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Document 62020CC0326

Conclusões do advogado-geral A. Rantos apresentadas em 2 de setembro de 2021.
«MONO» SIA contra Valsts ieņēmumu dienests.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administratīvā apgabaltiesa.
Reenvio prejudicial — Impostos especiais de consumo — Diretiva 2008/118/CE — Isenção do imposto especial de consumo harmonizado — Produtos destinados a ser utilizados no âmbito de relações diplomáticas ou consulares — Condições de aplicação da isenção fixadas pelo Estado‑Membro de acolhimento — Pagamento por meios diferentes do numerário.
Processo C-326/20.

; Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:688

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 2 de setembro de 2021 ( 1 )

Processo C‑326/20

SIA «MONO»

contra

Valsts ieņēmumu dienests

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 12.o — Impostos especiais de consumo — Isenção do imposto especial de consumo harmonizado — Produtos sujeitos a imposto especial de consumo destinados a ser utilizados no âmbito de relações diplomáticas ou consulares — Requisitos — Pagamento efetivo dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo pelos destinatários reais — Pagamento por meios diferentes do numerário»

I. Introdução

1.

Com o seu pedido de decisão prejudicial, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo, Letónia) submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões respeitantes à interpretação do artigo 12.o da Diretiva 2008/118/CE ( 2 ) relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo no âmbito de um litígio que opõe a sociedade MONO SIA (a seguir «a demandante») à Valsts ieņēmumu dienests (Administração Tributária da Letónia, a seguir «VID») a respeito da isenção do imposto especial de consumo de produtos adquiridos por membros dos serviços diplomáticos e consulares e por pessoal de organizações internacionais sediadas na Letónia.

2.

Estas questões visam essencialmente determinar se o artigo 12.o da Diretiva 2008/118 se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que se destinem a ser utilizados no âmbito das relações diplomáticas ou consulares apenas ficam isentos desses impostos na condição, não prevista no direito da União, de que o pagamento desses produtos tenha sido efetuado por meios diferentes do numerário e que o pagamento ao fornecedor tenha sido realizado pelos destinatários reais desses produtos.

3.

Apesar do seu caráter inédito, o presente processo levanta uma problemática com a qual o Tribunal de Justiça foi recentemente confrontado, nomeadamente a das restrições à utilização de numerário como meio de pagamento. O Tribunal de Justiça é assim chamado a pronunciar‑se sobre a conformidade do regime de isenção dos impostos especiais de consumo estabelecido pela legislação letã e, mais especificamente, sobre a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros na aplicação desse regime, à luz, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade.

II. Quadro jurídico

A.   Direito internacional

1. Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas

4.

O artigo 34.o da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, concluída em Viena, em 18 de abril de 1961 ( 3 ) (a seguir «CVRD»), enuncia:

«O agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com as exceções seguintes:

a)

Os impostos indiretos que estejam normalmente [incluídos] no preço das mercadorias ou dos serviços;

[…]»

5.

O artigo 36.o, n.o 1, da CVRD dispõe:

«De acordo com as leis e regulamentos que adote, o Estado acreditador permitirá a entrada livre de pagamento de direitos aduaneiros, taxas e outros encargos conexos que não constituam despesas de armazenagem, transporte e outras relativas a serviços análogos:

a)

Dos objetos destinados ao uso oficial da missão;

b)

Dos objetos destinados ao uso pessoal do agente diplomático ou dos membros de sua família que com ele vivam, incluindo os objetos destinados à sua instalação.»

2. Convenção de Viena sobre Relações Consulares

6.

O artigo 49.o da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, concluída em Viena, em 24 de abril de 1963 ( 4 ) (a seguir designada «CVRC»), sob a epígrafe «Isenção Fiscal», prevê no seu n.o 1:

«Os funcionários consulares e os empregados consulares, assim como os membros das suas famílias que com eles vivam, serão isentos de quaisquer impostos ou taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com exceção dos:

a)

Impostos indiretos normalmente incluídos no preço das mercadorias ou serviços;

[…]»

7.

O artigo 50.o da CVRC, sob a epígrafe «Isenção de direitos aduaneiros e de inspeção alfandegária», estabelece no seu n.o 1:

«De acordo com as disposições legislativas e regulamentares que adotar, o Estado recetor autorizará a entrada e concederá isenção de todos os direitos aduaneiros, taxas e outros encargos conexos que não sejam despesas de depósito, de transporte e despesas referentes a serviços análogos, para:

a)

Os objetos destinados ao uso oficial do posto consular;

b)

Os objetos destinados ao uso pessoal do funcionário consular e dos membros da sua família que com ele vivam, incluindo os artigos destinados à sua instalação. Os artigos de consumo não deverão exceder as quantidades necessárias à sua utilização direta pelos interessados.»

B.   Direito da União

1. Diretiva 2008/118

8.

O considerando 13 da Diretiva 2008/118 tem a seguinte redação:

«Importa manter harmonizadas as normas e condições aplicáveis às entregas isentas de imposto especial de consumo. No caso das entregas isentas que sejam efetuadas a organizações situadas noutros Estados‑Membros, deverá utilizar‑se um certificado de isenção.»

9.

O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”:

[…]

b)

Álcool e bebidas alcoólicas, abrangidos pelas Diretivas 92/83/CEE [ ( 5 )] e 92/84/CEE [ ( 6 )];

c)

Tabaco manufaturado, abrangido pelas Diretivas 95/59/CE [ ( 7 )], 92/79/CEE [ ( 8 )] e 92/80/CEE [ ( 9 )]

10.

O artigo 12.o da Diretiva 2008/118 prevê:

«1.   Os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo ficam isentos destes impostos sempre que se destinem a ser utilizados:

a)

No âmbito das relações diplomáticas ou consulares;

b)

Por organizações internacionais reconhecidas como tal pelas autoridades públicas do Estado‑Membro de acolhimento, bem como pelos membros dessas organizações, dentro dos limites e nas condições fixados pelas convenções internacionais que criam essas organizações ou pelos acordos de sede;

c)

Pelas forças armadas de qualquer Estado parte no Tratado do Atlântico Norte que não seja o Estado‑Membro no qual o imposto é exigível, para uso dessas forças ou do elemento civil que as acompanha, ou para aprovisionamento das suas messes ou cantinas;

[…]

2.   As isenções aplicam‑se nas condições e dentro dos limites fixados pelo Estado‑Membro de acolhimento. Os Estados‑Membros podem conceder a isenção mediante reembolso do imposto especial de consumo.»

11.

O artigo 13.o desta diretiva dispõe:

«1.   Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 21.o, os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que circulem em regime de suspensão do imposto e tenham sido remetidos a um destinatário referido no n.o 1 do artigo 12.o são acompanhados de um certificado de isenção.

2.   A Comissão estabelece a forma e o teor do certificado de isenção, nos termos do n.o 2 do artigo 43.o

[…]»

12.

O artigo 14.o, n.o 3, da referida diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar a aplicação das isenções previstas nos n.o os 1 e 2 de modo a evitar qualquer fraude, evasão ou abuso.»

2. Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011

13.

O artigo 51.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 ( 10 ) prevê:

«1.   […] o certificado de isenção d[o] [imposto sobre o valor acrescentado (IVA)] e/ou de impostos especiais de consumo que consta do anexo II do presente regulamento serve de confirmação, sob reserva das notas explicativas constantes do anexo desse certificado, de que a operação pode beneficiar da isenção nos termos do artigo 151.o da Diretiva 2006/112/CE [ ( 11 )].

[…]

2.   O certificado a que se refere o n.o 1 é carimbado pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento. Contudo, se os bens ou serviços se destinarem a utilização oficial, os Estados‑Membros podem dispensar o adquirente ou destinatário da obrigação de carimbar o certificado nas condições por eles fixadas. Essa dispensa pode ser retirada em caso de abuso.

Os Estados‑Membros informam a Comissão do ponto de contacto designado para identificar os serviços responsáveis pela aposição do carimbo no certificado e das situações em que dispensam da obrigação de carimbar o certificado. A Comissão comunica a informação recebida dos Estados‑Membros aos demais Estados‑Membros.

