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Document 62019CC0884

Conclusões do advogado-geral G. Pitruzzella apresentadas em 8 de julho de 2021.
Comissão Europeia e GMB Glasmanufaktur Brandenburg GmbH contra Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Importações de vidro solar originário da China — Regulamento (CE) n.o 1225/2009 — Artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c) — Tratamento de empresa que opera em condições de economia de mercado — Recusa — Conceito de “distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada”, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão — Benefícios fiscais.
Processos apensos C-884/19 P e C-888/19 P.

Court reports – general ; Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:562

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 8 de julho de 2021 ( 1 )

Processos apensos C‑884/19 P e C‑888/19 P

Comissão Europeia

contra

Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd (C‑884/19 P)

e

GMB Glasmanufaktur Brandenburg GmbH

contra

Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd,

Comissão Europeia (C‑888/19 P)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Remessa — Dumping — Regulamento de Execução (UE) n.o 470/2014 — Importações de vidro solar originário da China — Artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do Regulamento (CE) n.o 1225/2009 — Conceito de “distorção importante dos custos de produção e da situação financeira das empresas” — Regimes fiscais preferenciais»

1.

Quando, num processo antidumping, um produtor‑exportador proveniente de um país sem economia de mercado que seja membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) pede para beneficiar do tratamento de empresa que opera em economia de mercado (a seguir «TEM»), qual é o alcance que deve ser atribuído ao requisito segundo o qual o mesmo deve demonstrar que a sua situação financeira não é objeto de distorções importantes herdadas do antigo sistema de economia centralizada? Mais particularmente, como devem ser tratadas pela Comissão medidas, como regimes fiscais preferenciais, que dão origem a distorções da situação financeira da empresa, sem, contudo, dizerem especificamente respeito ao fabrico e venda do produto similar?

2.

Esta é, em substância, a questão fundamental que se coloca nos presentes processos apensos, que têm por objeto dois recursos nos quais a Comissão Europeia e a GMB Glasmanufaktur Brandenburg GmbH (a seguir «GMB»), respetivamente, pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, Xinyi PV Products (Anhui) Holdings/Comissão (a seguir «acórdão recorrido») ( 2 ). No acórdão recorrido, proferido após remessa na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings (C‑301/16 P, EU:C:2018:132, a seguir «Acórdão Comissão/Xinyi»), o Tribunal Geral anulou, novamente, o Regulamento de Execução (UE) n.o 470/2014 da Comissão, de 13 de maio de 2014, que institui um direito antidumping definitivo e estabelece a cobrança definitiva do direito provisório instituído sobre as importações de vidro solar originário da República Popular da China (a seguir «regulamento controvertido») ( 3 ).

I. Quadro jurídico

3.

Ao tempo dos factos na origem do litígio, as disposições que regulavam a adoção de medidas antidumping por parte da União Europeia constavam do Regulamento (CE) n.o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia ( 4 ) (a seguir «regulamento de base»).

4.

O artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, sob a epígrafe «Determinação da existência de dumping», dispunha o seguinte:

«a)

No caso de importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado […], o valor normal é determinado com base no preço ou no valor calculado num país terceiro com economia de mercado ou no preço desse país terceiro para outros países, incluindo países da Comunidade, ou, sempre que tal não seja possível, a partir de qualquer outra base razoável, incluindo o preço efetivamente pago ou a pagar na Comunidade pelo produto similar, devidamente ajustado, se necessário, a fim de incluir uma margem de lucro razoável. […]

b)

Nos inquéritos antidumping relativos a importações originárias da República Popular da China […], bem como de todos os países sem economia de mercado que sejam membros da OMC na data do início do inquérito, o valor normal é determinado de acordo com o disposto nos n.os 1 a 6, caso se prove, com base em pedidos devidamente fundamentados, apresentados por um ou mais produtores objeto de inquérito e segundo os critérios e procedimentos enunciados na alínea c), a prevalência de condições de economia de mercado para esse produtor ou produtores no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar em causa. Se não for este o caso, aplicam‑se as regras definidas na alínea a);

c)

