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Document 62021CJ0057
Judgment of the Court (Second Chamber) of 12 January 2023.#RegioJet a. s. v České dráhy a.s. and.#Request for a preliminary ruling from the Nejvyšší soud.#Reference for a preliminary ruling – Competition – Abuse of a dominant position – Rules governing actions for damages under national law for infringements of the competition law provisions of the Member States and of the European Union – Directive 2014/104/EU – Articles 5 and 6 – Disclosure of evidence – Evidence in a competition authority’s file – Proceedings relating to an infringement of competition rules pending before the European Commission – National proceedings relating to an action for damages with regard to the same infringement – Conditions for the disclosure of evidence.#Case C-57/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 12 de janeiro de 2023.
RegioJet a. s. contra České dráhy a.s.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší soud.
Reenvio prejudicial — Concorrência — Abuso de posição dominante — Regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia — Diretiva 2014/104/UE — Artigos 5.o e 6.o — Divulgação de elementos de prova — Elementos de prova que figuram no processo de uma autoridade da concorrência — Processo pendente na Comissão Europeia relativo a uma infração às regras da concorrência — Processo nacional relativo a uma ação de indemnização pela mesma infração — Condições relativas à divulgação de elementos de prova.
Processo C-57/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 12 de janeiro de 2023.
RegioJet a. s. contra České dráhy a.s.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší soud.
Reenvio prejudicial — Concorrência — Abuso de posição dominante — Regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia — Diretiva 2014/104/UE — Artigos 5.o e 6.o — Divulgação de elementos de prova — Elementos de prova que figuram no processo de uma autoridade da concorrência — Processo pendente na Comissão Europeia relativo a uma infração às regras da concorrência — Processo nacional relativo a uma ação de indemnização pela mesma infração — Condições relativas à divulgação de elementos de prova.
Processo C-57/21.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:6
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
12 de janeiro de 2023 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Concorrência — Abuso de posição dominante — Regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia — Diretiva 2014/104/UE — Artigos 5.o e 6.o — Divulgação de elementos de prova — Elementos de prova que figuram no processo de uma autoridade da concorrência — Processo pendente na Comissão Europeia relativo a uma infração às regras da concorrência — Processo nacional relativo a uma ação de indemnização pela mesma infração — Condições relativas à divulgação de elementos de prova»
No processo C‑57/21,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa), por Decisão de 16 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de fevereiro de 2021, no processo
RegioJet a.s.
contra
České dráhy a.s.,
sendo intervenientes:
Česká republika, Ministerstvo dopravy,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: A. Prechal, presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen, N. Wahl (relator) e J. Passer, juízes,
advogado‑geral: M. Szpunar,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 3 de fevereiro de 2022,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação da RegioJet a.s., por O. Doležal, advokát, |
– |
em representação da České dráhy a.s., por J. Kindl, S. Mikeš e K. Muzikář, advokáti, |
– |
em representação do Governo helénico, por K. Boskovits, na qualidade de agente, |
– |
em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Sclafani, avvocato dello Stato, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por B. Ernst, P. Němečková e C. Zois, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de maio de 2022,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.os 1 e 4, do artigo 6.o, n.o 5, alínea a), e do artigo 6.o, n.os 7 e 9, da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a RegioJet a.s. à České dráhy a.s., a respeito do pedido de divulgação de elementos de prova apresentado pela RegioJet no contexto de uma ação de indemnização do prejuízo pretensamente sofrido por essa sociedade devido aos comportamentos anticoncorrenciais da České dráhy. |
Quadro jurídico
Direito da União
Regulamento (CE) n.o 1/2003
3 |
Nos termos dos considerandos 7 e 21 do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1):
[…]
|
4 |
O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Ónus da prova», dispõe: «Em todos os processos nacionais e [da União] de aplicação dos artigos [101.o] e [102.o TFUE], o ónus da prova de uma violação do n.o 1 do artigo [101.o] ou do artigo [102.o TFUE] incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação. […]» |
5 |
O artigo 5.o do referido regulamento tem a seguinte redação: «As autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência têm competência para aplicar, em processos individuais, os artigos [101.o e 102.o TFUE]. Para o efeito, podem, atuando oficiosamente ou na sequência de denúncia, tomar as seguintes decisões:
Sempre que, com base nas informações de que dispõem, não estejam preenchidas as condições de proibição, podem igualmente decidir que não se justifica a sua intervenção.» |
6 |
O capítulo III do mesmo regulamento diz respeito às decisões que a Comissão adota em aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE. Essas decisões podem consistir na verificação e na cessação da infração (artigo 7.o), na adoção de medidas provisórias (artigo 8.o), em decisões que tornem compromissos obrigatórios (artigo 9.o) e, por último, na declaração de não aplicabilidade dos artigos 101.o e 102.o TFUE (artigo 10.o). |
7 |
O artigo 11.o do Regulamento n.o 1/2003, sob a epígrafe «Cooperação entre a Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência», prevê, nos seus n.os 1 e 6: «1. A Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência aplicam as regras [da União] de concorrência em estreita cooperação. […] 6. O início por parte da Comissão da tramitação conducente à aprovação de uma decisão nos termos do capítulo III priva as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência da competência para aplicarem os artigos [101.o] e [102.o TFUE]. Se a autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência já estiver a instruir um processo, a Comissão só dará início a um processo após ter consultado essa autoridade nacional responsável em matéria de concorrência.» |
8 |
O artigo 16.o deste regulamento, sob a epígrafe «Aplicação uniforme do direito [da União] da concorrência», dispõe: «1. Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. Devem evitar tomar decisões que entrem em conflito com uma decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado. Para o efeito, o tribunal nacional pode avaliar se é ou não necessário suster a instância. Esta obrigação não prejudica os direitos e obrigações decorrentes do artigo [267.o TFUE]. 2. Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão.» |
Regulamento (CE) n.o 773/2004
9 |
O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 622/2008 da Comissão, de 30 de junho de 2008 (JO 2008, L 171, p. 3), prevê: «A Comissão pode dar início a um processo tendo em vista a adoção de uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento (CE) n.o 1/2003 em qualquer momento, mas não após a data em que tiver formulado uma apreciação preliminar nos termos do n.o 1 do artigo 9.o desse regulamento, uma comunicação de objeções ou um pedido para que os interessados diretos expressem o seu interesse em encetar conversações de transação ou a data em que tiver sido publicada uma comunicação nos termos do n.o 4 do artigo 27.o do mesmo regulamento, consoante a que ocorrer em primeiro lugar.» |
Diretiva 2014/104
10 |
Nos termos dos considerandos 6, 15, 21, 23 e 25 a 28 da Diretiva 2014/104:
[…]
[…]
[…]
[…]
|
11 |
Segundo o artigo 2.o, ponto 17, da Diretiva 2014/104 entende‑se por «[i]nformações preexistentes», os elementos de prova que existem independentemente de uma investigação de uma autoridade da concorrência, quer constem ou não do processo da autoridade da concorrência. |
12 |
