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Document 62020CJ0597

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 29 de setembro de 2022.
Polskie Linie Lotnicze « LOT » SA contra Budapest Főváros Kormányhivatala.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék.
Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 16.o — Indemnização e assistência aos passageiros — Missão do organismo nacional responsável pela execução do referido regulamento — Regulamentação nacional que confere a esse organismo o poder de obrigar uma transportadora aérea a pagar a indemnização devida a um passageiro — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito de recurso num órgão jurisdicional.
Processo C-597/20.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:735

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

29 de setembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 16.o — Indemnização e assistência aos passageiros — Missão do organismo nacional responsável pela execução do referido regulamento — Regulamentação nacional que confere a esse organismo o poder de obrigar uma transportadora aérea a pagar a indemnização devida a um passageiro — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito de recurso num órgão jurisdicional»

No processo C‑597/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 27 de outubro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de novembro de 2020, no processo

Polskie Linie Lotnicze «LOT» S.A.

contra

Budapest Főváros Kormányhivatala,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, N. Jääskinen, M. Safjan, N. Piçarra e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 2 de fevereiro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Polskie Linie Lotnicze «LOT» S.A., por S. Berecz e A. Csehó, ügyvédek,

em representação da Budapest Főváros Kormányhivatala, por G. Cziráky, consultor jurídico, e G. Tóth, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por Z. Biró‑Tóth e M. Z. Fehér, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e J. Lachowicz, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por V. Bottka, L. Havas e K. Simonsson, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de abril de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 16.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a transportadora aérea Polskie Linie Lotnicze «LOT» SA (a seguir «LOT») à Budapest Főváros Kormányhivatala (Divisão da Proteção dos consumidores nos serviços da administração local de Budapeste‑Capital, Hungria) (a seguir «divisão da proteção dos consumidores»), a respeito da decisão através da qual esta última impôs à LOT o pagamento da indemnização prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 1, 2, 4, 21 e 22 do Regulamento n.o 261/2004 enunciam:

«(1)

A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

(2)

As recusas de embarque e o cancelamento ou atraso considerável dos voos causam sérios transtornos e inconvenientes aos passageiros.

[…]

(4)

Por conseguinte, a Comunidade deverá elevar os níveis de proteção estabelecidos naquele regulamento, quer para reforçar os direitos dos passageiros, quer para garantir que as transportadoras aéreas operem em condições harmonizadas num mercado liberalizado.

[…]

(21)

Os Estados‑Membros deverão estabelecer regras relativas às sanções aplicáveis em caso de infração ao disposto no presente regulamento e assegurar a sua aplicação. Essas sanções deverão ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

(22)

Os Estados‑Membros deverão assegurar e fiscalizar o cumprimento geral do presente regulamento pelas transportadoras aéreas e designar um organismo adequado para desempenhar essas tarefas. A fiscalização não deverá afetar o direito dos passageiros e das transportadoras aéreas de obterem reparação legal junto dos tribunais nos termos previstos no direito nacional.»

4

O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Cancelamento», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

[…]

c)

Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

[…]

iii)

tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.

[…]

3.   A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.o, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.»

5

O artigo 7.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Direito a indemnização», dispõe, no seu n.o 1:

«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)

250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

b)

400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros;

c)

600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.»

6

O artigo 12.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Indemnização suplementar», enuncia, no seu n.o 1:

«O presente regulamento aplica‑se sem prejuízo dos direitos dos passageiros a uma indemnização suplementar. A indemnização concedida ao abrigo do presente regulamento pode ser deduzida dessa indemnização.»

7

O artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, sob a epígrafe «Infrações», tem a seguinte redação:

«1.   Cada Estado‑Membro deve designar o organismo responsável pela execução do presente regulamento no que respeita aos aeroportos situados no seu território e aos voos provenientes de países terceiros com destino a esses aeroportos. Sempre que adequado, esse organismo deve tomar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros. Os Estados‑Membros devem comunicar à Comissão qual o organismo que designaram em conformidade com o presente número.

2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 12.o, cada passageiro pode apresentar uma queixa a qualquer organismo designado nos termos do n.o 1, ou a qualquer outro organismo competente designado por um Estado‑Membro, sobre uma alegada infração ao disposto no presente regulamento ocorrida em qualquer aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ou em qualquer voo de um país terceiro com destino a um aeroporto situado nesse território.