Uma queixa apresentada com base na alínea b) deve […] conter prova bastante de que o produtor opera em condições de economia de mercado, ou seja se:

as decisões das empresas relativas aos preços, aos custos e aos fatores de produção, incluindo, por exemplo, matérias‑primas, ao custo das tecnologias e da mão de obra, à produção, vendas e investimento, são adotadas em resposta a sinais do mercado que refletem a oferta e a procura e sem uma interferência significativa do Estado a este respeito e se, os custos dos principais fatores de produção refletem substancialmente valores do mercado,

as empresas têm um único tipo de registos contabilísticos básicos sujeitos a auditorias independentes, conformes às normas internacionais em matéria de contabilidade, devidamente fiscalizados e aplicáveis para todos os efeitos,

os custos de produção e a situação financeira das empresas não são objeto de distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada, nomeadamente no que se refere à amortização dos ativos, a outras deduções do ativo, a trocas diretas de bens e a pagamentos sob a forma de compensação de dívidas,

as empresas em questão beneficiam de uma aplicação correta da legislação aplicável em matéria de propriedade e falência, que garanta uma certeza e estabilidade jurídicas ao exercício de atividades por parte das empresas, e

as operações cambiais são realizadas a taxas de mercado. […]»

II. Antecedentes do litígio e regulamento controvertido

5.

Os antecedentes do litígio são enunciados nos n.os 1 a 14 do acórdão recorrido, para os quais remeto, para mais pormenores. Para efeitos do presente processo, limito‑me a recordar que, em 28 de fevereiro de 2013, a Comissão iniciou um processo antidumping relativo às importações de determinados produtos de vidro solar originário da República Popular da China.

6.

Em 21 de maio de 2013, a Xinyi PV Products (Anhui) Holdings Ltd (a seguir «Xinyi»), — sociedade com sede na China, que fabrica e exporta para a União Europeia vidro solar — apresentou à Comissão um pedido de concessão do TEM, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base, para assegurar que o valor normal fosse determinado, no que lhe dizia respeito, em conformidade com o artigo 2.o, n.os 1 a 6, deste regulamento, e não segundo o método dito do «país análogo» previsto nas normas constantes do artigo 2.o, n.o 7, alínea a), do referido regulamento.

7.

Por ofícios de 22 de agosto de 2013 e de 13 de setembro de 2013, a Comissão informou a Xinyi que, apesar das observações apresentadas por esta, não iria deferir este pedido, porque entendia que a mesma não cumpria o critério previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

8.

Resulta dos autos que a Comissão indeferiu o pedido da Xinyi, por considerar que esta não tinha conseguido demonstrar que os seus custos de produção e a sua situação financeira não eram objeto de distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base. Mais especificamente, segundo a Comissão, a Xinyi tinha beneficiado de diferentes vantagens fiscais a título do seu imposto sobre o rendimento. Por um lado, tinha beneficiado do programa «2 Free 3 Halve», que permitia às sociedades de capitais estrangeiros beneficiarem de uma isenção fiscal total (0 %) durante dois anos e, durante os três anos seguintes, de uma taxa de imposto de 12,5 %, em vez da taxa normal de imposto de 25 %. Por outro, tinha beneficiado do regime fiscal das empresas de alta tecnologia, em aplicação do qual a sociedade está sujeita a uma taxa de imposto reduzida de 15 %, em vez da taxa normal de imposto de 25 %.

9.

Em 13 de maio de 2014, a Comissão adotou o regulamento controvertido, no qual confirmou que os pedidos de concessão de TEM, nomeadamente o apresentado pela Xinyi, deviam ser indeferidos e instituiu um direito antidumping definitivo de 36,1 % sobre as importações de certos produtos de vidro solar fabricados pela Xinyi. No considerando 33 do regulamento controvertido, a Comissão rejeitou, em particular, o argumento em que a Xinyi alegou que as vantagens recebidas sob a forma de regimes fiscais preferenciais e de subvenções não tinham representado uma parte significativa do seu volume de negócios. Nesse considerando, a Comissão entendeu, especificamente, que «este argumento, juntamente com outros, fora já abordado na carta da Comissão ao exportador, datada de 13 de setembro de 2013, na qual a Comissão notificou a Parte relativamente à determinação [relativa à concessão do TEM]. Em especial, foi sublinhado que devido à natureza desta vantagem, o valor absoluto da vantagem recebida durante o [período de inquérito] é irrelevante para avaliar se a distorção é “significativa”».

