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Document 62020CJ0065

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 10 de junho de 2021.
VI contra KRONE – Verlag Gesellschaft mbH & Co KG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos — Diretiva 85/374/CEE — Artigo 2.o — Conceito de “produto defeituoso” — Exemplar de um jornal impresso que contém um conselho de saúde inexato — Exclusão do âmbito de aplicação.
Processo C-65/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:471

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de junho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos — Diretiva 85/374/CEE — Artigo 2.o — Conceito de “produto defeituoso” — Exemplar de um jornal impresso que contém um conselho de saúde inexato — Exclusão do âmbito de aplicação»

No processo C‑65/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por Decisão de 21 de janeiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de fevereiro de 2020, no processo

VI

contra

KRONE — Verlag Gesellschaft mbH & Co KG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader (relatora), M. Safjan e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da KRONE — Verlag Gesellschaft mbH & Co KG, por S. Korn, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e U. Bartl, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. C. Becker e G. Gattinara, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de abril de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO 1985, L 210, p. 29; EE 13 F19 p. 8), conforme alterada pela Diretiva 1999/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 1999 (JO 1999, L 141, p. 20) (a seguir «Diretiva 85/374»), lido à luz do artigo 1.o e do artigo 6.o desta.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe VI, uma nacional austríaca, à KRONE — Verlag Gesellschaft mbH & Co KG, uma sociedade de imprensa sediada na Áustria, a respeito de um pedido, apresentado por VI, de pagamento de uma indemnização por lesões corporais que resultaram do seguimento de um conselho de saúde inexato publicado num jornal editado por essa sociedade.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O segundo a quarto, sexto e sétimo considerandos da Diretiva 85/374 enunciam:

«Considerando que a responsabilidade não culposa do produtor é o único meio de resolver de modo adequado o problema, característico da nossa época de crescente tecnicidade, de uma justa atribuição dos riscos inerentes à produção técnica moderna;

Considerando que a responsabilidade só se deve aplicar relativamente a bens móveis produzidos industrialmente; que, por conseguinte, se devem excluir desta responsabilidade os produtos agrícolas e os produtos da caça, exceto quando tiverem sido objeto de uma transformação de natureza industrial suscetível de causar um defeito nestes produtos; que a responsabilidade prevista pela presente diretiva se deve igualmente aplicar relativamente aos bens móveis utilizados na construção de imóveis ou incorporados em imóveis;

Considerando que a proteção do consumidor exige que todos os participantes no processo de produção sejam responsabilizados se o produto acabado, a parte componente ou a matéria‑prima por eles fornecidos apresentarem qualquer defeito; […]

[…]

Considerando que, com vista a proteger a integridade física do consumidor e os seus bens, a qualidade defeituosa de um produto não deve ser determinada com base numa inaptidão do produto para utilização, mas com base numa falta da segurança que o público em geral pode legitimamente esperar; que esta segurança se avalia excluindo qualquer utilização abusiva do produto que não seja razoável nas circunstâncias em causa;

Considerando que uma justa repartição dos riscos entre o lesado e o produtor implica que este último se possa eximir da responsabilidade se provar a existência de determinados factos que o isentem».

4

Nos termos do artigo 1.o desta diretiva:

«O produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por “produto” qualquer bem móvel, mesmo se incorporado noutro bem móvel ou imóvel. A palavra “produto” designa igualmente a eletricidade.»

6

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«O termo “produtor” designa o fabricante de um produto acabado, o produtor de uma matéria‑prima ou o fabricante de uma parte componente, e qualquer pessoa que se apresente como produtor pela aposição sobre o produto do seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo.»

7

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 85/374 prevê:

«Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como:

a)

A apresentação do produto;

b)

A utilização do produto que se pode razoavelmente esperar;

c)

O momento de entrada em circulação do produto.»

Direito austríaco

8

A Produkthaftungsgesetz (Lei sobre a Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos, BGBl. 99/1988), na versão resultante da alteração publicada no BGBl. I, 98/2001 (a seguir «Lei sobre a Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos»), transpôs a Diretiva 85/374 para o direito austríaco.

9

Nos termos do § 1, n.o 1, da Lei sobre a Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos:

«Caso o defeito de um produto provoque a morte de uma pessoa, uma lesão corporal ou danos à saúde, ou caso seja danificado um bem corpóreo distinto do produto, é responsável pela reparação do dano:

1. O empresário que produziu e colocou o produto no mercado;

[…]»

10

O § 3 desta lei prevê:

«O produtor […] é aquele que fabricou o produto acabado, uma matéria‑prima ou uma componente, bem como qualquer pessoa que se apresente como produtor mediante a aposição do seu nome, da sua marca ou de qualquer outro sinal distintivo no produto.»

