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Document 62019CJ0272

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de julho de 2020.
    VQ contra Land Hessen.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Wiesbaden.
    Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Conceito de “órgão jurisdicional” — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Regulamento (UE) 2016/679 — Âmbito de aplicação — Artigo 2.o, n.o 2, alínea a) — Conceito de “atividade não sujeita à aplicação do direito da União” — Artigo 4.o, ponto 7 — Conceito de “responsável pelo tratamento” — Comissão das Petições do parlamento de um Estado federado de um Estado‑Membro — Artigo 15.o — Direito de acesso do titular dos dados.
    Processo C-272/19.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:535

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    9 de julho de 2020 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Conceito de “órgão jurisdicional” — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Regulamento (UE) 2016/679 — Âmbito de aplicação — Artigo 2.o, n.o 2, alínea a) — Conceito de “atividade não sujeita à aplicação do direito da União” — Artigo 4.o, ponto 7 — Conceito de “responsável pelo tratamento” — Comissão das Petições do parlamento de um Estado federado de um Estado‑Membro — Artigo 15.o — Direito de acesso do titular dos dados»

    No processo C‑272/19,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden, Alemanha), por Decisão de 27 de março de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de abril de 2019, no processo

    VQ

    contra

    Land Hessen,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente de secção, L. S. Rossi (relatora), J. Malenovský, F. Biltgen e N. Wahl, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de VQ, por A.‑K. Pantaleon, genannt Stemberg, Rechtsanwältin,

    em representação do Land Hessen, por H.‑G. Kamann, M. Braun e L. Hesse, Rechtsanwälte,

    em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e A. Berg, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, O. Serdula e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

    em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer, D. Nardi e F. Erlbacher, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação, por um lado, do artigo 4.o, ponto 7, e do artigo 15.o do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), e, por outro lado, do artigo 267.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe VQ ao Land Hessen (Land do Hesse, Alemanha) a respeito da legalidade do indeferimento pelo presidente do Hessischer Landtag (Parlamento do Land do Hesse, Alemanha) do pedido de acesso do interessado aos dados pessoais que lhe dizem respeito, registados pela Comissão das Petições deste parlamento.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 95/46/CE

    3

    A Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31), revogada pelo Regulamento 2016/679, continha um artigo 3.o, intitulado «Âmbito de aplicação», que previa:

    «1.   A presente diretiva aplica‑se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos num ficheiro ou a ele destinados.

    2.   A presente diretiva não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

    efetuado no exercício de atividades não sujeitas à aplicação do direito comunitário, tais como as previstas nos títulos V e VI do Tratado da União Europeia, e, em qualquer caso, ao tratamento de dados que tenha como objeto a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado (incluindo o bem‑estar económico do Estado quando esse tratamento disser respeito a questões de segurança do Estado), e as atividades do Estado no domínio do direito penal,

    efetuado por uma pessoa singular no exercício de atividades exclusivamente pessoais ou domésticas.»

    Regulamento 2016/679

    4

    Os considerandos 16 e 20 do Regulamento 2016/679 enunciam:

    «(16)

    O presente regulamento não se aplica às questões de defesa dos direitos e das liberdades fundamentais ou da livre circulação de dados pessoais relacionados com atividades que se encontrem fora do âmbito de aplicação do direito da União, como as que se prendem com a segurança nacional. O presente regulamento não se aplica ao tratamento de dados pessoais pelos Estados‑Membros no exercício de atividades relacionadas com a política externa e de segurança comum da União.

    […]

    (20)

    Na medida em que o presente regulamento é igualmente aplicável, entre outras, às atividades dos tribunais e de outras autoridades judiciais, poderá determinar‑se no direito da União ou dos Estados‑Membros quais as operações e os procedimentos a seguir pelos tribunais e outras autoridades judiciais para o tratamento de dados pessoais. A competência das autoridades de controlo não abrange o tratamento de dados pessoais efetuado pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional, a fim de assegurar a independência do poder judicial no exercício da sua função jurisdicional, nomeadamente a tomada de decisões. Deverá ser possível confiar o controlo de tais operações de tratamento de dados a organismos específicos no âmbito do sistema judicial do Estado‑Membro, que deverão, nomeadamente, assegurar o cumprimento das regras do presente regulamento, reforçar a sensibilização [d]os membros do poder judicial para as obrigações que lhe são impostas pelo presente regulamento e tratar reclamações relativas às operações de tratamento dos dados.»

    5

    O artigo 2.o deste regulamento, intitulado «Âmbito de aplicação material», prevê:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros ou a eles destinados.

