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Document EESC-2023-00814-AC

Parecer - Comité Económico e Social Europeu - Euro digital e curso legal das notas e moedas em euros

EESC-2023-00814-AC

PARECER

Comité Económico e Social Europeu

Euro digital e alcance e consequências do curso legal das notas e moedas em euros

_____________

Euro digital e alcance e consequências do curso legal das notas e moedas em euros

[parecer exploratório a pedido da Presidência espanhola]

ECO/616

Relator: Antonio García del Riego

Correlator: Stefano Palmieri 

PT

Consulta

Carta de Raúl Fuentes Milani, representante permanente adjunto de Espanha junto da União Europeia, 08/12/2022

Base jurídica

Artigo 304.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social

Adoção em secção

08/09/2023

Adoção em plenária

21/09/2023

Reunião plenária n.º

581

Resultado da votação
(votos a favor/votos contra/abstenções)

170/2/6

1.Conclusões e recomendações

1.1O Comité Económico e Social Europeu (CESE) compartilha os objetivos do projeto do euro digital, ou seja, preservar o papel do euro como âncora monetária, garantir o acesso à moeda pública e reforçar a autonomia estratégica europeia no domínio dos pagamentos numa economia em rápida digitalização.

1.2Para o CESE, o êxito do projeto do euro digital dependerá, em grande medida, do seu valor acrescentado concreto, designadamente segurança, confiança, ampla aceitação e fácil acessibilidade sem custos para os cidadãos e os agentes económicos. O CESE considera importante o objetivo de criar o euro digital enquanto «bem público» europeu gratuito. Naturalmente – tal como acontece com o numerário –, haverá custos sistémicos, que devem ser suportados pela sociedade no seu conjunto e não pelos utilizadores, sob a forma de taxas para os serviços essenciais.

1.3O euro digital terá um curso legal que garante a adoção universal e uma ampla aceitação e, na opinião do CESE, será importante dispor de um quadro jurídico europeu claro que permita estabelecer a possibilidade excecional de isenções temporárias para determinados (tipos de) beneficiários e harmonizar práticas e normas que variam de um Estado-Membro para outro.

1.4O CESE considera que, para assegurar a plena aceitação do euro digital pelos cidadãos e pelos agentes económicos, as instituições europeias devem definir claramente os casos em que pode ser utilizada uma potencial moeda digital do banco central (CBDC – central bank digital currency) e identificar opções de conceção adequadas para questões fundamentais (privacidade e aplicação da lei, tecnologia subjacente, papel do setor privado versus banco central). Continuarão a ser necessários mais estudos e uma análise económica pormenorizada das implicações para o setor bancário, os pagamentos, os cidadãos e as empresas, a fim de assegurar uma compreensão correta do impacto e uma conceção cuidada da eventual introdução desta nova forma de dinheiro, avaliando e comparando os custos operacionais e infraestruturais, assim como o impacto potencial na inclusão financeira, na disponibilidade de dinheiro para os cidadãos e na autonomia estratégica aberta da UE, com os benefícios do projeto.

1.5O CESE incentiva à realização de um amplo debate público sobre as razões para a eventual emissão de um euro digital, os seus méritos e inconvenientes, a fim de tomar decisões informadas e assegurar que os cidadãos compreendem o projeto.

1.6O CESE está firmemente convicto de que o euro digital deve tornar a economia europeia mais competitiva a nível mundial, permitir a inovação e reforçar a autonomia estratégica da UE. Além disso, o euro digital poderá alargar a disponibilidade, melhorar a rapidez e reduzir o custo dos pagamentos transfronteiriços e facilitar as operações cambiais com outras zonas monetárias.

1.7Os prestadores de serviços de pagamento autorizados a operar na área do euro, que agem como intermediários na distribuição do euro digital, suportarão determinados custos relacionados com a criação das infraestruturas do euro digital e com os serviços de primeira linha, mas também beneficiarão, ao longo do tempo, de uma transferência dos pagamentos de retalho para os canais digitais, que proporciona novas oportunidades para a venda de serviços adicionais de valor acrescentado. O Banco Central Europeu deve avaliar e monitorizar em permanência de que forma e em que medida os prestadores de serviços de pagamento devem ter direito a recuperar esse investimento. É igualmente essencial assegurar que o euro digital não tem um impacto negativo na estabilidade financeira ou no potencial de empréstimo, desde que a base de financiamento das instituições de crédito não seja indevidamente afetada. Por este motivo, o CESE apela para que a adoção do euro digital seja considerada um elemento essencial para a conclusão da União Bancária Europeia.

