Tratado diversas das dos artigos 92. e 93. podem estar tão indissoluvelmente ligadas ao objecto do auxílio que não seja possível apreciá-las isoladamente (acórdão de 22 de Março de 1977, Iannelli/Meroni, 74/76, Recueil, p. 557).

    42 Esta obrigação que a Comissão tem de respeitar a coerência entre os artigos 92. e 93. e outras disposições do Tratado impõe-se muito em especial quando essas outras disposições têm também como objectivo, como no presente caso, garantir uma concorrência não falseada no mercado comum.

    43 Efectivamente, ao adoptar uma decisão sobre a compatibilidade de um auxílio com o mercado comum, a Comissão não pode ignorar o risco de a concorrência no mercado comum ser afectada por determinados operadores económicos.

    44 Mas é também certo que o procedimento ao abrigo dos artigos 85. e seguintes, por um lado, e o dos artigos 92. e seguintes, por outro, são independentes e regulados por normas específicas.

    45 Em consequência, ao tomar uma decisão sobre a compatibilidade de um auxílio estatal com o mercado comum, a Comissão não está obrigada a aguardar o resultado do procedimento paralelo iniciado ao abrigo do Regulamento n. 17, já referido, adquirida que esteja a convicção, baseada na análise económica da situação e não ferida de qualquer erro manifesto de apreciação, de que o beneficiário do auxílio não se encontra em situação de infringir os artigos 85. e 86. do Tratado.

    46 Ora, no caso em apreço, deve salientar-se que a Comissão respeitou a coerência entre esses dois procedimentos. Assim, na decisão impugnada, examinou em que medida podia a concorrência no mercado comum ser afectada. Na comunicação (91/C 182/07) feita nos termos do artigo 19. , n. 3, do Regulamento n. 17 (JO 1991, C 182, p. 8), publicada antes da adopção da decisão impugnada, a Comissão anunciou a sua intenção de tomar uma decisão favorável nos termos do artigo 85. , n. 3, do Tratado, relativamente aos acordos celebrados entre a Ford e a VW. Por último, na carta que acompanhava o envio à Matra da decisão impugnada, a Comissão também considerou que a cooperação em causa preenchia as condições necessárias para beneficiar da isenção prevista no artigo 85. , n. 3, do Tratado.

    47 Nestas condições, é sem razão que a Matra critica à Comissão ter adoptado a decisão impugnada sem aguardar pelo resultado do procedimento de inquérito instaurado nos termos do disposto no Regulamento n. 17.

    48 Finalmente, no que toca à alegação da falta de fundamentação da decisão impugnada, basta referir que da decisão de não instaurar o procedimento previsto no n. 2 do artigo 93. do Tratado, decisão esta tomada em prazos curtos, devem apenas constar as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio litigioso com o mercado comum. Convém acrescentar que a fundamentação da decisão impugnada deve ser apreciada no quadro do SIBR e dos critérios fixados pelo enquadramento comunitário dos auxílios estatais no sector dos veículos automóveis.

    49 Tendo em conta as considerações que precedem, a decisão impugnada deve considerar-se suficientemente fundamentada.

    50 Em consequência, o segundo fundamento deve igualmente ser julgado improcedente.

    Quanto ao fundamento baseado no desrespeito de certos princípios gerais de direito

    51 No quadro deste fundamento, a Matra avança duas críticas à Comissão: o desrespeito dos direitos da defesa e a violação do princípio da boa administração.

    52 Relativamente à primeira, recorda-se que, como o Tribunal já esclareceu no n. 16 do presente acórdão, a Comissão só está obrigada a permitir às empresas interessadas apresentar as suas observações no quadro da fase de exame do n. 2 do artigo 93. do Tratado.

    53 Pelo contrário, o Tratado não prevê essa obrigação quando, legalmente, a Comissão pode limitar-se a constatar a compatibilidade do auxílio no quadro da fase preliminar instituída pelo artigo 93. , n. 3, do Tratado.

    54 Nestas condições, estando assente que a Comissão teve razão em não dar início ao procedimento do artigo 93. , n. 2, do Tratado, a Matra não pode invocar a violação dos direitos da defesa.

    55 Relativamente à alegada violação do princípio da boa administração, a Matra reitera a crítica da não instauração do procedimento previsto no n. 2 do artigo 93. e, a este respeito, basta remeter para os n.os 32 e seguintes do presente acórdão.

    56 Nestas condições, o terceiro fundamento deve também ser julgado improcedente.

    57 Não tendo sido julgado procedente nenhum dos fundamentos invocados pela Matra, o recurso deve ser julgado improcedente na sua globalidade.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    58 Por força do artigo 69. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, incluindo as do processo de medidas provisórias.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

    1) É negado provimento ao recurso.

    2) A recorrente é condenada nas despesas, incluindo as do processo de medidas provisórias.

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