O artigo 5.o, sob a epígrafe «Divulgação de elementos de prova», dispõe: «1. Os Estados‑Membros asseguram que, nos processos relativos a ações de indemnização na União e a pedido do demandante que apresentou uma justificação fundamentada com factos e elementos de prova razoavelmente disponíveis, suficientes para corroborar a plausibilidade do seu pedido de indemnização, os tribunais nacionais possam ordenar ao demandado ou a um terceiro a divulgação dos elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo, sob reserva das condições estabelecidas no presente capítulo. Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais possam, a pedido do demandado, ordenar ao demandante ou a terceiros a divulgação de elementos de prova relevantes. […] 2. Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais possam ordenar a divulgação de determinados elementos de prova ou de categorias relevantes de elementos de prova, caracterizados de forma tão precisa e estrita quanto possível com base em factos razoavelmente disponíveis indicados na justificação fundamentada. 3. Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais limitem a divulgação dos elementos de prova ao que for proporcional. Ao determinar se a divulgação requerida por uma parte é proporcional, os tribunais nacionais ponderam os interesses legítimos de todas as partes e dos terceiros interessados. Têm, nomeadamente, em consideração:
4. Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais tenham competência para ordenar a divulgação dos elementos de prova que contêm informações confidenciais quando a considerarem relevante para a ação de indemnização. Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais disponham de medidas eficazes para proteger tais informações quando ordenam a sua divulgação. 5. O interesse das empresas em evitar ações de indemnização na sequência de uma infração ao direito da concorrência não constitui interesse que justifique proteção. […] 8. Sem prejuízo dos n.os 4 e 7, e do artigo 6.o, o presente artigo não impede que os Estados‑Membros mantenham ou introduzam regras que conduzam a uma divulgação mais alargada dos elementos de prova.» |
13 |
O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Divulgação de elementos de prova incluídos no processo de uma autoridade da concorrência», enuncia: «1. Os Estados‑Membros asseguram que, para efeitos de ações de indemnização, caso os tribunais nacionais ordenem a divulgação de elementos de prova incluídos no processo de uma autoridade da concorrência, seja aplicado o presente artigo, para além do artigo 5.o […] 4. Ao avaliar, de acordo com o artigo 5.o, n.o 3, a proporcionalidade de uma decisão de divulgação de informações, os tribunais nacionais ponderam também o seguinte:
5. Os tribunais nacionais só podem ordenar a divulgação das seguintes categorias de elementos de prova depois de a autoridade da concorrência, mediante decisão ou outro meio, ter concluído o seu processo:
6. Os Estados‑Membros asseguram que, para efeitos de ações de indemnização, os tribunais nacionais não possam em nenhum momento ordenar a uma parte ou a um terceiro a divulgação das seguintes categorias de informação:
7. O demandante pode apresentar um pedido fundamentado de acesso do tribunal nacional aos elementos de prova referidos no n.o 6, alínea a) ou b), para o efeito exclusivo de assegurar que o conteúdo de tais elementos é conforme com as definições estabelecidas no artigo 2.o, pontos 16 e 18. Nessa avaliação, os tribunais nacionais só podem pedir assistência à autoridade da concorrência competente. Os autores dos elementos de prova em causa também podem ser ouvidos. O tribunal nacional não pode em nenhuma circunstância permitir o acesso de outras partes ou de terceiros a esses elementos de prova. 8. Se o elemento de prova requerido apenas for parcialmente abrangido pelo âmbito do n.o 6, as restantes partes são divulgadas nos termos das disposições aplicáveis do presente artigo, conforme a categoria a que pertençam. 9. A divulgação de elementos de prova incluídos no processo da autoridade da concorrência e não abrangidos por nenhuma das categorias mencionadas no presente artigo pode ser ordenada a qualquer momento em ações de indemnização, sem prejuízo do presente artigo. […] 11. Na medida em que pretenda pronunciar‑se sobre a proporcionalidade dos pedidos de divulgação, uma autoridade da concorrência pode, por sua própria iniciativa, apresentar observações escritas ao tribunal nacional junto do qual se pede que seja ordenada a divulgação.» |
14 |
O artigo 22.o da Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Aplicação no tempo», dispõe: «1. Os Estados‑Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente. 2. Os Estados‑Membros asseguram que quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o, que não as referidas no n.o 1, não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.» |
Direito checo
Lei n.o 143/2001
15 |
A zákon č. 143/2001 Sb. o ochraně hospodářské soutěže (Lei n.o 143/2001 relativa à Proteção da Concorrência), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei n.o 143/2001»), prevê, no seu § 1, n.o 1, que «regula a proteção da concorrência no mercado dos produtos e dos serviços […] contra toda a prática que impeça, restrinja, falseie ou ameace a concorrência». |
16 |
O § 21ca, n.o 2, da Lei n.o 143/2001 dispõe, em substância, que os documentos e as informações elaborados e apresentados para efeitos de um procedimento administrativo pendente na autoridade nacional da concorrência só podem ser divulgados às autoridades públicas no termo do inquérito ou após a decisão de concluir o procedimento administrativo da autoridade nacional da concorrência se ter tornado definitiva. |
Lei n.o 262/2017
17 |
A zákon č. 262/2017 Sb. o náhradě škody v oblasti hospodářské soutěže (Lei n.o 262/2017 relativa a Indemnizações em Matéria de Concorrência, a seguir «Lei n.o 262/2017»), visa transpor a Diretiva 2014/104 para a ordem jurídica checa. |
18 |
O § 2, n.o 2, alínea c), desta lei enuncia que constituem informações confidenciais protegidas por um dever de confidencialidade, designadamente, «os documentos comprovativos e as informações fornecidas especificamente para efeitos do procedimento administrativo ou do exercício da supervisão pela autoridade [nacional] da concorrência». |
19 |
Resulta, em substância, do § 10, n.o 1, da referida lei que, antes da abertura de um processo relativo a uma ação de indemnização por danos causados por uma restrição da concorrência, o presidente da secção ordena — a pedido da parte que intentou essa ação e que demonstra, com uma certeza correspondente aos elementos de facto disponíveis, a plausibilidade do seu direito à reparação dos danos causados pela restrição da concorrência quando tal se revele necessário e proporcional ao exercício do direito do requerente à reparação do dano sofrido — às pessoas que os tenham na sua posse a divulgação de determinados documentos que permitam investigar a situação. |
20 |
O § 15, n.o 4, da mesma lei dispõe que «a obrigação de divulgar informações confidenciais, prevista no § 2, n.o 2, alínea c), só pode ser imposta após a decisão de concluir o procedimento administrativo da autoridade da concorrência se ter tornado definitiva». |
21 |
O § 16, n.o 1, alínea c), da Lei n.o 262/2017 prevê, em substância, que, em caso de pedido de acesso a documentos que contêm informações confidenciais e que constam do processo da autoridade nacional da concorrência, o presidente da secção examina se a sua divulgação não compromete a aplicação efetiva da regulamentação em matéria de concorrência. Resulta do n.o 3 desse artigo, que os documentos que contêm informações confidenciais só podem ser divulgados depois do termo do inquérito ou depois de a decisão de concluir o procedimento administrativo da autoridade nacional da concorrência se ter tornado definitiva. |
22 |
Nos termos do § 18, n.o 1, desta lei, o presidente da secção pode, nas condições previstas nos artigos 10.o e 16.o da referida lei, ordenar a divulgação de elementos de prova igualmente após o início do processo principal. |
23 |
O § 27, n.o 1, da mesma lei prevê que, no âmbito de um processo relativo a uma ação de indemnização, o juiz está vinculado pela decisão de outro órgão jurisdicional, da Úřad pro ochranu hospodářské soutěže (Autoridade da Concorrência checa, a seguir «ÚOHS»), e da Comissão relativa à existência de uma restrição da concorrência e à identidade do seu autor. |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
24 |
Em 25 de janeiro de 2012, a ÚOHS instaurou oficiosamente um procedimento administrativo relativo a um possível abuso de posição dominante cometido pela České dráhy, transportador ferroviário nacional detido pelo Estado checo. |
25 |
