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Document 62021CJ0100
Judgment of the Court (Grand Chamber) of 21 March 2023.#QB v Mercedes-Benz Group AG.#Request for a preliminary ruling from the Landgericht Ravensburg.#Reference for a preliminary ruling – Approximation of laws – Approval of motor vehicles – Directive 2007/46/EC – Article 18(1) – Article 26(1) – Article 46 – Regulation (EC) No 715/2007 – Article 5(2) – Motor vehicles – Diesel engine – Pollutant emissions – Exhaust gas recirculation valve (EGR valve) – Reduction in nitrogen oxide (NOx) emissions limited by a ‘temperature window’ – Defeat device – Protection of the interests of an individual purchaser of a vehicle equipped with an unlawful defeat device – Right to compensation from the vehicle manufacturer on the basis of tortious liability – Method of calculating compensation – Principle of effectiveness – Article 267 TFEU – Admissibility – Reference to the Court from a single judge.#Case C-100/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de março de 2023.
QB contra Mercedes-Benz Group AG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Ravensburg.
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Homologação dos veículos a motor — Diretiva 2007/46/CE — Artigo 18.o, n.o 1 — Artigo 26.o, n.o 1 — Artigo 46.o — Regulamento (CE) n.o 715/2007 — Artigo 5.o, n.o 2 — Veículos a motor — Motor a diesel — Emissão de poluentes — Válvula para reciclagem de gases de escape (válvula EGR) — Redução das emissões de óxido de azoto (NOx) limitada por uma “janela térmica” — Dispositivo manipulador — Proteção dos interesses de um comprador individual de um veículo equipado com um dispositivo manipulador ilícito — Direito a indemnização contra o fabricante automóvel a título de responsabilidade extracontratual — Método de cálculo da indemnização — Princípio da efetividade — Artigo 267.o TFUE — Admissibilidade — Possibilidade de um juiz singular submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.
Processo C-100/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de março de 2023.
QB contra Mercedes-Benz Group AG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Ravensburg.
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Homologação dos veículos a motor — Diretiva 2007/46/CE — Artigo 18.o, n.o 1 — Artigo 26.o, n.o 1 — Artigo 46.o — Regulamento (CE) n.o 715/2007 — Artigo 5.o, n.o 2 — Veículos a motor — Motor a diesel — Emissão de poluentes — Válvula para reciclagem de gases de escape (válvula EGR) — Redução das emissões de óxido de azoto (NOx) limitada por uma “janela térmica” — Dispositivo manipulador — Proteção dos interesses de um comprador individual de um veículo equipado com um dispositivo manipulador ilícito — Direito a indemnização contra o fabricante automóvel a título de responsabilidade extracontratual — Método de cálculo da indemnização — Princípio da efetividade — Artigo 267.o TFUE — Admissibilidade — Possibilidade de um juiz singular submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.
Processo C-100/21.
Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:229
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
21 de março de 2023 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Homologação dos veículos a motor — Diretiva 2007/46/CE — Artigo 18.o, n.o 1 —Artigo 26.o, n.o 1 — Artigo 46.o — Regulamento (CE) n.o 715/2007 — Artigo 5.o, n.o 2 — Veículos a motor — Motor a diesel — Emissão de poluentes — Válvula para reciclagem de gases de escape (válvula EGR) — Redução das emissões de óxido de azoto (NOx) limitada por uma “janela térmica” — Dispositivo manipulador — Proteção dos interesses de um comprador individual de um veículo equipado com um dispositivo manipulador ilícito — Direito a indemnização contra o fabricante automóvel a título de responsabilidade extracontratual — Método de cálculo da indemnização — Princípio da efetividade — Artigo 267.o TFUE — Admissibilidade — Possibilidade de um juiz singular submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial»
No processo C‑100/21,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburgo, Alemanha), por Decisão de 12 de fevereiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de fevereiro de 2021, no processo
QB
contra
Mercedes‑Benz Group AG, anteriormente Daimler AG,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe e P. G. Xuereb (relator), presidentes de secção, M. Ilešič, N. Piçarra, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, I. Ziemele, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,
advogado‑geral: A. Rantos,
secretário: M. Krausenböck, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 8 de março de 2022,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação de QB, por P. Franz, N. Gellert, R. Ghaffari, R. Klinger, K. Meiser e A. Pacura, Rechtsanwälte, |
– |
em representação da Mercedes‑Benz Group AG, por M. Ruttloff, U. Soltész, E. Wagner e N. Wimmer, Rechtsanwälte, |
– |
em representação do Governo alemão, por J. Möller e D. Klebs, na qualidade de agentes, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por M. Huttunen, M. Noll‑Ehlers e K. Talabér‑Ritz, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de junho de 2022,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o, n.o 1, do artigo 26.o, n.o 1, e do artigo 46.o da Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (Diretiva‑Quadro) (JO 2007, L 263, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 385/2009 da Comissão, de 7 de maio de 2009 (JO 2009, L 118, p. 13) (a seguir «Diretiva‑Quadro»), lidos em conjugação com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos (JO 2007, L 171, p. 1), e o artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE. |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe QB à Mercedes‑Benz Group AG, anteriormente Daimler AG, um fabricante automóvel, a respeito do direito à indemnização que QB invoca e ao cálculo do montante da indemnização que lhe é eventualmente devida pela aquisição de um veículo com motor diesel equipado com um programa informático que reduz a reciclagem dos gases poluentes desse veículo em função da temperatura exterior não conforme com as prescrições do direito da União. |
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva‑Quadro
3 |
A diretiva‑quadro foi revogada pelo Regulamento (UE) 2018/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à homologação e fiscalização do mercado dos veículos a motor e seus reboques, bem como dos sistemas, componentes e unidades técnicas distintas destinados a esses veículos, que altera os Regulamentos (CE) n.o 715/2007 e (CE) n.o 595/2009 e revoga a Diretiva 2007/46/CE (JO 2018, L 151, p. 1), com efeitos a partir de 1 de setembro de 2020. No entanto, tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, esta diretiva‑quadro continua a ser aplicável. |