3.   As sanções estabelecidas pelos Estados‑Membros para as infrações ao disposto no presente regulamento devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

Direito húngaro

8

Nos termos do artigo 43.o/A, n.o 2, da fogyasztóvédelemről szóló 1997. évi CLV. törvény (Lei n.o CLV de 1997 Relativa à Proteção dos Consumidores), de 15 de dezembro de 1997 (Magyar Közlöny 1997/119., p. 9558, a seguir «Lei de Proteção dos Consumidores»):

«A autoridade de proteção dos consumidores — se necessário, após consultar a autoridade responsável pela aviação — é responsável pela execução do [Regulamento (UE) 2017/2394 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017, relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de proteção dos consumidores e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO 2017, L 345, p. 1),] no que diz respeito à violação das disposições do Regulamento n.o 261/2004 dentro da União Europeia.»

9

Nos termos do artigo 47.o, n.o 1, alíneas c) e i), da Lei de Proteção dos Consumidores, a autoridade de proteção dos consumidores está habilitada a obrigar a empresa em causa a pôr termo, num determinado prazo, às irregularidades e às lacunas verificadas, bem como a aplicar coimas de «proteção dos consumidores».

Litígio no processo principal e questão prejudicial

10

Na sequência de um atraso de mais de três horas do seu voo com partida de Nova Iorque (Estados Unidos da América) e com destino a Budapeste (Hungria), os passageiros dirigiram‑se à divisão da proteção do consumidor para que esta impusesse à LOT, a título de reparação pela violação do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004, o pagamento da indemnização prevista no artigo 7.o deste regulamento.

11

Por Decisão de 20 de abril de 2020, esta divisão declarou uma violação, nomeadamente, do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004 e impôs à LOT o pagamento de uma indemnização no montante de 600 euros a cada passageiro em causa.

12

Considerando que a divisão da proteção dos consumidores não tem competência para impor o pagamento dessa indemnização, a LOT impugnou essa decisão no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), a saber, o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

13

De acordo com as Conclusões do advogado‑geral nos processos apensos Ruijssenaars e o. (C‑145/15 e C‑146/15, EU:C:2016:12), a LOT alega que a relação entre uma transportadora aérea e um passageiro é de natureza civil. Nestas circunstâncias, a prática húngara que permite à divisão da proteção dos consumidores impor às transportadoras aéreas o pagamento de uma indemnização com base no Regulamento n.o 261/2004 priva os órgãos jurisdicionais civis húngaros da sua competência.

14

A divisão da proteção dos consumidores considera‑se, em contrapartida, competente por força do artigo 16.o, n.os 1 e 2, deste regulamento. Segundo esta divisão, a Lei de Proteção dos Consumidores prevê que esta é responsável pela execução do Regulamento 2017/2394 em caso de violação das disposições do Regulamento n.o 261/2004. Ora, neste âmbito, dispõe do poder de aplicar uma coima de «proteção dos consumidores».

15

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a divisão da proteção dos consumidores pode impor a uma transportadora aérea o pagamento de uma indemnização, na aceção do artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, pela violação das disposições do mesmo.

16

Segundo este órgão jurisdicional, o dispositivo do Acórdão de 17 de março de 2016, Ruijssenaars e o. (C‑145/15 e C‑146/15, EU:C:2016:187), não permite determinar se o Tribunal de Justiça se afastou da interpretação do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 proposta pelo advogado‑geral nas suas conclusões nos processos que deram origem a este acórdão. Segundo essa interpretação, um organismo nacional chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual de um passageiro aéreo não pode adotar medidas coercivas contra a transportadora aérea em causa que a forcem a pagar a indemnização que é devida a esse passageiro por força desse regulamento.

17

Considera, por outro lado, que este acórdão não é diretamente transponível para o âmbito do processo principal. Com efeito, na Hungria, diferentemente da situação em causa no referido acórdão, a divisão da proteção dos consumidores impõe sistematicamente às transportadoras aéreas o pagamento da indemnização prevista no Regulamento n.o 261/2004, ainda que seja possível recorrer igualmente aos órgãos jurisdicionais civis.

18

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, embora a divisão da proteção dos consumidores disponha de uma competência geral para conhecer das infrações às disposições do Regulamento n.o 261/2004, não existe uma disposição específica na regulamentação húngara que permita a essa divisão adotar medidas coercivas para a indemnização dos passageiros em caso de incumprimento deste regulamento.

19

Foi nestas circunstâncias que o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 16.o, n.os 1 e 2, do Regulamento [n.o 261/2004] ser interpretado no sentido de que o organismo nacional responsável pela execução deste regulamento, chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual de um passageiro, não pode obrigar a transportadora aérea em causa a pagar a indemnização devida ao passageiro prevista no [referido] regulamento?»