Em 2015, a RegioJet, empresa que oferece, nomeadamente, serviços de transporte ferroviário de passageiros na ligação Praga‑Ostrava (República Checa), intentou uma ação de indemnização contra a České dráhy no Městský soud v Praze (Tribunal de Praga, República Checa), destinada à reparação de um dano que tem origem nos comportamentos dessa sociedade pretensamente contrários às regras da concorrência. |
26 |
Em 10 de novembro de 2016, a Comissão decidiu dar início a um procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, a fim de apreciar a existência de preços predatórios pretensamente praticados pela České dráhy por ocasião da prestação de serviços de transporte ferroviário de pessoas na República Checa, e, em especial, na linha Praga‑Ostrava (processo n.o AT.40156 — Czech Rail). |
27 |
Em 14 de novembro de 2016, a ÚOHS suspendeu o procedimento administrativo, sem, todavia, o concluir formalmente, com o fundamento de que a própria Comissão tinha dado início a um procedimento que, do ponto de vista material, visava os mesmos comportamentos que eram objeto do procedimento administrativo. |
28 |
Em 11 de outubro de 2017, a RegioJet apresentou, no âmbito da sua ação de indemnização, um pedido de divulgação de documentos ao abrigo das disposições da Lei n.o 262/2017. A RegioJet solicitou, nomeadamente, a divulgação de documentos que pressupunha que estavam na posse da České dráhy, em particular, listas e relatórios detalhados sobre o transporte ferroviário público e documentos contabilísticos relacionados com a área de atividade comercial desta última sociedade. |
29 |
Com fundamento no artigo 21ca, n.o 2, da Lei n.o 143/2001, a ÚOHS declarou que os documentos pedidos de que dispunha no âmbito do procedimento administrativo não podiam ser divulgados até à conclusão definitiva do procedimento administrativo. Além disso, declarou que os outros documentos pedidos estavam incluídos na categoria de documentos que constitui um conjunto coerente de documentos e recusou a sua divulgação com o fundamento de que poderia prejudicar a eficácia da política de repressão das infrações ao direito da concorrência. |
30 |
Em 26 de fevereiro de 2018, em resposta a um pedido formulado pelo Městský soud v Praze (Tribunal de Praga), em 12 de janeiro de 2018, a Comissão sublinhou que, quando se pronuncia sobre a divulgação dos elementos de prova, o juiz deve, no interesse da proteção dos interesses legítimos de todas as partes no processo e dos interesses de terceiros, aplicar, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade e adotar medidas destinadas a proteger essas informações. Além disso, indicava que, por força do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, os tribunais nacionais, quando são chamados a pronunciar‑se sobre questões abrangidas pelos artigos 101.o e 102.o TFUE, não podiam tomar decisões que fossem contrárias às aprovadas pela Comissão. Os tribunais também devem evitar tomar decisões que entrem em conflito com a prevista pela Comissão em processos que esta instituição tenha iniciado. Para o efeito, o tribunal nacional era convidado a avaliar se era ou não necessário suster a instância. |
31 |
Em 14 de março de 2018, o referido tribunal nacional ordenou à České dráhy que divulgasse um conjunto de documentos, juntando‑os aos autos. Esses documentos continham, por um lado, informação preparada por esta sociedade especificamente para o processo da ÚOHS e, por outro, informações obrigatoriamente preparadas e mantidas fora do âmbito deste processo, como listas detalhadas das ligações ferroviárias, relatórios trimestrais sobre o transporte ferroviário público e uma lista das ligações operadas pela České dráhy. Em contrapartida, esse tribunal indeferiu os pedidos da RegioJet que visavam obter, por um lado, a divulgação de documentos contabilísticos relativos à área de atividade comercial da České dráhy, incluindo os códigos de correspondência por linha e tipo de comboio e, por outro, a divulgação das atas das reuniões do conselho de administração da České dráhy referentes aos meses de setembro e outubro de 2011. |
32 |
Por Despacho de 19 de dezembro de 2018, esse mesmo órgão jurisdicional decidiu, ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, da Lei n.o 262/2017, suspender a instância relativa à ação de indemnização até à conclusão do processo referido no n.o 26 do presente acórdão. |
33 |
Por seu turno, a RegioJet e a České dráhy interpuseram recurso do Despacho de 14 de março de 2018 no Vrchní soud v Praze (Tribunal Superior de Praga, República Checa). Este último órgão jurisdicional confirmou, por Despacho de 29 de novembro de 2019, o Despacho de 14 de março de 2018 e adotou, a fim de assegurar a proteção dos elementos de prova divulgados, medidas que consistiam em que estes fossem colocados à guarda do tribunal e divulgados apenas às partes, aos seus representantes e aos peritos, sempre mediante pedido escrito fundamentado e após acordo prévio do juiz que conhece do processo em função da distribuição do serviço. |
34 |
A České dráhy interpôs recurso de cassação desse Despacho de 29 de novembro de 2019 para o órgão jurisdicional de reenvio, o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa). |
35 |
Foi nestas circunstâncias que o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
|
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à aplicabilidade ratione temporis dos artigos 5.o e 6.o da Diretiva 2014/104
36 |
Antes de mais, importa recordar, no que respeita à aplicação ratione temporis da Diretiva 2014/104, que esta última contém uma disposição especial que determina expressamente as condições de aplicação no tempo das suas disposições substantivas e das suas disposições não substantivas (Acórdão de 10 de novembro de 2022, PACCAR e o., C‑163/21, EU:C:2022:863, n.o 27 e jurisprudência referida). |
37 |
Com efeito, por um lado, nos termos do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, os Estados‑Membros devem assegurar que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente. |
38 |
Por outro lado, por força do artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104, os Estados‑Membros devem assegurar que não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014 quaisquer disposições nacionais, que não as referidas no artigo 22.o, n.o 1, da mesma. |
39 |
Por conseguinte, para determinar a aplicabilidade no tempo das disposições da Diretiva 2014/104 importa, em primeiro lugar, verificar se a disposição em causa é ou não uma disposição substantiva, sendo de precisar que, uma vez que o artigo 22.o da Diretiva 2014/104 não remete para o direito nacional, esta questão deve ser apreciada à luz do direito da União e não à luz do direito nacional aplicável (Acórdão de 10 de novembro de 2022, PACCAR e o., C‑163/21, EU:C:2022:863, n.o 30 e jurisprudência referida). |
40 |
A este respeito, em primeiro lugar, cabe salientar que os artigos 5.o e 6.o da referida diretiva visam atribuir aos tribunais nacionais a possibilidade de ordenar ao demandado ou a um terceiro a divulgação, em determinadas condições, de elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo e, por conseguinte, determinem a tramitação do processo relativo a uma ação de indemnização. |
41 |
Uma vez que obrigam os Estados‑Membros a dotar esses tribunais de poderes especiais no âmbito da apreciação dos litígios relativos a ações de indemnização por danos sofridos em consequência de infrações ao direito da concorrência, estas disposições visam corrigir a assimetria de informação que, em princípio, caracteriza esses litígios em detrimento da pessoa lesada, como é recordado no considerando 15 da Diretiva 2014/104, e que torna mais difícil para essa pessoa a obtenção das informações indispensáveis para intentar uma ação de indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2022, PACCAR e o., C‑163/21, EU:C:2022:863, n.o 32 e jurisprudência referida). |
42 |
Em segundo lugar, uma vez que os artigos 5.o e 6.o da Diretiva 2014/104 têm precisamente por objetivo permitir que os demandantes nesses litígios compensem o défice de informação que os afeta, os referidos artigos conduzem efetivamente a que, quando, para esse efeito, essa parte se dirija ao juiz nacional, sejam colocadas à sua disposição vantagens de que a mesma não dispunha. Não é menos verdade que estes artigos apenas têm por objeto as medidas processuais aplicáveis nos tribunais nacionais, que conferem a estes últimos poderes especiais para apurar os factos invocados pelas partes nos litígios surgidos no contexto de ações de indemnização por essas infrações, sendo que, por conseguinte, essas disposições não afetam diretamente a situação jurídica dessas partes, uma vez que não incidem sobre os elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual. |
43 |