3.   Quando forem aplicadas isenções diretas no Estado‑Membro onde é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços, o fornecedor ou prestador obtém o certificado a que se refere o n.o 1 do presente artigo junto do adquirente ou destinatário dos bens ou serviços e conserva‑o nos seus arquivos. Se a isenção for concedida mediante um procedimento de reembolso do IVA, nos termos n.o 2 do artigo 151.o da Diretiva [2006/112], o certificado é anexado ao pedido de reembolso apresentado ao Estado‑Membro em questão.»

14.

O anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011 estabelece a forma e o conteúdo do certificado de isenção do IVA e/ou os impostos especiais de consumo referido no artigo 51.o deste regulamento de execução.

C.   Direito letão

15.

A likums «Par akcīzes nodokli» (Lei relativa aos Impostos Especiais de Consumo), de 30 de outubro de 2003 ( 12 ), enuncia no seu artigo 7.o:

«Os impostos especiais de consumo são devidos pelo:

1.   importador […]»

16.

O artigo 20.o, n.o 1, da mesma lei dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no n.o 2 […] 5, […] do presente artigo, estão isentos do imposto especial de consumo os produtos sujeitos a imposto especial de consumo que sejam entregues:

1)

a representações diplomáticas e consulares;

2)

a agentes diplomáticos e consulares de representações diplomáticas e consulares, pessoal administrativo e técnico e membros das famílias das pessoas referidas no presente ponto, quando não sejam nacionais letões nem residentes permanentes na Letónia […].

3)

a organizações internacionais, ou às suas representações, reconhecidas como tal pela República da Letónia, dentro dos limites e nas condições fixados pelas convenções internacionais que criam essas organizações ou pelos acordos de sede;

4)

ao pessoal de organizações internacionais ou das suas representações com estatuto diplomático no território da República da Letónia, quando não sejam nacionais letões nem residentes permanentes;

[…]

6)

às forças armadas de um Estado parte no Tratado do Atlântico Norte (com exceção do Estado‑Membro no qual o imposto especial de consumo é exigível), para consumo dessas forças ou do elemento civil que as acompanha, ou para as necessidades das suas messes ou cantinas;

[…]

9)

[…]

a)

a quartéis‑generais aliados reconhecidos na República da Letónia […].

b)

a membros de um quartel‑general aliado ou pessoas a seu cargo, quando não sejam nacionais letões nem residentes permanentes.»

17.

O artigo 20.o, n.o 2, ponto 2, da referida lei dispõe:

«Os sujeitos referidos no n.o 1 do presente artigo podem receber na República da Letónia produtos sujeitos a impostos especiais de consumo provenientes de:

[…]

2)

entrepostos fiscais situados na República da Letónia, nas seguintes condições:

a)

o expedidor dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo utiliza o documento previsto no anexo II do Regulamento [de Execução] n.o 282/2011, e que certifica que esses produtos estão isentos desses impostos.

b)

o expedidor dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apresenta um comprovativo em conformidade com a regulamentação relativa à circulação dos referidos produtos,

c)

o pagamento pela aquisição dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo é efetuado por meios diferentes do numerário.»

18.

O artigo 20.o, n.o 5, da mesma lei estabelece:

«Estão isentos do imposto os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo destinados a cobrir as necessidades dos sujeitos referidos no n.o 1 do presente artigo e que sejam importados para o território da República da Letónia com vista à sua introdução em livre prática […] a partir de países que não sejam Estados‑Membros ou do território referido no artigo 2.o, n.o 31, da presente lei, nas seguintes condições:

1)

o expedidor dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo utiliza o documento previsto no anexo II do Regulamento [de Execução] n.o 282/2011, que certifica que os produtos estão isentos desses impostos.

2)

o pagamento pela aquisição dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo é efetuado por meios que não em numerário.»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

19.

A demandante declarou à Administração Aduaneira da República da Letónia produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (álcool e cigarros) que tinha adquirido a uma empresa britânica e à sua sucursal letã (a seguir «produtos em causa») sob o regime de suspensão do imposto especial de consumo e com vista à sua introdução em livre prática nas embaixadas e serviços consulares de diversos Estados‑Membros bem como na representação da OTAN na Letónia.

20.

Depois de ter adquirido os produtos em causa à empresa britânica e à sua filial da Letónia, sem pagar diretamente o preço, a demandante vendeu‑os a missões diplomáticas e consulares ( 13 ) na Letónia, sem, contudo, receber o pagamento. Com efeito, estes últimos, após terem recebido esses produtos, pagaram o preço dos mesmos diretamente a essa sociedade britânica beneficiária de uma cessão de crédito da demandante. O contrato de cessão prevê igualmente a remuneração a ser paga pela referida sociedade à demandante pelo seu papel de intermediária na venda dos produtos em causa.

21.

Na sequência de uma inspeção fiscal, a VID adotou uma decisão que exigia à demandante o pagamento de impostos especiais de consumo pela introdução em livre prática dos produtos em causa, acrescido de uma coima e juros de mora. Esta decisão indicava que, uma vez que as representações diplomáticas e consulares em questão não pagaram esses produtos por meios diferentes do numerário, não se encontrava preenchida a condição de aplicação prevista no artigo 20.o, n.o 5, ponto 2, da Lei relativa aos Impostos Especiais de Consumo.

22.

A demandante recorreu para o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia), pedindo a anulação da decisão da VID. Alegou, nomeadamente, que a condição para a aplicação da isenção prevista no artigo 20.o, n.o 5, ponto 2, da Lei relativa aos Impostos Especiais de Consumo não era determinante e, além disso, não foi estabelecida como condição para a isenção nos instrumentos internacionais que vinculam a República da Letónia.

23.

Por Sentença de 10 de junho de 2019, o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância) negou provimento a este recurso no que respeita à obrigação de pagamento do imposto especial de consumo.

24.

A demandante interpôs recurso desta sentença para o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo). Este órgão jurisdicional observa que é pacífico que a demandante declarou os produtos em causa ao abrigo do regime de entreposto aduaneiro, em regime de suspensão do imposto especial de consumo e com vista à sua introdução em livre prática junto dos agentes diplomáticos, que utilizou o certificado constante do anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011, que emitiu os documentos comprovativos relativos às entregas dos produtos a agentes diplomáticos de diversos Estados e à representação da OTAN na Letónia e que o pagamento que lhe era devido pelos produtos em causa foi efetuado pela empresa britânica no âmbito de um contrato de cessão de crédito.

25.

O Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) observa, contudo, que a VID considera que a isenção de impostos especiais de consumo não é aplicável, uma vez que o artigo 20.o, n.o 5, ponto 2, da Lei relativa aos Impostos Especiais de Consumo exige que os produtos em causa sejam pagos por meios diferentes do numerário.

26.

Além disso, resultaria da posição adotada pela VID que é necessário provar não só que está previsto um pagamento por meios diferentes do numerário entre as partes na operação em causa, mas também que esse pagamento foi efetivamente efetuado pelas pessoas a quem foram entregues os produtos. A VID considerou que, uma vez que o pagamento devido à demandante pelos produtos em causa entregues às embaixadas e aos serviços consulares teria sido efetuado, por força de um contrato de cessão de créditos, pela empresa britânica e não pelas embaixadas e serviços consulares aos quais foram entregues esses produtos, é impossível verificar se essas embaixadas e serviços consulares, ao receber os produtos referidos, realizaram, efetivamente, o pagamento por meios diferentes do numerário.

27.

Foi nestas condições que o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva [2008/118] ser interpretado no sentido de que os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que se destinem a ser utilizados no âmbito das relações diplomáticas ou consulares ficam isentos desses impostos na condição de se prever que o pagamento desses produtos seja efetuado por meios diferentes do numerário, que o pagamento tenha efetivamente sido realizado e que o pagamento ao fornecedor tenha sido realizado pelos destinatários reais desses produtos?