III. Tramitação processual no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça e acórdão recorrido

10.

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de agosto de 2014, a Xinyi pediu a anulação do regulamento controvertido, tendo invocado quatro fundamentos em apoio do seu recurso. No primeiro fundamento, que se dividia em duas partes, a Xinyi invocou uma violação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

11.

Por Acórdão de 16 de março de 2016 ( 5 ), o Tribunal Geral acolheu a primeira parte do primeiro fundamento, na qual a Xinyi tinha alegado que a Comissão tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que os benefícios fiscais de que esta tinha beneficiado constituíam distorções «herdadas do antigo sistema de economia centralizada», na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

12.

Na sequência de um recurso desse acórdão interposto pela Comissão, o Tribunal de Justiça, pelo Acórdão Comissão/Xinyi, anulou aquele acórdão, declarando que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito ao interpretar o requisito relativo à existência de uma distorção «herdada do antigo sistema de economia centralizada». Por conseguinte, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal Geral e reservou para final a decisão quanto às despesas.

13.

Na sequência da remessa efetuada através do Acórdão Comissão/Xinyi, o Tribunal Geral retomou o processo e, em 24 de setembro de 2019, proferiu o acórdão recorrido.

IV. Acórdão recorrido

14.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a segunda parte do primeiro fundamento de recurso, pela qual Xinyi alegou que a Comissão tinha considerado, erradamente, que as distorções decorrentes dos regimes fiscais preferenciais em causa eram importantes relativamente aos seus custos de produção e à sua situação financeira, na aceção do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

15.

Depois de ter recordado os princípios jurisprudenciais relativos ao funcionamento do artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, o Tribunal Geral, em primeiro lugar, nos n.os 55 a 61 do acórdão recorrido, interpretou o disposto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, desse regulamento.

16.

Considerou que resulta do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do mesmo regulamento que os critérios com base nos quais é examinado o mérito de um pedido de concessão de TEM, incluindo, portanto, os critérios previstos na alínea c), terceiro travessão, dessa disposição, são os de saber se prevalecem as condições de economia de mercado «no que respeita ao fabrico e à venda do produto similar em causa» e refletem a vontade do legislador da União de verificar se o produtor‑exportador que apresenta esse pedido opera, relativamente à produção e venda do produto similar em causa, em conformidade com princípios que permitam calcular o valor normal.

17.

O Tribunal Geral salientou que, neste contexto, o disposto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base se refere aos custos de produção e à situação financeira da empresa com base em parâmetros diretamente relacionados com os métodos de cálculo do valor normal previstos nos n.os 1 a 6 do artigo 2.o do regulamento de base, ou seja, a amortização dos ativos, outras deduções contabilísticas, trocas diretas e pagamentos sob a forma de compensação de dívidas. O Tribunal Geral considerou que, embora esta afirmação seja indicativa, como demonstra a utilização do advérbio «nomeadamente» ( 6 ), a utilização desse termo não permitia à Comissão indeferir um pedido de admissão ao benefício do estatuto TEM com base em circunstâncias que, mesmo tendo uma relação com a situação financeira da empresa em sentido amplo, não implicam automaticamente uma distorção «importante» de um ou mais fatores que determinam os elementos relativos ao fabrico e à venda do produto similar em causa. Como fundamento dessa observação, o Tribunal Geral fez referência, por analogia, ao Acórdão de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, EU:C:2012:471; a seguir «Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan»).

18.

Daí o Tribunal Geral deduziu que, no caso de medidas que dizem respeito à situação financeira da empresa em geral, compete à Comissão avaliar, à luz da prova apresentada no processo administrativo, se essas medidas estão efetivamente na origem de uma distorção importante dessa situação no que respeita à produção ou à venda do produto similar. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, por um lado, o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão do regulamento de base refere‑se a distorções efetivas, e não apenas potenciais dos custos de produção e da situação financeira. Por outro lado, o caráter «importante» da distorção em questão deve ser apreciado em relação ao objetivo desta disposição, que visa assegurar que os elementos relativos aos custos de produção e à situação financeira da empresa não sejam distorcidos ao ponto de a eventual aplicação dos n.os 1 a 6 do artigo 2.o do regulamento de base conduzir a resultados artificiais que prejudiquem os objetivos de um inquérito antidumping.

