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Document 62020CJ0058

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 17 de junho de 2021.
K e DBKAG contra Finanzamt Österreich.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesfinanzgericht.
Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 135.o, n.o 1 — Isenções — Gestão de fundos comuns de investimento — Externalização — Prestações fornecidas por um terceiro.
Processos apensos C-58/20 e C-59/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:491

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

17 de junho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 135.o, n.o 1 — Isenções — Gestão de fundos comuns de investimento — Externalização — Prestações fornecidas por um terceiro»

Nos processos apensos C‑58/20 e C‑59/20,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal, Áustria), por Decisões de 29 de janeiro de 2020 (C‑59/20) e de 30 de janeiro de 2020 (C‑58/20), que deram entrada no Tribunal de Justiça em 4 de fevereiro de 2020, nos processos

K (C‑58/20),

DBKAG (C‑59/20)

contra

Finanzamt Österreich, anteriormente Finanzamt Linz,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, L. Bay Larsen, C. Toader e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 3 de fevereiro de 2021,

vistas as observações apresentadas:

em representação de K e da DBKAG, por G. Aigner, Steuerberater,

em representação do Governo austríaco, por A. Posch, F. Koppensteiner, J. Schmoll e S. Zolles, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por K. Georgiadis, A. Dimitrakopoulou e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, inicialmente por L. Mantl e R. Lyal, e em seguida por L. Mantl e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem K (processo C‑58/20) e a DBKAG (processo C‑59/20) ao Finanzamt Österreich, anteriormente Finanzamt Linz (Administração Tributária da Áustria, anteriormente Administração Tributária de Linz, Áustria) (a seguir «Administração Tributária»), a respeito da recusa desta Administração em lhes conceder o benefício da isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva IVA

3

O artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA consagra, em termos substancialmente idênticos, a isenção anteriormente prevista no artigo 13.o, B, alínea d), ponto 6, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»).

4

Nos termos do artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA:

«Os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

[…]

g)

A gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados‑Membros;

[…]»

Diretiva OICVM

5

A Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO 2009, L 302, p. 32, a seguir «Diretiva OICVM»), procedeu, por revogação, à reformulação da Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO 1985, L 375, p. 3; EE 06 F3 p. 38), conforme alterada, nomeadamente, pela Diretiva 2001/107/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de janeiro de 2002 (JO 2002, L 41, p. 20) (a seguir «Diretiva 85/611»).

6

O artigo 2.o da Diretiva OICVM enuncia:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Sociedade gestora”, qualquer sociedade cuja atividade habitual consista na gestão de OICVM sob a forma de fundo comum de investimento ou de sociedade de investimento (gestão coletiva de carteiras de OICVM);

[…]

2.   Para efeitos da alínea b) do n.o 1, a atividade habitual de uma sociedade gestora inclui as funções referidas no anexo II.

[…]»

7

O anexo II da Diretiva OICVM contém uma lista não exaustiva de funções incluídas na atividade de gestão coletiva de carteiras. Esta lista, que é idêntica à que consta do anexo II da Diretiva 85/611, enuncia as seguintes funções:

«— Gestão de investimento

Administração:

a)

Serviços jurídicos e de contabilidade de gestão do fundo;

b)

Consultas dos clientes;

c)

Avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação (incluindo declarações fiscais);

d)

Controlo da observância da regulamentação;

e)

Registo dos participantes;

f)

Distribuição de rendimentos;

g)

Emissão e resgate de unidades de participação;

h)

Procedimento de liquidação e compensação (incluindo o envio de certificados);

i)

Registo e conservação de documentos[;]

Comercialização.»