2)

Deve o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva [2008/118] ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros podem fixar condições e limites que, no âmbito das relações diplomáticas e consulares, subordinem a isenção de impostos especiais de consumo para os produtos sujeitos a esses impostos ao requisito de o comprador desses produtos os ter efetivamente pago por meios diferentes do numerário?»

28.

Foram apresentadas observações escritas pela demandante, pelos Governos letão e espanhol, bem como pela Comissão Europeia.

29.

As partes no processo principal e os intervenientes propõem‑se responder às questões prejudiciais do seguinte modo:

A demandante considera que o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118 não pode ser interpretado no sentido de que os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que se destinem a ser utilizados no âmbito das relações diplomáticas ou consulares ficam isentos desses impostos na condição de se prever que o pagamento desses produtos seja efetuado por meios diferentes do numerário, que o pagamento tenha efetivamente sido realizado e que o pagamento ao fornecedor tenha sido realizado pelos destinatários reais desses produtos. O artigo 12.o, n.o 2, da referida diretiva não pode ser interpretado como permitindo a um Estado‑Membro impor restrições adicionais desnecessárias e burocráticas aos produtos isentos de impostos especiais de consumo, que resultem numa limitação dos meios de pagamento desses produtos.

Por seu turno, o Governo letão propõe que o Tribunal de Justiça responda que o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo destinados a serem utilizados no âmbito das relações diplomáticas ou consulares estão isentos de impostos especiais de consumo, na condição de se prever o pagamento desses produtos por meios diferentes do numerário, que o pagamento tenha efetivamente sido realizado e que tenha sido realizado pelos destinatários reais desses produtos, e que o artigo 12.o, n.o 2, da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros podem fixar condições e limites que, no âmbito das relações diplomáticas ou consulares, subordinem a isenção de impostos especiais de consumo para os produtos sujeitos a esses impostos ao requisito de o comprador desses produtos os ter efetivamente pago por meios diferentes do numerário.

O Governo espanhol considera que os Estados‑Membros podem, em grande medida, estabelecer condições e limites à aplicação das isenções previstas no artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118, em conformidade, nomeadamente, com os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade. A exigência de o sujeito passivo, para poder invocar a isenção, demonstrar que os bens ou serviços foram pagos por meios diferentes do numerário afigura‑se razoável para garantir que a isenção não é abusiva, na medida em que permite confirmar a entrega efetiva dos produtos ao destinatário diplomático ou consular. Este requisito impediria qualquer forma de abuso ou fraude. O Governo espanhol propõe, portanto, responder às questões prejudiciais no sentido de que o artigo 12.o da referida diretiva permite aos Estados‑Membros, ao estabelecerem as condições e os limites de aplicação da isenção do imposto especial sobre o consumo de produtos utilizados no âmbito das relações diplomáticas e consulares, subordinar a aplicação dessa isenção ao requisito de o comprador desses produtos os ter efetivamente pago por meios diferentes do numerário.

A Comissão considera que a resposta à primeira questão prejudicial resulta da própria leitura do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/118, que não faz qualquer referência aos requisitos mencionados nessa questão. Assim, o único requisito previsto nessa disposição seria de que os produtos se destinem efetivamente à utilização indicada, ou seja, a ser utilizados no âmbito das relações diplomáticas ou consulares. Uma vez que, segundo a Comissão, a prova desse destino pode ser fornecida por outros meios para além da prova de pagamento pelos compradores ao seu fornecedor direto por meios diferentes do numerário, a Comissão propõe responder à primeira questão prejudicial que o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que não exige, para que a isenção prevista na mesma seja concedida, que se preveja o pagamento desses produtos por meios diferentes do numerário, que o pagamento ao fornecedor tenha efetivamente sido realizado e que tenha sido efetuado pelos destinatários reais desses produtos.

Segundo a Comissão, há que responder à segunda questão prejudicial que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 se opõe a uma legislação nacional segundo a qual, em circunstâncias como as do presente caso, a isenção do imposto especial de consumo deve ser recusada pelo facto de o comprador não ter efetivamente pago o preço dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, através de pagamento por meios diferentes do numerário, sem que seja possível provar, com base noutros elementos de prova, que estão preenchidas as condições de isenção previstas no artigo 12.o, n.o 1, da referida diretiva.

30.

As mesmas partes responderam igualmente por escrito, no prazo fixado, a uma questão submetida pelo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça ( 14 ).

IV. Análise

A.   Observações preliminares

31.

Com as suas questões, que devem ser apreciadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros, ao fixar as condições e limites para a aplicação da isenção do imposto especial de consumo aos produtos utilizados no âmbito das relações diplomáticas e consulares, de sujeitar a aplicação dessa isenção a condições adicionais não previstas pelo direito da União, tais como as que exigem que o destinatário efetivo desses produtos os tenha pago diretamente aos fornecedores por meios diferentes do numerário.

32.

A este respeito, começo por salientar que o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação do artigo 12.o da Diretiva 2008/118.

33.

Importa igualmente precisar que, segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não há dúvida de que, no processo principal, os produtos em causa foram entregues às representações diplomáticas e consulares e que nenhuma irregularidade, para além da violação da disposição da lei letã em questão, foi detetada pela VID. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que a demandante cumpriu plenamente os requisitos de forma e de substância estabelecidos pelo direito da União. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se, em tal hipótese, o direito nacional pode impor condições e limites adicionais ao direito da União, cuja violação conduziria à inaplicabilidade da isenção do imposto especial de consumo.

34.

Antes de proceder a uma análise aprofundada das questões colocadas no presente processo, considero importante que nos debrucemos sobre o âmbito de aplicação da Diretiva 2008/118 e, em particular, as disposições relativas à isenção do imposto especial de consumo para as missões diplomáticas e consulares.

35.

Proponho analisar, em seguida, o regime de isenção do imposto especial de consumo previsto pela legislação letã à luz do princípio da proporcionalidade e, por último, a sua conformidade à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de isenção do IVA, domínio para o qual o legislador da União previu um sistema de isenção idêntico ao aplicável aos impostos especiais de consumo.

B.   Âmbito de aplicação do regime de isenção do imposto especial de consumo

1. Âmbito de aplicação da Diretiva 2008/118

36.

Para interpretar uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 15 ).

37.

Convém recordar que a Diretiva 2008/118 tem por objetivo estabelecer um regime geral dos impostos especiais de consumo sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo na União a fim de garantir a sua livre circulação e, por conseguinte, o bom funcionamento do mercado único da União ( 16 ). Entre as exceções a este princípio está a isenção prevista no artigo 12.o desta diretiva para as missões diplomáticas e consulares.

38.

Podem extrair‑se as seguintes conclusões preliminares das disposições‑chave da Diretiva 2008/118 relativas ao regime de isenção, que são descritas nos n.os 10 a 12 das presentes conclusões.

39.

Em primeiro lugar, o principal objetivo do regime de isenção previsto no artigo 12.o da Diretiva 2008/118 é assegurar que os destinatários que se incluam numa das categorias identificadas por essa disposição possam beneficiar do mesmo. Assim, os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo estão isentos do pagamento do imposto especial de consumo correspondentes, quando se destinam a ser utilizados no âmbito das relações diplomáticas ou consulares. Tal interpretação está também em conformidade com o artigo 36.o da CVRD e o artigo 50.o da CVRC.

40.

Em segundo lugar, mesmo que se reconheça que os Estados‑Membros têm uma margem de apreciação na aplicação do regime de isenção, esta é limitada pela utilização do certificado de isenção, que se destina a enquadrar o regime de execução da isenção e, especificamente, a assegurar que o objetivo previsto no artigo 12.o da Diretiva 2008/118 seja alcançado, garantindo simultaneamente a utilização efetiva dos produtos em causa pelos seus destinatários.

41.

Em terceiro lugar, no âmbito dos poderes conferidos aos Estados‑Membros, estes podem tomar as medidas necessárias para assegurar que as isenções previstas para as missões diplomáticas e consulares sejam aplicadas de modo a evitar qualquer fraude, evasão ou abuso ( 17 ). A este respeito, deve recordar‑se que a prevenção de tais fenómenos é um objetivo comum tanto do direito da União como do direito letão.