1.8No entender do CESE, cabe respeitar o princípio do curso legal do euro, tanto em numerário como na forma digital, e as regras harmonizadas que regem esse curso legal constituem aspetos importantes para garantir a facilidade de utilização de ambas as formas do euro.

1.9Solicita que a proposta seja submetida a um controlo da competitividade, a fim de confirmar que tem um impacto positivo no cumprimento dos objetivos declarados e no apoio aos cidadãos, às empresas, à criação de emprego e às condições de trabalho.

2.Enquadramento

2.1Em outubro de 2021, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) lançou a fase de investigação de um euro digital. Prevê-se que esta fase tenha uma duração aproximada de dois anos, aguardando-se no outono de 2023 uma decisão do Conselho do BCE sobre o início da próxima fase. A decisão do Conselho do BCE sobre a eventual emissão de um euro digital seria tomada posteriormente e só após a adoção do ato legislativo. Os objetivos declarados do Eurosistema, que reúne o BCE e os bancos centrais nacionais, consistem em preservar a soberania monetária e conferir ao euro o papel de âncora monetária. Neste contexto, a Comissão Europeia observou as seguintes «fontes de problemas»: numa economia cada vez mais digitalizada, a forma existente de moeda do banco central (numerário) não está disponível em vastas áreas de atividade económica, não há concorrência no mercado pan-europeu de pagamentos e as moedas digitais do banco central (CBDC) emitidas por bancos centrais estrangeiros ou as criptomoedas estáveis não denominadas em euros podem ganhar quota de mercado e reduzir o papel do euro 1 . As utilizações prioritárias seriam as operações entre particulares, o comércio eletrónico, os pontos de venda físicos e os pagamentos às administrações públicas. O Eurosistema está a analisar vários elementos conceptuais e um regime pormenorizado para os pagamentos em euros digitais.

2.2De um modo geral, considera-se que a moeda cumpre três funções essenciais: i) constitui uma unidade de conta, ii) pode ser utilizada como meio de troca, nomeadamente para efetuar pagamentos, e iii) funciona como reserva de valor. Existem também dois tipos de moeda: moeda do banco central e moeda privada.

2.2.1A única parte da moeda do banco central que, neste momento, está diretamente disponível para uso público é o numerário físico. No entanto, a maioria da moeda detida e utilizada pelos cidadãos consiste em moeda «privada» emitida por bancos comerciais 2 , que não é garantida diretamente pelo Estado. Contudo, devido à regulamentação e supervisão dos bancos e aos sistemas de seguro de depósitos, os depósitos de retalho até 100 000 euros são considerados seguros e equivalentes a moeda pública.

2.2.2Em muitos países, os pagamentos digitais começam a substituir o numerário como meio de pagamento mais eficiente. Atualmente, toda a moeda digital acessível a particulares consiste em moeda privada (como depósitos de bancos de retalho), uma vez que as pessoas singulares não têm acesso direto à moeda digital do banco central.

2.2.3O Estado é tradicionalmente o principal emitente de moeda. A moeda pública é essencial para o funcionamento do sistema monetário bipartido. Enquanto responsabilidade do banco central, é vista como uma forma segura de moeda, funcionando como uma âncora para o sistema monetário. No entanto, alguns bancos centrais alvitraram a hipótese de que o papel da moeda do banco central como âncora monetária poderá estar em risco devido a tendências como a transição para os pagamentos digitais, a diminuição da utilização de numerário e as possibilidades de novas soluções de pagamento com base em moeda privada (por exemplo, a expansão das grandes empresas tecnológicas no setor dos pagamentos e o surgimento de criptomoedas) 3 .

2.2.4Em resposta a essa evolução, os bancos centrais em todo o mundo ponderam introduzir CBDC 4 , ou seja, versões digitais das moedas dos bancos centrais. Atualmente, todos os principais bancos centrais estão, pelo menos, a investigar o potencial dessas moedas. Para além do BCE, também o Banco de Inglaterra avalia a oportunidade de uma CBDC do Reino Unido, e a Reserva Federal dos EUA tem em curso um processo semelhante. O Banco Popular da China lançou uma versão-piloto de um iuane digital e, em meados de 2022, o valor cumulativo das operações já havia ultrapassado os 100 mil milhões de iuanes. Um pequeno grupo de países já começou a emitir a sua própria CBDC, amplamente acessível ao público (à data da redação do presente documento, existem as seguintes: eNaira na Nigéria, Sand Dollar nas Baamas e JAM-DEX na Jamaica) 5 .