Direito austríaco

8

O § 6, n.o 1, ponto 8, alínea i), da Umsatzsteuergesetz 1994 (Lei relativa ao IVA, BGBI. 663/1994), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, prevê que estão isentas de IVA as receitas provenientes da «gestão de fundos comuns de investimento», da «gestão de participações no âmbito da atividade de entradas de capital […] por empresas que dispõem de uma autorização para esse efeito» e da «gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos outros Estados‑Membros».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

Processo C‑58/20

9

Entre 2008 e 2014, diversas sociedades de gestão (denominadas, antes de 2011, sociedades de investimento de capitais) transferiram para um terceiro, neste caso K, certas prestações de cálculo dos valores pertinentes para efeitos de tributação dos rendimentos dos participantes nos fundos, como as liquidações fiscais. Para efetuar essas prestações, K devia basear‑se no cálculo dos rendimentos ao nível dos fundos, conforme determinado pelas sociedades de gestão a partir do balancete geral e da contabilidade dos fundos estabelecida pelo banco depositário. K reproduzia os valores indicados no balancete geral e no cálculo dos rendimentos ao nível dos fundos após um simples controlo de plausibilidade (sem verificar a exatidão). Em seguida, para estabelecer a liquidação fiscal ao nível dos participantes, K devia não apenas tomar em conta as características específicas dos diferentes tipos de investidores mas também estabelecer a sua própria discriminação dos encargos e respeitar uma ordem de afetação autónoma e um cálculo das perdas específicas.

10

Durante o período em causa no processo principal, as sociedades de gestão que mandataram K continuavam a ser os representantes fiscais encarregados de transmitir ao serviço de declarações os valores pertinentes para efeitos de tributação dos rendimentos dos participantes nos fundos, através de uma declaração normalizada. Por conseguinte, as sociedades de gestão reproduziam os valores pertinentes calculados por K, sem os alterar, e transmitiam‑nos ao serviço de declarações. No entanto, eram responsáveis pela exatidão dos montantes declarados ao serviço de declarações, nomeadamente a título de imposto sobre o rendimento de capital. K era responsável perante essas sociedades, por força do direito civil, em caso de prejuízo causado por uma inexatidão culposa da declaração dos valores relevantes em matéria fiscal.

11

K faturou, sem IVA, as prestações que fornecia às sociedades de gestão. Com efeito, K alega que estas prestações beneficiam da isenção relativa à gestão de fundos comuns de investimento prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, dado que preenchem os requisitos previstos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial os que figuram no n.o 72 do Acórdão de 4 de maio de 2006, Abbey National (C‑169/04, EU:C:2006:289), segundo o qual, para serem abrangidas por essa isenção, as prestações fornecidas por um terceiro devem formar um conjunto distinto, apreciado em termos globais, e ser específicas e essenciais para a gestão desses fundos comuns de investimento. Segundo K, as prestações que lhe incumbem de cálculo dos valores relevantes para efeitos de tributação dos rendimentos dos participantes nos fundos só existem no domínio dos fundos comuns de investimento, pelo que se trata de prestações de administração específicas e essenciais para a gestão destes fundos. Além disso, K considera que, para beneficiar da isenção, não é necessário que a totalidade destas prestações seja externalizada.

12

Todavia, segundo a Administração Tributária, as prestações fornecidas por K às sociedades de gestão não podem ser abrangidas por essa isenção. Por um lado, esta considera que a prestação fornecida por K, que consiste em calcular valores relevantes para efeitos de tributação dos rendimentos dos participantes nos fundos, não é específica nem essencial à gestão de fundos comuns de investimento. Trata‑se antes de uma prestação que é específica da profissão de consultor fiscal ou de revisor oficial de contas. Por outro lado, na sua opinião, essa prestação não é suficientemente autónoma para caber no âmbito de aplicação da isenção de IVA.

13

K interpôs recursos das Decisões da Administração Tributária de 9 de setembro de 2014, relativa ao IVA de 2008 a 2012, de 25 de setembro de 2015, relativa ao IVA de 2013, e de 23 de janeiro de 2019, relativa ao IVA de 2014, para o órgão jurisdicional de reenvio, que considera que subsistem dúvidas quanto à interpretação do conceito de «gestão de fundos comuns de investimento», na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA.