4 |
Nos termos do considerando 3 da referida diretiva‑quadro: «Os requisitos técnicos aplicáveis a sistemas, componentes, unidades técnicas e veículos deverão ser harmonizados e especificados em atos regulamentares, que deverão ter como principal objetivo assegurar um elevado nível de segurança rodoviária, de proteção da saúde e do ambiente, de eficiência energética e de proteção contra a utilização não autorizada.» |
5 |
O artigo 1.o da mesma diretiva‑quadro previa: «A presente diretiva estabelece um quadro harmonizado que contém as disposições administrativas e os requisitos técnicos gerais aplicáveis à homologação de todos os veículos novos que sejam abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, bem como à homologação de sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, no intuito de facilitar a respetiva matrícula, venda e entrada em circulação na Comunidade. […] Os requisitos técnicos específicos relativos ao fabrico e ao funcionamento dos veículos devem ser estabelecidos em aplicação da presente diretiva em atos regulamentares, cuja lista exaustiva consta do anexo IV.» |
6 |
O artigo 3.o da diretiva‑quadro dispunha, nos seus pontos 5 e 36: «Para efeitos do disposto na presente diretiva e nos atos regulamentares enumerados no anexo IV, salvo disposição em contrário neles prevista, entende‑se por: […]
[…]
|
7 |
O artigo 4.o desta diretiva‑quadro tinha a seguinte redação: «1. Os Estados‑Membros devem assegurar que os fabricantes que apresentem um pedido de homologação cumpram as obrigações que sobre eles impendem por força da presente diretiva. 2. Os Estados‑Membros devem homologar apenas os veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas que cumpram os requisitos da presente diretiva. 3. Os Estados‑Membros só devem matricular e autorizar a venda ou entrada em circulação dos veículos, componentes e unidades técnicas que cumpram os requisitos da presente diretiva. […]» |
8 |
O artigo 8.o, n.o 6, da referida diretiva‑quadro estabelecia: «A entidade homologadora deve informar, de imediato, as entidades homologadoras dos outros Estados‑Membros de qualquer decisão de recusa ou de revogação da homologação de um veículo e respetivos fundamentos.» |
9 |
Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, da mesma diretiva‑quadro: «O fabricante deve informar, de imediato, o Estado‑Membro que concedeu a homologação CE de qualquer alteração das informações registadas no dossier de homologação. Esse Estado‑Membro deve decidir, nos termos das regras previstas no presente capítulo, qual o procedimento a seguir. Caso seja necessário, o Estado‑Membro pode decidir, em consulta com o fabricante, que tem de ser concedida uma nova homologação CE.» |
10 |
O artigo 18.o, n.o 1, da diretiva‑quadro dispunha: «O fabricante, na sua qualidade de titular de um certificado de homologação CE de um veículo, deve entregar um certificado de conformidade a acompanhar cada veículo completo, incompleto ou completado, fabricado em conformidade com o modelo do veículo homologado. […]» |
11 |
O artigo 26.o, n.o 1, desta diretiva‑quadro tinha a seguinte redação: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 29.o e 30.o, os Estados‑Membros só autorizam a matrícula, a venda ou a entrada em circulação de veículos se estes estiverem acompanhados de um certificado de conformidade válido emitido nos termos do artigo 18.o. […]» |
12 |
O artigo 30.o, n.o 1, da referida diretiva‑quadro estabelecia: «Se o Estado‑Membro que tiver concedido a homologação CE determinar que os novos veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas acompanhados de certificado de conformidade ou que ostentam marca de homologação não estão em conformidade com o modelo ou tipo que homologou, deve tomar as medidas necessárias, incluindo, se for caso disso, a revogação da homologação, para assegurar que os veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas produzidos se tornem conformes com o modelo ou tipo homologados. A entidade homologadora desse Estado‑Membro deve notificar as entidades homologadoras dos outros Estados‑Membros das medidas tomadas.» |
13 |
O artigo 46.o da mesma diretiva‑quadro previa: «Os Estados‑Membros determinam as sanções aplicáveis em caso de violação das disposições da presente diretiva, em especial as proibições constantes do artigo 31.o ou dele decorrentes, e dos atos regulamentares enumerados na parte I do anexo IV, e tomam as medidas necessárias para a sua aplicação. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Os Estados‑Membros notificam estas disposições à Comissão [Europeia] até 29 de abril de 2009, e quaisquer ulteriores alterações das mesmas no mais breve prazo possível.» |
14 |
O anexo IX da diretiva‑quadro descrevia o conteúdo do certificado de conformidade CE. O ponto 0 deste anexo estabelecia: «O certificado de conformidade é uma declaração emitida pelo fabricante do veículo ao comprador, a fim de lhe garantir que o veículo adquirido cumpre a legislação em vigor na União Europeia à data em que foi produzido. O certificado de conformidade serve igualmente para as autoridades competentes dos Estados‑Membros poderem matricular os veículos sem terem de exigir ao requerente a apresentação de documentação técnica complementar. […]» |
Regulamento n.o 715/2007
15 |
Nos termos dos considerandos 1, 5, 6 e 17 do Regulamento n.o 715/2007:
[…]
[…]
|
16 |
O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento prevê: «O presente regulamento estabelece requisitos técnicos comuns para a homologação de veículos a motor (“veículos”) e de peças de substituição, tais como dispositivos de controlo da poluição de substituição, no que respeita às respetivas emissões.» |
17 |
O artigo 3.o, ponto 10, do referido regulamento dispõe: «Para efeitos do presente regulamento e das respetivas medidas de execução, entende‑se por: […]
|
18 |
O artigo 4.o, n.os 1 a 3, do mesmo regulamento estabelece: «1. Os fabricantes devem demonstrar que todos os novos veículos vendidos, matriculados ou postos em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução. Os fabricantes devem igualmente demonstrar que todos os novos dispositivos de controlo da poluição de substituição sujeitos a homologação e que sejam vendidos ou entrem em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e respetivas medidas de execução. Estas obrigações abrangem a observância dos limites de emissão definidos no anexo I e das medidas de execução referidas no artigo 5.o 2. Os fabricantes devem garantir que sejam respeitados os procedimentos de homologação destinados a verificar a conformidade da produção, a durabilidade dos dispositivos de controlo da poluição e a conformidade em circulação. Além disso, as medidas técnicas adotadas pelos fabricantes deverão ser adequadas para garantir que as emissões do tubo de escape e resultantes da evaporação sejam eficazmente limitadas, nos termos do presente regulamento, ao longo da vida normal dos veículos e em condições de uso normais. […] […] 3. Os fabricantes devem indicar os valores das emissões de dióxido de carbono e do consumo de combustível num documento a entregar ao comprador do veículo no momento da compra.» |
