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Document 62023CC0295
Opinion of Advocate General Campos Sánchez-Bordona delivered on 4 July 2024.###
Conclusões do advogado-geral Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 4 de julho de 2024.
Conclusões do advogado-geral Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 4 de julho de 2024.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:581
Edição provisória
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA
apresentadas em 4 de julho de 2024 (1)
Processo C‑295/23
Halmer Rechtsanwaltsgesellschaft UG
contra
Rechtsanwaltskammer München,
sendo intervenientes:
SIVE Beratung und Beteiligung GmbH,
Daniel Halmer
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bayerischer Anwaltsgerichtshof (Tribunal da Ordem dos Advogados da Baviera, Alemanha)]
«Reenvio prejudicial — Livre circulação de capitais — Liberdade de estabelecimento — Diretiva 2006/123/CE — Participação de uma sociedade comercial no capital de uma sociedade de advogados — Cancelamento da inscrição na Ordem dos Advogados de uma sociedade de advogados com base nessa participação»
1. No litígio que deu origem ao presente pedido de decisão prejudicial, está em causa a questão de saber se uma sociedade austríaca que não está autorizada a prestar serviços de aconselhamento jurídico pode adquirir uma parte do capital social de uma sociedade de advogados que exerce a sua atividade na Alemanha.
2. O litígio foi suscitado pelo facto de a Rechtsanwaltskammer München (Ordem dos Advogados de Munique, a seguir «Ordem») ter proibido essa aquisição por não estar em conformidade com as normas orientadoras da profissão de advogado na Alemanha (2), segundo as quais era permitido o exercício da advocacia por sociedades de advogados que atuassem sob a forma jurídica de sociedades de capitais, nas quais não podiam participar pessoas que não exercessem determinadas profissões.
3. Para responder ao pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça deverá esclarecer:
– se, quando um investimento em capital implica exercer um certo grau de influência na gestão de uma sociedade de advogados, haverá que proceder a uma análise à luz de qualquer das liberdades fundamentais do TFUE e, se for caso disso, da Diretiva 2006/123/CE (3).
– se está em conformidade com o direito da União uma legislação nacional que restringe aos advogados e a determinados profissionais (mas não a outros) a participação em sociedades de advogados, reservando em qualquer caso aos advogados a maioria do capital e dos direitos de voto.
I. Quadro jurídico
A. Direito da União. Diretiva 2006/123
4. O considerando 73 enuncia:
«Entre os requisitos que devem ser analisados figuram os regimes nacionais que, por razões diferentes das relativas às qualificações profissionais, restringem a determinados prestadores o acesso a certas atividades. Esses requisitos também impõem ao prestador a sua constituição de acordo com uma forma jurídica específica, nomeadamente sob a forma de pessoa coletiva, de sociedade unipessoal, de entidade sem fins lucrativos ou de sociedade detida exclusivamente por pessoas singulares, e exigências relativas à detenção do capital de uma sociedade, nomeadamente, a obrigação de dispor de um capital mínimo para determinadas atividades ou de uma qualificação específica para deter o capital social ou gerir determinadas sociedades […]».
5. O considerando 77 enuncia:
«Quando um operador se desloca a outro Estado‑Membro para exercer uma atividade de serviços, é conveniente distinguir as situações que se referem à liberdade de estabelecimento das relativas à livre circulação de serviços em função do caráter temporário da atividade em causa. Para estabelecer uma distinção entre a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de serviços, […] o elemento‑chave é saber se o operador está ou não estabelecido no Estado‑Membro em que presta o serviço em causa. Se o operador estiver estabelecido no Estado‑Membro em que presta os seus serviços, deverá ser abrangido pelo âmbito de aplicação da liberdade de estabelecimento. Se, pelo contrário, o operador não estiver estabelecido no Estado‑Membro onde o serviço é prestado, as suas atividades deverão ser abrangidas pela livre circulação de serviços. […] [O] caráter temporário das atividades em causa deverá ser apreciado não só em função da duração da prestação, mas igualmente em função da sua frequência, da sua periodicidade ou da sua continuidade».
6. O considerando 88 afirma:
«As disposições em matéria de liberdade de prestação de serviços não deverão aplicar‑se aos casos em que, nos termos do direito [da União], os Estados‑Membros reservem uma atividade a uma profissão específica, como por exemplo as disposições que reservam aos advogados a prestação de aconselhamento jurídico.»
7. Nos termos do artigo 3.° («Relação com outras disposições do direito [da União]»):
«1. Sempre que haja conflito entre uma disposição da presente diretiva e um outro instrumento [da União] que discipline aspetos específicos do acesso e do exercício da atividade de um serviço em domínios ou profissões específicos, as disposições desse instrumento [da União] prevalecem e aplicam‑se a esses domínios ou profissões específicos. Neles se incluem os atos seguintes:
[…]»
8. O artigo 4.° («Definições») prevê:
«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:
[…]
8) “Razões imperiosas de interesse geral”: razões reconhecidas como tal pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente pelos seguintes motivos: ordem pública; segurança pública […]; defesa dos consumidores, dos destinatários dos serviços […];
9) “Autoridade competente”: qualquer órgão ou instância que tenha, num Estado‑Membro, um papel de fiscalização ou de regulação das atividades de serviços, nomeadamente as autoridades administrativas, incluindo os tribunais atuando enquanto tais, as ordens profissionais e as associações ou outros organismos profissionais que, no âmbito da sua autonomia jurídica, regulamentam de forma coletiva o acesso às atividades de serviços ou o seu exercício;
[…]
11) “Profissão regulamentada”: atividade ou conjunto de atividades profissionais na aceção da alínea a) do n.° 1 do artigo 3.° da Diretiva 2005/36/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO 2005, L 255, p.22)];
[…]»
9. O artigo 9.° («Regimes de autorização») prevê:
«1. Os Estados‑Membros só podem subordinar a um regime de autorização o acesso a uma atividade de serviços e o seu exercício se forem cumpridas as condições seguintes:
a) O regime de autorização não ser discriminatório em relação ao prestador visado;
b) A necessidade de um regime de autorização ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral;
c) O objetivo pretendido não poder ser atingido através de uma medida menos restritiva, nomeadamente porque um controlo a posteriori significaria uma intervenção demasiado tardia para se poder obter uma real eficácia.
2. No relatório referido no n.° 1 do artigo 39.°, os Estados‑Membros identificam os respetivos regimes de autorização e demonstram a sua compatibilidade com o n.° 1 do presente artigo.
3. A presente secção não é aplicável aos aspetos dos regimes de autorização que são regidos, direta ou indiretamente, por outros instrumentos [da União].»
10. O artigo 11.° («Duração da autorização»), dispõe no n.° 4:
«O presente artigo não prejudica a possibilidade de os Estados‑Membros revogarem as autorizações, nos casos em que deixarem de estar preenchidas as condições para a concessão das mesmas.»
11. O artigo 15.° («Requisitos sujeitos a avaliação») refere:
«1. Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos estabelecem algum dos requisitos referidos no n.° 2 e devem assegurar que esses requisitos sejam compatíveis com as condições referidas no n.° 3. Os Estados‑Membros devem adaptar as respetivas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas de forma a torná‑las compatíveis com as referidas condições.
2. Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos condicionam o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício ao cumprimento de algum dos seguintes requisitos não discriminatórios:
[…]
c) Requisitos relativos à detenção do capital de uma sociedade;
[…]
3. Os Estados‑Membros devem verificar se os requisitos referidos no n.° 2 observam as condições seguintes:
a) Não discriminação: os requisitos não podem ser direta ou indiretamente discriminatórios em razão da nacionalidade ou, tratando‑se de sociedades, do local da sede;
b) Necessidade: os requisitos têm que ser justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;
c) Proporcionalidade: os requisitos têm que ser adequados para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para atingir este objetivo e não podendo ser possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas.
[…]»
12. O artigo 25.° («Atividades pluridisciplinares») prevê:
«1. Os Estados‑Membros devem assegurar que os prestadores não estejam sujeitos a requisitos que os obriguem a exercer exclusivamente uma atividade específica ou que limitem o exercício conjunto ou em parceria de atividades diferentes.
Todavia, podem estar sujeitos a requisitos deste tipo os seguintes prestadores:
a) As profissões regulamentadas, na medida em que tal se justifique, para garantir o respeito das regras deontológicas, que variam em função da especificidade de cada profissão, e seja necessário para assegurar a sua independência e imparcialidade;
[…]
2. Quando as atividades pluridisciplinares entre os prestadores a que se referem as alíneas a) e b) do n.° 1 são autorizadas, cabe aos Estados‑Membros assegurar o seguinte:
a) Prevenção dos conflitos de interesses e das incompatibilidades entre determinadas atividades;
b) Independência e imparcialidade exigidas por determinadas atividades;
c) Compatibilidade entre os requisitos deontológicos das diferentes atividades, nomeadamente em matéria de sigilo profissional.
[…]»
B. Direito nacional. BRAO
13. O artigo § 59a previa (4):
«1) Os advogados podem associar‑se a membros de uma ordem de advogados, agentes oficiais da propriedade industrial, consultores fiscais, procuradores fiscais, auditores e técnicos oficiais de contas para o exercício conjunto da sua profissão no âmbito das respetivas competências profissionais. […]
2) Os advogados também podem exercer a sua profissão em conjunto:
1. com membros que exerçam a profissão de advogado noutros Estados e que […] estejam autorizados a estabelecer‑se ao abrigo da presente lei e tenham o seu escritório no estrangeiro,
2. com agentes oficiais da propriedade industrial, consultores fiscais, procuradores fiscais, auditores e técnicos oficiais de contas de outros Estados que exerçam uma profissão, em termos de formação e de competências, equiparável às profissões referidas no Patentanwaltsordnung [Regulamento relativo aos agentes de propriedade industrial], na Steuerberatungsgesetz [Lei da Consultoria Fiscal] ou no Wirtschaftsprüferordnung [Regulamento relativo aos técnicos oficiais de contas] e que possam exercer as suas profissões em conjunto com agentes oficiais da propriedade industrial, consultores fiscais, auditores ou técnicos oficiais de contas ao abrigo da presente lei.
[…]»
14. O § 59c permitia o exercício da advocacia por sociedades de advogados sob a forma de sociedades de capitais.
15. O § 59e dispunha:
«1) Apenas podem ser sócios de uma sociedade os advogados e profissionais referidos no § 59a, n.° 1, primeiro período e n.° 2. Estes devem exercer uma atividade profissional no âmbito da sociedade de advogados. […]
2) As participações sociais e os direitos de voto devem ser maioritariamente detidos por advogados. Os sócios que não estejam habilitados a exercer uma das profissões referidas no n.° 1, primeiro período, não têm direito de voto.
3) As participações na sociedade de advogados não podem ser detidas por terceiros e estes não podem participar nos lucros da sociedade.
4) Os sócios só podem mandatar para efeitos do exercício dos seus direitos os sócios que tenham direito de voto e que exerçam a mesma profissão ou que sejam advogados.»
16. O § 59f previa:
«1) A gestão da sociedade de advogados deve ser assegurada por advogados de forma responsável. Os gerentes devem ser maioritariamente advogados.
2) Só podem ser gerentes as pessoas autorizadas a exercer uma das profissões referidas no § 59e, n.° 1, primeiro período.
[…]
4) Deve ser garantida a independência dos advogados que sejam gerentes ou mandatários na aceção do n.° 3 no exercício da profissão de advogado. Os sócios estão proibidos de exercer influência através de instruções ou vínculos contratuais.»
II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais
17. A Halmer Rechtsanwaltsgesellschaft UG (a seguir «Halmer UG») é uma sociedade de advogados que exerce a sua atividade na Alemanha sob a forma de haftungsbeschränkte Unternehmergesellschaft («sociedade simplificada por quotas»). D. Halmer era originariamente o seu gerente e único sócio.
18. Por contrato de 31 de março de 2021, 51 das 100 participações sociais de D. Halmer foram vendidas à SIVE Beratung und Beteiligung GmbH (a seguir «SIVE»), uma sociedade por quotas de direito austríaco que não está autorizada a prestar aconselhamento jurídico na Alemanha nem na Áustria. Ao mesmo tempo, os estatutos da Halmer UG foram alterados a fim de garantir a independência da gestão da sociedade, que ficava reservada a advogados.
19. Em 19 de maio de 2021, a Ordem informou a Halmer UG que a cessão das participações sociais à SIVE era ilegal por força do BRAO, nomeadamente, dos §§ 59a e seguintes, pelo que a inscrição da Halmer UG na Ordem dos Advogados teria de ser cancelada se tal cessão se mantivesse.
20. Em 26 de maio de 2021, a Halmer UG informou a Ordem de que a cessão das participações sociais seria mantida, requerendo a adoção de uma decisão.
21. Em 9 de novembro de 2021, a Ordem revogou a autorização da Halmer UG.
22. Em 26 de novembro de 2021, a Halmer UG interpôs recurso da decisão da Ordem no Bayerischer Anwaltsgerichtshof (Tribunal da Ordem dos Advogados da Baviera, Alemanha), que decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«[1.] Constitui uma restrição inadmissível à livre circulação de capitais, à luz do artigo 63.°, n.° 1, TFUE, que, nos termos da legislação de um Estado‑Membro, a inscrição de uma sociedade de advogados na Ordem dos Advogados deva ser obrigatoriamente cancelada, quando:
[a)] a sociedade de advogados ceda uma participação social a uma pessoa que não preencha os requisitos específicos em termos profissionais, exigidos pela legislação do Estado‑Membro para a aquisição de uma participação social? Em conformidade com a referida legislação, uma participação social numa sociedade de advogados só pode ser adquirida por um advogado ou outro membro de uma Ordem dos Advogados, um agente oficial da propriedade industrial, um consultor fiscal, um agente fiscal, um auditor ou um técnico oficial de contas, um advogado de outro Estado autorizado a exercer a atividade de aconselhamento jurídico na Alemanha, ou por um agente oficial da propriedade industrial, um consultor fiscal, um agente fiscal, um auditor ou um técnico oficial de contas de outro Estado, autorizado a exercer esta atividade na Alemanha, ou por um médico ou um farmacêutico;
[b)] um sócio, embora preenchendo os requisitos específicos previstos no ponto [1, alínea a)], não exerça a sua atividade profissional na sociedade de advogados?