14

Foi neste contexto que o Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da [Diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que também são abrangidas pelo conceito de “gestão de fundos comuns de investimento” as obrigações fiscais transferidas por uma sociedade de gestão para um terceiro que consistem em assegurar que os rendimentos obtidos com o fundo pelos titulares das participações são tributados de acordo com a lei?»

Processo C‑59/20

15

Através de um contrato de licença de 11 de dezembro de 2008, a SC GmbH, estabelecida na Alemanha, cedeu à DBKAG, que assegura a gestão de fundos comuns de investimento, o direito de utilização de um software destinado a efetuar cálculos essenciais à gestão do risco e à avaliação do desempenho, em contrapartida do pagamento de uma taxa (a seguir «software SC»).

16

O software SC é especificamente adaptado à atividade dos fundos de investimento e às complexas exigências do legislador nestes domínios. A SC é responsável pela realização de cálculos corretos dos indicadores de risco e de desempenho.

17

O software SC só pode ser utilizado em interação com os outros softwares da DBKAG. Com efeito, a DBKAG teve de adaptar o seu ambiente informático às necessidades do software SC e fixar os parâmetros (nomeadamente os métodos de cálculo) que este software deve utilizar. Graças a interfaces com outros programas da DBKAG, os dados relativos às cotações e aos valores de mercado, inseridos pela DBKAG e necessários aos cálculos efetuados pela SC, são introduzidos automaticamente e diariamente no programa do software SC. Assim, este software efetua os cálculos dos indicadores de risco e de desempenho a partir de dados inseridos pela DBKAG. Em seguida, os indicadores de risco e de desempenho calculados pelo software SC são utilizados pela DBKAG para redigir relatórios com vista a dar cumprimento às obrigações legais de informação para com as autoridades e os investidores relativas à gestão do risco e do desempenho.

18

Por outros contratos de 11 de dezembro de 2008, foi acordado que SC forneceria à DBKAG diversas prestações de assistência. Em especial, SC obrigou‑se a formar o pessoal da DBKAG nas tarefas a realizar para configurar o software SC e inserir manualmente os dados necessários ao seu funcionamento. SC obrigou‑se igualmente a realizar atualizações desse software para corrigir as suas eventuais deficiências.

19

SC faturou a cedência da licença e as outras prestações de serviços como prestações tributáveis e sujeitas a IVA no Estado de destino, a República da Áustria, sem menção do IVA, mas com menção da transferência da dívida fiscal para a DBKAG, em virtude do mecanismo de autoliquidação.

20

No entanto, a DBKAG considera que as prestações fornecidas por SC devem ser abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA. Com efeito, na sua opinião, o software SC fornece prestações de cálculo dos indicadores de risco e de desempenho que são específicas e essenciais para a gestão dos fundos comuns de investimento. Segundo a DBKAG, o facto de ela própria fornecer certos dados ao software SC não deve ter influência sobre a qualificação dessas prestações como operações isentas.

21

A Administração Tributária, por seu turno, considera que a cedência do direito de utilização do software SC é uma prestação sujeita a IVA. Em seu entender, SC apenas fornece uma simples assistência técnica que não é específica nem essencial à gestão do fundo comum de investimento. Além disso, a Administração Tributária alega que, não podendo o software SC efetuar os cálculos em causa sem a participação da DBKAG, a prestação de SC não é suficientemente autónoma para ser abrangida pela isenção de IVA.

22

A DBKAG interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio das Decisões da Administração Tributária de 24 de outubro de 2014 relativas à reabertura do processo de tributação do IVA respeitante a 2009 e 2010 e dos avisos de liquidação do IVA respeitantes a 2009 e 2010.