19 |
O artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 715/2007 tem a seguinte redação: «1. O fabricante deve equipar os veículos de forma a que os componentes suscetíveis de afetar as emissões sejam concebidos, construídos e montados de modo a permitir que o veículo cumpra, em utilização normal, o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução. 2. A utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida. A proibição não se aplica:
[…]» |
20 |
Nos termos do artigo 13.o deste regulamento: «1. Os Estados‑Membros devem estabelecer disposições relativas às sanções aplicáveis em caso de infração pelos fabricantes ao disposto no presente regulamento e tomar todas as medidas necessárias para garantir a sua execução. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. […] 2. Os tipos de infração sujeitos a sanções incluem, nomeadamente: […] d) A utilização de dispositivos manipuladores; […]» |
Direito alemão
21 |
O § 823 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, a seguir «BGB»), prevê: «1. Quem, agindo com dolo ou negligência, atentar ilegalmente contra a vida, corpo, saúde, liberdade, propriedade ou qualquer outro direito de outra pessoa, é responsável perante essa pessoa pelos danos daí resultantes. 2. Igual obrigação é imposta a quem viole uma lei destinada à proteção de outrem. Se, pelo conteúdo da lei, também for possível violar esta lei sem cometer qualquer falta, a obrigação de indemnização só ocorre em caso de falta.» |
22 |
O § 348 do Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil, a seguir «ZPO») dispõe: «1) A Secção Cível delibera através de um dos seus membros na qualidade de juiz singular. […] […] 3) O juiz singular remete o processo à secção cível para que esta dele tome conhecimento, quando 1. o processo apresenta dificuldades de facto ou de direito específicas, 2. o processo tenha uma importância de princípio; ou 3. as partes o requeiram por unanimidade. A Secção conhece do litígio quando estejam reunidas as condições previstas nos pontos 1 ou 2, primeiro período. Profere a sua decisão a este respeito por despacho. Está excluída uma nova transferência para o juiz singular. […]» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
23 |
Em 20 de março de 2014, QB comprou à Auto Y GmbH um veículo automóvel usado da marca Mercedes‑Benz, modelo C 220 CDI, equipado com um motor diesel de geração Euro 5, com uma quilometragem de 28591 km, pelo preço de 29999 euros. Este veículo, comercializado pelo fabricante automóvel Daimler, foi matriculado pela primeira vez em 15 de março de 2013. |
24 |
O referido veículo está equipado com um software de programação do motor que reduz a taxa de reciclagem dos gases de escape quando as temperaturas exteriores se situem abaixo de um determinado limiar, o que tem como consequência aumentar as emissões de NOx. Assim, esta reciclagem só é plenamente eficaz se a temperatura exterior não descer abaixo deste limiar (a seguir «janela térmica»). A este respeito, a temperatura exterior exata abaixo da qual se verifica a redução desta taxa de reciclagem e a amplitude desta redução são controvertidas no processo principal. |
25 |
QB intentou uma ação no Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburgo, Alemanha), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo o ressarcimento do prejuízo que a Mercedes‑Benz Group lhe causou ao equipar o veículo em causa de dispositivos manipuladores, proibidos pelo artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. |
26 |
Nesse órgão jurisdicional, as partes no processo principal debateram, assim, a questão de saber se o veículo em causa está equipado com esses dispositivos ilícitos, o alcance de um eventual direito à indemnização de QB e da eventual imputação, no montante da indemnização, da vantagem que QB retira da utilização desse veículo. |
27 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera que a janela térmica é um dispositivo manipulador ilícito na aceção do artigo 3.o, ponto 10, e do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. Com efeito, a taxa de reciclagem dos gases de escape do veículo em causa e, portanto, a eficácia do sistema de controlo das emissões já está reduzida a uma temperatura exterior superior a 0 graus Celsius, ao passo que esta temperatura faz parte das «circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo», na aceção deste artigo 3.o, ponto 10. |
28 |
Esse órgão jurisdicional considera igualmente que, à primeira vista, a exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 não é aplicável ao litígio no processo principal, uma vez que só os riscos imediatos de danos que criem um perigo concreto na condução do veículo são suscetíveis de justificar a existência de um dispositivo manipulador [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 114]. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio duvida que uma janela térmica que tem por objetivo impedir a formação de depósitos no motor e, assim, prevenir o seu desgaste cumpra os requisitos de aplicação estritos desta exceção. |
29 |
Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, pode ser reconhecido a QB um direito à indemnização em aplicação do § 823, n.o 2, do BGB, que apenas exige mera negligência. No entanto, esta disposição pressupõe a violação de uma lei destinada a proteger outrem, o que, segundo a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), significa que esta lei visa proteger um particular ou um grupo de pessoas contra a violação de um interesse jurídico específico. A este respeito, basta que a referida lei tenha sido adotada com o objetivo de conferir uma proteção jurídica a esse particular ou a esse grupo de pessoas, mesmo que diga principalmente respeito à proteção de um interesse geral. Além disso, a referida disposição implica que o perigo contra o qual a mesma lei deve conferir uma proteção se materializa num prejuízo concreto e que a pessoa ou as pessoas concretamente lesadas estão abrangidas pelo âmbito de aplicação pessoal da lei em questão. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto a saber se o artigo 18.o, n.o 1, o artigo 26.o, n.o 1, e o artigo 46.o da diretiva‑quadro e o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 visam, além da proteção de interesses gerais, também a proteção dos interesses de um particular, comprador de um veículo não conforme com o direito da União, nomeadamente quando esse veículo esteja equipado com um dispositivo manipulador proibido por força desta última disposição. |