19.

Com base nessa interpretação, o Tribunal Geral, em segundo lugar, nos n.os 62 a 73 do acórdão recorrido, aplicou no caso em apreço a disposição em causa. O Tribunal Geral considerou, em particular, que, ao fazer referência, nos ofícios de 22 de agosto de 2013 e de 13 de setembro de 2013, ao «impacto global» da medida em causa, que consiste na possibilidade de «atrair capital a taxas reduzidas», para fundamentar o indeferimento do pedido da Xinyi, de concessão do TEM, a Comissão tinha invocado fundamentos relativos à situação financeira de um ponto de vista eminentemente abstrato, sem ligação com elementos relacionados com o fabrico e a venda do produto similar em causa. Segundo o Tribunal Geral, por um lado, um regime de imposto sobre as sociedades diz respeito ao tratamento fiscal dos lucros realizados num determinado exercício financeiro, não tem por objetivo nem por efeito influenciar o próprio montante ou a própria taxa desses lucros, nem outros elementos, enquanto componentes do valor normal que a Comissão deve calcular em conformidade com os n.os 1 a 6 do artigo 2.o do regulamento de base. Por outro, a mera possibilidade de um regime fiscal preferencial poder atrair investidores para o capital de uma empresa não é suficiente para considerar que a sua situação financeira foi efetivamente sujeita a uma distorção importante.

20.

Em seguida, o Tribunal Geral declarou que o volume de negócios de uma empresa é um indicador relevante do seu poder económico e financeiro, a partir do qual realiza lucros, e que, consequentemente, ao afirmar que as distorções em questão representavam 1,14 % do seu volume de negócios, a Xinyi tinha apresentado efetivamente um elemento em princípio fiável e relevante relativo ao impacto global da medida fiscal em apreço na sua situação financeira. Nestas circunstâncias, segundo o Tribunal Geral, cabia à Comissão, no mínimo, clarificar a relação entre a escolha de investir no capital da recorrente, eventualmente motivada por um regime tributário vantajoso, por um lado, e a distorção da sua situação financeira, por outro, não de forma geral e teórica, mas à luz do objetivo prosseguido pelo artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

21.

Com base nessas considerações, o Tribunal Geral concluiu que as razões em que a Comissão tinha baseado a sua decisão de indeferimento do pedido de admissão da recorrente ao estatuto TEM estavam feridas de erro manifesto de apreciação, e, por conseguinte, julgou procedente a segunda parte do primeiro fundamento de recurso e anulou o regulamento impugnado.

V. Pedidos das partes

22.

Com os seus recursos ( 7 ), tanto a Comissão, como a GMB pedem ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido; julgue improcedente a segunda parte do primeiro fundamento do recurso interposto em primeira instância; remeta o processo ao Tribunal Geral, para decisão quanto aos restantes fundamentos do recurso interposto em primeira instância e reserve para final a decisão quanto às despesas do presente processo e dos processos anteriores nas várias instâncias relacionados com o mesmo.

23.

Em ambos os processos, a Xinyi pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento aos recursos e condene a Comissão e a GMB nas despesas.

VI. Análise dos recursos

24.

Nos seus recursos, a Comissão e a GMB invocam, cada uma, três fundamentos, coincidentes em muitos pontos. Nos seus primeiros fundamentos, criticam a interpretação que o Tribunal Geral fez do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base. Nos seus segundos fundamentos, invocam erros de direito na aplicação dessas disposições no caso em apreço, ao passo que, nos seus terceiros fundamentos, invocam irregularidades processuais.

A.   Quanto aos fundamentos relativos a erros de direito na interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base

1. Argumentos das partes

25.

Com os seus primeiros fundamentos de recurso, que visam impugnar os n.os 55 a 61 do acórdão recorrido, a Comissão e a GMB criticam a interpretação que o Tribunal Geral fez do disposto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base ( 8 ). Sustentam, em substância, que o Tribunal Geral considerou, de forma incorreta, que essas disposições pressupõem que um pedido de concessão do TEM só pode ser recusado quando a aplicação do artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base possa dar origem a resultados artificiais, o que equivale a afirmar que a Comissão é obrigada a demonstrar o efeito preciso nos preços e nos custos do produtor‑exportador em causa da distorção constatada relativamente à sua situação financeira.