[c)] devido à cessão de uma ou mais participações sociais ou dos direitos de voto, os advogados deixarem de deter a maioria dessas participações ou direitos?
[2.] Constitui uma restrição inadmissível à livre circulação de capitais, à luz do artigo 63.°, n.° 1, TFUE, que um sócio que não esteja habilitado a exercer uma profissão na aceção do ponto [1, alínea a)] não tenha direito de voto, apesar de os estatutos da sociedade conterem, para proteção da independência da profissão de advogado e da atividade de advocacia da sociedade, cláusulas que garantem que a sociedade é representada exclusivamente por advogados na qualidade de gerentes ou de mandatários, que os sócios e a assembleia geral estão proibidos de influenciar a gestão da sociedade através de instruções ou ameaçando indiretamente com desvantagens, que as deliberações dos sócios que violam estes aspetos são privadas de eficácia e que o dever de sigilo dos advogados se estende aos sócios e às pessoas por estes mandatados?
[3.] As restrições referidas nos pontos [1, alínea a) e 2] cumprem as condições estabelecidas no artigo 15.°, n.° 3, alíneas a) a c), da [...] Diretiva 2006/123 [...], para que seja admissível uma ingerência na liberdade de prestação de serviços?
[4.] Caso o Tribunal de Justiça considere que o direito da recorrente à livre circulação de capitais (pontos [1 e 2]) não é afetado e que não se verifica uma violação da Diretiva [2006/123] (ponto [3]):
As restrições indicadas nos pontos [1 e 2] violam o direito à liberdade de estabelecimento da [SIVE], nos termos do artigo 49.° TFUE?»
III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça
23. O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de maio de 2023.
24. A Halmer UG e a SIVE, a Ordem dos Advogados, os Governos Alemão, Austríaco, Espanhol e Francês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Com exceção do Governo Francês, todos estiveram presentes, juntamente com os Governos Croata e Esloveno, na audiência realizada em 30 de abril de 2024.
IV. Apreciação
A. Observações preliminares
25. O tribunal de reenvio (5) é chamado a conhecer de um litígio relativo à revogação da autorização a uma sociedade de advogados para o exercício da advocacia.
26. Segundo a Ordem, a sociedade de advogados cuja inscrição foi cancelada não respeitou, de forma superveniente, vários dos requisitos previstos no BRAO, nomeadamente:
– Os sócios devem ser advogados ou exercer determinadas profissões liberais.
– Os sócios devem exercer uma atividade profissional no âmbito da sociedade de advogados.
– As participações sociais e os direitos de voto devem ser maioritariamente detidos por advogados.
27. O tribunal de reenvio pretende saber, em síntese, se estes requisitos, impostos pela legislação nacional:
– restringem indevidamente a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE.
– não preenchem as condições que, nos termos da Diretiva 2006/123, justificam a interferência no acesso a uma atividade de serviços ou no seu exercício.
– A título subsidiário, violam a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.° TFUE.
28. Uma vez que o tribunal a quo, embora dando prioridade ao artigo 63.° TFUE, suscita as suas questões também em relação ao artigo 49.° TFUE e à Diretiva 2006/123, será necessário identificar, a título preliminar, qual a liberdade diretamente afetada.
29. Considero que é possível dar ao tribunal de reenvio uma resposta única que abranja todas as suas questões.
B. Liberdades em causa no presente processo
1. Livre circulação de capitais ou liberdade de estabelecimento?
30. As disposições nacionais aplicáveis a participações adquiridas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da sociedade devem ser examinadas exclusivamente à luz da livre circulação de capitais (artigo 63.° TFUE) (6).
31. Em contrapartida, uma regulamentação nacional «que apenas é aplicável às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões de uma sociedade e determinar as [suas] atividades» está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento (7).
32. O tribunal de reenvio considera que a liberdade em causa no caso vertente é a livre circulação de capitais. Constata que houve uma cessão de 51 % das participações sociais da Halmer UG para a SIVE, mas considera que este facto, por si só, não significa que a SIVE possa exercer uma influência determinante sobre a Halmer UG.
33. Para o tribunal de reenvio:
– A influência determinante não depende apenas do volume das participações sociais, mas também do modo de funcionamento da sociedade, tal como consta dos seus estatutos.
– Os estatutos da Halmer UG, conforme alterados para permitir a cessão de participações à SIVE, não lhe permitem exercer uma influência determinante na sociedade de advogados (8).
– Trata‑se, por conseguinte, de um investimento dito «de carteira», efetuado unicamente com a intenção de injetar capital, sem pretender influenciar a gestão e o controlo da empresa (9).
34. O volume da participação é um fator relevante para apreciar a influência que a sua detenção confere ao titular do investimento. No entanto, não é suficiente para concluir que a maioria do capital social permite, por si só, exercer uma influência efetiva sobre a sociedade (10). Pelo contrário, essa influência pode ser conseguida mesmo com participações inferiores (11).
35. O facto de a SIVE deter 51 % do capital social da Halmer UG é um fator que poderá eventualmente ser contrabalançado por outros fatores, a ponto de ser possível excluir a influência efetiva da SIVE na atividade da Halmer UG. As alterações dos estatutos descritas pelo tribunal de reenvio (12) apontam nesse sentido.
36. Trata‑se de uma questão factual que compete ao tribunal a quo apreciar e resolver. Se, conforme parece resultar do despacho de reenvio, o investimento efetuado pela SIVE se limitar a uma simples injeção de capital sem pretender influenciar a gestão, a análise deverá centrar‑se no artigo 63.° TFUE.
37. No entanto, a análise pode centrar‑se não nas circunstâncias específicas do investimento efetuado, mas na abordagem mais geral e abstrata do objetivo da norma em questão.
38. Conforme salientam os Governos Alemão, Austríaco, Espanhol e Francês, a regra aqui aplicada diz respeito ao acesso e às condições de exercício da advocacia (13). Este seria o critério prevalecente para identificar a liberdade em causa.
39. O BRAO faz parte de um conjunto de atos cujo objetivo, entre outros, é a garantia da independência profissional dos advogados. Para esse efeito, exclui a possibilidade de pessoas com um interesse puramente económico e não sujeitas às regras deontológicas da profissão de advogado integrarem as sociedades de advogados (14).
40. O legislador alemão parece considerar indesejável que investidores alheios à profissão de advogado (salvo os que exercem certas profissões que o BRAO equipara à profissão de advogado) tenham uma qualquer influência, por mínima que seja, e não apenas uma influência determinante, no funcionamento de uma sociedade de advogados (15).
41. Assim, nos termos do direito nacional, um investimento de capital numa sociedade de advogados por pessoas alheias à profissão de advogado (ou a profissões consideradas equiparáveis a esta) implica uma influência suscetível de desvirtuar o exercício dessa profissão.