30 |
Na jurisprudência e na doutrina alemãs há interpretações divergentes sobre estas questões. O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) considera que os atos da União adotados com vista à harmonização dos requisitos técnicos aplicáveis aos veículos visam principalmente um elevado nível de segurança rodoviária e de proteção da saúde e do ambiente. Além disso, o artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007 não visa proteger o direito à autodeterminação económica do comprador individual de um veículo. |
31 |
Pelo contrário, vários tribunais regionais consideram que o artigo 18.o, n.o 1, o artigo 26.o, n.o 1, e o artigo 46.o da diretiva‑quadro e o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 têm igualmente por objeto a proteção individual do comprador de um veículo. Com efeito, um dos objetivos do certificado de conformidade é, nos termos do anexo IX da diretiva‑quadro, que o fabricante de um veículo assegure ao comprador desse veículo que este está em conformidade com as disposições legais aplicáveis na União no momento do seu fabrico. Este certificado tem também por objetivo facilitar o procedimento administrativo de matrícula e a livre circulação de mercadorias na União. |
32 |
Na hipótese de se considerar que as disposições referidas no n.o 29 do presente acórdão protegem apenas interesses jurídicos gerais e não os interesses particulares dos compradores, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por outro lado, se o princípio da efetividade pode exigir que qualquer conduta ilícita, dolosa ou negligente, por parte de um fabricante automóvel ao colocar no mercado veículos equipados com um dispositivo manipulador ilícito nos termos do artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007 seja sancionada pela possibilidade de o comprador invocar um direito à indemnização baseado na responsabilidade extracontratual desse fabricante. |
33 |
A este respeito, segundo o Landgericht Stuttgart (Tribunal Regional de Estugarda, Alemanha), a aplicabilidade do § 823, n.o 2, do BGB assenta no facto de, no interesse de uma aplicação efetiva do direito da União, ser necessário impor sanções de direito civil às disposições pertinentes do direito da União. |
34 |
Na hipótese de QB poder beneficiar desse direito à indemnização ao abrigo do § 823, n.o 2, do BGB, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é necessário, para dar um efeito prático às disposições do direito da União aplicáveis ao caso em apreço, que a vantagem resultante da utilização do veículo em causa não seja imputada no direito à indemnização ou que apenas o seja numa medida limitada. Esta questão é igualmente objeto de pontos de vista divergentes na jurisprudência e na doutrina alemãs, incluindo quanto à incidência que a proibição do enriquecimento sem causa pode exercer sobre essa imputação. |
35 |
A este respeito, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) considera que, por um lado, tendo em conta a proibição do enriquecimento sem causa prevista no direito alemão em matéria de indemnização, a pessoa lesada não pode ser colocada numa posição mais favorável do que aquela em que se encontraria sem o evento danoso e que, por outro lado, devem ser imputados no direito à indemnização somente as vantagens ligadas a esse evento, sem desonerar de maneira desproporcionada o autor do dano. Em contrapartida, vários tribunais regionais consideram que a vantagem resultante da utilização de um veículo equipado com um dispositivo manipulador ilícito pode ser imputada no direito à indemnização. |
36 |
Por último, o órgão jurisdicional de reenvio, que decide em formação de juiz singular no processo principal, salienta que, por força do § 348, n.o 3, primeiro período, pontos 1 e 2, da ZPO, o juiz singular inicial é obrigado a remeter o litígio à secção cível para que esta dele tome conhecimento quando o processo apresenta dificuldades de facto ou de direito especiais ou reveste uma importância de princípio. A este respeito, o juiz singular não dispõe de qualquer poder de apreciação. Mais especificamente, resulta da jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) que, quando um juiz singular submete ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sem ter previamente remetido o litígio à secção civil para que dela tome conhecimento, esse juiz viola o princípio constitucional do juiz legal, previsto no § 101, n.o 1, segundo período, da Grundgesetz (Lei Fundamental). |
37 |
Ora, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE se opõe a essa obrigação de reenvio para a secção cível. É certo que, no seu Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Rittinger e o. (C‑492/17, EU:C:2018:1019), o Tribunal de Justiça declarou que o pedido de decisão prejudicial de um juiz singular é admissível do ponto de vista do direito da União, independentemente do respeito ou não das regras processuais nacionais. Todavia, o Tribunal de Justiça não examinou a questão de saber se este artigo 267.o, segundo parágrafo, se opõe a uma disposição nacional que limita a possibilidade de apresentar tal pedido. |
38 |
Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
Em caso de resposta afirmativa:
Em caso de resposta negativa à primeira questão prejudicial:
Em caso de resposta afirmativa:
Independentemente das respostas às primeiras quatro questões prejudiciais:
[Em caso de resposta negativa]:
Independentemente das respostas às primeiras seis questões prejudiciais:
|
Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo
39 |
Na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, o Governo alemão e a Mercedes‑Benz Group, por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Justiça, respetivamente, em 11 e 14 de julho de 2022, pediram que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. |
40 |
Em apoio do seu pedido, a Mercedes‑Benz Group sustenta, em substância, que o advogado‑geral considerou erradamente, no n.o 49 das suas conclusões, que a posse de um veículo que não respeita as disposições do direito da União em matéria de proteção do ambiente, por emissões de gases poluentes que ultrapassam os valores‑limite fixados, causa um dano moral a esse comprador. Com efeito, a existência de um eventual dano moral não foi suscitada pelo órgão jurisdicional nacional e não foi debatida entre as partes. |
41 |