42.

Em quarto lugar, no que respeita à aplicação do regime de isenção dos impostos especiais de consumo, a Diretiva 2008/118 deixa aos Estados‑Membros a opção de conceder a isenção através de dois procedimentos diferentes, nomeadamente, por um lado, o reembolso ex post do imposto especial de consumo e, por outro, a isenção ex ante, sob a forma de suspensão dos impostos especiais de consumo com vista à sua entrega em missões diplomáticas e consulares ( 18 ), modelo pelo qual optou a Letónia.

43.

Finalmente, para além das condições explicitamente mencionadas na Diretiva 2008/118 e no Regulamento de Execução n.o 282/2011, o direito da União não prevê quaisquer outras condições harmonizadas para a isenção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo para utilização nas relações diplomáticas e consulares. Em particular, a concessão da isenção não depende da modalidade de pagamento dos produtos nem do pagamento direto pelo adquirente ao fornecedor.

2. Aplicação do regime de isenção do imposto especial de consumo

44.

A fim de compreender o funcionamento do regime de isenção dos impostos especiais de consumo e os parâmetros da sua aplicação, há que analisar, em primeiro lugar, o conteúdo do certificado de isenção. A seguir, a minha análise centrar‑se‑á no papel do direito nacional e na sua interação com o direito da União na aplicação do regime de isenção de impostos especiais de consumo.

a) Certificado de isenção

45.

Recordo desde já que o certificado de isenção é um documento cuja forma e conteúdo são estabelecidos pela Comissão e que os Estados‑Membros são obrigados a respeitar a fim de assegurar o bom funcionamento do regime de isenção de impostos especiais de consumo ( 19 ). Assim, há que constatar que, ao utilizar este certificado, o legislador da União quis harmonizar esse regime.

46.

No que respeita ao seu conteúdo, este pode resumir‑se da seguinte forma: o certificado de isenção deve conter a identidade e os dados do beneficiário da isenção — o organismo (representação diplomática ou consular) ou o seu agente ( 20 ) —, a descrição pormenorizada dos bens ou serviços em causa, a sua quantidade ou número, os seus valores unitários e totais e a moeda utilizada ( 21 ), a declaração expressa do beneficiário da isenção de que os bens ou serviços se destinam a uma das utilizações oficiais previstas no artigo 12.o da Diretiva 2008/118 ou ao uso privado de um membro de uma missão diplomática ou consular ( 22 ), o carimbo datado e assinado desse organismo no caso de um pedido de isenção para uso privado ( 23 ) e o carimbo datado e assinado das autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento que certifica que a operação cumpre, na todo ou até uma determinada quantidade, as condições de isenção dos impostos especiais de consumo ( 24 ).

47.

Observo, antes de mais, que o certificado de isenção descreve em pormenor as diferentes fases a seguir por todos os sujeitos envolvidos no processo de isenção, nomeadamente o sujeito passivo, as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento e o organismo que beneficia da isenção do Estado‑Membro em causa.

48.

Importa, portanto, salientar que, em princípio, o conteúdo do certificado de isenção é certificado tanto pelo organismo ou pelo particular que beneficia da isenção, ou seja, as missões diplomáticas e consulares do Estado‑Membro em causa (ou os seus funcionários), como pelas autoridades do Estado‑Membro de acolhimento.

49.

Assim, no que respeita às missões diplomáticas ou consulares que beneficiam da isenção, no certificado de isenção, estas declaram, nomeadamente: a) que os produtos se destinam a uma das utilizações oficiais previstas ou a uso privado, b) que os bens ou serviços respeitam as condições e restrições em matéria de isenção no Estado‑Membro de acolhimento e c) que as informações foram fornecidas de boa‑fé. A fim de certificar a exatidão das informações acima referidas, um representante do organismo em causa apõe uma assinatura bem como o carimbo ou selo da missão diplomática ou consular onde a isenção foi concedida para uso privado de um membro do organismo isento.

50.

No que respeita ao Estado‑Membro de acolhimento, é de notar que, em princípio, o conteúdo do certificado de isenção é também certificado pelas autoridades competentes desse Estado. Esta certificação pode ser realizada por uma ou mais autoridades, dependendo do Estado‑Membro em causa. Noto a este respeito que em vários Estados‑Membros, duas autoridades intervêm neste processo ( 25 ). Assim, num primeiro momento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros ( 26 ) ou o Ministério da Defesa ( 27 ) certifica que o organismo em causa é, em razão do seu estatuto, titular do direito à isenção. Uma vez obtida essa certificação, o organismo titular do direito à isenção apresenta o certificado de isenção ao fornecedor e procede à compra dos produtos isentos, entregando‑lhe uma cópia desse certificado. Num segundo momento, uma segunda autoridade do Estado‑Membro de acolhimento, na maioria dos casos as autoridades fiscais ou os serviços aduaneiros, pode eventualmente verificar a conformidade da transação com as regras aplicáveis em matéria de isenção de impostos especiais de consumo ou de IVA.

51.

Todavia, quando os bens ou serviços se destinam a utilização oficial, o Estado‑Membro de acolhimento pode, nas condições por ele fixadas, dispensar as representações diplomáticas ou consulares da obrigação de obter autorização prévia das autoridades competentes desse Estado‑Membro para o uso do certificado ( 28 ). Neste caso, esse certificado pode ser utilizado sem a certificação do Estado‑Membro de acolhimento e sem conter o carimbo das autoridades competentes desse Estado‑Membro. Assim, poderia prever‑se que, por razões de reciprocidade no contexto das relações diplomáticas de um Estado‑Membro com um outro, se decida facilitar a aquisição de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo pelas missões diplomáticas e consulares, concedendo‑lhes esta isenção, que, no entanto, pode ser retirada em caso de abuso.

52.

Não obstante, mesmo nos casos em que a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento decide não apor o seu carimbo no caso de isenção dos impostos especiais de consumo para uso oficial, tal não dispensa, em princípio, a missão diplomática ou consular que beneficia da isenção da sua obrigação de confirmar a exatidão dos dados introduzidos e de certificar o conteúdo do certificado de isenção mediante uma assinatura ou de um selo oficial.

53.

Finalmente, no que respeita ao sujeito passivo (ou fornecedor dos bens que beneficiam da isenção), especifica‑se nas notas explicativas do anexo II do Regulamento de Execução no 282/2011 relativo ao certificado de isenção que este certificado serve de atestação para a isenção fiscal das entregas de bens às missões diplomáticas e consulares. O sujeito passivo/depositário deve conservar o referido certificado nos seus arquivos ( 29 ), de acordo com as disposições legais aplicáveis no Estado‑Membro a que pertence ( 30 ).

b) Papel do direito nacional na aplicação do regime de isenção dos impostos especiais de consumo

54.

Importa recordar, em primeiro lugar que, nos termos do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118, as isenções previstas no n.o 1 deste artigo «aplicam‑se nas condições e dentro dos limites fixados pelo Estado‑Membro de acolhimento».

55.

O Governo letão considera assim que a exigência de pagamento por meios diferentes do numerário, para além da formalidade do certificado de isenção, se justifica, tendo em conta, nomeadamente, a margem de apreciação concedida aos Estados‑Membros pela redação da disposição acima indicada e a possibilidade que essa disposição lhes abre de fixar as condições e os limites da isenção do imposto especial de consumo.

56.

Esta posição também é partilhada pelo Governo espanhol, que considera que, se for aceite a interpretação de que a isenção se aplica automaticamente no âmbito do fornecimento de bens ou serviços a uma representação diplomática ou consular, o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118, que prevê que os Estados‑Membros podem estabelecer as condições e limites de tal isenção, perderia todo o sentido.

57.

Assinalo, antes de mais, que não partilho a posição dos Governos letão e espanhol.

58.

Com efeito, em primeiro lugar, é evidente que num domínio harmonizado do direito da União, como o regime geral dos impostos especiais de consumo, a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros é limitada e deve ser exercida em conformidade com o direito da União.