23

Como no processo C‑58/20, o órgão jurisdicional de reenvio considera que subsistem dúvidas quanto à interpretação do conceito de «gestão de fundos comuns de investimento», na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA. É certo que o órgão jurisdicional de reenvio considera que as prestações de gestão do risco e de avaliação do desempenho são atividades específicas da gestão de fundos comuns de investimento. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se a responsabilidade assumida por SC no caso em apreço é suficiente para que a prestação da mesma beneficie da isenção prevista nessa disposição.

24

Foi neste contexto que o Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da [Diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que, para efeitos da isenção do imposto prevista nesta disposição, também é abrangida pelo conceito de “gestão de fundos comuns de investimento”[…] a cedência a uma sociedade de gestão, por um terceiro licenciante, do direito de utilização de software específico, especialmente desenvolvido para a gestão de fundos comuns de investimento, quando este software se destina exclusivamente — como no caso do processo principal — a realizar atividades específicas e essenciais no contexto da gestão de fundos comuns de investimento, mas é executado na infraestrutura técnica da sociedade de gestão e só pode cumprir as suas funções com a colaboração acessória da sociedade de gestão e recorrendo permanentemente aos dados do mercado disponibilizados pela mesma?»

25

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de março de 2020, os processos C‑58/20 e C‑59/20 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

26

Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do fundo obtidos pelos participantes são tributados de acordo com a lei nacional e a cedência de um direito de utilização de um software destinado a efetuar cálculos essenciais à gestão do risco e à avaliação do desempenho, são abrangidas pela isenção prevista nessa disposição.

27

A título preliminar, há que salientar que, na medida em que a Diretiva IVA revoga e substitui a Sexta Diretiva, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições desta última diretiva é igualmente válida para as da Diretiva IVA, quando as disposições destes dois instrumentos de direito da União possam ser qualificadas de equivalentes.

28

Por conseguinte, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita ao artigo 13.o, B, alínea d), ponto 6, da Sexta Diretiva é igualmente válida para o artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, uma vez que, como declarado no n.o 3 do presente acórdão, estas disposições estão redigidas em termos substancialmente idênticos e podem, portanto, ser qualificadas de equivalentes.

29

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado‑Membro para outro [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.o 21 e jurisprudência referida].

30

Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.o 22 e jurisprudência referida].

31

Por outro lado, por força do princípio da neutralidade fiscal, os operadores devem poder escolher o modelo de organização que, do ponto de vista estritamente económico, melhor lhes convém, sem correrem o risco de ver as suas operações excluídas da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.o 50 e jurisprudência referida].

32

Assim, os serviços de gestão prestados por um gestor terceiro são abrangidos, em princípio, pelo âmbito de aplicação do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA (Acórdão de 4 de maio de 2006, Abbey National, C‑169/04, EU:C:2006:289, n.o 69).

33

No entanto, para serem qualificados de operações isentas na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, os serviços prestados por um gestor terceiro devem formar um conjunto distinto, apreciado de modo global, que tenha por efeito preencher as funções específicas e essenciais da gestão de fundos comuns de investimento [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.o 47 e jurisprudência referida].

34

É à luz da jurisprudência recordada nos n.os 29 a 33 do presente acórdão que as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio devem ser examinadas.

Quanto ao requisito relativo ao caráter distinto ou autónomo

35

Em primeiro lugar, para saber se prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, importa apreciar se esses serviços formam um conjunto distinto, apreciado de modo global.

36

A este respeito, há que observar que o requisito relativo ao caráter «distinto» não pode ser interpretado no sentido de que, para ser abrangida pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, uma prestação de serviços, específica e essencial à gestão de fundos comuns de investimento, deve ser totalmente externalizada.