Quanto à questão prejudicial

20

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que um organismo nacional responsável pela execução deste regulamento pode obrigar uma transportadora aérea a pagar uma indemnização, na aceção do artigo 7.o do referido regulamento, devida aos passageiros por força do mesmo regulamento, quando esse organismo nacional tiver sido chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual de um passageiro.

21

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.

22

No que respeita, em primeiro lugar, à redação do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, resulta dos termos do n.o 1 deste artigo que cada Estado‑Membro deve designar o organismo responsável pela execução do referido regulamento no que respeita aos aeroportos situados no seu território e aos voos provenientes de países terceiros com destino a esses aeroportos, tomando este organismo, se for casso disso, as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros.

23

O artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 precisa, por sua vez, que cada passageiro pode apresentar uma queixa a qualquer organismo designado nos termos do n.o 1 deste artigo, ou a qualquer outro organismo competente designado por um Estado‑Membro, sobre uma alegada infração ao disposto neste regulamento ocorrida em qualquer aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ou em qualquer voo de um país terceiro com destino a um aeroporto situado nesse território.

24

Tendo em conta a redação destas disposições, o Tribunal de Justiça declarou que as queixas referidas no artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 devem antes ser consideradas alertas destinados a contribuir para a boa aplicação do mesmo regulamento, em geral, sem que seja imposto ao organismo designado que atue na sequência dessas queixas a fim de garantir o direito de cada passageiro obter uma indemnização (Acórdão de 17 de março de 2016, Ruijssenaars e o., C‑145/15 e C‑146/15, EU:C:2016:187, n.o 31).

25

Do mesmo modo, no que respeita ao conceito de «sanções» constante do artigo 16.o, n.o 3, do referido regulamento, o Tribunal de Justiça considerou, à luz do considerando 21 do mesmo regulamento, que este designava as medidas tomadas em reação às violações que o organismo apura no exercício da sua fiscalização de caráter geral prevista no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, e não as medidas coercivas administrativas que devem ser tomadas em cada caso individual (Acórdão de 17 de março de 2016, Ruijssenaars e o., C‑145/15 e C‑146/15, EU:C:2016:187, n.o 32).

26

Todavia, há que observar que nada na redação do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 proíbe um Estado‑Membro de atribuir essa competência coerciva a um organismo responsável pela execução deste regulamento. Em contrapartida, como salienta o advogado‑geral no n.o 36 das suas conclusões, decorre dos termos deste artigo que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de manobra quanto às competências que pretendem conferir aos respetivos organismos nacionais para efeitos da defesa dos direitos dos passageiros.

27

Além disso, o Tribunal de Justiça indicou que, tendo em conta, nomeadamente, a margem de manobra de que os Estados‑Membros dispõem na atribuição de competências que pretendem conferir aos organismos referidos no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, os Estados‑Membros, para suprir uma insuficiência de proteção dos direitos dos passageiros dos transportes aéreos, têm a faculdade de habilitar esses organismos a adotar medidas na sequência de queixas individuais (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2016, Ruijssenaars e o., C‑145/15 e C‑146/15, EU:C:2016:187, n.o 36).

28

Em segundo lugar, o contexto em que se insere o artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 milita igualmente a favor de tal interpretação.

29

A este respeito, resulta do artigo 12.o e do artigo 16.o, n.o 2, deste regulamento, lidos à luz do considerando 22 do referido regulamento, que o único limite à competência dos organismos designados para assegurar a aplicação do mesmo regulamento é o direito dos passageiros aéreos solicitarem junto de um órgão jurisdicional uma indemnização suplementar à indemnização fixa prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004.

30

Embora os montantes fixos previstos no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 constituam uma indemnização uniforme e imediata suscetível de evitar os inconvenientes inerentes à propositura de ações de indemnização nos órgãos jurisdicionais competentes, a indemnização suplementar prevista no artigo 12.o deste regulamento visa um prejuízo específico sofrido pelo passageiro aéreo em causa e que deve ser apreciado individualmente e a posteriori (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Rusu, C‑354/18, EU:C:2019:637, n.os 28 e 36).

31

Em contrapartida, os montantes fixos enunciados no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 visam indemnizar apenas os prejuízos que são praticamente idênticos para todos os passageiros em causa (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Rusu, C‑354/18, EU:C:2019:637, n.o 30 e jurisprudência referida).

32

A determinação destes montantes não exige uma apreciação individual da extensão dos danos causados, na medida em que, por um lado, o montante da indemnização fixa prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004 é calculado em função da distância coberta pelos voos em causa, atendendo ao último destino do passageiro (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2017, Bossen e o., C‑559/16, EU:C:2017:644, n.o 17) e, por outro, não é tida em conta a duração do atraso efetivo, além de três horas, para o cálculo desse montante (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2012, Nelson e o., C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 54).