Em especial, não se afigura que os artigos 5.o e 6.o da Diretiva 2014/104 estabeleçam novas obrigações materiais que recaiam sobre qualquer das partes nesse tipo de litígios, o que permitiria considerar estas disposições como sendo substantivas, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 10 de novembro de 2022, PACCAR e o., C‑163/21, EU:C:2022:863, n.o 34 e jurisprudência referida). |
44 |
Por conseguinte, há que concluir que os artigos 5.o e 6.o da Diretiva 2014/104 não figuram entre as disposições substantivas desta diretiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, da mesma, e que, por conseguinte, integram as demais disposições referidas no artigo 22.o, n.o 2, da diretiva em causa, tratando‑se, neste caso, de disposições processuais, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 29 e 34 das suas conclusões. |
45 |
Em segundo lugar, resulta do artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 que os Estados‑Membros dispunham de um poder discricionário para decidir, quando da transposição desta diretiva, se as regras nacionais destinadas a transpor as disposições processuais da referida diretiva se aplicavam às ações de indemnização intentadas depois de 26 de dezembro de 2014, mas antes da data de transposição da mesma diretiva ou, o mais tardar, antes do termo do prazo para a sua transposição, ou seja, antes de 27 de dezembro de 2016 (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 28). |
46 |
No caso em apreço, decorre da Lei n.o 262/2017 que o legislador checo decidiu que as disposições nacionais que se destinam a transpor as disposições processuais da Diretiva 2014/104 também se aplicam, direta e incondicionalmente, às ações intentadas antes dessa data de transposição, mas depois de 26 de dezembro de 2014. Ora, a ação de indemnização para a qual foi apresentado o pedido de divulgação de documentos foi intentada em 25 de novembro de 2015. |
47 |
Resulta das considerações precedentes que os artigos 5.o e 6.o são aplicáveis ratione temporis no processo principal e que, portanto, há que responder às questões prejudiciais relativas a estas disposições. |
Quanto ao mérito
Observações preliminares
48 |
Importa recordar que a plena eficácia das regras de concorrência previstas nos artigos 101.o e 102.o TFUE e, em particular, o efeito útil das proibições enunciadas nestas disposições, engloba a possibilidade de qualquer pessoa pedir a reparação do prejuízo que lhe tenha sido causado por um contrato ou um comportamento suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, ou o comportamento abusivo de uma empresa em posição dominante, na aceção do artigo 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 26, e de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 33). |
49 |
Como enuncia o considerando 7 do Regulamento n.o 1/2003, os tribunais nacionais desempenham uma função essencial na aplicação das regras de concorrência. Ao deliberarem sobre os litígios entre particulares, salvaguardam os direitos subjetivos decorrentes do direito da União, nomeadamente através da concessão de indemnizações às vítimas das infrações. Neste capítulo, o papel dos tribunais nacionais vem complementar o das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência. |
50 |
Embora quando se pronunciem sobre ações de indemnização, num contexto em que não exista uma decisão definitiva emanada de uma autoridade da concorrência relativa aos mesmos factos (ações denominadas «stand‑alone»), esses órgãos jurisdicionais devam, a título incidental, em princípio, pronunciar‑se sobre a existência de uma infração às regras de concorrência, a saber, a existência de acordos, decisões ou práticas, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, e do artigo 102.o TFUE, as ações cíveis não podem substituir os processos nacionais e da União de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE que são conduzidos na esfera pública e no âmbito dos quais está previsto, como enuncia o artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, que o ónus da prova de uma violação do artigo 101.o, n.o 1, ou do artigo 102.o TFUE incumbe à parte ou à autoridade que o alega. |
51 |
Por conseguinte, a interpretação das disposições da Diretiva 2014/104 relativas à divulgação de elementos de prova não pode levar a contornar os princípios que regem o ónus da prova da existência de comportamentos anticoncorrenciais quando se afigure que o objeto da ação em causa não é estritamente indemnizatório. |
52 |
Com efeito, ao adotar a Diretiva 2014/104, o legislador da União partiu precisamente da constatação, contida no considerando 6 desta diretiva, de que era necessário que ambos os instrumentos destinados a assegurar uma aplicação efetiva das regras da concorrência, que são respetivamente a execução das regras da concorrência da União pelas autoridades públicas (public enforcement) e as ações de indemnização por violação dessas regras na esfera privada (private enforcement), interagissem de maneira coerente, nomeadamente em relação aos acordos em matéria de acesso aos documentos detidos pelas autoridades da concorrência. |
53 |
Quanto às ações de indemnização por violação das regras da concorrência na esfera privada, as disposições aplicáveis à divulgação de documentos enunciados no capítulo II (artigos 5.o a 8.o) da Diretiva 2014/104 refletem uma ponderação entre, por um lado, a eficácia das ações das autoridades responsáveis pela concorrência e, por outro, a efetividade das ações de indemnização intentadas pelas pessoas que se consideram lesadas por práticas anticoncorrenciais. |
54 |
Por conseguinte, embora, tendo em conta a assimetria da informação que caracteriza frequentemente os litígios relativos às ações de indemnização destinadas a obter a reparação do prejuízo sofrido em razão das infrações ao direito da concorrência, a Diretiva 2014/104 pretenda melhorar o acesso aos elementos de prova das vítimas de comportamentos anticoncorrenciais, de que precisam necessariamente para demonstrar a procedência dos seus pedidos de indemnização, também o enquadra de modo estrito. |
55 |
Em primeiro lugar, o artigo 5.o da Diretiva 2014/104 enuncia um certo número de regras de caráter geral em matéria de divulgação de elementos de prova nos processos relativos a ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência. |
56 |
Em segundo lugar, o artigo 6.o desta diretiva prevê regras específicas para a divulgação de elementos de prova incluídos no processo de uma autoridade da concorrência, que testemunham, nomeadamente, um nível de proteção diferenciado em função das informações solicitadas e da necessidade de preservar a eficácia dos procedimentos na esfera pública. Esta disposição faz, com efeito, uma distinção entre várias categorias de elementos de prova. |
57 |
No que respeita, antes de mais, aos elementos de prova relativos às declarações de clemência e às propostas de transação (a seguir «elementos de prova que fazem parte da lista negra»), o artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva 2014/104 dispõe que os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais não possam em nenhum momento ordenar a uma parte ou a um terceiro a divulgação desses elementos de prova. |
58 |
Em seguida, no que respeita às informações preparadas por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para efeitos de um procedimento administrativo iniciado por uma autoridade da concorrência, as informações estabelecidas por esta última e enviadas às partes no decurso desse procedimento, bem como propostas de transação que foram retiradas, o artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva 2014/104 prevê que os tribunais nacionais só podem ordenar a divulgação de elementos de prova abrangidos por essas categorias (a seguir «elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta») depois de a autoridade da concorrência, mediante decisão ou outro meio, ter concluído o seu processo. |
59 |
Por último, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 9, da Diretiva 2014/104, a divulgação de elementos de prova incluídos no processo da autoridade da concorrência e não abrangidos por nenhuma das categorias anteriormente mencionadas (a seguir «elementos de prova que fazem parte da lista branca»), pode ser ordenada a qualquer momento em ações de indemnização, sem prejuízo deste artigo. |
60 |