No seu pedido, o Governo alemão alega, em substância, por um lado, que as conclusões do advogado‑geral assentam em elementos novos, ainda não debatidos entre as partes, uma vez que se referem ao anexo IX da diretiva‑quadro e ao ponto 0 desta. Por outro lado, este governo contesta a validade deste ponto 0. |
42 |
Além disso, o referido governo manifestou o seu desacordo com as conclusões do advogado‑geral, na medida em que estas ignoram a relação existente entre a diretiva‑quadro e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO 1999, L 171, p. 12). Por um lado, seria incompatível com a sistemática desta diretiva conceder ao consumidor um direito à indemnização por culpa simples. Por outro lado, um certificado de conformidade, na aceção da diretiva‑quadro, não pode ser considerado equivalente a uma garantia de fabricante. |
43 |
A este respeito, importa recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de os interessados visados no artigo 23.o desse Estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 30 e jurisprudência referida). |
44 |
Por outro lado, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral baseia essas conclusões. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não constitui, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 31 e jurisprudência referida). |
45 |
É certo que, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados. |
46 |
Todavia, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça salienta que dispõe de todos os elementos necessários para decidir e que o presente processo não deve ser resolvido com base em argumentos que não foram debatidos entre os interessados. Por último, os dois pedidos de reabertura da fase oral do processo referidos no n.o 39 do presente acórdão não revelam nenhum facto novo suscetível de poder exercer uma influência decisiva na decisão que o Tribunal de Justiça é chamado a proferir neste processo. |
47 |
Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo. |
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à admissibilidade
48 |
Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um juiz singular está obrigado, nomeadamente em razão da importância de princípio de um processo que lhe foi submetido, a transmitir esse processo a uma secção cível composta por três juízes e a renunciar a apresentar ele próprio um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça no âmbito do referido processo. |
49 |
A Mercedes‑Benz Group alega que a sétima questão prejudicial é inadmissível pelo facto de, no âmbito de um processo apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não ser competente para se pronunciar sobre a compatibilidade do direito nacional com o direito da União. |
50 |
O Governo alemão sustenta que não é necessária uma resposta do Tribunal de Justiça à referida questão para que o órgão jurisdicional de reenvio se possa pronunciar sobre o litígio no processo principal. |
51 |
Segundo a Comissão, a questão de saber se o direito nacional permite ou não a um juiz singular submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial não é pertinente para decidir do litígio, que diz respeito à existência de um direito à indemnização, alegado pelo comprador de um veículo contra um fabricante automóvel, devido à presença, nesse veículo, de um dispositivo manipulador proibido por força do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. Além disso, esta questão é hipotética, uma vez que resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal não foi objeto de recurso no momento em que o processo foi submetido ao Tribunal de Justiça. |
52 |
Recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, cabe exclusivamente ao juiz nacional que conhece do litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as particularidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas tenham por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 54 e jurisprudência referida). |
53 |
Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 26 e jurisprudência referida]. |
54 |
No caso em apreço, verifica‑se que a sétima questão tem por objeto a interpretação do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE e que o órgão jurisdicional de reenvio não explicou as razões pelas quais a interpretação desta disposição é necessária para lhe permitir decidir o litígio que lhe foi submetido. Com efeito, limitou‑se a indicar que a competência do juiz singular para submeter ao Tribunal de Justiça o presente pedido de decisão prejudicial poderia ser contestada. Em contrapartida, não especifica qual seria a incidência na decisão de reenvio ou, sendo caso disso, na decisão que põe termo à instância do eventual vício processual decorrente do facto de um juiz singular ter submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sem remeter o processo principal a uma formação de julgamento colegial. Em especial, não resulta da decisão de reenvio que esta tenha, nesta fase do processo, sido objeto de um recurso no âmbito do qual se alegue que enferma de tal vício. |
55 |
Por conseguinte, a sétima questão deve ser declarada inadmissível. |
Quanto ao mérito
Observações preliminares
56 |
Em primeiro lugar, importa recordar que o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007 define «[d]ispositivo manipulador» como «qualquer elemento sensível à temperatura, à velocidade do veículo, à velocidade do motor (RPM), às mudanças de velocidade, à força de aspiração ou a qualquer outro parâmetro e destinado a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, de forma a reduzir a eficácia desse sistema em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo». |
57 |
No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o programa informático referido no n.o 24 do presente acórdão estabeleceu uma janela térmica através da qual a reciclagem dos gases de escape só é plenamente eficaz se a temperatura exterior não descer abaixo de um determinado limiar. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que a taxa de reciclagem dos gases de escape e, portanto, a eficácia do sistema de controlo das emissões, já são reduzidas a partir de uma temperatura exterior superior a 0 grau Celsius, ou seja, uma temperatura abrangida pelas circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo, na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007. |
58 |
O Tribunal de Justiça declarou, no que respeita a uma janela térmica idêntica à que está em causa no processo principal, que o artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo que só garante o respeito dos valores‑limite de emissões previstos no referido regulamento quando a temperatura exterior se situa entre 15 e 33 graus Celsius e a altitude de circulação é inferior a 1000 metros constitui um «dispositivo manipulador» na aceção deste artigo 3.o, ponto 10 (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.o 47). |