42. A proibição de quem que não é advogado (nem exerce uma profissão equiparada nos termos do direito nacional) injetar capital nessas sociedades constitui um obstáculo à liberdade de estabelecimento (artigo 49.° TFUE), sendo esta a liberdade principalmente afetada.
43. Tendo em conta estas premissas, o eventual entrave ao exercício da livre circulação de capitais seria apenas um efeito colateral e secundário de uma legislação cujo objetivo principal é de natureza diferente. Esta legislação restringe consideravelmente o estabelecimento de operadores económicos através de sociedades de capitais habilitadas a prestar serviços de aconselhamento jurídico reservados aos advogados.
44. Nestas circunstâncias, não é necessário proceder a uma análise autónoma dessa legislação à luz do artigo 63.° TFUE.
2. Artigo 49.° TFUE ou Diretiva 2006/123?
45. O próximo passo consiste em determinar se a regra em causa deve ser apreciada à luz do artigo 49.° TFUE ou da Diretiva 2006/123/CE.
46. A Diretiva 2006/123 integra as disposições gerais necessárias para facilitar o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços (artigo 1.°, n.° 1).
47. O Tribunal de Justiça atribui prioridade geral à Diretiva 2006/123: quando uma restrição à liberdade de estabelecimento é abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva, não há que examiná‑la também à luz do artigo 49.° TFUE (16).
48. Por conseguinte, as disposições nacionais em causa devem ser confrontadas com as disposições da Diretiva 2006/123, que, em princípio, é aplicável aos serviços jurídicos prestados pelos advogados (17).
49. No entanto, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2006/123, em caso de conflito, prevalecem sobre esta as disposições de um outro instrumento da União «que discipline aspetos específicos do acesso e do exercício da atividade de um serviço em domínios ou profissões específicos».
50. O legislador da União aprovou a Diretiva 77/249/CEE (18) e a Diretiva 98/5/CE (19) para facilitar a livre prestação de serviços ou o exercício permanente da profissão de advogado nos Estados‑Membros. Estas diretivas não contêm disposições específicas relativas à aquisição de participações ou ao exercício de direitos de voto nas sociedades de advogados.
51. A Diretiva 98/5 «não prejudica, nomeadamente, as regulamentações nacionais que regulam o acesso à profissão de advogado e o seu exercício [...]» (20). Em especial, o artigo 11.°, relativo ao «exercício em grupo» da profissão de advogado, pressupõe que os Estados‑Membros podem ou não autorizar esta modalidade de exercício da atividade profissional.
52. O Tribunal de Justiça reconheceu que, «na falta de regras comunitárias específicas na matéria, cada Estado‑Membro tem, em princípio, a liberdade de regulamentar o exercício da profissão de advogado no seu território […]. As regras aplicáveis a essa profissão podem, por esse motivo, diferir substancialmente de um Estado‑Membro para outro» (21).
53. No estado atual do direito da União, os Estados‑Membros são, por conseguinte, livres de aceitar que a profissão de advogado possa ser exercida através de sociedades de capitais. Em função da sua conceção de advocacia e das razões imperiosas de interesse geral subjacentes à decisão correspondente, considero, ao contrário da Comissão, que os Estados‑Membros podem simplesmente proibir esta modalidade coletiva de exercício da profissão (22).
54. Na mesma medida (na falta de harmonização desta matéria específica a nível do direito da União atualmente em vigor), os Estados que são a favor do exercício da advocacia através de sociedades de capitais estão autorizados a impor certas condições à constituição e ao funcionamento de tais sociedades (23).
55. Contudo, tendo em conta a aceitação de diferenças entre os Estados‑Membros nesta matéria (24), se um Estado‑Membro permitir o exercício da advocacia através de sociedades de capitais, como aqui é o caso, as restrições que impuser deverão ser apreciadas à luz da Diretiva 2006/123.
56. Reitero que a República Federal da Alemanha podia ter optado por excluir, sem mais, o exercício da advocacia através de sociedades de capitais, sem que isso comprometesse as liberdades fundamentais garantidas pela União. No entanto, ao autorizar a criação e o estabelecimento de tais sociedades, é necessário que as restrições ao livre exercício da sua atividade sejam impostas sobretudo em observância da Diretiva 2006/123, à luz da qual deverão ser apreciadas.
57. Essa apreciação implica determinar: a) se as medidas nacionais em causa constituem uma restrição à liberdade de estabelecimento; e b) em caso afirmativo, se são devidamente justificadas.
C. Análise da restrição
1. Existência de uma restrição
58. A restrição resulta das condições impostas pelo BRAO à participação numa sociedade de advogados. O órgão jurisdicional de reenvio descreve‑as nos seguintes termos nos seguintes termos:
– O participante tem que ser advogado, agente oficial da propriedade industrial, consultor fiscal, procurador fiscal, auditor, técnico oficial de contas (25), médico ou farmacêutico (26).
– O capital da sociedade tem que ser maioritariamente detido por advogados.
– O participante tem que exercer uma atividade profissional no seio da sociedade.
– A maioria dos direitos de voto tem que ser reservada aos advogados.
59. Não me parece que haja dúvidas quanto à existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento no caso em apreço. A aplicação do BRAO obsta a que a SIVE se estabeleça como sócia de uma sociedade (a Halmer UG) que presta serviços reservados aos advogados. A SIVE não pode adquirir participações sociais da Halmer UG, sob pena de lhe ser cancelada a inscrição na Ordem, indispensável para o exercício da profissão de advogado, conforme aliás sucedeu.
2. Justificação da restrição
60. A restrição deve ser objeto de uma apreciação nos termos do artigo 15.° da Diretiva 2006/123, cujo n.° 2, alínea c), que exige que os Estados‑Membros avaliem os requisitos «relativos à detenção do capital de uma sociedade” para verificar a sua conformidade com as condições previstas no n.° 3 (27).
61. As condições previstas no n.° 3 são, essencialmente, que os requisitos impostos a) não sejam discriminatórios em razão da nacionalidade ou do local da sede; b) sejam justificados por uma razão imperiosa de interesse geral; e c) sejam «adequados para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para atingir este objetivo e não podendo ser possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas».
62. Estas condições coincidem, em substância, com as exigidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para as restrições às liberdades de circulação protegidas pelos artigos 49.° e 63.° TFUE. Esta circunstância relativiza, em grande medida, a discussão sobre a identificação da liberdade concretamente afetada no caso em apreço.
a) Não discriminação
63. A restrição em causa não tem em conta, direta ou indiretamente, a nacionalidade ou a sede social dos interessados, aplicando‑se de igual forma tanto a nacionais como a estrangeiros. Respeita, pois, o artigo 15.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2006/123.
b) Razão imperiosa de interesse geral
64. O mesmo se aplica à justificação exigida pelo artigo 15.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2006/123. As razões subjacentes, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, às regras constantes do BRAO podem ser qualificadas de razões imperiosas de interesse geral.