2.2.5As CBDC não podem nem nunca devem ser consideradas semelhantes às chamadas criptomoedas, em especial, a um tipo de criptoativo designado por criptomoedas estáveis (nominalmente indexadas ao valor de uma moeda de reserva tradicional ou de um cabaz de ativos). Esta comparação é totalmente enganadora. O preço de alguns dos principais criptoativos tem sido demasiado volátil para ser amplamente utilizado nos pagamentos. Mesmo as criptomoedas estáveis podem ser vulneráveis a alterações súbitas dos preços, como demonstrado pelo colapso da criptomoeda estável Terra em 2022. Até à data, na maioria dos casos, estes criptoativos não parecem cumprir adequadamente as três funções da moeda acima descritas. Em contrapartida, as CBDC conservariam, por definição, o mesmo valor unitário que as suas homólogas físicas, constituindo uma responsabilidade direta do banco central, denominada na unidade de conta nacional. Por conseguinte, podem proporcionar várias oportunidades e potenciais utilizações que o numerário físico não permite.

2.2.6Alguns segmentos do mercado dos serviços de pagamento na UE estão altamente concentrados, em especial o segmento dos pagamentos por cartão, o que obrigou as autoridades da concorrência e os legisladores da UE a adotar medidas corretivas em várias ocasiões para combater as práticas anticoncorrenciais. Atualmente, a Comissão Europeia investiga o mercado dos pagamentos móveis, em que dois operadores de plataformas digitais dominantes detêm e controlam efetivamente os sistemas operativos pertinentes para telemóveis. O euro digital, salvaguardado por medidas adequadas de proteção da privacidade e dos dados, pode reduzir a dependência dos cidadãos europeus de um pequeno número de empresas de pagamento e de operadores de plataformas digitais dominantes e impedir uma maior concentração nesses mercados.

2.3Em 28 de junho de 2023, a Comissão Europeia adotou uma proposta legislativa relativa à criação do euro digital que: confere ao BCE o direito exclusivo de autorizar a emissão do euro digital; atribui curso legal ao euro digital (aceitação obrigatória com algumas exceções); obriga as instituições de crédito a distribuir o euro digital a pedido dos seus clientes (os prestadores de serviços de pagamento não bancários são autorizados, mas não legalmente obrigados, a distribuí-lo); atribui ao BCE a capacidade de estabelecer limites à utilização do euro digital como reserva de valor e também de determinar e publicar os níveis máximos para as taxas entre prestadores de serviços de pagamento e as taxas de serviço ao comerciante definidas pela legislação; estabelece que as soluções do euro digital devem ser concebidas de forma a assegurar um elevado nível de acessibilidade; e define os requisitos em matéria de privacidade e luta contra o branqueamento de capitais relativos aos pagamentos em euros digitais, em linha e fora de linha.

2.4A Comissão apresentou também uma proposta legislativa relativa ao alcance e às consequências do curso legal das notas e moedas em euros. Nos termos dessa proposta, o curso legal do numerário implica a aceitação obrigatória, pelo valor nominal total, com poder para cumprir obrigações de pagamento. A proposta determina que um beneficiário não pode recusar um pagamento feito em numerário em euros, a não ser que as partes tenham acordado um meio de pagamento diferente ou se aplique uma exceção, e estabelece também as condições em que a recusa de aceitar numerário em euros é juridicamente possível. A proposta estabelece igualmente a obrigação de os Estados-Membros assegurarem um acesso suficiente e efetivo ao numerário em todo o seu território e em todas as suas regiões, incluindo zonas urbanas e não urbanas.

 

2.5O Ministério da Economia espanhol solicitou ao CESE que elaborasse um parecer sobre a proposta de lançamento de um euro digital e a oportunidade de regulamentar o curso legal das notas e moedas em euros a nível da UE, assim como sobre o impacto de ambas as medidas na inclusão financeira e no ecossistema de pagamentos, nomeadamente as considerações legislativas a ter em conta.

2.6O CESE aprecia grandemente o pedido da Presidência espanhola, que dá ao Comité a oportunidade de aprofundar a sua posição sobre o futuro do euro digital, já explanada em pareceres anteriores sobre essa matéria 6 .