26.

Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que as disposições constantes dos n.os 1 a 6 do artigo 2.o do regulamento de base são irrelevantes para a interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), terceiro travessão, do mesmo regulamento. Resulta da jurisprudência que o artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base reflete uma abordagem própria da ordem jurídica da União, de modo que não é possível estabelecer uma correspondência entre as regras contidas nessa disposição e o artigo 2.o do «Acordo antidumping» da OMC ( 9 ), o qual tinha sido transposto para a ordem jurídica da União pelo artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base. O legislador da União só tinha exigido a demonstração de uma repercussão concreta nos preços e custos, ou seja, nos elementos relevantes para efeitos da análise nos termos do artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base, relativamente ao critério constante da primeira parte do primeiro travessão do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base.

27.

Em segundo lugar, a Comissão e a GMB consideram que a relação estabelecida pelo Tribunal Geral entre o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base e os elementos a ter em consideração no cálculo previsto no artigo 2.o, n.os 1 a 6, do mesmo regulamento, é incorreta. Por um lado, essa norma não especifica nenhuma obrigação de relacionar as distorções verificadas no que diz respeito à situação financeira do produtor‑exportador em causa com qualquer elemento relativo ao fabrico ou venda do produto similar em questão. Por outro, a enumeração constante do referido terceiro travessão tinha natureza meramente indicativa e três dos quatro fatores mencionados nessa disposição também não eram mencionados nos n.os 1 a 6, do artigo 2.o do regulamento de base.

28.

Em terceiro lugar, a Comissão e a GMB sustentam que as conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan quanto à disposição constante do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do regulamento de base, na qual o Tribunal Geral se baseou, não são aplicáveis ao disposto no terceiro travessão.

29.

Em quarto lugar, a Comissão e a GMB alegam que a interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base adotada pelo Tribunal Geral priva o termo «situação financeira» de significado próprio e, portanto, de efeito útil. Essa interpretação só reconhece a existência de uma distorção da situação financeira se a Comissão provar que, ao mesmo tempo, essa distorção também afeta os custos de produção. Tal é contrário à intenção do legislador de prever duas alternativas na disposição em causa.

30.

Em quinto lugar, a Comissão sustenta que o erro da relação que o Tribunal Geral estabeleceu entre os n.os 1 a 6 e o n.o 7 do artigo 2.o, do regulamento de base também é confirmado do ponto de vista sistemático, pelo facto de os dois últimos travessões do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), serem de natureza macroeconómica e não terem relação com os referidos n.os 1 a 6. A GMB afirma que a própria estrutura das disposições do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), do regulamento de base indica que não existe necessidade de um exame destinado a determinar a existência de uma relação entre a situação financeira e o fabrico e venda do produto similar em causa. Essa estrutura indica que a situação financeira já é tomada em consideração no regulamento de base como fator que tem impacto no fabrico e na venda do produto similar.

31.

Na segunda parte do seu primeiro fundamento, a GMB sustenta que o Tribunal Geral, nos n.os 68, 69 e 72 do acórdão recorrido, interpretou de forma errada o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, invertendo o ónus da prova, que onera o produtor‑exportador que pede para beneficiar do TEM, transferindo‑o para a Comissão. Porém, resulta, de forma inequívoca, do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), desse regulamento, bem como da jurisprudência, que compete ao primeiro provar que as condições de economia de mercado prevalecem no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar.

32.

A Xinyi contesta os argumentos apresentados pela Comissão GMB e considera que a interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base feita pelo Tribunal Geral é correta e conforme com a vontade do legislador da União e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

33.

Em primeiro lugar, o argumento da Comissão, segundo o qual a expressão «no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar», constante do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base, se refere apenas à primeira parte do primeiro travessão do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), desse regulamento, é incompatível com a própria formulação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do mesmo, do qual resulta que também o critério de concessão do TEM aí previsto diz respeito aos custos de produção do produto similar. Além disso, a Comissão não explicou qual era a finalidade dos outros quatro critérios de concessão do TEM, além da de permitir a utilização dos custos e dos preços de venda internos na China durante o período de inquérito, nos casos em que esses custos e preços de venda sejam adequados para calcular o valor normal. A Comissão faz uma interpretação desses outros critérios que não tem nenhuma relação com a finalidade do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), do regulamento de base.