59.

Em segundo lugar, mesmo que nos limitemos a uma interpretação estrita do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118, esta disposição não é de molde a privar os Estados‑Membros da possibilidade de estabelecerem uma série de parâmetros para a aplicação da isenção do imposto especial de consumo.

60.

Convém recordar, em primeiro lugar, que cabe ao legislador nacional escolher o método de isenção que pretende aplicar, nomeadamente se esta terá lugar ex ante e por via direta, através da suspensão dos impostos especiais de consumo, ou ex post, através de um reembolso dos impostos especiais de consumo.

61.

Além disso, a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros na aplicação do regime de isenção de impostos especiais de consumo é claramente ilustrada pelas diferentes abordagens seguidas por estes Estados‑Membros na fixação dos parâmetros deste regime. Observa‑se assim distinções no que se refere à designação das autoridades competentes dos Estados‑Membros de acolhimento para certificar tanto a elegibilidade dos titulares da isenção como a validade das transações realizadas ( 31 ), os requisitos relativos à certificação do conteúdo pela missão diplomática em causa ( 32 ), o montante a partir do qual a isenção está disponível ( 33 ), o período durante o qual a isenção é válida ou o prazo para obter o reembolso ( 34 ), as regras que regem a utilização dos produtos em causa ( 35 ) e ainda o número de cópias do certificado de isenção a emitir ( 36 ).

62.

Em face do exposto, considero que uma interpretação centrada no objetivo principal do regime de isenção dos impostos especiais de consumo, que consiste em assegurar que os destinatários referidos no artigo 12.o da Diretiva 2008/118 obtenham essa isenção, não priva os Estados‑Membros da possibilidade de fixarem uma série de parâmetros importantes para a aplicação desse regime.

C.   Exame da proporcionalidade do regime de isenção dos impostos especiais de consumo

63.

O princípio da proporcionalidade exige aos Estados‑Membros que recorram a meios que permitindo embora alcançar eficazmente o objetivo prosseguido pelo direito interno, não devem exceder o necessário e prejudiquem o menos possível os objetivos e os princípios impostos pela legislação da União em causa ( 37 ).

64.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça precisa, a este propósito, que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos ( 38 ).

65.

É, portanto, necessário, num primeiro momento, analisar o objetivo legítimo prosseguido pelo legislador letão ao adotar o artigo 20.o, n.o 5, ponto 2, da Lei relativa aos Impostos Especiais de Consumo, a fim de determinar se este é justificado e proporcional.

66.

Num segundo momento, há que analisar se esta legislação é adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e se não vai além do que é necessário para o alcançar.

67.

Penso que é importante recordar que o regime de isenção dos impostos especiais de consumo foi harmonizado a nível da União Europeia através da Diretiva 2008/118. Ao nível da sua execução, essa harmonização manifesta‑se pelo enquadramento do regime de isenção através do certificado de isenção. É assim, neste contexto muito específico, necessário analisar a proporcionalidade do artigo 20.o, n.o 5, ponto 2, da Lei relativa aos Impostos Especiais de Consumo, a fim de responder às questões prejudiciais.

68.

Em face do exposto, considero que, na ausência de tal harmonização e da consequente exigência de um sistema de isenção uniforme, medidas como as previstas na legislação letã poderiam ser justificadas e proporcionais, tanto tendo em vista os objetivos prosseguidos pelo direito nacional como a maior margem de apreciação de que disporia um Estado‑Membro.

1. Justificação da restrição imposta pelo direito letão

69.

Resulta da decisão de reenvio e das observações escritas do Governo letão que a exigência de pagamento por meios diferentes do numerário decorre da vontade de garantir que a isenção seja devidamente concedida aos que têm direito à isenção dos impostos especiais de consumo e combater de forma mais eficaz a evasão e fraude fiscais.

70.

Há que salientar que os Estados‑Membros têm um interesse legítimo em tomar as medidas adequadas para proteger os seus interesses financeiros ( 39 ) e que o combate à evasão fiscal e aos eventuais abusos constitui um objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/118, como resulta do artigo 11.o e do artigo 39.o, n.o 3, primeiro parágrafo, desta diretiva ( 40 ).

71.

Considero assim que, à primeira vista, o objetivo prosseguido pelo legislador letão pode parecer justificado no caso particular de certos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, tais como cigarros e álcool que, quando introduzidos ilegalmente, representam uma proporção significativa da comercialização de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

72.

Recordo, contudo, que os Estados‑Membros, no exercício dos poderes que lhes são conferidos pelo direito da União, devem respeitar os princípios gerais de direito, entre os quais figura, designadamente, o princípio da proporcionalidade ( 41 ).

73.

É agora necessário considerar os argumentos apresentados por estes dois governos para justificar a restrição imposta pela lei letã.

74.

Os Governos letão e espanhol consideram que a utilização de numerário em transações económicas facilita consideravelmente o comportamento fraudulento e abusivo e que, por conseguinte, as restrições impostas pela lei letã são legítimas e proporcionais.

75.

Segundo o Governo espanhol, o próprio direito da União não é alheio a este tipo de restrições, que são estabelecidas para fins legítimos, tais como a prevenção da fraude fiscal. A este propósito, este Governo refere‑se ao Acórdão Hessischer Rundfunk ( 42 ), bem como às Conclusões do advogado‑geral R. de la Tour no processo ECOTEX BULGARIA ( 43 ).

76.

Embora tenha sido reconhecido que, em certos casos específicos, as restrições à utilização de numerário como meio de pagamento podem ser legítimas, considero que a jurisprudência citada pelo Governo espanhol não é transponível para o presente processo, em que tanto os factos como o regime jurídico aplicável diferem consideravelmente do processo que deu origem ao Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk (C‑422/19 et C‑423/19, EU:C:2021:63).

77.

Recordo que, nos processos apensos Hessischer Rundfunk (C‑422/19 e C‑423/19), o Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, decidiu que, em princípio, um Estado‑Membro da zona euro pode exigir à sua Administração que aceite pagamentos em numerário, mas que esta possibilidade também pode ser restringida por razões de interesse público, desde que tais restrições sejam proporcionais ao objetivo do interesse público prosseguido. Assim, o Tribunal de Justiça salientou que uma tal limitação pode nomeadamente ser justificada quando o pagamento em numerário seja suscetível de implicar um custo desrazoável para a Administração em razão do número muito elevado de contribuintes. Deste modo, o Tribunal de Justiça concluiu que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se tal limitação é proporcionada ao objetivo de cobrança efetiva da taxa de radiodifusão ( 44 ), em especial, tendo em conta o facto de que os meios legais alternativos de pagamento podem não ser facilmente acessíveis a todas as pessoas devedoras da mesma ( 45 ).

78.

Noto desde já que o teste de proporcionalidade referido no Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk (C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63), surgiu num contexto diferente daquele com que somos confrontados no presente processo. O objetivo de interesse público prosseguido no processo acima referido era assegurar que não houvesse custos excessivos para a administração devido ao pagamento em numerário. Ora, tal risco não existe no processo principal, em que o objetivo prosseguido pela legislação letã é evitar abusos e fraudes no domínio do pagamento e isenção de impostos especiais de consumo.

79.

No processo ECOTEX BULGARIA (C‑544/19), pendente no Tribunal de Justiça, este é chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber em que medida estaria conforme com o Direito da União a legislação fiscal nacional que proíbe as pessoas singulares e coletivas de efetuar um pagamento em numerário no território nacional, quando esse pagamento for de valor igual ou superior ao limite fixado, e que exige que os contribuintes utilizem outros meios de pagamento para esse efeito, sob pena de serem punidos.

80.