11

O § 4 da referida lei dispõe:

«Entende‑se por produto qualquer bem móvel corpóreo, mesmo que faça parte de outro bem móvel ou esteja incorporado noutro bem imóvel, incluindo energia.»

12

Nos termos do § 5, n.o 1, da mesma lei:

«Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como, em particular:

1.

A apresentação do produto;

2.

A utilização do produto que se pode razoavelmente esperar;

3.

O momento de entrada em circulação do produto.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

13

A KRONE — Verlag é proprietária de meios de comunicação social e editora de uma edição regional do jornal Kronen‑Zeitung.

14

Em 31 de dezembro de 2016, publicou na parte «Áustria», na rubrica intitulada «Hing’schaut und g’sund g’lebt» («Dê uma olhadela e viva saudável»), um artigo sobre os méritos de uma aplicação de rábano‑silvestre ralado. Este artigo era assinado por uma pessoa, membro de uma ordem religiosa, Kräuterpfarrer Benedikt, que, na sua qualidade de especialista na área das ervas medicinais, dá conselhos a título gratuito numa crónica publicada diariamente pelo jornal.

15

O texto do artigo era o seguinte:

«Aliviar as dores reumáticas

O rábano‑silvestre, acabado de colher, pode ajudar a diminuir as dores que aparecem com o reumatismo. As partes afetadas são previamente friccionadas com um óleo vegetal gordo ou com banha de porco, antes de se lhes aplicar e pressionar o rábano‑silvestre ralado. Esta aplicação pode perfeitamente ser mantida durante duas a cinco horas, antes de a retirar. Este remédio tem uma ação revulsiva muito benéfica.»

16

A duração de duas a cinco horas recomendada no artigo para a aplicação da substância era, no entanto, inexata, uma vez que foi utilizado o termo «horas» em vez de «minutos».

17

Em 31 de dezembro de 2016, a recorrente no processo principal, confiando na duração do tratamento mencionada no artigo, aplicou esta substância na articulação do seu pé, durante cerca de três horas, e só a retirou depois de ter sentido dores fortes devido a uma reação cutânea tóxica.

18

A recorrente no processo principal pediu que a KRONE — Verlag fosse condenada a pagar‑lhe a quantia de 4400 euros a título de indemnização pelas lesões corporais sofridas e que fosse responsabilizada por todas as consequências danosas atuais e futuras que viessem a resultar do incidente de 31 de dezembro de 2016.

19

Tendo o seu pedido sido julgado improcedente em primeira instância e em recurso, a recorrente no processo principal interpôs no órgão jurisdicional de reenvio recurso de «Revision».

20

Esse órgão jurisdicional precisa que o litígio nele pendente suscita a questão de saber se um editor de imprensa ou o proprietário de um jornal pode ser considerado responsável, com base na Diretiva 85/374, pelas consequências danosas que resultem de informações inexatas contidas num artigo cuja publicação autorizou.

21

O referido órgão jurisdicional expõe que uma parte da doutrina limita a aplicação da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, quando esteja em causa um suporte de informações, aos danos que foram causados pelo suporte enquanto tal, nomeadamente pela capa tóxica de um livro ou também pela tinta tóxica. A responsabilidade decorrente de produtos defeituosos devia, segundo esta parte da doutrina, ser circunscrita à responsabilidade decorrente da perigosidade da coisa e não do conselho, uma vez que as prestações intelectuais não podem ser qualificadas de «produto», na aceção do artigo 2.o da Diretiva 85/374. Uma interpretação tão lata do conceito de «produto» teria como consequência submeter ao âmbito de aplicação desta diretiva, que prevê a responsabilidade objetiva do produtor, qualquer formulação escrita de uma qualquer ideia. As informações deviam ser excluídas do âmbito de aplicação da referida diretiva, uma vez que a ligação da responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos à circunstância de a informação ter sido captada num suporte físico é arbitrária.