Em terceiro lugar, importa salientar que, como resulta do seu artigo 5.o, n.o 3, e do seu artigo 6.o, n.o 4, a Diretiva 2014/104 prevê, assim, um regime específico aplicável aos pedidos de divulgação de elementos de prova no âmbito do qual esses pedidos não são automaticamente deferidos, mas em que são apreciados à luz do princípio da proporcionalidade e tendo em conta as circunstâncias e os interesses legítimos em questão. É, portanto, solicitado ao tribunal nacional chamado a pronunciar‑se que efetue uma fiscalização rigorosa da proporcionalidade, tendo simultaneamente em conta, se for caso disso, o parecer que a autoridade da concorrência em causa pode, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 11, da Diretiva 2014/104, apresentar a esse tribunal. |
61 |
É à luz destes esclarecimentos preliminares que há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. |
Quanto à primeira questão
62 |
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional ordene a divulgação de elementos de prova para efeitos de um processo nacional instaurado nesse órgão jurisdicional e relativo a uma ação de indemnização por infração ao direito da concorrência, apesar de estar pendente na Comissão um processo relativo à mesma infração, para efeitos da adoção de uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003, que conduziu o órgão jurisdicional nacional a suspender o processo nele instaurado. |
63 |
Antes de mais, importa salientar que, por força do artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, o início de um processo pela Comissão priva as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros da sua competência para aplicarem os artigos 101.o e 102.o TFUE no que respeita às mesmas infrações. |
64 |
Em contrapartida, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 1, deste regulamento, um tribunal nacional que conhece de uma ação de indemnização não fica automaticamente privado, devido ao início do processo pela Comissão, da sua competência para aplicar os artigos 101.o e 102.o TFUE e para se pronunciar sobre as infrações examinadas por esta instituição. Com efeito, segundo esta disposição, os órgãos jurisdicionais nacionais devem unicamente, por um lado, abster‑se de tomar decisões que sejam contrárias a uma decisão aprovada pela Comissão e, por outro, evitar tomar decisões que entrem em conflito com uma decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado e, para esse efeito, avaliar se é ou não necessário suster a instância. |
65 |
Resulta, além disso, de uma leitura conjunta das disposições da Diretiva 2014/104 que esta também não impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros que suspendam os seus processos relativos a ações de indemnização por infração às regras da concorrência devido à instauração de um processo na Comissão que tenha por objeto as mesmas infrações. |
66 |
Embora, como foi salientado no n.o 52 do presente acórdão, por um lado, a aplicação das regras da concorrência da União pelas autoridades públicas (public enforcement) e, por outro, as ações de indemnização por violação dessas regras na esfera privada (private enforcement) devam interagir de maneira coerente, nomeadamente em relação aos acordos em matéria de acesso aos documentos detidos pelas autoridades da concorrência, não deixa de ser verdade que têm caráter complementar e podem, em princípio, ser conduzidas concomitantemente. |
67 |
A este respeito, as disposições do artigo 6.o, n.os 5 e 9, da Diretiva 2014/104 atestam que um processo relativo a uma ação de indemnização pode prosseguir apesar da existência de um processo pendente numa autoridade da concorrência. Com efeito, enquanto os órgãos jurisdicionais nacionais só podem ordenar a divulgação de elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta quando essa autoridade tiver concluído o seu processo (artigo 6.o, n.o 5, desta diretiva), a divulgação de elementos de prova que fazem parte da lista branca pode ser ordenada «a qualquer momento em ações de indemnização» (artigo 6.o, n.o 9, da referida diretiva). |
68 |
Neste contexto, coloca‑se assim a questão de saber se a Diretiva 2014/104 se opõe a que um órgão jurisdicional nacional ordene a divulgação de elementos de prova ao abrigo das disposições nacionais que visam transpor os artigos 5.o e 6.o desta diretiva, apesar da suspensão, motivada pela existência de um processo aberto na Comissão, do processo nacional instaurado no âmbito de uma ação de indemnização. |
69 |
A este respeito, há que observar que a referida diretiva não obsta automaticamente a que um órgão jurisdicional nacional ordene a divulgação de elementos de prova no âmbito de uma ação de indemnização por uma pretensa infração às regras da concorrência, quando um processo que visa a mesma infração é simultaneamente conduzido pela Comissão e o juiz nacional suspendeu a instância relativa à ação de indemnização enquanto se aguarda a conclusão do processo da Comissão. |
70 |
Com efeito, quando um órgão jurisdicional nacional decide ordenar a divulgação de elementos de prova para efeitos de um processo relativo a uma ação de indemnização que foi suspenso devido à abertura de um processo pela Comissão, não toma, em princípio, uma decisão que seja suscetível de entrar em conflito com a decisão prevista pela Comissão nesse processo na aceção do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003. |
71 |
Dito isto, se os órgãos jurisdicionais nacionais estiverem em condições de ordenar ao demandado ou a um terceiro que apresente provas pertinentes que estão na sua posse, devem fazê‑lo sob reserva do respeito das exigências decorrentes da Diretiva 2014/104. |
72 |
Assim, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a pronunciar‑se, que estão obrigados a limitar a divulgação de elementos de prova ao que é estritamente relevante, proporcionado e necessário, devem assegurar que uma decisão relativa à divulgação de elementos de prova não interfira indevidamente numa investigação em curso por parte de uma autoridade da concorrência por infração ao direito da concorrência. Por conseguinte, esses órgãos jurisdicionais são chamados a efetuar uma análise exigente do pedido que lhes foi submetido, no que respeita à relevância dos elementos de prova solicitados, ao nexo entre esses elementos de prova e o pedido de indemnização apresentado, ao caráter suficiente do grau de precisão das referidas provas e à sua proporcionalidade. |
73 |
Como indica o considerando 23 desta diretiva, o requisito de proporcionalidade deverá ser apreciado cuidadosamente quando a divulgação implique o risco de desvendar a estratégia de investigação de uma autoridade da concorrência, revelando que documentos integram o processo, ou o risco de ter um impacto negativo na forma como as empresas cooperam com as autoridades da concorrência. Haverá que ter especial atenção de modo a impedir «investigações prospetivas», isto é, a pesquisa não específica ou excessivamente vasta de informações de improvável relevância para as partes na ação. |
74 |
A este respeito, o artigo 6.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2014/104 precisa que, ao examinar a proporcionalidade de uma decisão de divulgação de informações, os tribunais nacionais ponderam também «se a parte que requer a divulgação o faz no âmbito de uma ação de indemnização perante um tribunal nacional». |
75 |
Pode deduzir‑se que, no âmbito do exame da proporcionalidade de uma decisão de divulgação de elementos de prova, exame que deve ser efetuado de maneira cuidadosa sobretudo quando são elementos de prova que constam do processo de uma autoridade da concorrência, o tribunal nacional deve igualmente ter em conta a circunstância de o processo relativo à ação de indemnização ter sido suspenso. |
76 |
Com efeito, embora uma decisão de divulgação de elementos de prova para efeitos de um processo relativo a uma ação de indemnização não seja abrangida, a priori, pelas «decisões» referidas no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, tanto, por um lado, o princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE como, por outro, o objetivo de uma aplicação eficaz e uniforme do direito da concorrência da União exigem que um órgão jurisdicional nacional tenha em conta o processo pendente na Comissão ao adotar qualquer decisão ou medida no decurso de um processo relativo a uma ação de indemnização, especialmente quando essa decisão ou medida diz respeito à constatação da existência de uma infração idêntica ou semelhante ao direito da concorrência. |
77 |
Por conseguinte, quando um órgão jurisdicional ordena às partes ou a terceiros a divulgação de elementos de prova no âmbito de uma ação de indemnização que tenha sido suspensa devido à abertura de uma investigação pela Comissão, deve assegurar‑se de que essa apresentação, que deve dar seguimento a um pedido suficientemente circunscrito e fundamentado, é necessária e proporcionada para prosseguir essa ação. |
78 |
Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional ordene a divulgação de elementos de prova para efeitos de um processo nacional instaurado nesse órgão jurisdicional e relativo a uma ação de indemnização por infração ao direito da concorrência, apesar de estar pendente na Comissão um processo relativo a esta infração, para efeitos da adoção de uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003, que conduziu o órgão jurisdicional nacional a suspender o processo nele pendente. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional nacional certificar‑se de que a divulgação de elementos de prova requeridos nessa fase do processo, que deve preencher as condições enunciadas nos artigos 5.o e 6.o da Diretiva 2014/104, não ultrapassa o que é necessário à luz do pedido de indemnização que lhe foi submetido. |
Quanto à terceira questão
79 |
Com a sua terceira questão, que importa examinar antes da segunda, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que a suspensão por uma autoridade nacional da concorrência do seu procedimento administrativo, pelo facto de a Comissão ter dado início a um processo nos termos do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003, pode ser equiparada à conclusão desse procedimento administrativo por esta autoridade «mediante decisão ou outro meio», na aceção desta disposição. |
80 |
A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 6.o, n.o 5, dessa diretiva, os tribunais nacionais só podem ordenar a divulgação de elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta «depois de a autoridade da concorrência, mediante decisão ou outro meio, ter concluído o seu processo». |
81 |
A interpretação literal desta disposição, o contexto em que se insere e os objetivos que prossegue indicam que uma suspensão do processo relativo à ação de indemnização, como a que está em causa no processo principal, não pode ser equiparada à conclusão do processo. |
82 |
Antes de mais, no sentido literal, a «suspensão» designa uma paragem provisória da instância. O processo não está, portanto, concluído, dado que é retomado quando desaparece a causa da suspensão. |
83 |
Isto é confirmado pelo considerando 25 da Diretiva 2014/104, que fornece exemplos de decisões de conclusão de processos, por referência, nomeadamente, às decisões que podem ser adotadas pela Comissão em conformidade com o capítulo III do Regulamento n.o 1/2003. Esse considerando precisa assim que a conclusão do processo resulta da adoção, por exemplo, de uma decisão nos termos do artigo 5.o do Regulamento n.o 1/2003, «exceto decisões relativas a medidas provisórias». |
84 |
Além disso, quando a Diretiva 2014/104 faz referência à conclusão do processo mediante decisão ou «outro meio», trata‑se de medidas que, quanto à sua substância e finalidade, são adotadas quando uma autoridade nacional da concorrência decide que, tendo em conta as informações recolhidas no decurso do processo, é possível ou mesmo necessário decidir e concluir o mesmo. |
85 |
Por conseguinte, o facto de uma autoridade nacional da concorrência suspender o seu procedimento administrativo, mesmo que essa suspensão tenha sido motivada pela abertura de um processo pela Comissão, não pode ser equiparado à conclusão desse procedimento administrativo por esta autoridade «mediante outro meio». |
86 |
Em seguida, a suspensão do procedimento administrativo decidida por uma autoridade nacional da concorrência, nos termos do artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, deve ser analisada no contexto das regras que regulam as competências paralelas da Comissão, por um lado, e das autoridades nacionais da concorrência, por outro. |
87 |
Como o Tribunal de Justiça declarou, o início de um processo pela Comissão não priva, de modo permanente e definitivo, as autoridades nacionais da concorrência da sua competência para aplicar a legislação nacional em matéria de concorrência, uma vez que esta é reativada a partir do momento em que o processo instaurado pela Comissão está concluído (Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, EU:C:2012:72, n.os 79 e 80). |
88 |
Por outro lado, nos termos do artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros conservam o seu poder de atuação tanto no âmbito do direito da União como do direito nacional da concorrência, mesmo que a própria Comissão já tenha tomado uma decisão, na condição de não tomarem decisões que sejam contrárias à decisão adotada pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, EU:C:2012:72, n.os 84 a 86). |
89 |
Uma suspensão do procedimento administrativo até que a Comissão tenha concluído a investigação no processo em causa não constitui, portanto, uma conclusão desse procedimento no sentido de que houve adoção de um ato final relativo à infração em questão, devendo ser considerada uma medida provisória. Assim, se a Comissão decidir concluir o seu procedimento sem tomar uma decisão relativa à infração, a autoridade nacional da concorrência em causa pode, em princípio, decidir reabrir o seu processo. |
90 |
Por último, no que respeita aos objetivos prosseguidos pelo artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva 2014/104, importa salientar que, como resulta do considerando 25 desta diretiva, a proteção aplicável aos elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta visa garantir que a divulgação de documentos não interfere indevidamente com uma investigação em curso, por parte de uma autoridade nacional da concorrência, relativa a uma infração ao direito da concorrência da União ou nacional. Permitir a divulgação de elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta após uma suspensão do processo ordenada por uma autoridade nacional da concorrência, mas durante uma investigação em curso da Comissão, poderia comprometer, mesmo seriamente, a eficácia dessa investigação da Comissão e, por conseguinte, os objetivos da referida diretiva. |
91 |
Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que a suspensão por uma autoridade nacional da concorrência do seu procedimento administrativo, pelo facto de a Comissão ter dado início a um processo nos termos do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003, não pode ser equiparada à conclusão desse procedimento administrativo por esta autoridade «mediante decisão ou outro meio», na aceção desta disposição. |
Quanto à segunda questão
92 |
A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas, mas também ter em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não tenha feito referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 13 de outubro de 2022, Herios, C‑593/21, EU:C:2022:784, n.o 19 e jurisprudência referida). |
93 |
A este respeito, embora a segunda questão prejudicial, como formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, se destine expressamente apenas à interpretação do artigo 6.o, n.os 5 e 9, da Diretiva 2014/104, esse órgão jurisdicional pretende saber, como resulta dos termos do seu pedido de decisão prejudicial, se esta diretiva se opõe à adoção de uma regulamentação nacional que amplia a informação cuja divulgação está excluída durante o processo da autoridade da concorrência. Ora, na medida em que a margem de que dispõem os Estados‑Membros no que respeita à transposição dos artigos 5.o e 6.o da referida diretiva está delimitada pelas disposições do artigo 5.o, n.o 8, da mesma diretiva, há que reformular a segunda questão prejudicial e alargar o seu alcance a esta última disposição. |
94 |
Por conseguinte, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 8, o artigo 6.o, n.o 5, alínea a), e o artigo 6.o, n.o 9, da Diretiva 2014/104 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que restringe temporariamente, por força do artigo 6.o, n.o 5, desta diretiva, não apenas a divulgação da informação «preparada» especificamente para o processo da autoridade da concorrência, mas também a divulgação de toda a informação «apresentada» para esse efeito. |
95 |
A este respeito, em primeiro lugar, há que apreciar a admissibilidade desta segunda questão posta em causa pela České dráhy, alegando que esta questão é prematura e hipotética na medida em que, até à data, os tribunais nacionais checos não se pronunciaram sobre a questão de saber se os documentos objeto do pedido de divulgação pela České dráhy tinham sido preparados especificamente para o processo iniciado pela ÚOHS ou para o processo conduzido pela Comissão. |
96 |
A este respeito, basta recordar que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.os 27 e 28). |
97 |