    2.   O presente regulamento não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

    a)

    Efetuado no exercício de atividades não sujeitas à aplicação do direito da União[;]

    b)

    Efetuado pelos Estados‑Membros no exercício de atividades abrangidas pelo âmbito de aplicação do título V, capítulo 2, do TUE;

    c)

    Efetuado por uma pessoa singular no exercício de atividades exclusivamente pessoais ou domésticas;

    d)

    Efetuado pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais ou da execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública.

    […]»

    6

    O artigo 4.o do referido regulamento, intitulado «Definições», dispõe:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    […]

    7)

    “Responsável pelo tratamento”, a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, a agência ou outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outr[o]s, determina as finalidades e os meios de tratamento de dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios desse tratamento sejam determinados pelo direito da União ou de um Estado‑Membro, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos aplicáveis à sua nomeação podem ser previstos pelo direito da União ou de um Estado‑Membro;

    […]»

    7

    O artigo 15.o do mesmo regulamento, intitulado «Direito de acesso do titular dos dados», prevê, no seu n.o 1:

    «O titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento a confirmação de que os dados pessoais que lhe digam respeito são ou não objeto de tratamento e, se for esse o caso, o direito de aceder aos seus dados pessoais e às seguintes informações:

    […]»

    8

    O artigo 23.o do Regulamento 2016/679, intitulado «Limitações», prevê, no seu n.o 1:

    «O direito da União ou dos Estados‑Membros a que estejam sujeitos o responsável pelo tratamento ou o seu subcontratante pode limitar por medida legislativa o alcance das obrigações e dos direitos previstos nos artigos 12.o a 22.o e no artigo 34.o, bem como no artigo 5.o, na medida em que tais disposições correspondam aos direitos e obrigações previstos nos artigos 12.o a 22.o, desde que tal limitação respeite a essência dos direitos e liberdades fundamentais e constitua uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para assegurar, designadamente:

    a)

    A segurança do Estado;

    b)

    A defesa;

    c)

    A segurança pública;

    d)

    A prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais, ou a execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública;

    e)

    Outros objetivos importantes do interesse público geral da União ou de um Estado‑Membro, nomeadamente um interesse económico ou financeiro importante da União ou de um Estado‑Membro, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal, da saúde pública e da segurança social;

    f)

    A defesa da independência judiciária e dos processos judiciais;

    g)

    A prevenção, investigação, deteção e repressão de violações da deontologia de profissões regulamentadas;

    h)

    Uma missão de controlo, de inspeção ou de regulamentação associada, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública, nos casos referidos nas alíneas a) a e) e g);

    i)

    A defesa do titular dos dados ou dos direitos e liberdades de outrem;

    j)

    A execução de ações cíveis.»

    Direito alemão

    Direito federal

    9

    O § 97 da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha) prevê:

    «(1)   Os juízes são independentes e só estão sujeitos à lei.

    (2)   Os juízes titulares comuns que sejam nomeados a título vitalício para um lugar permanente só podem, antes do termo do seu mandato e contra a sua vontade, ser demitidos, suspensos definitiva ou temporariamente das suas funções, transferidos para outro lugar ou jubilados ao abrigo de uma decisão judicial e unicamente pelos motivos e de acordo com as formas prescritas por lei. A legislação pode fixar os limites de idade a partir dos quais os juízes nomeados a título vitalício podem exercer os seus direitos à pensão. Em caso de alteração da organização dos tribunais ou das competências territoriais destes, os juízes podem ser transferidos para outro tribunal ou destituídos das suas funções, mantendo contudo a totalidade do seu vencimento.»

    10

    O § 26 da Deutsches Richtergesetz (Lei alemã relativa ao Estatuto da Magistratura, a seguir «DRiG») tem a seguinte redação:

    «(1)   Um juiz só será sujeito a procedimento disciplinar na medida em que tal não prejudique a sua independência.

    (2)   Sem prejuízo do disposto no n.o 1, o procedimento disciplinar inclui também o poder de advertência por conduta ilegal de um juiz no exercício das suas funções e o poder de intimar um juiz a desempenhar as suas funções adequadamente e sem demora.

    (3)   Se o juiz considerar que uma medida de procedimento disciplinar prejudica a sua independência, o órgão jurisdicional decidirá, a pedido deste juiz, em conformidade com a presente lei.»

    Direito do Land do Hesse

    11

    O § 126 da Verfassung des Landes Hessen (Constituição do Land do Hesse) prevê:

    «(1)   O poder judicial é exercido exclusivamente pelos órgãos jurisdicionais legalmente criados.

    (2)   Os juízes são independentes e só estão sujeitos à lei.»