59 |
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a temperatura exterior exata abaixo da qual se verifica a redução da taxa de reciclagem dos gases de escape e a amplitude dessa redução foram debatidas entre as partes no processo principal. No entanto, importa recordar que, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal, assim como para interpretar e aplicar o direito nacional (Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.o 29). Cabe, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio decidir, sendo caso disso, se, à luz dos esclarecimentos prestados na jurisprudência referida no n.o 58 do presente acórdão, o programa informático referido no n.o 24 deste constitui um «dispositivo manipulador», na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007. |
60 |
Em segundo lugar, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, a utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida. Todavia, esta proibição tem três exceções, entre as quais a única pertinente segundo o órgão jurisdicional de reenvio, que figura nesse artigo 5.o, n.o 2, alínea a), se se justificar «a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo». |
61 |
Na medida em que enuncia uma exceção à proibição de utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões, o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.o 50). |
62 |
Resulta da própria redação desta disposição que, para ser abrangida pela exceção que prevê, a necessidade de um dispositivo manipulador deve ser justificada não só no que respeita à proteção do motor de danos ou acidentes mas também ao funcionamento seguro do veículo. Com efeito, tendo em conta a utilização, na referida disposição, da conjunção coordenativa «e», esta deve ser interpretada no sentido de que os requisitos que prevê são cumulativos (Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.o 61). |
63 |
A este respeito, a proibição prevista no artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, ficaria esvaziada da sua substância e privada de qualquer efeito útil se os fabricantes fossem autorizados a equipar os veículos automóveis com tais dispositivos manipuladores com o único objetivo de proteger o motor contra a acumulação de sujidade e o envelhecimento [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 113]. |
64 |
Por conseguinte, um programa informático como o que está em causa no processo principal, embora deva ser qualificado de dispositivo manipulador, só pode ser justificado ao abrigo desta exceção caso se demonstre que esse dispositivo responde estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, causados por um mau funcionamento de um componente do sistema de reciclagem dos gases de escape, de uma gravidade tal que gerem um perigo concreto durante a condução do veículo equipado com o referido dispositivo (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.o 62). |
65 |
Além disso, no que respeita a uma janela térmica idêntica à que está em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça declarou que, embora seja verdade que o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 não impõe formalmente outros requisitos para efeitos da aplicação da exceção prevista nesta disposição, não é menos verdade que um dispositivo manipulador que deva, em condições normais de circulação, funcionar durante a maior parte do ano para que o motor seja protegido de danos ou de um acidente e o funcionamento seguro do veículo seja assegurado seria manifestamente contrário ao objetivo prosseguido por este regulamento, que a referida disposição apenas permite derrogar em circunstâncias muito específicas, e conduziria a uma violação desproporcionada do próprio princípio da limitação das emissões de óxido de azoto (NOx) pelos veículos (Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.o 63). |
66 |
Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que esse dispositivo manipulador não pode ser justificado ao abrigo desta disposição. Com efeito, admitir que tal dispositivo manipulador possa estar abrangido pela exceção prevista na referida disposição levaria a tornar esta exceção aplicável durante a maior parte do ano nas condições reais de condução existentes no território da União, de modo que o princípio da proibição desses dispositivos manipuladores, estabelecido no referido artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, poderia, na prática, ser aplicado menos frequentemente do que a referida exceção (Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.os 64 e 65). |
67 |
Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às apreciações factuais necessárias para efeitos da aplicação das condições recordadas nos n.os 60 a 66 do presente acórdão. |
Quanto à primeira e segunda questões
68 |
Com a primeira e segunda questões, às quais importa responder em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 18.o, n.o 1, o artigo 26.o, n.o 1, e o artigo 46.o da diretiva‑quadro, lidos em conjugação com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, devem ser interpretados no sentido de que protegem, além de interesses gerais, os interesses particulares do comprador individual de um veículo a motor face ao seu fabricante quando este veículo esteja equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção desta última disposição. |
69 |
Resulta do pedido de decisão prejudicial que estas questões são motivadas pelo facto de, segundo esse órgão jurisdicional, o exercício, pelo comprador individual de um veículo automóvel não conforme com o direito da União, do direito à indemnização previsto no § 823, n.o 2, do BGB pressupõe a violação de uma lei destinada a proteger outrem. |
70 |
No que respeita ao artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, importa recordar que o objetivo prosseguido por este regulamento consiste, como resulta dos seus considerandos 1 e 6, em assegurar um nível elevado de proteção do ambiente e, mais especificamente, em reduzir consideravelmente as emissões de óxido de azoto (NOx) dos veículos com motor diesel a fim de melhorar a qualidade do ar e de respeitar os valores‑limite de poluição [Acórdão de 14 de julho de 2022, GSMB Invest, C‑128/20, EU:C:2022:570, n.o 43 e jurisprudência referida]. A proibição, prevista no artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, do referido regulamento, da utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões, em nada altera o facto de esta disposição visar precisamente, através dessa proibição, limitar as emissões de gases poluentes e contribuir assim para o objetivo de proteção do ambiente, prosseguido por este regulamento. [v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor), C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 57]. |