65. Com efeito, a restrição visa assegurar, por um lado, a independência dos advogados, a boa administração da justiça, o respeito do princípio da transparência e a proteção do sigilo profissional (28) e, por outro, a proteção dos consumidores que solicitam serviços jurídicos (29).
66. Mais precisamente, e tal como a Comissão salientou, o legislador nacional identificou como objetivos da medida a salvaguarda: a) da independência profissional dos advogados; b) da observância da regulamentação da profissão; c) da qualidade dos serviços; e, d) da proteção dos sujeitos de direito (30).
67. Todas estas justificações são pacificamente admissíveis a título de «razões imperiosas de interesse geral», porquanto foram reconhecidas como tal pelo Tribunal de Justiça (31) e figuram entre as razões abrangidas pelo artigo 4.°, ponto 8, da Diretiva 2006/123.
c) Proporcionalidade e coerência
68. A proporcionalidade exigida pelo artigo 15.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 2006/123 implica que os requisitos em causa sejam adequados à consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para atingir esse objetivo e não podendo ser possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas.
69. O essencial é, portanto, o objetivo prosseguido pelos requisitos impostos. É na perspetiva deste objetivo que deve ser avaliada a adequação desses requisitos, a sua estrita necessidade e a inexistência de condições alternativas que, embora menos restritivas, garantam o mesmo resultado.
70. De entre todos os objetivos prosseguidos pelos requisitos em causa, centrar‑me‑ei principalmente nos objetivos de preservação da independência profissional dos advogados e de proteção dos interesses dos sujeitos de direito. Estes últimos devem poder legitimamente esperar que o advogado a quem confiam a sua defesa atue sem ser influenciado por pressões de terceiros alheios à profissão (32).
1) Limitação da participação social a certas categorias profissionais
71. O BRAO proíbe, desde logo, que as sociedades de advogados incluam sócios pessoas alheias à advocacia. Esta proibição revela‑se adequada para salvaguardar a independência profissional dos advogados e a proteção dos sujeitos de direito, nos casos em que os advogados decidem criar uma sociedade para o exercício conjunto da sua profissão. A profissão de advogado, enquanto tal, articula um interesse privado evidente com a satisfação de certos interesses gerais (33).
72. A proibição em causa faz sentido, tendo em conta que ao advogado é confiada «uma missão fundamental numa sociedade democrática, a saber, a defesa dos litigantes […]. Esta missão fundamental comporta, por um lado, a exigência, cuja importância é reconhecida em todos os Estados‑Membros, que qualquer litigante deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado, cuja profissão compreende, em essência, a tarefa de prestar, de maneira independente, pareceres jurídicos a todos os que deles tenham necessidade e, por outro, a correspondente lealdade do advogado para com o seu cliente» (34).
73. Assim, «é indispensável ao exercício da profissão de advogado a inexistência de conflitos de interesses, o que implica, nomeadamente, que os advogados se encontrem numa situação de independência relativamente aos poderes públicos e a outros operadores, pelos quais não devem ser influenciados» (35).
74. A sujeição dos advogados à disciplina profissional, «imposta e controlada no interesse geral» (36), é a contrapartida necessária da «conceção do papel de advogado, considerado um colaborador da justiça, chamado a prestar, com toda a independência e no interesse superior da mesma, a assistência legal de que o cliente necessita» (37).
75. A reserva aos advogados da possibilidade de integrar uma sociedade de advogados é, portanto, adequada para efeitos de salvaguarda da sua independência profissional, por um lado, e da proteção dos sujeitos de direito, por outro.
76. Acontece, porém, que esta exclusividade não impede, na Alemanha, a participação em sociedades de advogados de certos profissionais alheios à advocacia. Os profissionais (que não são advogados) abrangidos pelo § 59a, n.° 1, BRAO podem efetivamente ser sócios de uma sociedade de advogados.
77. É certo que estes profissionais (que não são advogados) não podem deter a maioria das participações sociais. No entanto, a possibilidade de uma percentagem, mesmo significativa, do capital de uma sociedade de advogados ser adquirida por alguns (e não por outros) profissionais alheios à advocacia coloca a questão da coerência desta regra.
78. Tal como a Comissão observou, a equiparação destes profissionais aos advogados pode ser explicada no contexto da complexidade crescente, nomeadamente nos seus aspetos económicos, dos litígios em que um aconselhamento jurídico de qualidade exige a assistência de outras categorias de profissionais (38).
79. Esta explicação poderá justificar, talvez, a equiparação de certos profissionais mais ou menos ligados às questões jurídicas, entre os mencionados no § 59a do BRAO.
80. Em princípio, a salvaguarda da independência profissional dos advogados e a proteção dos sujeitos de direito não são postas em causa se, para além dos advogados, a participação nas sociedades de advogados for limitada a outros profissionais equiparáveis que, em minoria (39), exerçam uma atividade que não seja incompatível com a independência dos advogados (40). Estes outros profissionais devem, além disso, estar sujeitos a uma disciplina colegial que garanta o correto exercício legal e deontológico da sua profissão.
81. No entanto, dado que, no caso, não foi respeitada a obrigação de demonstrar de forma adequada, com base em dados precisos, as razões que justificam a medida em análise (41), não é possível saber por que razão outras profissões cuja assistência em matéria de aconselhamento jurídico poderia ser tão relevante como as abrangidas pelo BRAO não estão incluídas no mesmo círculo de profissões admissíveis (42).
82. A restrição não assegura, portanto, de forma coerente, a consecução do objetivo prosseguido. Para que assim seja, segundo a jurisprudência, é necessário que «[responda] verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática» (43).
83. Equiparar certas profissões autorizadas à advocacia e, ao mesmo tempo, excluir outras que satisfazem os mesmos (alegados) critérios de justificação priva a medida restritiva, tal como se configurava à data do litígio, da coerência necessária para alcançar o objetivo pretendido.
84. Considero que esta apreciação é corroborada pelo facto de o legislador alemão ter posteriormente corrigido a restrição, ao abrigo do BRAO em vigor desde 2022. O (novo) § 59c, n.º 1, ponto 4, do BRAO estipula que um advogado pode, para o exercício conjunto da profissão numa sociedade de profissionais liberais, associar‑se a pessoas que exerçam no seu âmbito uma profissão liberal, a menos que tal associação seja incompatível com a profissão de advogado.
2) Exigência do exercício de uma atividade profissional no âmbito da sociedade de advogados
85. A segunda restrição referida pelo órgão jurisdicional de reenvio diz respeito à exigência de os advogados (ou outros profissionais equiparáveis) exercerem «uma atividade profissional no âmbito da sociedade de advogados» (44).
86. A restrição assim configurada é um pouco ambígua. É de supor que a «atividade profissional» a que se refere é uma das que só podem ser exercidas por profissionais autorizados a participar numa sociedade de advogados. E que essa atividade profissional exercida é precisamente a característica da sua profissão.