    12

    O § 127 desta Constituição tem a seguinte redação:

    «(1)   Os juízes titulares comuns são nomeados a título vitalício.

    (2)   Os juízes só são nomeados a título vitalício se, após uma nomeação temporária por um período de estágio cuja duração é estabelecida por lei, apresentarem, através da sua personalidade e da sua atividade como juízes, a garantia de que exercerão as suas funções de forma democrática e socialmente responsável.

    (3)   A decisão de contratação temporária e de nomeação a título vitalício é tomada em conjunto pelo ministro da Justiça e por uma Comissão de Seleção dos Juízes.

    […]»

    13

    O § 2b da Hessisches Richergesetz (Lei do Land do Hesse relativa ao Estatuto da Magistratura, a seguir «HRiG») enuncia:

    «A classificação da aptidão, das competências e do desempenho profissional dos juízes rege‑se por orientações emanadas pelo Ministério da Justiça.»

    14

    O § 3 da HRiG dispõe:

    «Os juízes são nomeados pelo ministro da Justiça.»

    15

    O § 18 do Verwaltungsgerichtsordnung (Código do Procedimento Administrativo) tem a seguinte redação:

    «Para suprir uma necessidade temporária em termos de pessoal, um funcionário público nomeado a título vitalício que possua as qualificações necessárias para exercer as funções de juiz pode ser nomeado juiz temporário por um período mínimo de dois anos e por um período máximo igual ao da duração do exercício da sua função principal. O § 15, n.o 1, primeira e terceira frases, assim como o n.o 2, da DRiG aplicam‑se mutatis mutandis

    16

    A Hessisches Datenschutz‑ und Informationsfreiheitsgesetz (Lei do Land do Hesse relativa à Proteção de Dados e à Liberdade de Informação), que adapta a legislação do Land do Hesse em matéria de proteção de dados nomeadamente ao Regulamento 2016/679, dispõe, no seu § 30, n.o 1:

    «Com exceção dos §§ 15 e 29, as disposições da presente lei só se aplicam ao Parlamento do Land na medida em que este intervenha em assuntos administrativos, designadamente quando estejam em causa assuntos económicos do Parlamento do Land, a gestão do pessoal ou a implementação de disposições legislativas cuja execução incumba ao presidente ou à presidente do Parlamento Land. Além disso, o Parlamento do Land adota um regimento que em matéria de proteção de dados deverá ser conforme com o seu estatuto constitucional. […]»

    17

    O anexo 2 do Geschäftsordnung des Hessischen Landtags (Regimento do Parlamento do Land do Hesse), de 16 de dezembro de 1993, contém as Orientações relativas ao tratamento de informações confidenciais na esfera do Parlamento do Land do Hesse de 1986, as quais enunciam, no seu § 13, sob a epígrafe «Proteção de segredos privados»:

    «(1)   Na medida em que a proteção dos segredos pessoais, comerciais ou empresariais o exija, os processos, outros documentos e as deliberações das comissões devem ser mantidas em segredo. Tal é aplicável, em especial, aos dossiês fiscais e às petições. […]

    (2)   A consulta de tais dossiês ou documentos está reservada aos membros da comissão competente. Sucede o mesmo com a consulta das atas das deliberações das comissões sobre questões que exijam a observância do segredo, na aceção do n.o 1. A comissão decide sobre a distribuição das atas.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Depois de ter apresentado uma petição à Comissão das Petições do Parlamento do Land do Hesse, VQ, ao abrigo do artigo 15.o do Regulamento 2016/679, pediu a esta comissão o acesso aos dados pessoais que lhe dizem respeito, registados pela referida comissão no âmbito do tratamento da sua petição.

    19

    O presidente do Parlamento do Land do Hesse decidiu indeferir este pedido pelo facto de o procedimento de petição ser uma missão parlamentar e de o referido Parlamento não estar abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento 2016/679.

    20

    Em 22 de março de 2013, VQ interpôs no Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden, Alemanha) recurso da decisão do presidente do Parlamento do Land do Hesse que indeferiu o seu pedido.

    21

    Esse órgão jurisdicional observa que, atendendo, nomeadamente, ao § 13 das Orientações relativas ao tratamento de informações confidenciais na esfera do Parlamento do Land do Hesse de 1986, o direito alemão não concede nenhum direito de acesso aos dados pessoais no âmbito de uma petição como a que está em causa no processo principal.