Não obstante concordar com a análise do advogado‑geral R. de la Tour no processo ECOTEX BULGARIA ( 46 ), considero que as conclusões extraídas dessa análise não são transponíveis para o processo principal. Por um lado, ao contrário da legislação letã, a legislação búlgara em causa nesse processo não está abrangida por um domínio harmonizado pelo direito da União. Por outro lado, o contexto jurídico e os objetivos prosseguidos pela legislação búlgara diferem consideravelmente da legislação letã. Com efeito, a legislação búlgara visa combater as práticas de evasão fiscal resultantes de situações em que quantias significativas não são inscritas nos registos contabilísticos, escapando assim ao pagamento de contribuições obrigatórias para a segurança social ( 47 ). Assim, o legislador búlgaro exige a utilização de meios de pagamento que garantam a rastreabilidade das operações financeiras para as quais não existiriam outros meios de prova ou controlo. Ora, no processo principal, o direito da União prevê um mecanismo específico para a aplicação do regime de isenção dos impostos especiais de consumo, através do certificado de isenção, que é suscetível de constituir um meio de prova que atesta, em princípio, não apenas a realização de uma operação comercial, mas também a sua rastreabilidade, a fim de evitar qualquer forma de abuso e fraude.

2. Adequação da legislação nacional em causa para atingir os objetivos que prossegue e a sua necessidade

81.

Recordo que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática ( 48 ).

82.

A questão que assim se coloca é saber se e em que medida o certificado de isenção permite cumprir, por si só, os objetivos do direito letão e o objetivo referido no artigo 12.o da Diretiva 2008/118, concretamente a isenção dos destinatários em causa, garantindo simultaneamente a ausência de fraude e abuso. Saliento, antes de mais que, em caso de resposta afirmativa a esta questão, considero que quaisquer regras nacionais que imponham condições e formalidades adicionais para garantir a receção de produtos que beneficiam dos impostos especiais de consumo pelos destinatários em causa correriam o risco de ser injustificadas e desproporcionadas. No entanto, se esse certificado não permite garantir uma aplicação legítima e não abusiva do regime de isenção de impostos especiais de consumo — e, em particular, de assegurar a receção dos produtos em causa pelos destinatários efetivos —, medidas adicionais, tais como as previstas no direito letão, poderiam ser justificadas e proporcionadas.

83.

Sublinho que foi enviada a todas as partes uma questão especificamente direcionada a tal problemática ( 49 ).

84.

Nas suas respostas à pergunta colocada, a demandante e a Comissão sustentam que o certificado de isenção contém todos os elementos necessários para garantir que os compradores dos produtos em causa são efetivamente as pessoas referidas no artigo 12.o da Diretiva 2008/118.

85.

Em contrapartida, há que observar que, nas suas respetivas respostas, os Governos letão e espanhol não explicaram de que forma a exigência de pagamento por meios diferentes do numerário forneceria informações adicionais que não estariam à disposição das autoridades fiscais com base no certificado de isenção. Estes Governos consideram que o pagamento efetuado por outros meios diferentes do numerário permitiria à Administração Fiscal provar de outra forma que o fornecedor realizou a transação a favor de um determinado destinatário, que é normalmente o pagador. Assim, a pessoa que efetua o pagamento seria claramente identificada (pelo nome, número da conta ou número do cartão bancário) e seria confirmado que essa pessoa é o destinatário dos produtos e que pagou diretamente a esse fornecedor.

86.

No entanto, há que reconhecer que essas informações já constam do certificado de isenção e podem ser identificadas de forma clara e inequívoca ( 50 ). Assim, os dados relativos à identidade do comprador e o preço total dos produtos já estão incluídos neste certificado, assim como a quantidade dos produtos adquiridos, o tipo e o preço individual de cada produto, os quais não podem ser determinados por uma simples prova de pagamento. Por conseguinte, e tal como a Comissão, sou de opinião que as informações que justificam o pagamento poderiam, no caso em apreço, servir eventualmente para verificar a exatidão das informações contidas no referido certificado, comparando as duas fontes de informação, mas que não fornecem qualquer elemento adicional.

87.

Considero, assim, que só pelo seu conteúdo, o certificado de isenção é capaz, à primeira vista, de permitir a verificação do cumprimento das condições de isenção estabelecidas no artigo 12.o da Diretiva 2008/118 e dos objetivos por esta prosseguidos.

88.

Isto leva‑nos, numa segunda fase, a examinar, se, eventualmente, no âmbito da aplicação do regime de isenção dos impostos especiais de consumo e tendo em conta a margem de apreciação concedida aos Estados‑Membros, as medidas adicionais adotadas pelo legislador letão poderiam ser justificadas.

89.

Segundo o Governo letão, estas medidas adicionais justificam‑se, nomeadamente, devido ao método de isenção que o legislador letão escolheu. Assim, este Governo observa que, ao contrário do reembolso de impostos especiais de consumo que permitiria às autoridades fiscais assegurar o reembolso de tais impostos às missões diplomáticas e consulares, em caso de aplicação da isenção de impostos especiais de consumo, as autoridades fiscais eventualmente não teriam a mesma possibilidade de controlo.

90.

Considero que a resposta dada pelo Governo letão merece as observações que se seguem.

91.

Em primeiro lugar, o Governo letão parece reconhecer não só a possibilidade de os Estados‑Membros optarem por diferentes sistemas de isenção, mas também o facto de que, se a Letónia tivesse escolhido o modelo de reembolso do imposto especial de consumo, poderia, em princípio, assegurar o bom funcionamento do sistema de isenção sem ter de recorrer a medidas adicionais. Ora, considero que este reconhecimento é, à primeira vista, um indício importante de que a legislação letã pode ser injustificada.

92.

Além disso, observo que, nos termos do artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, mesmo quando a isenção é concedida sob a forma de reembolso, é com base no mesmo certificado de isenção que esta é concedida, sendo este último anexado ao pedido de reembolso dirigido ao Estado‑Membro em causa sem qualquer outra formalidade adicional ( 51 ). Afigura‑se, portanto, do ponto de vista da isenção que, esta seja realizada ao abrigo do regime da suspensão dos impostos especiais de consumo ou do reembolso, a forma e o conteúdo do certificado de isenção permaneceriam inalterados, embora mantendo o mesmo valor probatório.

93.

Embora pareça óbvio que, no caso do reembolso dos impostos especiais de consumo, o Estado‑Membro de acolhimento dispõe de uma maior margem de controlo, uma vez que o reembolso pressupõe, em princípio, um controlo da identidade do destinatário dos fundos antes de este ser efetuado, na sua resposta às perguntas escritas o Governo letão não apresentou provas de que, em caso de suspensão do imposto especial de consumo, o certificado de isenção não permitiria exercer o controlo necessário para assegurar o bom funcionamento do sistema de isenção e de garantir a ausência de fraude e abusos, justificando assim medidas adicionais, tais como as introduzidas pelo legislador letão.

94.

Em segundo lugar, o argumento apresentado pelo Governo letão para justificar as medidas adicionais baseia‑se no artigo 72.o do Ministru kabineta noteikumi Nr 908 «Kārtība, kādā piemēro pievienotās vērtības nodokļa 0 procentu likmi preču piegādēm un pakalpojumiem, kas sniegti diplomātiskajām un konsulārajām pārstāvniecībām, starptautiskajām organizācijām, Eiropas Savienības institūcijām un Ziemeļatlantijas līguma organizācijai (NATO), un kārtība, kādā atmaksā akcīzes nodokli par Latvijas Republikā iegādātajām akcīzes precēm un piemēro akcīzes nodokļa atbrīvojumu» [(Decreto n.o 908 do Conselho de Ministros que Estabelece Normas de Aplicação de Taxa Zero do Imposto sobre o Valor Acrescentado ao Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços às Missões Diplomáticas e Consulares, às Organizações Internacionais, às Instituições da União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e Modalidades relativas ao Reembolso dos Impostos Especiais de Consumo sobre Produtos Sujeitos a Impostos Especiais de Consumo Adquiridos na República da Letónia e à Aplicação da Isenção dos Impostos Especiais de Consumo] ( 52 ), que autoriza as missões diplomáticas e consulares a utilizarem o certificado de isenção sem aprovação prévia das autoridades fiscais letãs por um período não superior a 36 meses ( 53 ).