Não é o que sucede no presente caso. A resposta à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio visa facilitar‑lhe a identificação dos elementos de prova que não fazem parte da lista cinzenta, mas da lista branca, e que, sendo caso disso, podem, não obstante a circunstância de a autoridade da concorrência não ter concluído o seu processo, ser objeto de um pedido de divulgação de documentos nos termos das disposições nacionais que transpõem a Diretiva 2014/104. |
98 |
Daqui resulta que a segunda questão prejudicial é admissível. |
99 |
Em segundo lugar, quanto ao mérito, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre o alcance das informações que beneficiam da proteção temporária prevista no artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva 2014/104 no que respeita aos elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta. |
100 |
O órgão jurisdicional de reenvio observa, neste contexto, que resulta da redação do § 16, n.o 3, da Lei n.o 262/2017, em conjugação com o seu § 2, n.o 2, alínea c), que a limitação temporal aplicável à divulgação de elementos de prova durante o período em que decorre um procedimento conduzido por uma autoridade da concorrência é aplicável a todas as informações fornecidas à autoridade da concorrência para efeitos desse procedimento, e não apenas à informação «preparada especificamente» para efeitos do referido procedimento. |
101 |
A este respeito, decorre inequivocamente da redação do artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva 2014/104, lido à luz do seu considerando 25, que a proteção temporária conferida por força desta disposição não é para toda a informação que tenha sido apresentada especificamente, espontaneamente ou a pedido da autoridade da concorrência, para tal processo, mas apenas a informação que tenha sido preparada especificamente para o processo dessa autoridade. |
102 |
Esta conclusão é confirmada por uma interpretação sistemática da disposição em causa. |
103 |
A este respeito, importa referir, em primeiro lugar, o artigo 6.o, n.o 9, da Diretiva 2014/104, que diz respeito aos elementos de prova que fazem parte da lista branca, nos termos do qual a divulgação de elementos de prova incluídos no processo da autoridade da concorrência e não abrangidos pelas listas cinzenta e negra pode ser ordenada a qualquer momento em ações de indemnização. O considerando 28 desta diretiva clarifica o alcance desta disposição na medida em que utiliza os termos «elementos de prova que existem independentemente do processo de uma autoridade da concorrência (“informação preexistente”)» para ilustrar os elementos de prova cuja divulgação não é automaticamente proibida pela referida diretiva, pelo facto de fazerem parte das listas cinzenta ou negra. |
104 |
Em segundo lugar, importa igualmente salientar que o artigo 2.o, ponto 17, da mesma diretiva define o conceito de «informações preexistentes» como «os elementos de prova que existem independentemente de uma investigação de uma autoridade da concorrência, quer constem ou não do processo da autoridade da concorrência». |
105 |
Resulta desta definição que os elementos de prova que constam de tal processo são também eles suscetíveis de integrar a lista branca. Em especial, as informações que uma parte no processo tem a obrigação de preparar e de manter (ou prepara e mantém) com fundamento noutra regulamentação, e independentemente do processo de infração ao direito da concorrência, constituem informações preexistentes, cuja divulgação pode, em princípio, ser ordenada a qualquer momento pelos tribunais nacionais, uma vez que se trata de elementos de prova que fazem parte da lista branca. |
106 |
Em terceiro lugar, refletindo a ideia segundo a qual há que, por um lado, limitar a proteção conferida aos elementos de prova das listas cinzenta e negra aos casos em que esta proteção é efetivamente necessária e, por isso, adequada do ponto de vista dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2014/104, e, por outro, autorizar um acesso razoavelmente amplo aos elementos de prova, o artigo 6.o, n.o 8, desta diretiva prevê que, se o elemento de prova requerido apenas for parcialmente abrangido pela lista negra, as restantes partes são divulgadas nos termos das disposições aplicáveis do artigo 6.o da referida diretiva, conforme a categoria a que pertençam. |
107 |
Em quarto lugar, resulta do artigo 5.o, n.o 8, da Diretiva 2014/104, que autoriza os Estados‑Membros a adotarem regras que conduzam a uma divulgação mais alargada dos elementos de prova, sem prejuízo dos n.os 4 e 7 deste artigo, e do artigo 6.o desta diretiva, que os Estados‑Membros não estão autorizados a matizar, quando da transposição da Diretiva 2014/104, as condições de acordo com as quais os elementos de prova são classificados nas listas cinzenta, negra ou branca. |
108 |
Em particular, autorizar os Estados‑Membros a ampliar o âmbito da informação que faz parte da lista cinzenta conduziria a uma divulgação mais limitada dos elementos de prova, em contradição com a lógica do artigo 5.o, n.o 8, dessa diretiva. O objetivo de harmonização da referida diretiva ficaria comprometido se os Estados‑Membros tivessem, em matéria de divulgação de elementos de prova, a possibilidade de introduzir regras mais restritivas do que as enunciadas nos artigos 5.o e 6.o da mesma diretiva. |
109 |
Por conseguinte, uma legislação nacional que limita temporariamente a divulgação de toda a informação apresentada no decurso de um procedimento a pedido de uma autoridade da concorrência ou espontaneamente, incluindo a informação preexistente, não está em conformidade com o artigo 6.o, n.o 5, alínea a), e com o artigo 6.o, n.o 9, da Diretiva 2014/104. |
110 |
Esta conclusão não implica que o juiz, a quem foi submetido um pedido de divulgação de elementos de prova no âmbito de um processo relativo a uma ação de indemnização por violação das regras da concorrência, seja necessariamente obrigado a ordenar a divulgação de todos os documentos que não tenham sido preparados especificamente para efeitos do processo pendente na autoridade da concorrência. |
111 |
Com efeito, compete em todos os casos ao órgão jurisdicional nacional, e ainda mais quando o processo tenha sido suspenso enquanto se aguarda a conclusão de um procedimento administrativo iniciado por uma autoridade da concorrência, assegurar‑se de que a divulgação de elementos de prova requeridos nessa fase do processo, que deve preencher as condições enunciadas nos artigos 5.o e 6.o da Diretiva 2014/104, não ultrapassa o que é necessário à luz do pedido de indemnização que lhe foi submetido. |
112 |
Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, n.o 8, o artigo 6.o, n.o 5, alínea a), e o artigo 6.o, n.o 9, da Diretiva 2014/104 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que restringe temporariamente, por força do artigo 6.o, n.o 5, desta diretiva, não apenas a divulgação da informação «preparada» especificamente para o processo da autoridade da concorrência, mas também a divulgação de toda a informação «apresentada» para esse efeito. |
Quanto à quarta questão
113 |
Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, em conjugação com o seu artigo 6.o, n.o 5, alínea a), deve ser interpretado no sentido de que estas disposições não se opõem a que um tribunal nacional se pronuncie sobre um pedido de divulgação de elementos de prova e ordene que os mesmos sejam colocados à guarda do tribunal, adiando a apreciação da questão de saber se esses elementos de prova fazem parte da lista cinzenta na medida em que contêm «informação preparada por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para o processo de uma autoridade da concorrência», na aceção desta última disposição, até ao momento em que tenha acesso a esses elementos de prova. |
114 |
Com efeito, não obstante a referência feita no artigo 6.o, n.o 7, da Diretiva 2014/104, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em suma, saber se um órgão jurisdicional pode ordenar a divulgação de elementos de prova, regulada no artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva, a fim de apreciar se esses elementos de prova contêm a «informação preparada por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para o processo de uma autoridade da concorrência», na aceção do artigo 6.o, n.o 5, alínea a), da referida diretiva. |
115 |
A este respeito, há que recordar que o legislador previu, no artigo 6.o, n.o 7, da Diretiva 2014/104, no que respeita aos elemento de prova que fazem parte da lista negra, um mecanismo de verificação prévia com vista a que um órgão jurisdicional nacional aceda a tais elementos de prova, apenas para que este se assegure de que o seu conteúdo corresponde efetivamente a uma «[d]eclaração de clemência» ou a uma «[p]roposta de transação» como definida no artigo 2.o, pontos 16 e 18, da referida diretiva e que, por conseguinte, se trata efetivamente de elementos de prova que fazem parte da lista negra. |