22

O órgão jurisdicional de reenvio observa que outra parte da doutrina pretende alargar o âmbito de aplicação desta responsabilidade aos casos em que os danos resultam de uma prestação intelectual defeituosa. Como «produtor» responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto figuraram o editor, o autor e o impressor. Esta parte da doutrina considera que a responsabilidade dos autores de livros, dos proprietários de meios de comunicação social ou dos editores deve poder ser acionada com base na Diretiva 85/374 em razão do conteúdo de uma obra impressa, uma vez que esta foi adquirida precisamente pelo seu conteúdo. Por conseguinte, as expectativas do consumidor em relação a esse produto não se limitam à obra impressa, enquanto objeto, mas referem‑se igualmente ao próprio conteúdo desta.

23

Nestas condições, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 2.o da Diretiva [85/374], em conjugação com o artigo 1.o e o artigo 6.o [desta], ser interpretado no sentido de que um exemplar corpóreo de um jornal diário que contém uma dica de saúde tecnicamente incorreta e que causa danos à saúde, caso seja seguida, também pode ser considerado um produto (defeituoso)?»

Quanto à questão prejudicial

24

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o da Diretiva 85/374, lido à luz do artigo 1.o e do artigo 6.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que constitui um «produto defeituoso», na aceção destas disposições, um exemplar de um jornal impresso que, ao tratar de um tema paramédico, dá um conselho de saúde inexato relativo à utilização de uma planta, que, tendo sido seguido, causou um dano à saúde de um leitor desse jornal.

25

A titulo preliminar, importa recordar, no que respeita à interpretação de uma disposição do direito da União, que, em conformidade com jurisprudência constante, há que ter em conta não só os seus termos mas também o contexto em que essa disposição se insere e os objetivos que prossegue o ato de que a mesma faz parte. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revelar elementos pertinentes para a sua interpretação (Acórdão de 9 de outubro de 2019, BGL BNP Paribas, C‑548/18, EU:C:2019:848, n.o 25 e jurisprudência referida).

26

De acordo com o artigo 2.o da Diretiva 85/374, o termo «produto» designa qualquer bem móvel, mesmo se incorporado noutro bem móvel ou imóvel, e igualmente a eletricidade.

27

Resulta da redação deste artigo que os serviços não são suscetíveis de ser abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

28

Esta interpretação do artigo 2.o da Diretiva 85/374 é confirmada pela economia desta diretiva. A este respeito, importa observar que o conceito de «produto», na aceção deste artigo, é definido no contexto geral da responsabilidade do produtor pelos danos causados pelo caráter defeituoso dos seus produtos.

29

Como referido no terceiro considerando da referida diretiva, o regime de responsabilidade nela definido só se deve aplicar aos bens móveis produzidos industrialmente ou aos que são utilizados na construção de imóveis ou incorporados em imóveis.

30

A proteção dos consumidores exige, como demonstrado no quarto considerando da mesma diretiva, que todos os participantes no processo de produção sejam responsabilizados se o produto acabado, a parte componente ou a matéria‑prima por eles fornecida apresentarem qualquer defeito.

31

É neste contexto que o artigo 1.o da Diretiva 85/374, lido à luz do segundo considerando desta, consagra o princípio da responsabilidade objetiva do «produtor», definido no artigo 3.o da mesma, como sendo o fabricante de um produto acabado, o produtor de uma matéria‑prima ou o fabricante de uma parte componente, e qualquer pessoa que se apresente como produtor pela aposição sobre o produto do seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo, pelos danos causados por um defeito do seu produto.

32

Resulta das considerações anteriores que os serviços não são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 85/374. Todavia, para responder às interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, há que examinar a questão de saber se um conselho de saúde, que, pela sua natureza, constitui um serviço, é suscetível, quando incorporado num bem móvel corpóreo, no caso em apreço, um jornal impresso, de conferir, devido ao facto de se ter revelado inexato, caráter defeituoso ao próprio jornal.

33

Um produto é defeituoso, na aceção do artigo 6.o da referida diretiva, quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente a apresentação desse produto, a utilização do mesmo e o momento da sua entrada em circulação. Em conformidade com o sexto considerando da mesma diretiva, há que efetuar esta apreciação atendendo às expectativas legítimas do público em geral (Acórdão de 5 de março de 2015, Boston Scientific Medizintechnik, C‑503/13 e C‑504/13, EU:C:2015:148, n.o 37).

34

Por conseguinte, a segurança que se pode legitimamente esperar, em conformidade com esta disposição, deve ser apreciada tendo em conta, nomeadamente, o destino, as características e as propriedades objetivas do produto em causa, bem como as especificidades do grupo dos utilizadores a que esse produto se destina (Acórdão de 5 de março de 2015, Boston Scientific Medizintechnik, C‑503/13 e C‑504/13, EU:C:2015:148, n.o 38).