34.

Em segundo lugar, a Xinyi alega que o Tribunal Geral aplicou corretamente, por analogia, o Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan. Com efeito, tanto naquele processo, como no presente processo, as instituições da União tinham recusado examinar os elementos de prova fornecidos em apoio de um pedido de concessão do TEM, para justificar automaticamente o seu indeferimento. O Tribunal Geral não tentou transpor para a análise do terceiro critério de concessão do TEM considerações expressamente feitas pelo Tribunal de Justiça em relação ao primeiro critério de concessão do TEM, mas limitou‑se a estabelecer um paralelismo entre duas situações semelhantes. Além disso, exatamente como no âmbito da aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do regulamento de base, a Comissão devia, também na análise do requisito previsto no terceiro travessão dessa disposição, avaliar sempre o impacto da distorção nos preços ou nos custos do produtor, não se podendo limitar a fazer uma avaliação em abstrato. Os restantes acórdãos invocados pela Comissão em apoio da sua tese não são determinantes.

35.

Em terceiro lugar, quanto ao argumento da Comissão relativo ao efeito útil da expressão «situação financeira», a Xinyi alega que, quando uma distorção importante da situação financeira de uma sociedade afeta mais os seus preços do que os seus custos, a interpretação fornecida pelo Tribunal Geral não priva essa expressão do seu efeito útil.

36.

Em quarto lugar, a Xinyi também rejeita a interpretação sistemática com referência ao quarto e quinto travessões do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base. Segundo a Xinyi, por um lado, é evidente que a circunstância, relevante no âmbito do quarto travessão, de uma sociedade não beneficiar de uma aplicação correta de um processo de falência falseia os seus custos e preços. Por outro lado, do mesmo modo, o eventual aproveitamento, relevante no âmbito do quinto travessão, de uma taxa de câmbio mais vantajosa do que a taxa de mercado no momento da aquisição ou venda de divisas tem repercussões, respetivamente, nos custos e nos preços da sociedade.

2. Apreciação

a) Observações preliminares

37.

No âmbito dos seus primeiros fundamentos de recurso, a Comissão e a GMB contestam a interpretação que o Tribunal Geral fez no acórdão recorrido do disposto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

38.

A esse respeito, a título preliminar, importa recordar que, através do artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, o legislador da União pretendeu adotar um regime especial que estabelece regras pormenorizadas no que respeita ao cálculo do valor normal relativamente às importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado ( 10 ).

39.

Por força do artigo 2.o, n.o 7, alínea a), do regulamento de base, no caso de importações provenientes de países sem economia de mercado, por derrogação às regras estabelecidas nos n.os 1 a 6 da mesma disposição, o valor normal será, em princípio, determinado com base no preço ou no valor calculado num país terceiro com economia de mercado. O objetivo da referida disposição é, pois, evitar a tomada em consideração dos preços e dos custos em vigor nos países que não têm uma economia de mercado, na medida em que esses parâmetros não são, nesse caso, a resultante normal das forças que se exercem no mercado ( 11 ).

40.

No entanto, por força do n.o 7, alínea b), do referido artigo, no caso de inquéritos antidumping relativos a importações provenientes nomeadamente da China, o valor normal será determinado de acordo com o disposto nos n.os 1 a 6 do artigo 2.o do regulamento de base, caso se prove, com base em pedidos devidamente fundamentados, apresentados por um ou mais produtores objeto de inquérito e segundo os critérios e procedimentos enunciados no mesmo n.o 7, alínea c), a prevalência das condições de economia de mercado para esse ou esses produtores, no que respeita ao fabrico e à venda do produto similar em causa ( 12 ).

41.

Compete ao Conselho e à Comissão apreciar se os elementos fornecidos pelo produtor em causa são suficientes para demonstrar que os critérios enunciados no dito artigo 2.o, n.o 7, alínea c), estão preenchidos para lhe reconhecer o benefício do TEM, competindo ao juiz da União verificar se esta apreciação está viciada por erro manifesto ( 13 ).

42.