87. Este facto restringe ainda mais o círculo das pessoas habilitadas a participar numa sociedade de advogados: não basta ser advogado (ou equivalente), uma vez que também é necessário exercer como tal no âmbito da sociedade. Os advogados e profissionais equiparados que se limitam a investir na sociedade ou que nela exercem funções alheias às de advogado (ou profissão equiparada) estão, por conseguinte, excluídos (45).
88. No entanto, conforme ficou claro na audiência, esta restrição não impõe um mínimo de atividade efetiva no seio da sociedade, nem é, na prática, controlável pela Ordem, enquanto órgão responsável em última instância pelo respeito do BRAO (46). Por conseguinte, é legítimo duvidar da sua capacidade efetiva para atingir os seus (alegados) objetivos.
89. Na minha opinião, esta segunda restrição visa especificar o âmbito da primeira, sem sanar a incoerência que me levou a apreciá‑la anteriormente.
3) Reserva da maioria dos votos aos advogados
90. Nos termos do § 59e, n.° 2, do BRAO, as participações sociais e os direitos de voto devem ser detidos maioritariamente por advogados (47).
91. A dupla maioria reservada aos advogados no que se refere às participações, por um lado, e aos direitos de voto, por outro, destina‑se a garantir que os profissionais que não são advogados não tenham uma influência significativa nas decisões da sociedade.
92. A regra visa salvaguardar a independência profissional dos advogados e a proteção dos sujeitos de direito. Com vista à consecução destes objetivos, pretende assegurar que os profissionais alheios à advocacia que fazem parte de uma sociedade de advogados, não exerçam, tendo em conta a sua dupla posição minoritária, um controlo efetivo sobre essa sociedade.
93. No entanto, mais uma vez, a regulamentação em causa é algo incoerente, uma vez que, sem outras salvaguardas, o requisito de uma dupla maioria (de capital e de votos) a ser detida por advogados pode não ser suficiente para evitar pressões indesejáveis sobre os advogados por parte de investidores que não sejam advogados.
94. Em relação a outra limitação dos direitos de voto (48), o Tribunal de Justiça declarou que «é, efetivamente, possível que as decisões relativas ao investimento ou ao desinvestimento financeiro tomadas pelos sócios minoritários, que, no máximo, detêm 25 % dos direitos de voto, influenciem, ainda que indiretamente, as decisões dos órgãos sociais» (49).
95. O BRAO autoriza os sócios que não exercem a profissão de advogado a deterem até 49 % do capital da sociedade de advogados, por um lado, e a mesma percentagem de direitos de voto nessa sociedade, por outro. Deste modo, os sócios que não são advogados podem exercer uma influência determinante nas decisões da sociedade, uma vez que apenas carecem do apoio de 2 % dos advogados detentores de 2 % do capital para formar a vontade da sociedade (50). Este risco é ainda mais acentuado quando o capital está muito disperso entre os sócios advogados (51).
96. A regra estabelecida pelo legislador alemão relativa à maioria dos votos não impede que os sócios que não exercem a profissão de advogado influenciem as decisões da sociedade de que fazem parte, o que gera riscos para a independência dos advogados (52). Na mesma medida, afetará também a perceção dos sujeitos de direito quanto à independência dos advogados, que devem ser protegidos de pressões externas.
97. Para sanar este inconveniente, a Comissão sugere a dissociação dos requisitos em matéria de detenção do capital e dos direitos de voto (53). Considero, pelo contrário, que a coerência do sistema implicaria o reforço de medidas preventivas para evitar ex ante ataques diretos ou indiretos à independência dos advogados, independentemente da percentagem de votos de outros profissionais que não os próprios advogados.
98. Poderão certamente ser concebidas fórmulas para equilibrar a relação entre o peso do capital e o peso do voto, sem desvirtuar em demasia a lógica da correlação entre a detenção do capital e a formação da vontade da sociedade (que se define através dos votos normalmente inerentes à participação de cada sócio).
99. De qualquer modo, considero que devem existir regras que impeçam que os investidores alheios à profissão possam influenciar, direta ou indiretamente, as decisões da sociedade de advogados quando estão em causa a independência dos advogados e a proteção dos interesses dos seus clientes. As precauções que, a este respeito, algumas das partes no litígio invocaram (54) não me parecem suficientes para eliminar este risco.
100. Compete ao legislador nacional encontrar a solução legislativa adequada e não cabe ao Tribunal de Justiça, no âmbito do presente reenvio prejudicial, ir além da constatação de que normas como as que estão em causa carecem da coerência necessária para justificar a restrição com base em razões imperiosas de interesse geral.
101. Estas reflexões dizem respeito ao quadro geral estabelecido no BRAO e não à situação singular das duas sociedades que envolvidas no litígio. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os estatutos alterados da Halmer UG, tal como descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio (55), atenuam o risco de a SIVE influenciar as decisões da sociedade de advogados.
D. Recapitulação
102. Os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação para regulamentar a profissão de advogado, nomeadamente no que diz respeito ao seu exercício através de sociedades de capitais.
103. Em virtude desta margem de apreciação, a aceitação por parte dos Estados‑Membros do exercício da advocacia através de sociedades de capitais pode ser sujeita a determinadas restrições. Estas restrições devem ser coerentes entre si e com as razões de interesse geral subjacentes.
104. As restrições impostas pelo BRAO na participação em sociedades de advogados, que são objeto das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, carecem da coerência necessária para respeitar as disposições do artigo 15.°, n.° 3, da Diretiva 2006/123, uma vez que:
– Excluem da qualidade de sócio outros profissionais, distintos dos expressamente referidos no BRAO, que possam preencher os critérios com base nos quais é permitida a inclusão das profissões mencionadas.
– Exigem, de forma genérica e sem mais especificações, que os advogados e outros profissionais autorizados a serem sócios exerçam uma atividade profissional no âmbito da sociedade.
– Permitem que outros profissionais, que não exercem a profissão de advogado, detenham uma percentagem de capital e de direitos de voto suficiente para lhes conferir uma possibilidade de influência, direta ou indireta, relevante na definição da vontade da sociedade, que possa pôr em causa a independência dos advogados na defesa dos seus clientes.
V. Conclusão
105. Em face do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Bayerischer Anwaltsgerichtshof (Conselho Superior da Ordem dos Advogados da Baviera) da seguinte forma:
«O artigo 15.° da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno,
deve ser interpretado no sentido de que:
se opõe a uma legislação nacional cujas disposições
1) Permitem a participação como sócios numa sociedade de advogados de determinados profissionais, com exclusão de outros que, objetivamente, poderiam preencher os mesmos critérios com base nos quais é permitida a inclusão dessas profissões.
2) Exigem, de forma genérica e sem mais especificações, que os advogados e outros profissionais autorizados a serem sócios exerçam uma atividade profissional no âmbito da sociedade.
3) Permitem que os profissionais distintos dos advogados detenham uma percentagem de capital e de direitos de voto suficiente para lhes conferir a possibilidade de influência, direta ou indireta, na definição da vontade da sociedade, que pode pôr em causa a independência dos advogados na defesa dos seus clientes.»