    22

    No entanto, o órgão jurisdicional pergunta‑se, em primeiro lugar, sobre se a Comissão das Petições do Parlamento do Land do Hesse pode ser qualificada de «autoridade pública», na aceção do artigo 4.o, ponto 7, do Regulamento 2016/679, e se, no caso vertente, pode ser considerada como sendo o «responsável pelo tratamento» dos dados pessoais de VQ. Se assim for, VQ pode fazer uso de um direito de acesso ao abrigo do artigo 15.o do referido regulamento.

    23

    Ora, o Regulamento 2016/679 não contém nenhuma definição do conceito de «autoridade pública». Segundo o Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden), pode ser conferida a esta expressão uma aceção funcional ou uma aceção institucional. De acordo com a primeira destas aceções, são «autoridades públicas» todas as entidades públicas que desempenhem missões de administração pública, incluindo, por conseguinte, o Parlamento do Land do Hesse quando este desempenhe tais missões. De acordo com a segunda das referidas aceções, a Comissão das Petições deste parlamento é um organismo autónomo e, portanto, uma autoridade pública, no sentido institucional. Não participa na atividade legislativa do referido parlamento uma vez que, por um lado, a sua atividade não tem caráter vinculativo e, por outro lado, não dispõe de direito de iniciativa nem de direito de regulamentação, estando a sua ação sempre dependente de petições dos cidadãos e do conteúdo dos pedidos.

    24

    Por outro lado, uma vez que o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento 2016/679 não exclui os órgãos ou as instituições que atuam no exercício de poderes judiciais ou legislativos, esta disposição implica que se adote uma conceção ampla do conceito de administração e, por conseguinte, de autoridade pública. Assim, do ponto de vista do direito de petição, nada distingue essa comissão de qualquer outra autoridade administrativa do Land do Hesse.

    25

    Assim, o Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) considera que a Comissão das Petições do Parlamento do Land do Hesse é uma «autoridade pública», na aceção do artigo 4.o, ponto 7, deste regulamento, e que, no presente caso, nenhuma razão se opõe ao exercício de um direito de acesso ao abrigo do artigo 15.o do referido regulamento.

    26

    Contudo, aquele órgão jurisdicional pergunta‑se, em segundo lugar, sobre se pode ele próprio ser considerado um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, à luz dos critérios consagrados pelo Tribunal de Justiça a este respeito, em especial o critério relativo à independência do organismo em causa.

    27

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que a exigência de independência comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, pressupõe que o referido organismo exerce as suas funções com total autonomia, sem estar sujeito a nenhum vínculo de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, estando assim protegido contra as intervenções ou as pressões externas suscetíveis de pôr em risco a independência de julgamento dos seus membros quanto aos litígios que lhes são submetidos. O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos seus respetivos interesses à luz do objeto deste. Este aspeto exige o respeito pela objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio, para lá da estrita aplicação da regra de direito.

    28

    No que se refere ao aspeto externo da independência, a ligação de um órgão jurisdicional ao Ministério da Justiça implica que esse órgão jurisdicional não pode exercer as suas funções com total autonomia. No presente caso, a organização dos órgãos jurisdicionais do Land do Hesse é imposta pelo Ministério da Justiça deste Land. Em especial, este ministério determina os meios de comunicação (telefone, telecópia, Internet e outros) e o equipamento informático, designadamente o «HessenPC», concebido para a Administração, em conjunto com um prestador de serviços central, a saber, a Hessische Zentrale für Datenverarbeitung (Central de Tratamento de Dados do Land do Hesse), que depende do Ministério das Finanças do Land do Hesse. Esta última assegura igualmente a manutenção de todos estes equipamentos, pelo que a Administração pode aceder a todos os dados dos órgãos jurisdicionais.

    29

    O simples risco de poder ser exercida uma influência política sobre os órgãos jurisdicionais, através, nomeadamente, do equipamento ou do pessoal afetado pelo Ministério da Justiça, é suficiente para gerar um risco de ingerência nas decisões destes e para prejudicar a independência dos órgãos jurisdicionais no exercício das suas missões. Para este efeito, é inclusivamente suficiente uma pretensa pressão exercida para a rápida resolução dos processos através de uma estatística relativa ao volume de trabalho gerida pelo referido ministério.

    30

    Além disso, os órgãos jurisdicionais do Land do Hesse não beneficiam de um controlo autónomo em matéria de proteção de dados uma vez que a parte essencial do tratamento dos dados é imposta, em substância, pelo Ministério da Justiça do Land do Hesse, sem que seja exercido o controlo jurisdicional referido no considerando 20 do Regulamento 2016/679.

    31

    No que respeita ao aspeto interno da independência, o Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) esclarece que o direito constitucional alemão não garante a independência institucional dos órgãos jurisdicionais.