95.

Contudo, o Governo letão não explica como é que esta possibilidade oferecida pelo direito nacional poderia precisamente comprometer a aplicação do regime de isenção, por exemplo, aumentando o risco de fraude ou abuso. Este governo também não consegue explicar por que razão, neste caso, o certificado de isenção por si só não seria suficiente para satisfazer os requisitos do direito letão. Sublinho a este respeito que, tal como explicado no n.o 52 das presentes conclusões, o facto de um Estado‑Membro dispensar o destinatário da obrigação de ter o certificado carimbado pelas autoridades competentes não isenta a missão diplomática ou consular que beneficia da isenção da sua obrigação de preencher esse certificado e de atestar o seu conteúdo.

96.

Deve também notar‑se que se o Governo letão considerar que tal isenção de aprovação pode ser de molde a comprometer o bom funcionamento do regime de isenção, pode, a qualquer momento, decidir retirar esta medida, em conformidade com o artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 que prevê a possibilidade de retirar essa isenção em caso de abuso.

97.

Em terceiro e último lugar, observo que o Governo letão justifica as medidas tomadas pela necessidade de assegurar um controlo mais eficaz por parte das autoridades aduaneiras. A este respeito, argumenta‑se que, face à impossibilidade de tomar medidas de controlo em relação às missões diplomáticas e consulares, tal controlo só pode ser exercido em relação aos operadores sujeitos ao pagamento de impostos especiais de consumo ou responsáveis pela aplicação da isenção desses impostos, em particular no caso em que a isenção da autorização prévia acima referida tenha sido concedida.

98.

No entanto, recordo que tanto o direito da União como o direito letão preveem que os certificados de isenção devem ser redigidos em duplicado, um dos quais deve ser conservado pelo expedidor nos seus livros. Ora, esta modalidade permitiria às autoridades letãs assegurar um controlo eficaz, uma vez que o certificado de isenção em questão conteria a certificação oficial da compra e da utilização efetiva pelas missões diplomáticas e consulares em causa.

99.

Sublinho igualmente que, em conformidade com o direito da União, o Governo letão dispõe de vários meios que lhe permitem ajustar o seu regime de isenção de impostos especiais de consumo, incluindo o referido no n.o 96 das presentes conclusões, que consiste em retirar certas facilidades concedidas às missões diplomáticas e consulares se esse governo suspeitar de qualquer risco de abuso ou fraude. Ora, a esse respeito, sublinho que nem as autoridades fiscais da Letónia nem o órgão jurisdicional de reenvio sustentaram a existência de eventuais abusos ou fraudes por parte da demandante. Assim, como alega o órgão jurisdicional de reenvio, a VID não põe em causa a entrega efetiva dos produtos em causa às embaixadas e serviços consulares nem, além disso, o cumprimento das outras condições estabelecidas pela Diretiva 2008/118 e pela Lei relativa aos Impostos Especiais de Consumo.

D.   Aplicação do regime de isenção dos impostos especiais de consumo em conformidade com o regime de isenção do IVA

100.

Por último, é de salientar que o mesmo certificado de isenção é igualmente utilizado no âmbito do regime de isenção do IVA previsto no artigo 151.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112.

101.

Ora, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça em matéria de IVA, uma medida nacional que faz depender, no essencial, o direito à isenção do cumprimento de obrigações formais, sem tomar em conta as exigências de fundo e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estas foram respeitadas, vai além do que é necessário para garantir a cobrança exata do imposto ( 54 ).

102.

Tal como a Comissão, observo que esta jurisprudência foi igualmente aplicada pelo Tribunal de Justiça em matéria dos impostos especiais de consumo relativos à isenção de produtos energéticos ( 55 ). Assim, segundo o Tribunal de Justiça, os requisitos formais só podem impedir a concessão da isenção se a violação destas exigências formais tivesse por efeito impedir a produção da prova do cumprimento das exigências de fundo ( 56 ).

103.

Além disso, observo que segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, em matéria de IVA, a declaração da existência de uma prática abusiva exige que estejam reunidos dois requisitos, concretamente, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal dos requisitos previstos pelas disposições pertinentes da Diretiva 2006/112 e da legislação nacional que a transpõem, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja atribuição é contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições e, por outro, que resulte de um conjunto de elementos objetivos que a finalidade essencial das operações em causa se limita à obtenção dessa vantagem fiscal ( 57 ). Ora, se este raciocínio for aplicado em matéria de impostos especiais de consumo para o processo principal, resulta com base na descrição dos factos na decisão de reenvio, que os destinatários reais dos produtos em causa eram efetivamente as missões diplomáticas e consulares. e que, em consequência, o sujeito passivo/depositário não parece ter retirado qualquer vantagem dessas operações.

104.

Tendo em conta o que precede, considero que esta jurisprudência constante do Tribunal de Justiça sobre a isenção do IVA deve ser aplicada por analogia no processo principal, a fim de assegurar a aplicação uniforme do direito da União e o efeito útil da Diretiva 2008/118.

105.

Nestas circunstâncias, e sob reserva das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar para garantir que o certificado de isenção utilizado no processo principal contém tanto as informações necessárias para permitir um controlo efetivo pelas autoridades letãs como a certificação do conteúdo do certificado de isenção pelas missões diplomáticas ou consulares em causa, parece‑me que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal vai além do que é necessário para garantir a prevenção de abusos ou fraudes em matéria de impostos especiais de consumo.

V. Conclusão

106.

Em face destas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo, Letónia) do seguinte modo:

1)

O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não exige, para que a isenção por ele prevista seja concedida, que o pagamento dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo destinados a serem utilizados no âmbito das relações diplomáticas ou consulares deva ser efetuado por meios diferentes do numerário e que o pagamento ao fornecedor tenha efetivamente sido realizado de facto e pelos destinatários reais desses produtos, na medida em que a prova da utilização prevista desses produtos no âmbito das relações diplomáticas ou consulares pode ser estabelecida com base, nomeadamente, no certificado de isenção.

2)

O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 opõe‑se a uma legislação nacional ao abrigo da qual a isenção do imposto especial de consumo deve ser recusada com o fundamento de que o comprador não pagou efetivamente o preço dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo por meios diferentes do numerário, sem que seja possível provar, com base nomeadamente no certificado de isenção, que as condições de isenção previstas no artigo 12.o, n.o 1, desta diretiva estão preenchidas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12).

( 3 ) Recueil des Traités des Nations unies, vol. 500, p. 95.

( 4 ) Recueil des Traités des Nations unies, vol. 596, p. 261.

( 5 ) Diretiva do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p 21).

( 6 ) Diretiva do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 29).

( 7 ) Diretiva do Conselho de 27 de novembro de 1995 relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufaturados, com exceção dos impostos sobre o volume de negócios (JO 1995, L 291, p 40).

( 8 ) Diretiva do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação dos impostos sobre os cigarros (JO 1992, L 316, p. 8).

( 9 ) Diretiva do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação dos impostos sobre os tabacos manufaturados que não sejam cigarros (JO 1992, L 316, p. 10).

( 10 ) Regulamento de Execução do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2011, L 77, p. 1).

( 11 ) Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

( 12 ) Latvijas Vēstnesis, 2003, n.o 161.

( 13 ) A expressão «missões diplomáticas e consulares» utilizada nas presentes conclusões abrange quer as representações diplomáticas e consulares quer os organismos internacionais e missões militares situadas num Estado‑Membro.

( 14 ) V., neste sentido, n.o 83 das presentes conclusões.

( 15 ) V. Acórdão de 26 de março de 2015, Litaksa (C‑556/13, EU:C:2015:202, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

( 16 ) V. considerandos 2, 8 e 10 da Diretiva 2008/118.

( 17 ) V., neste sentido, artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2008/118.

( 18 ) V., neste sentido, artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118.

( 19 ) V., neste sentido, artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 e artigo 51.o do Regulamento de Execução n.o 282/2011.

( 20 ) V., neste sentido, anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011, casa 1 do certificado de isenção e notas explicativas.