3.Observações na generalidade

3.1Em consonância com o seu anterior parecer sobre o euro digital, apraz ao CESE constatar que tanto o BCE como a Comissão Europeia prosseguem os esforços rumo à introdução dessa moeda digital. Para ser bem-sucedido, o euro digital tem de ser seguro e preservar a confiança dos utilizadores, ser amplamente aceite e facilmente acessível sem custos para os cidadãos e os agentes económicos. No âmbito do projeto, é fundamental abordar temas como a inclusão financeira e a ciberinclusão, assegurar a estabilidade financeira e reforçar a eficiência e a competitividade do sistema de pagamentos.

3.2O CESE observa que o Eurosistema já está bastante avançado na fase de investigação de um euro digital e salienta a importância de realizar um debate público aprofundado e transparente sobre o projeto. O euro digital pode ter consequências generalizadas para a sociedade e a economia europeias, pelo que tem de se escorar num debate democrático para suscitar a confiança dos cidadãos.

3.3O CESE considera importante criar um enquadramento jurídico adequado e robusto para o euro digital, pelo que saúda a proposta legislativa da Comissão nesse sentido. A emissão e a conceção do euro digital têm de ser objeto de um processo democrático e de um debate público alargado. A aceitação do euro digital pelo público (os cidadãos e as empresas europeias) será crucial para a sua adoção e, em última análise, para o seu êxito. Por conseguinte, os cidadãos e as organizações da sociedade civil devem participar no debate, a fim de assegurar uma boa compreensão das razões por trás da emissão do euro digital, assim como das suas diferentes características. Enquanto voz da sociedade civil organizada na Europa, o papel do CESE é crucial logo a partir das primeiras fases de realização do projeto do euro digital para identificar aspetos críticos e ajudar na sua resolução, a fim de preservar a confiança dos utilizadores.

3.4Tal como acontece com o numerário, o euro digital terá um curso legal consagrado na legislação, sendo importante dispor de um quadro jurídico claro. É necessário harmonizar as práticas e normas que variam de um Estado-Membro para outro. O quadro jurídico atual prevê princípios orientadores para o efeito do curso legal e para as exceções ao princípio da aceitação obrigatória de pagamentos em numerário. As práticas e as regras variam consoante os Estados‑Membros, pelo que o CESE acolhe favoravelmente a intenção dos colegisladores de assegurar uma abordagem harmonizada das regras em toda a União e recomenda que se forneçam orientações jurídicas sólidas sobre as isenções que devem ser consideradas admissíveis.

3.5O euro digital deve tornar a UE mais competitiva, uma vez que deverá criar novas oportunidades de pagamento com menor dependência de soluções de pagamento não europeias. Para fundamentar este argumento, o CESE solicita que a proposta seja submetida a um controlo da competitividade.

4.Observações na especialidade

4.1O CESE concorda com o modelo de distribuição bipartido proposto para o euro digital, em que o Eurosistema emite o euro digital e a sua distribuição é assegurada por intermediários autorizados, ou seja, por prestadores de serviços de pagamento licenciados, bem como por determinados organismos públicos autorizados, a fim de garantir uma adoção rápida e universal e uma ampla aceitação pública. É fundamental para a credibilidade do euro digital enquanto forma de dinheiro público que este seja disponibilizado por organismos do setor público. Por conseguinte, os canais de distribuição do setor público devem ser fiáveis e eficazes.

4.2O CESE considera que a inclusão financeira e a ciberinclusão são aspetos essenciais a ter devidamente em conta no projeto do euro digital, sobretudo porque, num futuro próximo, o Conselho do BCE pode decidir passar para a próxima fase, na qual desenvolverá e testará, nomeadamente, as soluções técnicas necessárias para estabelecer e distribuir um euro digital. Enquanto responsabilidade do banco central, o euro digital deve estar disponível de forma universal, sem restrições nem isenções, para os cidadãos e as empresas europeias. O CESE considera que o Eurosistema deve aprofundar os trabalhos sobre o tema da inclusão, juntamente com todas as partes interessadas pertinentes (incluindo os consumidores e o setor financeiro), com uma mesa-redonda específica centrada na inclusão financeira e no euro digital 7 . O euro digital proporcionará aos consumidores mais uma alternativa aos atuais meios de pagamento eletrónicos, assegurando-lhes que os seus pagamentos serão aceites em toda a área do euro. Importa assegurar sempre a proteção dos consumidores e dos seus interesses e ter em conta nesses trabalhos o tema da ciberinclusão, nomeadamente o acesso a dispositivos digitais e o conhecimento necessário à sua utilização, uma vez que o euro digital será, por natureza, um meio de pagamento digital. Há que avaliar também todos os custos relacionados com a inclusão financeira e a ciberinclusão e apresentar propostas sobre as formas de os suportar.