37

Com efeito, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a isenção prevista nessa disposição tem por finalidade favorecer o acesso dos pequenos investidores ao mercado de valores mobiliários. Efetivamente, a gestão comum dos investimentos nos fundos comuns de investimento oferece‑lhes a possibilidade de deter, apesar de um investimento modesto, uma carteira diversificada que os protege dos riscos inerentes à flutuação do valor dos títulos e permite‑lhes repartir o custo de uma gestão especializada. Na falta de isenção, os detentores de unidades de participação nos organismos de investimento coletivo são tributados mais pesadamente do que os investidores, a priori de maior dimensão, que investem diretamente o seu dinheiro em títulos sem recorrer a prestações de gestão de fundos. Ora, o princípio da neutralidade fiscal opõe‑se a que os operadores económicos que efetuam as mesmas operações sejam tratados de forma diferente em matéria de cobrança do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2014, ATP PensionService, C‑464/12, EU:C:2014:139, n.os 43, 44 e jurisprudência referida).

38

Assim, embora a isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA deva ser objeto de interpretação estrita, o princípio da neutralidade fiscal e os objetivos dessa isenção militam a favor de uma interpretação que não a prive do seu efeito (v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2015, Fiscale Eenheid X, C‑595/13, EU:C:2015:801, n.o 68).

39

Ora, se uma prestação específica e essencial à gestão de fundos comuns de investimento tiver de ser sujeita a IVA pelo simples facto de não ser totalmente externalizada, tal favorece as sociedades de gestão que fornecem elas próprias essa prestação e os investidores que colocam diretamente o seu dinheiro em títulos sem recorrer a prestações de gestão de fundos (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2014, ATP PensionService, C‑464/12, EU:C:2014:139, n.o 72 e jurisprudência referida).

40

Assim, uma interpretação do requisito relativo ao caráter «distinto» que consista em considerar que, para beneficiar da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, uma prestação de serviços específica e essencial à gestão de fundos comuns de investimento deve ser totalmente externalizada conduz a limitar o efeito útil da possibilidade de essa prestação beneficiar da referida isenção quando é fornecida por um terceiro.

41

Aliás, o Tribunal de Justiça considerou que as prestações de consultoria em matéria de investimento em valores mobiliários e as recomendações de compra e de venda de ativos fornecidas por um terceiro a uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento, que eram específicas e essenciais para a gestão desse fundo, podiam ser abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2013, GfBk, C‑275/11, EU:C:2013:141, n.o 33).

42

Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que pouco importava que incumbisse a essa sociedade de gestão executar essas recomendações após ter verificado que as mesmas não violavam nenhuma restrição legal em matéria de investimento aplicável aos fundos comuns de investimento e que, por conseguinte, a referida sociedade de gestão dispusesse de poder de decisão e fosse sua a responsabilidade final (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2013, GfBk, C‑275/11, EU:C:2013:141, n.o 27).

43

No caso em apreço, quanto ao processo C‑58/20, para determinar se os serviços prestados por K às sociedades de gestão em causa, como as prestações de cálculo dos valores relevantes para efeitos de tributação dos rendimentos dos participantes nos fundos, são abrangidos pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se esses serviços devem ser considerados específicos e essenciais à atividade de gestão de fundos comuns de investimento. O facto de incumbir às sociedades de gestão elaborar as declarações normalizadas a partir dos cálculos efetuados por um terceiro e transmitir essas declarações ao serviço de declarações não é, por si só, determinante para decidir se esses serviços são abrangidos pela referida isenção.

44

Do mesmo modo, no que respeita ao processo C‑59/20, para determinar se os serviços prestados por SC à DBKAG, como a cedência do direito de utilização do software SC, são abrangidos pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se esses serviços devem ser considerados específicos e essenciais à atividade de gestão de fundos comuns de investimento. O facto de o software em causa só poder ser executado na infraestrutura técnica da sociedade de gestão em causa e só poder cumprir as suas funções com a colaboração acessória dessa sociedade e recorrendo permanentemente aos dados do mercado disponibilizados pela mesma não é, por si só, determinante para decidir se esses serviços são abrangidos pela referida isenção.