71 |
Por conseguinte, há que considerar que esta última disposição prossegue, tal como o regulamento em que se insere, um objetivo geral que consiste em garantir um nível elevado de proteção do ambiente. |
72 |
Como salientou o advogado‑geral no n.o 40 das suas conclusões, é na prossecução deste objetivo geral que se insere a obrigação de os fabricantes, prevista no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 715/2007, fornecerem ao comprador do veículo, no momento da compra deste, um documento que indique os valores das emissões de dióxido de carbono e de consumo de combustível. Com efeito, esta obrigação visa, como se pode deduzir do considerando 17 deste regulamento, que os clientes e utilizadores recebam informação objetiva e rigorosa quanto ao caráter mais ou menos poluente dos veículos no momento de efetuarem as suas decisões de compra. |
73 |
Dito isto, para responder às primeira e segunda questões, há que reposicionar o Regulamento n.o 715/2007 no contexto em que se insere. A este respeito, o artigo 5.o deste regulamento deve ser examinado não só à luz das diferentes disposições do referido regulamento, mas igualmente do quadro regulamentar da homologação dos veículos a motor na União em que o mesmo regulamento se insere [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 75]. |
74 |
O artigo 3.o, ponto 5, da diretiva‑quadro definia a «homologação CE» de um veículo a motor, como o que está em causa no processo principal, como o «procedimento através do qual um Estado‑Membro certifica que um modelo de veículo ou tipo de sistema, de componente ou de unidade técnica cumpre as disposições administrativas e os requisitos técnicos aplicáveis constantes [desta] diretiva e dos atos regulamentares enumerados nos anexos IV ou XI» da referida diretiva‑quadro. Este anexo IV, intitulado «Lista de requisitos para efeitos de homologação CE de veículos», referia, na sua parte I, intitulada «Lista de atos regulamentares para efeitos de homologação CE de veículos produzidos em séries não‑limitadas», o Regulamento n.o 715/2007 no que respeita às «[e]missões (Euro 5 e 6) de veículos ligeiros/acesso à informação». |
75 |
Importa igualmente recordar que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da diretiva‑quadro enunciava que os Estados‑Membros só deviam matricular e autorizar a venda ou entrada em circulação dos veículos que cumprissem os requisitos desta diretiva‑quadro. |
76 |
Por último, o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 715/2007 prevê que os fabricantes devem demonstrar que todos os novos veículos vendidos, matriculados ou postos em circulação na União estão homologados em conformidade com o disposto neste regulamento e nas respetivas medidas de execução. |
77 |
Decorre das disposições referidas nos n.os 74 a 76 do presente acórdão, por um lado, que os veículos abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva‑quadro devem ser objeto de homologação e, por outro, que essa homologação só pode ser concedida se o tipo de veículo em causa cumprir as disposições do Regulamento n.o 715/2007, nomeadamente, as relativas às emissões, das quais faz parte o artigo 5.o deste regulamento (Acórdão de 14 de julho de 2022, Porsche Inter Auto e Volkswagen, C‑145/20, EU:C:2022:572, n.o 52). |
78 |
Além destes requisitos relativos à homologação CE que incumbem aos fabricantes, estes estão igualmente obrigados a emitir um certificado de conformidade ao comprador individual de um veículo. Com efeito, o artigo 18.o, n.o 1, da diretiva‑quadro dispunha que os fabricantes, na sua qualidade de titulares de um certificado de homologação CE de um veículo, deviam entregar um certificado de conformidade a acompanhar cada veículo completo, incompleto ou completado, fabricado em conformidade com o modelo do veículo homologado. |
79 |
Ora, em conformidade com o artigo 26.o, n.o 1, desta diretiva‑quadro, este certificado é obrigatório para efeitos de matrícula e venda ou entrada em circulação de um veículo. Esta obrigação explica‑se pelo facto de o referido certificado, segundo a definição dada no artigo 3.o, ponto 36, da referida diretiva‑quadro, ser «emitido pelo fabricante que certifica que um determinado veículo de uma série de um modelo homologado nos termos da [mesma diretiva‑quadro] está conforme com todos os atos regulamentares aquando da sua produção». |
80 |
Por outro lado, além do objetivo da instituição e do funcionamento de um mercado interno caracterizado por uma concorrência leal entre fabricantes, prosseguido pelo artigo 46.o da diretiva‑quadro, as sanções previstas neste artigo devem igualmente garantir que o comprador de um veículo esteja na posse de um certificado de conformidade que lhe permita, de acordo com o anexo IX desta diretiva‑quadro, matriculá‑lo em qualquer Estado‑Membro, sem ter de apresentar documentação técnica complementar (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Comissão/Alemanha, C‑668/16, EU:C:2018:802, n.o 87). |
81 |
Quando adquire um veículo que pertence à série de um modelo de veículo homologado e, assim, acompanhado de um certificado de conformidade, um comprador individual pode razoavelmente esperar que o Regulamento n.o 715/2007 e, nomeadamente, o seu artigo 5.o seja respeitado no que se refere a esse veículo (Acórdão de 14 de julho de 2022, Porsche Inter Auto e Volkswagen, C‑145/20, EU:C:2022:572, n.o 54). |
82 |
Por conseguinte, resulta das disposições da diretiva‑quadro referidas nos n.os 78 a 80 do presente acórdão que esta estabelece um nexo direto entre o fabricante automóvel e o comprador individual de um veículo a motor que visa garantir a este último que esse veículo está em conformidade com a legislação pertinente da União. Especialemente, uma vez que o fabricante de um veículo deve respeitar as exigências decorrentes do artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007 no momento da emissão do certificado de conformidade ao comprador individual desse veículo com vista à matrícula e à venda ou à entrada em circulação do referido veículo, este certificado permite proteger esse comprador do incumprimento, por esse fabricante, da sua obrigação de colocar no mercado veículos conformes com esta disposição. |
83 |