35

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 29 das suas conclusões, o caráter defeituoso de um produto é determinado em função de certos elementos que são intrínsecos ao próprio produto e que estão ligados, designadamente, à sua apresentação, à sua utilização e ao momento da sua entrada em circulação.

36

No caso em apreço, há que salientar que o serviço em questão, a saber, o conselho inexato, não se refere ao jornal impresso que constitui o seu suporte. Em especial, este serviço não diz respeito à apresentação nem à utilização daquele. Por conseguinte, o referido serviço não faz parte dos elementos que são intrínsecos ao jornal impresso que, por si sós, permitem apreciar se esse produto é defeituoso.

37

Por outro lado, a inexistência de disposições na Diretiva 85/374 quanto à possibilidade de acionar a responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos pelos danos causados por um serviço cujo produto constitui apenas o suporte físico traduz a vontade do legislador da União. As delimitações do âmbito de aplicação desta diretiva fixadas por este legislador são o resultado de um processo complexo de ponderação efetuada, designadamente, entre diferentes interesses (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Dutrueux, C‑495/10, EU:C:2011:869, n.o 22 e jurisprudência referida).

38

Consequentemente, a responsabilidade dos prestadores de serviços e a responsabilidade dos fabricantes de produtos acabados constituem dois regimes de responsabilidade distintos, uma vez que a atividade dos prestadores de serviços não é equiparada à dos produtores, dos importadores e dos fornecedores (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Dutrueux, C‑495/10, EU:C:2011:869, n.os 32 e 33). Com efeito, como também resulta da proposta de diretiva do Conselho relativa à responsabilidade do prestador de serviços COM(90) 482 final (JO 1991, C 12, p. 8), apresentada pela Comissão em 9 de novembro de 1990, tendo em conta as características próprias dos serviços, o regime de responsabilidade do prestador deve ser objeto de regulamentação distinta.

39

Por conseguinte, um conselho de saúde inexato, publicado num jornal impresso, e que diz respeito à utilização de outro bem corpóreo escapa ao âmbito de aplicação da Diretiva 85/374 e não é suscetível de conferir caráter defeituoso a esse jornal e de acionar, com base nesta diretiva, a responsabilidade objetiva do «produtor», quer este seja o editor ou o impressor do referido jornal quer o autor do artigo.

40

Se esses conselhos fossem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 85/374, isso teria como consequência não só rejeitar a distinção feita pelo legislador da União entre produtos e serviços e a exclusão destes do âmbito de aplicação desta diretiva, mas, igualmente, acionar a responsabilidade objetiva dos editores de jornais, sem possibilidade, ou com uma possibilidade limitada, de estes se eximirem dessa responsabilidade. Ora, tal consequência prejudicaria o objetivo que consiste em assegurar uma justa repartição dos riscos entre o lesado e o produtor, como recordado no sétimo considerando da referida diretiva.

41

Importa igualmente precisar, como faz a Comissão nas suas observações escritas, que, embora a responsabilidade objetiva decorrente dos produtos defeituosos, prevista na Diretiva 85/374, não seja aplicável a um processo como o que está em causa no processo principal, outros regimes de responsabilidade contratual ou extracontratual assentes em fundamentos diferentes, como a garantia dos vícios ocultos ou a culpa, podem ser aplicáveis (v., por analogia, Acórdão de 25 de abril de 2002, González Sánchez, C‑183/00, EU:C:2002:255, n.o31).

42

Tendo em conta todas estas considerações, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o da Diretiva 85/374, lido à luz do artigo 1.o e do artigo 6.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não constitui um «produto defeituoso», na aceção destas disposições, um exemplar de um jornal impresso que, ao tratar de um tema paramédico, dá um conselho de saúde inexato relativo à utilização de uma planta, que, tendo sido seguido, causou um dano à saúde de um leitor desse jornal.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir sobre as despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 2.o da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, conforme alterada pela Diretiva 1999/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 1999, lido à luz do artigo 1.o e do artigo 6.o desta diretiva, conforme alterada pela Diretiva 1999/34, deve ser interpretado no sentido de que não constitui um «produto defeituoso», na aceção destas disposições, um exemplar de um jornal impresso que, ao tratar de um tema paramédico, dá um conselho de saúde inexato relativo à utilização de uma planta, que, tendo sido seguido, causou um dano à saúde de um leitor desse jornal.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua de processo: alemão.

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