Quanto ao requisito relativo ao caráter específico e essencial do serviço

45

Em segundo lugar, para determinar se prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do fundo obtidos pelos participantes são tributados de acordo com a lei nacional e a cedência de um direito de utilização de um software destinado a efetuar cálculos essenciais à gestão do risco e à avaliação do desempenho, são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, importa apreciar se esses serviços são específicos e essenciais à gestão de fundos comuns de investimento.

46

Primeiro, no que respeita às tarefas fiscais, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que cabem no âmbito de aplicação do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, além das funções de gestão de investimento, as de administração dos próprios organismos de investimento coletivo, em conformidade com as indicadas no anexo II da Diretiva OICVM (Acórdão de 4 de maio de 2006, Abbey National, C‑169/04, EU:C:2006:289, n.o 64).

47

Com efeito, o anexo II da Diretiva OICVM prevê que a atividade de gestão coletiva de carteiras inclui, nomeadamente, funções de administração como serviços jurídicos e de contabilidade de gestão do fundo e a avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação (incluindo declarações fiscais).

48

Além disso, o facto de certas prestações não estarem enumeradas no anexo II da Diretiva OICVM não obsta à sua inclusão na categoria dos serviços específicos abrangidos pelas atividades de «gestão» de um fundo comum de investimento, na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA (Acórdão de 7 de março de 2013, GfBk, C‑275/11, EU:C:2013:141, n.o 25).

49

Com efeito, para determinar se as prestações fornecidas por um terceiro a uma sociedade de gestão são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, há que investigar se o serviço prestado por esse terceiro tem um nexo intrínseco com a atividade específica de uma sociedade de gestão, de tal forma que tenha o efeito de preencher as funções específicas e essenciais da gestão de um fundo comum de investimento (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2013, GfBk, C‑275/11, EU:C:2013:141, n.o 23).

50

A este respeito, são abrangidos pelo conceito de «gestão» de um fundo comum de investimento na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA não apenas a gestão de investimentos que implica a escolha e a cessão de ativos que são objeto dessa gestão mas também as prestações de administração e de contabilidade, como o cálculo do montante dos rendimentos e do preço das unidades de participação ou ações do fundo, as avaliações de ativos, a contabilidade, a elaboração de declarações para a distribuição dos rendimentos, a prestação de informações e o fornecimento de documentação para os efeitos de prestação periódica de contas, de declarações de impostos, de estatística e de IVA, bem como a elaboração de previsões de rendimentos (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2013, GfBk, C‑275/11, EU:C:2013:141, n.o 27).

51

Em contrapartida, as prestações que não são específicas da atividade de um fundo comum de investimento, mas inerentes a todos os tipos de investimento, não cabem no âmbito de aplicação deste conceito de «gestão» de um fundo comum de investimento (v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2015, Fiscale Eenheid X, C‑595/13, EU:C:2015:801, n.o 78).

52

Assim, na medida em que tenham um nexo intrínseco com a atividade de gestão de fundos comuns de investimento, as prestações de administração e de contabilidade fornecidas por um terceiro a uma sociedade de gestão, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do fundo obtidos pelos participantes são tributados de acordo com a lei nacional, são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA.

53

Em segundo lugar, no que respeita à cedência de um direito de utilização de um software, é certo que, no n.o 71 do Acórdão de 4 de maio de 2006, Abbey National (C‑169/04, EU:C:2006:289), o Tribunal de Justiça se baseou no Acórdão de 5 de junho de 1997, SDC (C‑2/95, EU:C:1997:278), para considerar que simples prestações materiais ou técnicas, como a colocação à disposição de um sistema informático, não eram abrangidas pela isenção prevista no artigo 13.o, B, alínea d), ponto 6, da Sexta Diretiva, que foi substituído pelo artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA (Acórdão de 9 de dezembro de 2015, Fiscale Eenheid X, C‑595/13, EU:C:2015:801, n.o 74).

54

Todavia, essa jurisprudência não pode ser interpretada no sentido de que deva excluir‑se desde logo do âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA qualquer serviço prestado por um terceiro a uma sociedade de gestão através de um sistema informático.