4.3O CESE tem para si que, no que se refere ao panorama dos pagamentos de retalho, as rápidas mudanças que caracterizam este setor exigem que o Eurosistema promova a inovação, sem esquecer os perfis de risco conexos e a sua atenuação. O euro digital deve promover a inovação nas aplicações para os utilizadores finais e melhorar a experiência no ato de pagamento. Por exemplo, ao apoiar a programabilidade, o euro digital tem potencial para reduzir os obstáculos à entrada, promover a concorrência e permitir o desenvolvimento de novos tipos de produtos e serviços.

4.4É fundamental que o curso legal do euro digital impeça os intermediários de cobrar valores excessivos aos comerciantes. Embora admita que o euro digital possa levar a taxas mais competitivas, o CESE considera que o cumprimento desse preceito não permitirá que as taxas cobradas aos comerciantes excedam os níveis atuais aplicados a meios de pagamento comparáveis 8 .

4.5O euro digital pode ter um impacto no atual ecossistema europeu de pagamentos, que ainda não foi estimado de forma precisa. Prevê-se que o euro digital abranja muitos casos relacionados com pagamentos diários para os quais já estão disponíveis meios de pagamento eletrónicos. O CESE considera que, para este método ser bem-sucedido e amplamente adotado, os utilizadores devem compreender claramente em que medida se distingue dos meios de pagamento existentes e/ou lhes acrescenta valor. O CESE considera que se deve analisar cuidadosamente a possibilidade de prever um sistema temporário de compensação para os intermediários que distribuem o euro digital.

4.6A par do projeto do euro digital, as autoridades atribuem elevada prioridade ao desenvolvimento de pagamentos imediatos, tendo a Comissão apresentado uma proposta de regulamento relativo a esse tipo de pagamentos em outubro de 2022. Em muitos casos, o euro digital e as soluções de pagamento imediato podem ser aplicáveis na mesma situação. O CESE entende que é importante evitar sobreposições ou a duplicação de investimentos e que a relação entre estas duas iniciativas importantes deve ser plenamente clarificada pelas autoridades, nomeadamente porque a adoção da moeda digital pode transformar radicalmente o sistema financeiro e monetário internacional, com implicações significativas para a economia europeia e mundial.

4.7O CESE considera que também é importante ter devidamente em conta o papel das grandes empresas tecnológicas no mercado europeu de pagamentos e garantir condições de concorrência equitativas aos diferentes participantes no domínio do euro digital. O projeto do euro digital deve avaliar o risco de aumentar o poder e a quota de mercado das grandes empresas tecnológicas nos pagamentos europeus, à luz do objetivo de reforçar a autonomia estratégica europeia e a privacidade dos cidadãos.

4.8O CESE acolhe favoravelmente o curso legal do euro digital previsto na proposta legislativa da Comissão, dotado de regras harmonizadas para os casos em que os comerciantes têm de aceitar obrigatoriamente o euro digital. Os requisitos de aceitação podem prever a possibilidade excecional de isentar temporariamente determinados (tipos de) beneficiários em situações específicas e cuidadosamente equacionadas. O CESE propõe uma implantação gradual do euro digital segundo um calendário ambicioso predefinido para facilitar a sua adoção pelos comerciantes, com o objetivo final de uma aceitação universal obrigatória do euro digital.

4.9O curso legal é fundamental para alcançar os objetivos do euro digital. Em todo o caso, o CESE entende que, em geral, a adoção de um euro digital requer sobretudo a aceitação dos utilizadores (consumidores e empresas). O êxito do euro digital depende da segurança, confiança, ampla aceitação e fácil acessibilidade sem custos para os cidadãos e os agentes económicos. O verdadeiro desafio do euro digital é cultural e não apenas tecnológico ou jurídico. Por conseguinte, é importante assegurar, em todos os países da União Económica e Monetária, um fluxo adequado de informação e formação para os cidadãos e os agentes económicos europeus (pequenas e médias empresas, entre outras), que lhes permita compreender a utilidade do projeto do euro digital.

4.10O CESE considera importante o objetivo de criar o euro digital enquanto «bem público» europeu gratuito. Naturalmente – tal como acontece com o numerário –, haverá custos sistémicos, que devem ser suportados pela sociedade no seu conjunto e não pelos utilizadores, sob a forma de taxas para os serviços essenciais.