Ora, não está excluído que um modelo de veículo, abrangido por uma homologação CE, que permita a esse veículo ser utilizado na estrada, possa ser inicialmente homologado pela autoridade competente para homologar sem que a presença do programa informático referido no n.o 24 do presente acórdão lhe tenha sido revelada. A este respeito, a diretiva‑quadro prevê a situação em que a ilicitude de um elemento de um veículo, à luz, por exemplo, dos requisitos do artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007, só é descoberta após essa homologação. Assim, o artigo 8.o, n.o 6, desta diretiva‑quadro prevê que aquela autoridade pode anular a homologação de um veículo. Além disso, decorre do artigo 13.o, n.o 1, primeiro e terceiro períodos, da referida diretiva que, quando um fabricante informe um Estado‑Membro que concedeu a homologação CE de uma alteração das informações registadas no dossier de homologação, esse Estado‑Membro, caso seja necessário, pode decidir, em consulta com o fabricante, que tem de ser concedida uma nova homologação CE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2022, Porsche Inter Auto e Volkswagen, C‑145/20, EU:C:2022:572, n.o 56). Por último, o artigo 30.o, n.o 1, desta mesma diretiva‑quadro previa que, se um Estado‑Membro que tivesse concedido uma homologação CE determinasse uma falta de conformidade com o modelo de veículo que tinha homologado, devia tomar as medidas necessárias, incluindo, se necessário, a revogação dessa homologação, para assegurar que os veículos produzidos se tornassem conformes com esse modelo. |
84 |
Por conseguinte, a ilicitude de um dispositivo manipulador que equipa um veículo a motor, descoberta após a homologação CE para esse veículo, é suscetível de pôr em causa a validade dessa homologação e, por extensão, a do certificado de conformidade que deve certificar que o referido veículo, pertencente à série do modelo homologado, satisfazia todos os atos regulamentares no momento da sua produção. Tendo em conta a regra estabelecida no artigo 26.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, esta ilicitude é assim suscetível, nomeadamente, de criar uma incerteza quanto à possibilidade de matricular, vender ou pôr em circulação o mesmo veículo e, a prazo, de causar prejuízo ao comprador de um veículo dotado de um dispositivo manipulador ilícito. |
85 |
Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 18.o, n.o 1, o artigo 26.o, n.o 1, e o artigo 46.o da diretiva‑quadro, lidos em conjugação com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, devem ser interpretados no sentido de que protegem, além de interesses gerais, os interesses particulares do comprador individual de um veículo a motor face ao seu fabricante quando esse veículo está equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção desta última disposição. |
Quanto à terceira e quarta questões
86 |
Tendo em conta a resposta dada à primeira e segunda questões, não há que responder à terceira e quarta questões. |
Quanto à quinta e sexta questões
87 |
Com a quinta e sexta questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que, no quadro da indemnização do dano causado ao comprador de um veículo equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, se opõe a que a vantagem resultante da utilização efetiva desse veículo seja imputada no reembolso do preço de compra do referido veículo e, se não for esse o caso, que essa vantagem seja calculada com base no preço de compra total do mesmo veículo. |
88 |
A este respeito, cabe observar que, como resulta da resposta à primeira e segunda questões, o artigo 18.o, n.o 1, o artigo 26.o, n.o 1, e o artigo 46.o da diretiva‑quadro, lidos em conjugação com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, protegem os interesses particulares do comprador individual de um veículo a motor face ao seu fabricante quando esse veículo está equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção desta última disposição. |
89 |
Assim, resulta destas disposições que um comprador individual de um veículo a motor dispõe, face ao seu fabricante, do direito a que o referido veículo não esteja equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, deste regulamento. |
90 |
Além disso, como já foi salientado, em substância, no n.o 80 do presente acórdão, cabe aos Estados‑Membros, por força do artigo 46.o da diretiva‑quadro, determinar as sanções aplicáveis em caso de violação das suas disposições. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Por outro lado, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 715/2007, os Estados‑Membros devem estabelecer disposições relativas às sanções aplicáveis em caso de infração pelos fabricantes ao disposto nesse regulamento. Estas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. |
91 |
Nestas condições, importa concluir que decorre do artigo 18.o, n.o 1, do artigo 26.o, n.o 1, e do artigo 46.o da diretiva‑quadro, lidos em conjugação com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, que os Estados‑Membros são obrigados a prever que o comprador de um veículo a motor equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, deste regulamento, beneficie de um direito à indemnização por parte do fabricante desse veículo quando o referido dispositivo causou um dano a esse comprador. |
92 |
Na falta de disposições do direito da União que regulem as modalidades de obtenção dessa indemnização pelos compradores afetados pela aquisição desse veículo, cabe a cada Estado‑Membro determinar essas modalidades. |
93 |
Dito isto, não é conforme com o princípio da efetividade uma legislação nacional que torna, na prática, impossível ou excessivamente difícil a obtenção, pelo comprador de um veículo a motor, de uma indemnização adequada pelos danos que lhe foram causados pela violação, pelo fabricante desse veículo, da proibição enunciada no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. |
94 |
Com esta reserva, é oportuno recordar que os órgãos jurisdicionais nacionais têm legitimidade para zelar por que a proteção dos direitos garantidos pela ordem jurídica da União não implique um enriquecimento sem causa dos titulares desses direitos (Acórdão de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 125). |
95 |
No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a imputação da vantagem obtida com a utilização efetiva do veículo em causa assegura uma indemnização adequada ao comprador afetado, desde que seja demonstrado que este sofreu um prejuízo ligado à instalação nesse veículo de um dispositivo manipulador proibido, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. |
96 |
Consequentemente, há que responder à quinta e sexta questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que, na falta de disposições desse direito na matéria, cabe ao direito do Estado‑Membro em questão determinar as regras relativas à indemnização do dano efetivamente causado ao comprador de um veículo equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, desde que essa indemnização seja adequada ao prejuízo sofrido. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.