55

Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 37 do Acórdão de 5 de junho de 1997, SDC (C‑2/95, EU:C:1997:278), que o simples facto de um serviço ser totalmente efetuado por meios eletrónicos não impede, por si só, a aplicação da isenção a esse serviço.

56

Mais especificamente, no Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK) (C‑231/19, EU:C:2020:513), embora estivessem em causa serviços, nomeadamente de controlo de desempenho e de risco, prestados por um terceiro a sociedades de gestão de fundos mediante uma plataforma informática, o Tribunal de Justiça não excluiu desde logo esses serviços do âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça considerou que esses serviços não podiam beneficiar da isenção em causa baseando‑se, nos n.os 48 e 49 desse acórdão, na circunstância de os referidos serviços não serem específicos da gestão de fundos comuns de investimento, dado que tinham sido concebidos para efeitos da gestão de investimentos de natureza variada e podiam ser indiferentemente utilizados para a gestão de fundos comuns de investimento e para a gestão de outros fundos.

57

Assim, desde que um serviço, tal como a cedência de um direito de utilização de um software, seja exclusivamente prestado para efeitos da gestão de fundos comuns de investimento, e não de outros fundos, pode ser considerado «específico» para esse efeito.

58

Por conseguinte, resulta do exposto que prestações de serviços, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do fundo obtidos pelos participantes são tributados de acordo com a lei nacional e a cedência de um direito de utilização de um software destinado a efetuar cálculos essenciais à gestão do risco e à avaliação do desempenho, são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, desde que tenham um nexo intrínseco com a gestão de fundos comuns de investimento e sejam exclusivamente fornecidas para efeitos da gestão desses fundos.

59

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os serviços prestados por K e SC às sociedades de gestão em causa no processo principal preenchem esses requisitos.

60

Em especial, no processo C‑58/20, o órgão jurisdicional de reenvio deverá, nomeadamente, investigar se as tarefas fiscais efetuadas por K cumprem as obrigações, previstas na lei austríaca, que são específicas dos fundos comuns de investimento e se distinguem, portanto, das obrigações previstas para outros tipos de fundos de investimento.

61

No processo C‑59/20, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio considera que as prestações de gestão do risco e de avaliação do desempenho são atividades específicas da gestão desses fundos. Esse órgão jurisdicional indica igualmente que os cálculos do software em causa no processo principal constituem uma base essencial para que a DBKAG possa cumprir as funções de gestão do risco e de avaliação de desempenho exigidas pela lei austríaca. Por conseguinte, o facto de esse software se destinar a efetuar cálculos essenciais às prestações administrativas de gestão do risco e de avaliação do desempenho do fundo em causa pode permitir considerar que o referido software é essencial à gestão do referido fundo. No entanto, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os requisitos mencionados no n.o 58 do presente acórdão estão preenchidos.

62

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do fundo obtidos pelos participantes são tributados de acordo com a lei nacional e a cedência de um direito de utilização de um software exclusivamente destinado a efetuar cálculos essenciais à gestão do risco e à avaliação do desempenho, são abrangidas pela isenção prevista nessa disposição, desde que tenham um nexo intrínseco com a gestão de fundos comuns de investimento e sejam exclusivamente fornecidas para efeitos da gestão desses fundos, independentemente de serem totalmente externalizadas.

Quanto às despesas

63

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 135.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do fundo obtidos pelos participantes são tributados de acordo com a lei nacional e a cedência de um direito de utilização de um software exclusivamente destinado a efetuar cálculos essenciais à gestão do risco e à avaliação do desempenho, são abrangidas pela isenção prevista nessa disposição, desde que tenham um nexo intrínseco com a gestão de fundos comuns de investimento e sejam exclusivamente fornecidas para efeitos da gestão desses fundos, independentemente de serem totalmente externalizadas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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