33

Assim, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, tanto os passageiros como as transportadoras podem facilmente determinar o montante da indemnização devida. O mesmo se aplica, a fortiori, aos organismos designados com base no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004.

34

Além disso, embora reservar o contencioso associado à indemnização ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 apenas aos órgãos jurisdicionais permita, no que respeita à apreciação de uma mesma situação individual, obstar a qualquer divergência na apreciação dos direitos dos passageiros aéreos entre, por um lado, os organismos referidos no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 e, por outro, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a pronunciar‑se sobre recursos individuais (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2016, Ruijssenaars e o., C‑145/15 e C‑146/15, EU:C:2016:187, n.o 34), esse risco pode igualmente ser atenuado graças a uma articulação adequada dos processos administrativos e judiciais.

35

Como salientou o advogado‑geral no n.o 51 das suas conclusões, na falta de regulamentação da União na matéria, é à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro que cabe regulamentar as modalidades processuais necessárias para esse efeito.

36

Dito isto, o reconhecimento de uma competência coerciva por parte do organismo nacional referido no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 não pode, em caso algum, privar nem os passageiros nem as transportadoras aéreas da possibilidade de interpor recurso judicial no órgão jurisdicional nacional competente (v., neste sentido, em relação aos passageiros, Acórdão de 22 de novembro de 2012, Cuadrench Moré, C‑139/11, EU:C:2012:741, n.o 23).

37

Uma vez que o pedido de indemnização de um passageiro aéreo ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 é a aplicação de um direito garantido pelo direito da União, o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece a esse passageiro o direito à ação e a um tribunal, o qual tem a possibilidade, se for caso disso, de questionar o Tribunal de Justiça a título prejudicial com base no artigo 267.o TFUE. Do mesmo modo, uma transportadora aérea deve poder intentar uma ação judicial contra a decisão através da qual o organismo nacional referido no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual por parte de um passageiro, a obrigou a pagar a indemnização devida ao referido passageiro por força desse regulamento.

38

Em terceiro lugar, a interpretação do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, que figura nos pontos anteriores, é corroborada pelos objetivos prosseguidos por esse regulamento, como enunciados nos seus considerandos 1, 2 e 4. Trata‑se, por um lado, do objetivo que consiste em garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, tendo plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral e, por outro, do objetivo que visa reforçar os direitos dos passageiros reduzindo os transtornos e inconvenientes causados pelos atrasos consideráveis ou os cancelamentos dos voos.

39

Ora, o objetivo específico da indemnização fixa concedida ao abrigo do Regulamento n.o 261/2004 visa precisamente compensar, de maneira uniforme e imediata, o prejuízo que consiste numa perda de tempo igual ou superior a três horas subjacente a esse atraso, que constitua um«inconveniente» na aceção deste regulamento, sem que os passageiros em causa tenham de suportar os inconvenientes inerentes à propositura de ações judiciais de indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Rusu, C‑354/18, EU:C:2019:637, n.o 28).

40

Conferir uma competência coerciva a um organismo nacional designado com base no artigo 16.o, n.o 1, do referido regulamento contribui seguramente para que os passageiros não tenham de suportar os inconvenientes inerentes à propositura de ações judiciais. Tal competência permite, por razões de simplicidade, celeridade e eficiência, mencionadas pelo advogado‑geral no n.o 48 das suas conclusões, garantir um elevado nível de proteção dos passageiros aéreos, evitando a saturação dos órgãos jurisdicionais face a um número potencialmente elevado de pedidos de indemnização.

41

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros têm a faculdade de habilitar o organismo nacional responsável pela execução desse regulamento a obrigar uma transportadora aérea a pagar uma indemnização, na aceção do artigo 7.o do referido regulamento, devida aos passageiros por força do mesmo regulamento, quando esse organismo nacional tiver sido chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual de um passageiro, sob reserva de ser dada a esse passageiro e à referida transportadora aérea a possibilidade de interporem recurso jurisdicional.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 16.o do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

os Estados‑Membros têm a faculdade de habilitar o organismo nacional responsável pela execução desse regulamento a obrigar uma transportadora aérea a pagar uma indemnização, na aceção do artigo 7.o do referido regulamento, devida aos passageiros por força do mesmo regulamento, quando esse organismo nacional tiver sido chamado a pronunciar‑se sobre uma queixa individual de um passageiro, sob reserva de ser dada a esse passageiro e à referida transportadora aérea a possibilidade de interporem recurso jurisdicional.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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