116 |
Esse mecanismo de verificação não está, todavia, previsto no que respeita aos elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta que entram no âmbito de aplicação do artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva 2014/104. A razão disso é que, diferentemente dos elementos de prova que fazem parte da lista negra, a proteção de que beneficiam as que fazem parte da lista cinzenta é apenas temporária. |
117 |
No caso em apreço, coloca‑se a questão de saber se a Diretiva 2014/104 se opõe a que um órgão jurisdicional nacional possa, com base numa possibilidade conferida pelo direito processual nacional aplicável, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tomar medidas com o objetivo de apreciar se os elementos de prova cuja divulgação é solicitada em apoio de uma ação de indemnização por violação das regras da concorrência, e ainda que o processo da autoridade da concorrência ainda esteja pendente, fazem efetivamente parte da lista cinzenta. |
118 |
No processo principal, afigura‑se que o tribunal de recurso ordenou a divulgação de elementos de prova prevendo, por sua própria iniciativa, uma análise da questão de saber se, entre esses elementos de prova, se encontravam elementos de prova da lista cinzenta, após a sua divulgação ao juiz, mas antes da sua divulgação ao requerente na sequência de um pedido fundamentado apresentado por este último. |
119 |
A este respeito, importa sublinhar que, como resulta igualmente do considerando 21 da Diretiva 2014/104, o regime previsto no artigo 6.o, n.o 5, desta diretiva, em matéria de elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta, tem por objetivo evitar que uma decisão relativa à divulgação de elementos de prova interfira indevidamente com uma investigação em curso, por parte de uma autoridade da concorrência, por uma infração ao direito da concorrência da União ou nacional. |
120 |
Daqui resulta que a harmonização exaustiva prevista nessa disposição foi realizada pelo legislador da União, principalmente em benefício do interesse da aplicação do direito da concorrência pelas entidades públicas. |
121 |
A prossecução desse objetivo implica que o acesso aos elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta não seja concedido aos requerentes nem a terceiros antes de a autoridade da concorrência ter concluído o seu processo. |
122 |
Em contrapartida, este objetivo não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, ao aplicar um instrumento processual nacional, ordene a divulgação de elementos de prova, que poderiam fazer parte da lista cinzenta, unicamente com a perspetiva de colocar à guarda do tribunal os documentos visados e de os divulgar ao requerente, a pedido, apenas depois de o órgão jurisdicional nacional ter verificado se esses documentos continham efetivamente elementos de prova que fazem parte dessa lista. |
123 |
Com efeito, tendo em conta a necessidade de corrigir a assimetria de informação e de salvaguardar a efetividade da aplicação do direito da concorrência na esfera privada, necessidade subjacente à adoção da Diretiva 2014/104, esta diretiva permite, em princípio, a um órgão jurisdicional nacional dispor, ao abrigo do direito processual nacional aplicável, de tal instrumento nacional, a fim de, nomeadamente, prevenir o recurso excessivo à isenção prevista no artigo 6.o, n.o 5, da referida diretiva. |
124 |
Este instrumento processual é suscetível de contribuir para a efetividade dos pedidos de indemnização na esfera privada, preservando simultaneamente a proteção de que devem beneficiar os elementos de prova que fazem parte da lista cinzenta enquanto a autoridade da concorrência não tiver, de uma maneira ou de outra, concluído o seu processo. |
125 |
Dito isto, o recurso a esse instrumento deve respeitar as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, conforme especificadas no artigo 5.o, n.o 3, e no artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2014/104. |
126 |
Nomeadamente, há que ter em conta o alcance e o custo da divulgação de elementos de prova, a relevância dos elementos de prova cuja divulgação foi solicitada para sustentar a procedência do pedido de indemnização ou ainda a questão de saber se o pedido de divulgação de elementos de prova que figura no processo da autoridade da concorrência foi formulado especificamente no que respeita à natureza, ao objeto ou ao conteúdo dos documentos visados. |
127 |
Como recorda o considerando 23 da Diretiva 2014/104, convém evitar deferir pedidos não específicos ou excessivamente vastos de informações de improvável relevância para as partes na ação. Deve assim ser dada especial atenção e não devem, por conseguinte, ser considerados proporcionados os pedidos destinados a uma divulgação genérica de documentos no processo de uma autoridade da concorrência relativos a um determinado caso, ou à divulgação genérica de documentos apresentados por uma parte no âmbito de um determinado caso. |
128 |
Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, em conjugação com o seu artigo 6.o, n.o 5, alínea a), deve ser interpretado no sentido de que estas disposições não se opõem a que um órgão jurisdicional nacional, em aplicação de um instrumento processual de direito nacional, se pronuncie sobre a divulgação de elementos de prova e ordene que os mesmos sejam colocados à guarda do tribunal, adiando a apreciação da questão de saber se os elementos de prova contêm «informação preparada por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para o processo de uma autoridade da concorrência», na aceção desta última disposição, até ao momento em que esse órgão jurisdicional tenha acesso aos referidos elementos de prova. O recurso a esse instrumento deve, contudo, respeitar as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, conforme especificadas no artigo 5.o, n.o 3, e no artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2014/104. |
Quanto à quinta questão
129 |
Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional adia a análise da questão de saber se os elementos de prova cuja divulgação é pedida contêm «informação preparada por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para o processo de uma autoridade da concorrência», esse órgão jurisdicional pode recusar ao requerente ou a outras partes no processo, bem como aos seus representantes, o acesso a esses elementos de prova em conformidade com o artigo 5.o, n.o 4, dessa diretiva. |
130 |
A este respeito, basta recordar que, por força do artigo 6.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva 2014/104, os órgãos jurisdicionais nacionais têm não só o direito, mas também a obrigação de assegurar que outra parte no processo não tenha acesso, no decurso de um processo iniciado por uma autoridade da concorrência, às informações preparadas por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para efeitos desse processo. |
131 |
Se, consequentemente, um órgão jurisdicional nacional, em aplicação de um instrumento processual de direito nacional, ordenar a divulgação de elementos de prova suscetíveis de fazerem parte da lista cinzenta a fim de apreciar se é esse o caso, esse órgão jurisdicional deve assegurar, independentemente da questão de saber se os documentos visados contêm ou não informações confidenciais, que outra parte no processo não tenha acesso a esses elementos de prova, quando estes fazem parte da lista branca, antes de concluir essa apreciação ou, quando os referidos elementos de prova fazem parte da lista cinzenta, antes de a autoridade da concorrência competente concluir o seu processo. |
132 |
Por conseguinte, há que responder à quinta questão que o artigo 6.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional, em aplicação de um instrumento processual de direito nacional, adia a apreciação da questão de saber se os elementos de prova cuja divulgação é pedida contêm «informação preparada por uma pessoa singular ou coletiva especificamente para o processo de uma autoridade da concorrência», esse órgão jurisdicional deve assegurar que o requerente ou outras partes no processo, bem como os seus representantes, não têm acesso a esses elementos de prova, quando estes fazem parte da lista branca, antes de concluir essa apreciação ou, quando os referidos elementos de prova fazem parte da lista cinzenta, antes de a autoridade da concorrência competente concluir o seu processo. |
Quanto às despesas
133 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: checo.