    32

    Com efeito, desde logo, como resulta dos §§ 2b e 3 da HRiG, a nomeação, a classificação e a promoção dos juízes, incluindo os que compõem o órgão jurisdicional de reenvio, são da responsabilidade do ministro da Justiça do Land do Hesse. Daqui resulta que lhes são aplicáveis as disposições do regime jurídico da função pública, de modo que, designadamente, as deslocações profissionais dos juízes ao estrangeiro, tais como as realizadas no âmbito da Rede Europeia de Formação Judiciária, são decididas pelo referido ministro.

    33

    Em seguida, em conformidade com o § 18 do Código do Procedimento Administrativo, para suprir uma necessidade temporária de pessoal, um funcionário público pode ser nomeado como juiz temporário. Ora, tal juiz pode provir de uma autoridade pública que tenha, perante si, a qualidade de demandado num processo judicial.

    34

    Além disso, o Ministério da Justiça do Land do Hesse insere os dados profissionais de todos os juízes num sistema de gestão de informação dos recursos humanos que depende do Governo do Land do Hesse, pelo que todas as autoridades administrativas deste Land podem aceder a estes dados, ainda que possam ter a qualidade de parte num processo submetido a esses mesmos juízes.

    35

    Por último, também cabe ao Ministério da Justiça decidir do número de juízes e de lugares de cada órgão jurisdicional, do número de funcionários «não magistrados» que são de facto afetados ao poder executivo, bem como do equipamento informático de cada órgão jurisdicional.

    36

    Assim, os órgãos jurisdicionais dispõem apenas de uma independência funcional na medida em que só os juízes são independentes e estão sujeitos à lei, em conformidade com o § 126 da Constituição do Land do Hesse. Todavia, por si só, tal independência funcional é insuficiente para proteger os órgãos jurisdicionais de qualquer influência externa.

    37

    Daqui o Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) conclui que não preenche, provavelmente, as condições previstas no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta para ser considerado um tribunal independente e imparcial.

    38

    Nestas condições, o Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    É o [Regulamento 2016/679] — neste caso, o [seu] artigo 15.o, [intitulado “Direito de acesso do titular dos dados”] — aplicável à comissão parlamentar de um Estado federado de um Estado‑Membro competente para o processamento de petições dos cidadãos — no caso em apreço, a Comissão das Petições do Parlamento do [Land do] Hesse — e deve esta comissão, por conseguinte, ser tratada como uma autoridade pública na aceção do artigo 4.o, [ponto] 7, do [Regulamento 2016/679]?

    2)

    É o órgão jurisdicional de reenvio um órgão jurisdicional independente e imparcial na aceção do artigo 267.o TFUE, [lido] em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da [Carta]?»

    Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    39

    Nas suas observações, o Governo polaco questiona a competência do Tribunal de Justiça, em especial para se pronunciar sobre a segunda questão, uma vez que o direito da União não regula a organização judiciária dos Estados‑Membros e que, consequentemente, esta questão é apenas da competência do direito nacional.

    40

    Basta constatar, a este respeito, que o pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do direito da União, independentemente de se tratar do Regulamento 2016/679 ou do artigo 267.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta.

    41

    Nestas condições, o Tribunal de Justiça é manifestamente competente para se pronunciar sobre este pedido na sua totalidade, ou seja, tanto sobre a primeira como sobre a segunda questão [v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 74 e 75].

    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    42

    Com a sua segunda questão, o Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) manifesta dúvidas quanto à sua própria qualidade de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, lido à luz do artigo 47.o da Carta. Assim, solicita ao Tribunal de Justiça que examine a admissibilidade do seu pedido de decisão prejudicial, uma vez que a qualidade de «órgão jurisdicional», na aceção do referido artigo 267.o, constitui uma condição para essa admissibilidade e, consequentemente, um requisito prévio para a interpretação pelo Tribunal de Justiça da disposição do direito da União visada pela primeira questão.

    43

    Segundo jurisprudência constante, para apreciar se o organismo de reenvio em causa tem a natureza de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, questão que deve ser decidida unicamente no âmbito do direito da União, e assim para apreciar se o pedido de decisão prejudicial é admissível, o Tribunal de Justiça toma em consideração um conjunto de elementos, como a origem legal desse organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do seu processo, a aplicação, pelo órgão, das regras de direito, bem como a sua independência (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander, C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 51 e jurisprudência referida).