Além disso, o Tribunal de Justiça reconheceu que as disposições constantes do artigo 2.o, n.o 7, alíneas b) e c), do regulamento de base têm caráter de exceção e que, portanto, devem ser interpretadas estritamente, o que, no entanto, não pode permitir às instituições da União interpretar e aplicar estas disposições de forma incompatível com a sua redação e finalidade ( 14 ).

43.

No caso em apreço, é pacífico que o pedido da Xinyi para beneficiar do TEM foi indeferido unicamente pelo facto de essa empresa não ter demonstrado que cumpria o critério enunciado no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, quando a Comissão tinha considerado preenchidos todos os outros quatro critérios ( 15 ).

44.

Ao abrigo desta disposição, o produtor em causa deve apresentar provas bastantes, suscetíveis de demonstrar que os seus custos de produção e a sua situação financeira não são objeto de distorções importantes, herdadas do antigo sistema de economia centralizada, nomeadamente no que se refere à amortização dos ativos, a outras deduções do ativo, a trocas e a pagamentos sob a forma de compensação de dívidas ( 16 ).

45.

Resulta da letra desta disposição que esta impõe dois requisitos cumulativos, relativos, um, à existência de uma distorção importante dos custos de produção e da situação financeira da empresa em causa e, outro, ao facto de a referida distorção se revelar herdada do antigo sistema de economia centralizada ( 17 ).

46.

O acórdão recorrido diz unicamente respeito ao primeiro desses dois requisitos. Com efeito, a determinação do alcance do segundo desses requisitos já foi objeto do referido Acórdão Comissão/Xinyi ( 18 ), no qual o Tribunal de Justiça esclareceu o alcance do conceito de distorção «herdad[a] do antigo sistema de economia centralizada».

b) Quanto à interpretação do primeiro requisito previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base

47.

É no contexto descrito na secção anterior que devem ser analisados os primeiros fundamentos de recursos invocados pela Comissão e pela GMB, através dos quais criticam a interpretação que o Tribunal Geral fez do primeiro dos dois requisitos cumulativos previstos na disposição constante do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, recordada no n.o 44, supra.

48.

A esse respeito, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral parte da premissa segundo a qual, uma vez que a alínea b) do n.o 7 do artigo 2.o do regulamento de base dispõe que, para que possa ser concedido o TEM, a prevalência das condições de economia de mercado para o produtor requerente deve ser demonstrada «no que respeita ao fabrico e à venda do produto similar em causa», então os critérios previstos nos cinco travessões da alínea c) do mesmo número, em função dos quais a Comissão deve avaliar os pedidos de TEM, devem referir‑se ao «fabrico e venda do produto similar em causa» ( 19 ).

49.

Por conseguinte, segundo o Tribunal Geral, o requisito previsto no terceiro travessão e, especificamente, a existência de distorções importantes da situação financeira da empresa que pede para beneficiar do TEM, deve dizer especificamente respeito à produção e à venda do produto similar. Daí decorre que, no caso de medidas que dizem respeito à situação financeira da empresa de um ponto de vista geral — e, portanto, não especificamente à produção e à venda do produto similar —, a Comissão é obrigada a avaliar, à luz da prova apresentada no procedimento administrativo, se essas medidas dão efetivamente origem, ou não, a uma distorção relativa à produção e à venda do produto similar ( 20 ).

50.

O Tribunal Geral baseia, entre outras coisas, a referida interpretação estrita desse critério numa «relação direta» que existiria, quer do ponto de vista literal, quer do ponto de vista teleológico, entre esse critério e o cálculo do valor normal previsto no artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base ( 21 ).

51.

Por conseguinte, há que verificar, à luz dos argumentos invocados pela Comissão e pela GMB, se essa interpretação da disposição em causa é correta.

52.

A esse respeito, a título preliminar, observo que, dado que o artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base constitui a expressão da vontade do legislador da União de adotar uma abordagem própria da ordem jurídica da União, e não de dar execução a determinadas obrigações que o Acordo antidumping contém ( 22 ), é unicamente à luz do direito da União que essa disposição deve ser interpretada.

53.

Nestas circunstâncias, resulta de jurisprudência constante que, na interpretação de uma norma de direito da União, há que ter em conta a letra desta, bem como o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra ( 23 ).

54.