( 21 ) V., neste sentido, anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011, casa 5 do certificado de isenção e notas explicativas.

( 22 ) V., neste sentido, anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011, casa 3 do certificado de isenção e notas explicativas.

( 23 ) V., neste sentido, anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011, casa 4 do certificado de isenção e notas explicativas.

( 24 ) V., neste sentido, anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011, casa 6 do certificado de isenção e notas explicativas.

( 25 ) V., por exemplo, certificado de isenção utilizado em França acessível no endereço https://www.diplomatie.gouv.fr/IMG/pdf/Certificat_d_exoneration_de_la_TVA_et_des_droits_d_accises_f1_cle41f1f4.pdf

( 26 ) Na maioria dos Estados‑Membros, a Divisão do Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros é responsável por esta tarefa.

( 27 ) Nos casos em que a isenção diz respeito a uma missão armada estacionada no Estado‑Membro de acolhimento.

( 28 ) V., neste sentido, artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 e n.o 7 das notas explicativas do anexo II deste regulamento de execução.

( 29 ) V., neste sentido, artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Execução n.o 282/2011.

( 30 ) É igualmente indicado nas notas explicativas do anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011 que o certificado de isenção deve ser redigido em duplicado, devendo um exemplar ser conservado pelo expedidor enquanto o segundo exemplar deve acompanhar a circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

( 31 ) V., neste sentido, n.o 50 das presentes conclusões.

( 32 ) Alguns Estados‑Membros exigem que o certificado de isenção contenha tanto a assinatura do chefe de missão (ou de uma pessoa a quem o chefe de missão tenha delegado esse poder) como a presença de um selo da representação diplomática. V., por exemplo, regime lituano de isenção de impostos especiais de consumo (https://urm.lt/default/en/value‑added‑tax‑and‑excise‑duty‑exemptions).

( 33 ) O montante mínimo de compra para poder beneficiar da isenção do imposto especial de consumo ou do IVA pode variar entre os Estados‑Membros em função dos produtos em causa. Por exemplo, para a República da Finlândia é fixado em 80 euros por transação (https://www.vero.fi/en/detailed‑guidance/guidance/48591/exemptions‑from‑excise‑duties‑diplomatic‑missions‑diplomats‑consuls‑international‑organisations‑and‑institutions‑of‑the‑european‑union/), entre 120 euros e 240 euros por transação para o Grão‑Ducado do Luxemburgo (v., neste sentido, artigo 2.o e artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Grão‑Ducal de 7 de fevereiro de 2013, relativo a Franquias e Isenções de Imposto sobre o Valor Acrescentado Concedidas a Missões Diplomáticas e Postos Consulares, bem como a Agentes Diplomáticos, Funcionários Consulares e Agentes da Chancelaria (Mémorial A 2013, n.o 24, a seguir «Regulamento Grão‑Ducal») e de 250 euros por transação pela a República Helénica [v., neste sentido, artigo 3.o, alínea h), da Decisão Ministerial POL.1268/30.12.2011, conforme alterada pela Decisão Ministerial A 1144/25.06.2021 (FEK B’ 2821/30‑06‑2021)].

( 34 ) V., por exemplo, no direito húngaro, artigo 7.o, n.o 1, da egyes, az általános forgalmi adót és a jövedéki adót érintő kiváltságok, kedvezmények és mentességek érvényesítésének végrehajtásáról szóló 11/2010. (III. 31.) PM rendelet [Despacho do Ministro das Finanças n.o 11/2010 (III. 31) relativo à Execução de Certos Privilégios, Facilidades e Imunidades relativos ao Imposto sobre o Valor Acrescentado e Impostos Especiais de Consumo], que especifica que o pedido de reembolso dos impostos especiais de consumo deve ser apresentado de 1 de janeiro a 30 de setembro do ano seguinte à aquisição dos bens para os quais a isenção do IVA ou do imposto especial de consumo é solicitado.

( 35 ) Por exemplo, o regime finlandês prevê um enquadramento específico para a utilização de álcool adquirido para fins oficiais por missões diplomáticas e consulares. Assim, o consumo de álcool deve ter lugar nas instalações destes organismos e só pode ser disponibilizado gratuitamente a um grupo específico de convidados do embaixador ou de um membro da missão diplomática ou consular (V., neste sentido, https://www.vero.fi/en/detailed‑guidance/guidance/48591/exemptions‑from‑excise‑duties‑diplomatic‑missions‑diplomats‑consuls‑international‑organisations‑and‑institutions‑of‑the‑european‑union/).

( 36 ) O número de exemplares pode assim variar entre três para o Grão‑Ducado do Luxemburgo (v. neste sentido, artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento Grão‑Ducal) e quatro para a República Francesa (v., neste sentido, certificado de isenção emitido pelo Governo francês. https://www.diplomatie.gouv.fr/IMG/pdf/Certificat_d_exoneration_de_la_TVA_et_des_droits_d_accises_f1_cle41f1f4.pdf).

( 37 ) V. Acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Molenheide e o. (C‑286/94, C‑340/95, C‑401/95 e C‑47/96, EU:C:1997:623, n.o 46), e de 22 de outubro de 2015, Impresa Edilux e SICEF, C‑425/14, EU:C:2015:721, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

( 38 ) V. Acórdão de 29 de junho de 2017, Comissão/Portugal (C‑126/15, EU:C:2017:504, n.o 64 e jurisprudência aí referida).

( 39 ) V. Acórdão de 10 de julho de 2008, Sosnowska (C‑25/07, EU:C:2008:395, n.o 22 e jurisprudência aí referida).

( 40 ) V. Acórdão de 29 de junho de 2017, Comissão/Portugal (C‑126/15, EU:C:2017:504, n.o 59).

( 41 ) V. Acórdão de 29 de junho de 2017, Comissão/Portugal (C‑126/15, EU:C:2017:504, n.o 62).

( 42 ) V. Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk (C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63).

( 43 ) Conclusões do advogado‑geral R. de la Tour no processo ECOTEX BULGARIA (C‑544/19, EU:C:2020:931).

( 44 ) V. Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk (C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63, n.os 72 a 76).

( 45 ) V. Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk (C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63, n.o 77).

( 46 ) Conclusões do advogado‑geral R. de la Tour no processo ECOTEX BULGARIA (C‑544/19, EU:C:2020:931).

( 47 ) V. n.o 83 das Conclusões do advogado‑geral R. de la Tour no processo ECOTEX BULGARIA (C‑544/19, EU:C:2020:931).

( 48 ) V. Acórdãos de 25 de abril de 2013, Jyske Bank Gibraltar (C‑212/11, EU:C:2013:270, n.o 66 e jurisprudência aí referida), e de 19 de dezembro de 2018, Stanley International Betting e Stanleybet Malta (C‑375/17, EU:C:2018:1026, n.o 52 e jurisprudência aí referida).

( 49 ) O Tribunal de Justiça convidou as partes a responderem à questão de saber se e em que medida a exigência de pagamento por meios diferentes do numerário é suscetível de fornecer à administração informações adicionais às contidas no certificado definido no anexo II do Regulamento de Execução n.o 282/2011 e necessárias para verificar o cumprimento das condições de isenção do imposto especial de consumo.

( 50 ) V., neste sentido, descrição do certificado de isenção no n.o 46 das presentes conclusões.

( 51 ) Tendo em conta a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros na aplicação do regime de isenção, alguns deles podem exigir que o certificado de isenção seja acompanhado de faturas ou outros documentos que comprovem a aquisição dos produtos em causa aquando do pedido de reembolso.

( 52 ) Latvijas Vēstnesis, 2012, n.o 203.

( 53 ) Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a relevância do argumento do Governo letão com base nesse decreto.

( 54 ) V. Acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée (C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 29).

( 55 ) V. Acórdão de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS (C‑355/14, EU:C:2016:403, n.o 62).

( 56 ) V. Acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée (C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 31).

( 57 ) V. Acórdão de 10 de julho de 2019, Kuršu zeme (C‑273/18, EU:C:2019:588, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

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