1 Língua original: espanhol.
2 Bundesrechtsanwaltsordnung (Estatuto Federal dos Advogados), na versão em vigor até 31 de julho de 2022 (a seguir «BRAO»). Segundo o despacho de reenvio (n.° 3), essa versão é a aplicável ao litígio, pelo que será também a versão à qual, em princípio, me cingirei nas presentes conclusões, salvo se suscitar interesse a incorporação de alguns aspetos do BRAO em vigor desde 2022.
3 Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).
4 Conforme referi anteriormente, a redação do BRAO aqui em causa corresponde à versão anterior à sua reforma de 2022.
5 Ainda que nenhuma das partes tenha posto em causa o seu caráter jurisdicional, é de referir que o Bayerischer Anwaltsgerichtshof (Tribunal da Ordem dos Advogados da Baviera, Alemanha) reúne os requisitos de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.° TFUE. Foi criado ao abrigo de uma disposição legal (§ 100, n.° 1, do BRAO) para dirimir, de forma definitiva, os litígios que lhe são submetidos (§ 112a, n.° 1, do BRAO). A sua jurisdição tem caráter vinculativo (§ 112a do BRAO), é exercida através de um processo contraditório regido essencialmente pelas disposições processuais comuns (§ 112c do BRAO) e materializa‑se em decisões suscetíveis de recurso de segunda instância (§ 112e do BRAO). Por último, é um órgão independente, integrado na estrutura judiciária alemã e composto paritariamente por magistrados e advogados com o estatuto de juízes honorários no exercício das suas funções (§§ 101, 103, n.° 2, e 104 do BRAO), nomeados por um período de cinco anos e inamovíveis (§ 103, n.os 1 e 2, do BRAO).
6 Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Gallaher (C‑707/20, EU:C:2023:101, n.° 56).
7 Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Viva Telecom Bulgaria (C‑257/20, EU:C:2022:125, n.° 79).
8 O tribunal de reenvio salienta que os estatutos alterados reservam a gestão da sociedade exclusivamente aos advogados; que os gerentes só podem ser destituídos por unanimidade; que os sócios estão proibidos de influenciar os gerentes através de instruções ou de ameaças; e, nomeadamente, que os sócios não podem influenciar a aceitação, a rejeição ou a gestão de um mandato. Em suma, considera que os estatutos respeitam e complementam as disposições nacionais, uma vez que, nos termos exigidos pelo § 59f do BRAO, garantem a independência no exercício da profissão dos advogados que atuam como gerentes ou em nome da sociedade (n.° 40 do despacho de reenvio).
9 Acórdão de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome (C‑182/08, EU:C:2009:559, n.° 40).
10 É, evidentemente, esse o caso quando se trata de uma participação que equivale a 100 % do capital (Acórdão de 13 de julho de 2023, Xella Magyarország, C‑106/22, EU:C:2023:568, n.° 43).
11 Acórdão de 21 de outubro de 2010, Idryma Typou (C‑81/09, EU:C:2010:622), n.° 51: «[c]onsoante o modo de repartição do resto do capital social, nomeadamente se estiver disperso por um grande número de acionistas, a participação de 25 % pode ser suficiente para deter o controlo de uma sociedade ou pelo menos exercer uma influência efetiva nas decisões dessa sociedade e determinar as suas atividades», com a consequência de que a legislação nacional «pode […] estar abrangida pelo âmbito do artigo 49.°». V., no mesmo sentido, os n.os 94 e seguintes das presentes conclusões.
12 V. nota 8 das presentes conclusões.
13 É jurisprudência constante que, no âmbito das liberdades de circulação, se deve ter em consideração o objeto da legislação em causa. V. Acórdão de 11 de junho de 2020, KOB (C‑206/19, EU:C:2020:463, n.° 23 e jurisprudência referida).
14 Este facto é referido no n.° 53 do despacho de reenvio.
15 O pressuposto implícito no BRAO é que um investimento de capital numa sociedade de advogados implica, qualquer que seja a percentagem de participações adquiridas, uma influência que, por mínima que seja, possa, por definição, perturbar o exercício independente da advocacia.
16 Acórdão de 26 de junho de 2019, Comissão/Grécia (C‑729/17, EU:C:2019:534, n.° 54 e jurisprudência referida).
17 Acórdão de 13 de janeiro de 2022, Minister Sprawiedliwości (C‑55/20; EU:C:2022:6, n.° 88).
18 Diretiva do Conselho, de 22 de março de 1977, tendente a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados (JO 1977, L 78, p. 17; EE 06 F1 p. 224).
19 Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 1998, tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional (JO 1998, L 77, p. 36).
20 Considerando 7 da Diretiva 98/5.
21 Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98, n.° 99), com referência aos Acórdãos de 12 de julho de 1984, Klopp (107/83, EU:C:1984:270, n.° 17), e de 12 de dezembro de 1996, Reisebüro Broede (C‑3/95, EU:C:1996:487, n.° 37).
22 A meu ver, nada obstaria a que um Estado‑Membro limitasse o exercício da advocacia em grupo às sociedades de pessoas, excluindo assim as sociedades de capitais. Ao decidir de uma forma ou de outra, cada Estado‑Membro avaliará o peso de fatores como a presença, num mercado de serviços jurídicos cada vez mais globalizado, de concorrentes que operam através de sociedades de capitais. Poderá também avaliar a conveniência de dotar essas sociedades de recursos financeiros externos (sob a forma de capital e não apenas de empréstimos) para fazer face aos desafios tecnológicos que a digitalização ou a inteligência artificial implicam para os escritórios de advogados. Enquanto não existir uma regulamentação harmonizada desta matéria a nível da União, cada Estado‑Membro é livre de acolher ou rejeitar, consoante a sua conveniência, a presença de sociedades de capitais para o exercício da advocacia.
23 No seu Acórdão de 19 de maio de 2009, no processo C‑531/06, Comissão/Itália (C‑531/06, EU:C:2009:315), o Tribunal de Justiça considerou compatível com a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais uma legislação nacional nos termos da qual os sócios das sociedades que exploram farmácias só podem ser farmacêuticos.
24 V., a este respeito, a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões relativa às recomendações para a reforma da regulamentação dos serviços profissionais [COM(2016) 820]. No ponto II.4 de uma outra comunicação (COM(2021) 385), relativa à situação atual e à atualização das recomendações para a reforma da regulamentação dos serviços profissionais, de 2017, a Comissão afirma que «[a] possibilidade de criar uma sociedade de advogados sob forma jurídica específica está estreitamente associada aos requisitos aplicáveis à participação acionista e aos direitos de voto. A grande maioria dos Estados‑Membros exige que todas as ações seja detidas por advogados». O sublinhado é meu.
25 Em todos estes casos, estão também incluídos os profissionais de outros países habilitados a exercer a sua profissão na Alemanha.
26 A inclusão de médicos e farmacêuticos decorre de um alargamento do conteúdo do § 59a do BRAO, motivado por um Acórdão do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha) de 12 de janeiro de 2016 (BVerfGE 141, 82).