    44

    As dúvidas manifestadas pelo Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) dizem respeito à sua própria independência face ao poder legislativo ou ao poder executivo. Estas dúvidas baseiam‑se nas circunstâncias segundo as quais, primeiro, os juízes são nomeados e promovidos pelo ministro da Justiça, segundo, a classificação dos juízes é regulada pelo Ministério da Justiça de acordo com as mesmas disposições que são aplicáveis aos funcionários públicos, terceiro, os dados pessoais e os elementos de contacto profissionais dos juízes são geridos por este ministério, que tem assim acesso a estes dados, quarto, para suprir uma necessidade temporária de pessoal, os funcionários públicos podem ser nomeados juízes temporários e, quinto, o referido ministério impõe a organização externa e interna dos órgãos jurisdicionais, determina a afetação do pessoal, dos meios de comunicação e do equipamento informático dos órgãos jurisdicionais e decide também sobre as deslocações profissionais dos juízes ao estrangeiro.

    45

    A este respeito, há que recordar que a independência dos juízes dos Estados‑Membros reveste uma importância fundamental para a ordem jurídica da União a diversos títulos. Decorre, antes de mais, do princípio do Estado de direito, que faz parte dos valores nos quais, de acordo com o artigo 2.o TUE, assenta a União e que são comuns aos Estados‑Membros, bem como do artigo 19.o TUE, que concretiza este valor e atribui a tarefa de assegurar a fiscalização jurisdicional nesta ordem também aos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 32). Em seguida, a referida independência constitui uma condição necessária para garantir aos particulares, no âmbito de aplicação do direito da União, o direito fundamental a um tribunal independente e imparcial previsto no artigo 47.o da Carta, o qual reveste uma importância essencial enquanto garante da proteção do conjunto dos direitos que o direito da União confere aos particulares (v., neste sentido, designadamente, Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.os 70, 71 e jurisprudência referida). Por último, a referida independência é essencial para o bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária que representa o mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, na medida em que esse mecanismo só pode ser acionado por uma instância, encarregada de aplicar o direito da União, que satisfaça, designadamente, esse critério de independência (v., designadamente, Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander, C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 56 e jurisprudência referida).

    46

    Por conseguinte, para verificar a admissibilidade de um pedido de decisão prejudicial, o critério relativo à independência que o órgão de reenvio deve satisfazer para ser considerado um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, pode ser apreciado unicamente à luz desta disposição.

    47

    Daqui decorre, como a Comissão Europeia sublinha, que, no presente caso, esta apreciação deve incidir sobre a independência unicamente do Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) no âmbito do processo principal, o qual, conforme resulta dos n.os 22 a 25 do presente acórdão, tem por objeto a interpretação do direito da União, a saber, o Regulamento 2016/679.

    48

    A este respeito, certos elementos apresentados pelo referido tribunal administrativo são manifestamente desprovidos de pertinência para efeitos desta apreciação.

    49

    É o que sucede, em primeiro lugar, com as regras relativas aos processos de nomeação dos juízes temporários, uma vez que tais juízes não fazem parte da formação de julgamento composta, no presente caso, apenas pelo presidente do Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden).

    50

    No que se refere, em segundo lugar, ao papel do Ministério da Justiça do Land do Hesse na gestão das deslocações profissionais dos juízes ou na organização judiciária, na determinação do número de funcionários, na gestão dos meios de comunicação e do equipamento informático, assim como na gestão dos dados pessoais, basta salientar que o pedido de decisão prejudicial não contém nenhuma informação que permita compreender em que medida estes elementos podem pôr em causa, no processo principal, a independência do Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden).

    51

    Por conseguinte, resta, em substância, verificar a pretensa influência que o poder legislativo ou o poder executivo são suscetíveis de exercer sobre os juízes que compõem o referido tribunal administrativo devido à sua participação na nomeação, na promoção e na classificação destes.

    52

    Segundo jurisprudência constante, as garantias de independência e de imparcialidade de que devem beneficiar os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitem afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander, C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 63 e jurisprudência referida).

    53

    A este respeito, o Governo alemão esclarece que, no presente caso, os magistrados gozam de um estatuto autónomo na função pública, assegurado, nomeadamente, pela garantia de inamovibilidade prevista no § 97 da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, pela competência dos tribunais judiciais em matéria de proteção judiciária dos magistrados, bem como pelo processo de nomeação, no qual a Comissão de Seleção dos Juízes desempenha um papel decisivo. Esta comissão, prevista no § 127 da Constituição do Land do Hesse, é composta por sete membros nomeados pelo Parlamento deste Land, por cinco membros provenientes da magistratura e, em rotação anual, pelo presidente de uma das duas Ordens dos Advogados do referido Land. Os membros, cuja designação pelo referido parlamento é feita de forma proporcional à sua composição, asseguram a legitimidade democrática da referida comissão.