4.11O curso legal do euro digital não deve ser entendido como uma ausência de limites à sua detenção e utilização. É isso que sucede neste momento com o curso legal do numerário, uma vez que, atualmente, nalguns Estados-Membros, as pessoas não podem pagar em numerário acima de um determinado limiar. O CESE estima ser importante que as mesmas regras se apliquem da mesma forma à moeda digital em todos os países e que os referidos limiares sejam harmonizados. Os limites à utilização de numerário não prejudicam o conceito de curso legal, que implica uma obrigação geral de aceitação. O CESE entende que este princípio deve continuar a aplicar-se no contexto do curso legal do euro digital.

4.12O CESE considera fundamental salvaguardar a estabilidade financeira e o financiamento da economia. Assim, cabe assegurar que o potencial de empréstimo das instituições de crédito, e, dessa forma, a sua base de financiamento, não é indevidamente afetado. Nesse sentido, o BCE deve estabelecer inicialmente um limite para as detenções de euros digitais, que não prejudique a facilidade de utilização do euro digital como meio de pagamento, através do mecanismo de cascata e cascata invertida. É essencial começar a introduzir gradualmente o euro digital, estabelecendo simultaneamente um calendário predefinido que conduza à plena aplicação a curto prazo.

4.13No modelo disponível em linha, a liquidação das transações depende de uma ligação permanente ao registo, que funciona como uma fonte única de informações exatas. No modelo fora de linha, que pode ser desativado pelo utilizador, as transações são liquidadas localmente entre o ordenante e o beneficiário sem depender da ligação ao registo. Para os utilizadores, representa a forma mais próxima do numerário físico, oferecendo uma oportunidade para alargar a disponibilidade de serviços. No entender do CESE, uma vez que o modelo fora de linha pode implicar riscos, geralmente relacionados com o chamado «problema da duplicação de despesas» ou com o risco de contrafação, importa criar salvaguardas com vista ao desenvolvimento de soluções técnicas concretas para o lançamento do euro digital. Desta forma, o euro digital proporcionará aos cidadãos da UE valor adicional ao já proporcionado pelos serviços de pagamento digital existentes em linha e fora de linha. A fim de evitar a utilização do euro digital para realizar atividades ilícitas, o CESE considera importante, tanto para as transações em linha como fora de linha, assegurar a aplicação adequada das regras de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, bem como envidar os mesmos esforços para combater a evasão fiscal que se aplicam aos atuais meios de pagamento digital. Importa garantir que o presumível aumento da privacidade proporcionado pelas transações fora de linha não estimula a realização de atividades ilícitas.

Bruxelas, 21 de setembro de 2023

Oliver Röpke

Presidente do Comité Económico e Social Europeu

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(1)    Atualmente, 130 países exploram CBDC, o que representa 98% da economia mundial. Ver o Central Bank Digital Currency Tracker [identificador das moedas digitais dos bancos centrais].
(2)    Os depósitos bancários overnight representam atualmente mais de 85% da massa monetária total. Ver  Ahnert, A., Assenmacher, K., Hoffmann, P., Leonello, A., Monnet, C. e Porcellacchia, D. (2022), «The economics of central bank digital currency» [Aspetos económicos da moeda digital do banco central], Série de documentos de trabalho do BCE, n.º 2713, agosto .
(3)     Banco Central Europeu (2021), «Central bank digital currencies: a monetary anchor for digital innovation» [As moedas digitais dos bancos centrais: uma âncora monetária para a inovação digital], intervenção de Fabio Panetta, membro da Comissão Executiva do BCE .
(4)    O presente documento centra-se nas CBDC «de retalho» que estariam disponíveis para o público em geral e não nas versões «grossistas» apenas para utilização pelas instituições financeiras.
(5)     CBDC Tracker (2023), «Today's Central Bank Digital Currencies Status» [Situação diária das moedas digitais dos bancos centrais] , consultado pela última vez em 28 de junho de 2023. Ver também Fundo Monetário Internacional (2023), «Nigéria eNaira, One Year After» [A eNaira da Nigéria um ano depois].
(6)    Parecer de iniciativa do CESE – Euro digital, JO C 75 de 28.2.2023, p. 22 .
(7)     Digital financial inclusion [Inclusão financeira digital], BCE.
(8)    Panetta F. (2023), «A digital euro: widely available and easy to use» [Um euro digital: amplamente disponível e fácil de utilizar].
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