27 Para o Tribunal de Justiça, o artigo 15.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2006/123 aplica‑se à composição dos detentores de capital das sociedades. V., por exemplo, Acórdão de 29 de julho de 2019, Comissão/Áustria (Engenheiros civis, agentes de patentes e veterinários) [C‑209/18, EU:C:2019:632; a seguir «Acórdão Comissão/Áustria (Engenheiros civis)»], n.° 84. A limitação do exercício do direito de voto constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento [Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Grécia (C‑244/11, EU:C:2012:694), n.° 29], também abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 15.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2006/123.
28 N.os 43 e 53 do despacho de reenvio.
29 N.os 61 e 62 do despacho de reenvio.
30 Observações escritas da Comissão, n.° 32. Para a Comissão, o objetivo da proteção dos sujeitos de direito coincide com o da proteção dos destinatários dos serviços, que o artigo 4.°, n.° 8, da Diretiva 2006/123 inclui entre as razões imperiosas de interesse geral. Quanto à independência profissional dos advogados, esta seria abrangida pela proteção da boa administração da justiça, referida no considerando 40 da Diretiva 2006/123.
31 Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Onofrei (C‑218/19, EU:C:2020:1034, n.° 34): «a proteção dos consumidores, nomeadamente dos destinatários de serviços jurídicos prestados por operadores judiciários, por um lado, e a boa administração da justiça, por outro, são objetivos que podem ser considerados razões imperiosas de interesse geral, suscetíveis de justificar restrições à livre circulação de serviços e […] à liberdade de estabelecimento».
32 A contribuição para a boa administração da justiça e a proteção do sigilo profissional são igualmente apreciáveis como razões justificativas, contudo, parece‑me desnecessário inclui‑los na minha análise, uma vez que tal corroboraria o que já foi deduzido dos outros dois objetivos.
33 É possível aplicar aos advogados, por analogia e sem prejuízo de quaisquer diferenças, o que o Tribunal de Justiça afirmou em relação ao explorador que tem a qualidade de farmacêutico: «não se pode negar que, à semelhança de outras pessoas, prossegue o objetivo de obtenção de lucros. Todavia, como [advogado] de profissão, está obrigado a explorar [o escritório] não com um objetivo puramente económico mas também numa ótica profissional. O seu interesse privado na realização de lucros é dessa forma temperado pela sua formação, experiência profissional e responsabilidade que lhe incumbe, visto que uma eventual violação das normas legais ou deontológicas fragiliza não apenas o valor do seu investimento mas igualmente a sua própria existência profissional». Acórdão de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e outros (C‑171/07 y C‑172/07, EU:C:2009:316, n.° 37).
34 Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C‑694/20, EU:C:2022:963), n.° 28 (o sublinhado é meu), fazendo referência, nomeadamente, ao Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 6 de dezembro de 2012, Michaud/França (CE:ECHR:2012:1206JUD001232311, n.os 118 e 119).
35 Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Jakubowska (C‑225/09, EU:C:2010:729, n.° 61); o sublinhado é meu para salientar que a independência deve ser garantida não só em relação ao poder público mas também aos operadores económicos privados.
36 Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o. (C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.° 42).
37 Loc. ult. cit.
38 N.° 42 das observações apresentadas por escrito pela Comissão.
39 O BRAO exige que as participações nas sociedades de advogados sejam maioritariamente detidas por advogados (§ 59e, n.° 2).
40 V., do mesmo modo, Comissão/Áustria (Engenheiros civis), n.° 104, fazendo referência ao Acórdão de 1 de março de 2018, CMVRO (C‑297/16, EU:C:2018:141, n.° 86).
41 Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth (C‑52/16 e C‑113/16, EU:C:2018:157, n.° 85).
42 Conforme sublinha a Comissão (n.° 44 das suas observações escritas), são omitidos profissionais como, por exemplo, engenheiros, arquitetos, economistas ou psicólogos, que também estão sujeitos à disciplina colegial e a obrigações deontológicas.
43 Acórdão Comissão/Áustria (Engenheiros civis), n.° 94.
44 Era o que previa o § 59e, n.° 1, do BRAO.
45 É o que resulta das explicações do Governo Alemão na audiência.
46 A Ordem dos Advogados explicou que não lhe é possível interferir na vida interna das sociedades de advogados ao ponto de saber qual a atividade específica de cada um dos seus sócios.
47 A redação do § 59e, n.° 2, do BRAO não é de fácil compreensão. Se, de acordo com a primeira parte da disposição, «[a]s participações sociais e os direitos de voto devem ser maioritariamente detidos por advogados», a segunda parte estabelece que «[o]s sócios que não estejam habilitados a exercer uma das profissões [equiparadas à de advogado], não têm direito de voto». Esta segunda afirmação é um pouco confusa, uma vez que aqueles que não estão autorizados a exercer uma profissão equiparada à de advogado não podem, pura e simplesmente, fazer parte da sociedade. Na audiência, o Governo Alemão explicou que a disposição se limitava a certos casos excecionais em que, temporariamente, um profissional que não fosse advogado (ou profissional equiparado) pudesse tornar‑se sócio. A letra da norma tem, no entanto, um alcance mais geral.
48 Uma regulamentação nacional que limitava a 25 % a participação de sócios que não exercem a profissão de biólogos nas empresas que exploram laboratórios de análises biomédicas.
49 Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Comissão/França (C‑89/09, EU:C:2010:772, n.° 86), com referência às Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nesse processo (EU:C:2010:305). O Acórdão de 1 de março de 2018, CMVRO (C‑297/16, EU:C:2018:141, n.° 86), também faz referência à possibilidade de os que não detêm a totalidade, mas sim uma parte limitada do capital social, exercerem o controlo da sociedade.
50 Se o Tribunal de Justiça aceitou a fórmula examinada no Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Comissão/França (C‑89/09, EU:C:2010:772), foi por, nesse caso, as decisões mais importantes exigirem o voto de uma maioria qualificada de sócios que representassem, pelo menos, três quartos das participações sociais.
51 Este facto é reconhecido pelo Governo Alemão (n.° 56 das suas observações escritas) quando afirma que, nos casos em que o capital social está muito fragmentado, mesmo as participações minoritárias podem ter uma influência considerável. Acrescenta que uma estrutura de capital (dispersa) deste tipo é frequentemente característica das sociedades de advogados na República Federal da Alemanha.
52 Tal como se demonstrou na audiência, a influência de facto de um investidor minoritário nas decisões da sociedade pode ser conseguida por outros meios que não a mera participação na assembleia geral. Os direitos dos sócios (incluindo os minoritários) à informação sobre a vida da empresa, por exemplo, dão‑lhes a possibilidade de exercer pressão ou de pedir explicações sobre as decisões relevantes, com vista a maximizar o lucro económico esperado em resultado da sua contribuição de capital.
53 N.° 64 das suas observações escritas.
54 Trata‑se, nomeadamente, da aplicação das regras deontológicas; do direito de qualquer advogado se opor, no seio da sociedade, às violações da garantia da sua independência; da repressão pela Ordem, a posteriori, dos ataques a essa mesma independência; das regras de prevenção dos conflitos de interesses; e das obrigações impostas aos administradores da sociedade.
55 V. n.° 33 e nota 8 das presentes conclusões.