    54

    No que se refere às condições de nomeação do juiz da formação de julgamento do órgão jurisdicional de reenvio, importa recordar desde logo que o simples facto de os poderes legislativo ou executivo intervirem no processo de nomeação de um juiz não é suscetível de criar uma dependência deste último face àqueles, nem de gerar dúvidas quanto à sua imparcialidade, se, depois de nomeado, o interessado não estiver sujeito a nenhuma pressão e não receber instruções no exercício das suas funções [v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 133 e jurisprudência referida].

    55

    O Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) parece, todavia, questionar também a compatibilidade da composição da Comissão de Seleção dos Juízes com o princípio da independência, devido à preponderância dos membros escolhidos pelo poder legislativo.

    56

    Contudo, esta circunstância não pode, por si só, conduzir a que se questione a independência do órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, a independência de um órgão jurisdicional nacional deve, incluindo na perspetiva das condições em que ocorre a nomeação dos seus membros, ser apreciada à luz de todos os fatores pertinentes.

    57

    Ora, importa recordar, a este respeito, que, quando um órgão jurisdicional nacional apresentou ao Tribunal de Justiça um conjunto de elementos que, em seu entender, podia criar dúvidas a respeito da independência de uma comissão que participava na nomeação de juízes, o Tribunal de Justiça declarou que, embora um ou outro dos elementos assim destacados pelo referido órgão jurisdicional possa não ser criticável em si, e fosse abrangido, nesse caso, pela competência dos Estados‑Membros e pelas escolhas efetuadas por estes, a sua combinação, aliada às circunstâncias em que essas escolhas foram efetuadas, podia, em contrapartida, levar a que se duvidasse da independência de um órgão chamado a participar no processo de nomeação de juízes, embora, quando os referidos elementos são considerados separadamente, tal conclusão não se imponha [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 142].

    58

    No presente caso, não se pode concluir pela falta de independência de uma comissão como a que está em causa no processo principal devido apenas ao elemento que é mencionado no n.o 55 do presente acórdão.

    59

    No que se refere às condições de classificação e de promoção dos juízes, também questionadas pelo Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden), basta constatar que o dossiê dos autos submetido ao Tribunal de Justiça não contém indícios de que o modo como o poder executivo exerce as suas competências neste domínio pode suscitar dúvidas legítimas, designadamente, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade do juiz em causa relativamente a elementos externos e à sua neutralidade face aos interesses suscetíveis de se confrontarem perante si.

    60

    Atendendo ao que precede, os elementos apresentados pelo Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) em apoio das dúvidas que manifesta a respeito da sua própria independência não são suficientes, por si só, para que se conclua que tais dúvidas são fundadas e que esse tribunal não é independente, não obstante todas as outras regras previstas na ordem jurídica a que esse tribunal administrativo pertence e que visam assegurar a sua independência, entre as quais figuram, nomeadamente, as mencionadas no n.o 53 do presente acórdão.

    61

    Nestas condições, o Verwaltungsgericht Wiesbaden (Tribunal Administrativo de Wiesbaden) deve, no presente caso, ser considerado um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE. Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    62

    Importa precisar que esta conclusão não tem impacto para efeitos da apreciação da admissibilidade da segunda questão, a qual, enquanto tal, é inadmissível. Com efeito, uma vez que esta questão diz respeito à interpretação do próprio artigo 267.o TFUE, que não está em causa para efeitos da resolução do litígio no processo principal, a interpretação solicitada através da referida questão não corresponde a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio deve proferir (v., neste sentido, Despacho de 25 de maio de 1998, Nour, C‑361/97, EU:C:1998:250, n.o 15 e jurisprudência referida).

    Quanto ao pedido de decisão prejudicial

    63

    Com o seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a questão de saber se o artigo 4.o, ponto 7, do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que a Comissão das Petições do parlamento de um Estado federado de um Estado‑Membro deve ser qualificada de «responsável pelo tratamento», na aceção desta disposição, pelo que o tratamento de dados pessoais efetuado por tal comissão está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento, nomeadamente pelo seu artigo 15.o

    64

    Para responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, recordar que o referido artigo 4.o, ponto 7, define o «responsável pelo tratamento» como a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, a agência ou outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outros, determina as finalidades e os meios do tratamento.

    65

    Assim, a definição do conceito de «responsável pelo tratamento» que figura no Regulamento 2016/679 não se limita às autoridades públicas, sendo, como o Governo checo salienta, suficientemente ampla para incluir qualquer organismo que, individualmente ou em conjunto com outros, determina as finalidades e os meios do tratamento.

    66

    No que respeita, em segundo lugar, às observações do Land do Hesse segundo as quais as atividades de uma comissão parlamentar não estão sujeitas à aplicação do direito da União, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento 2016/679, há que recordar que o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, à luz do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 95/46, que, uma vez que esta diretiva se baseia no artigo 100.o‑A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.o CE), o recurso a esta base jurídica não pressupõe a existência de uma nexo efetivo com a livre circulação entre Estados‑Membros em cada uma das situações visadas pelo ato que assenta em tal base e que não é adequado interpretar a expressão «atividades não sujeitas à aplicação do direito [da União]» no sentido de que tem um alcance tal que é necessário verificar, de forma casuística, se a atividade específica em causa afeta diretamente a livre circulação entre Estados‑Membros (Acórdão de 6 de novembro de 2003, Lindqvist, C‑101/01, EU:C:2003:596, n.os 40 e 42).

    67

    É o que sucede, a fortiori, com o Regulamento 2016/679, que se baseia no artigo 16.o TFUE, nos termos do qual o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia estabelecem as normas relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, nomeadamente, pelos Estados‑Membros no exercício de atividades relativas à aplicação do direito da União, e à livre circulação destes dados, e cujo artigo 2.o, n.o 2, corresponde, em substância, ao artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 95/46.

    68

    Em terceiro lugar, o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento, uma vez que constitui uma exceção à definição muito ampla do âmbito de aplicação deste regulamento enunciada no seu artigo 2.o, n.o 1, deve ser interpretado de modo restritivo.

    69

    É certo que o Tribunal de Justiça sublinhou, em substância, que as atividades referidas a título de exemplo no artigo 3.o, n.o 2, primeiro travessão, da Diretiva 95/46 (a saber, as atividades previstas nos títulos V e VI do Tratado da União Europeia, bem como o tratamento de dados que tenha como objeto a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado e as atividades do Estado no domínio do direito penal) são, em todos os casos, atividades próprias dos Estados ou das autoridades estatais e que estas atividades se destinam a definir o alcance da exceção aí prevista, pelo que esta exceção só se aplica às atividades que aí estejam expressamente mencionadas ou que possam ser classificadas na mesma categoria (ejusdem generis) (Acórdão de 6 de novembro de 2003, Lindqvist, C‑101/01, EU:C:2003:596, n.os 43 e 44).

    70

    Assim sendo, o facto de uma atividade ser própria do Estado ou de uma autoridade pública não é suficiente para que esta exceção seja automaticamente aplicável a tal atividade. Com efeito, é necessário que esta atividade figure de entre as que estão expressamente mencionadas na referida disposição ou que possa ser classificada na mesma categoria que estas.

    71

    Embora não haja a menor dúvida de que as atividades da Comissão das Petições do Parlamento do Land do Hesse são de natureza pública e próprias deste Land, uma vez que esta comissão contribui indiretamente para a atividade parlamentar, não deixa de ser certo não apenas que estas atividades são de natureza tanto política como administrativa como também não resulta de modo nenhum do dossiê dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que as referidas atividades correspondem, no presente caso, às que são mencionadas no artigo 2.o, n.o 2, alíneas b) e d), do Regulamento 2016/679 ou que podem ser classificadas na mesma categoria que estas.

    72

    Em quarto e último lugar, o Regulamento 2016/679 não prevê nenhuma exceção, designadamente no considerando 20 e no artigo 23.o deste, no que se refere às atividades parlamentares.

    73

    Por conseguinte, na medida em que a Comissão das Petições do Parlamento do Land do Hesse determina, individualmente ou em conjunto com outros, as finalidades e os meios do tratamento, esta comissão deve ser qualificada de «responsável pelo tratamento», na aceção do artigo 4.o, ponto 7, do Regulamento 2016/679, e, por conseguinte, é aplicável, no presente caso, o artigo 15.o deste regulamento.

    74

    Resulta de todas as considerações precedentes que o artigo 4.o, ponto 7, do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que uma comissão das petições do parlamento de um Estado federado de um Estado‑Membro determina, individualmente ou em conjunto com outros, as finalidades e os meios do tratamento, esta comissão deve ser qualificada de «responsável pelo tratamento», na aceção desta disposição, pelo que o tratamento de dados pessoais efetuado por tal comissão está abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento, designadamente pelo artigo 15.o deste.

    Quanto às despesas

    75

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    O artigo 4.o, ponto 7, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que uma comissão das petições do parlamento de um Estado federado de um Estado‑Membro determina, individualmente ou em conjunto com outros, as finalidades e os meios do tratamento, esta comissão deve ser qualificada de «responsável pelo tratamento», na aceção desta disposição, pelo que o tratamento de dados pessoais efetuado por tal comissão está abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento, designadamente pelo artigo 15.o deste.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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