No que diz respeito à interpretação literal do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, antes de mais, há que salientar que resulta do próprio texto da disposição que o primeiro dos dois requisitos cumulativos referidos no n.o 45, supra, prevê duas situações alternativas que podem levar ao indeferimento de um pedido de concessão do TEM: a existência de uma distorção importante dos custos de produção da empresa em causa, por um lado, e da sua situação financeira, por outro.

55.

A esse respeito, segundo jurisprudência constante, quando uma norma do direito da União pode ser objeto de várias interpretações, há que dar prioridade à interpretação que é suscetível de salvaguardar o seu efeito útil ( 24 ), e isto, na sua totalidade. Daí resulta que a disposição em causa deve ser interpretada num sentido que confira efeito útil a ambas as alternativas.

56.

Das considerações anteriores decorre que deve ser reconhecida ao conceito de «distorção importante da situação financeira», conforme previsto na disposição em causa, uma autonomia própria, definida no contexto e à luz do objetivo da norma. Por conseguinte, a sua determinação não pode ser subordinada à primeira opção prevista na referida disposição, ou seja, à existência de uma distorção importante dos custos de produção. Consequentemente, a verificação da existência de uma distorção importante da situação financeira da empresa requerente do TEM herdada do antigo sistema de economia centralizada é suficiente, por si só, para que esse pedido seja indeferido.

57.

Sempre do ponto de vista literal, há que assinalar que a expressão «situação financeira» não é acompanhada de nenhuma especificação que lhe restrinja, de algum modo, o alcance. Nessas circunstâncias, em minha opinião, deve ser, pois, atribuída a essa expressão um alcance amplo, que inclua no âmbito de aplicação da disposição, dentro dos limites indicados mais em detalhe nos números seguintes, qualquer fator que distorça significativamente a situação financeira da empresa e que seja herdado do antigo sistema de economia centralizada.

58.

Ao contrário do que o Tribunal Geral concluiu no n.o 59 do acórdão recorrido, considero que não resulta da redação da disposição em causa qualquer relação direta entre a existência de uma distorção importante da situação financeira e o cálculo do valor normal nos termos do artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base. Em especial, na minha opinião, não se pode inferir dos parâmetros indicados na segunda parte do terceiro travessão do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base a existência dessa relação direta. A esse respeito, saliento que é pacífico que essa enumeração tem caráter meramente indicativo e que, portanto, os elementos aí referidos são simples exemplos de fatores que podem dar origem a distorções abrangidas pelo âmbito de aplicação da norma. Nada indica, pelo contrário, que essa enumeração exemplificativa vise criar uma relação entre o disposto no terceiro travessão do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base e o cálculo do valor normal previsto nos n.os 1 a 6 do mesmo artigo.

59.

A inexistência de relação direta entre a análise que deve ser efetuada nos termos do n.o 7 e a que deve ser efetuada nos termos dos n.os 1 a 6 do artigo 2.o do regulamento de base — no sentido de que, como o Tribunal Geral parece propor, a primeira deva ser efetuada necessariamente à luz da segunda ( 25 ) –, parece ser, aliás, confirmada do ponto de vista sistemático.

60.

Com efeito, enquanto as disposições constantes do artigo 2.o, n.os 1 a 6, do regulamento de base apresentam um nexo com os métodos de cálculo do valor normal previstos no artigo 2.o do Acordo antidumping, o mesmo não é válido quanto ao artigo 2.o, n.o 7, do mesmo regulamento. Com efeito, como resulta da jurisprudência referida nos n.os 38 e 52, supra, através desse n.o 7, o legislador da União pretendeu adotar um regime especial, específico do direito da União, para o cálculo do valor normal relativamente às importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado, regime esse que não visa dar execução a obrigações particulares que decorrem do Acordo antidumping.

61.

Nesse regime especial, a regra é a de que, nos termos da alínea a) do referido n.o 7, no caso de importações provenientes de países que não têm uma economia de mercado, o valor normal é calculado com base no sistema do «país análogo». A título excecional, nos termos da alínea b) do mesmo número, o legislador da União pretendeu conceder, em particular aos produtores chineses, a possibilidade de lhes ser reconhecido que agem em condições de uma economia de mercado e, assim, de determinar o valor normal com base nos seus próprios preços e custos reais, segundo uma análise caso a caso, desde que, exclusivamente, mostrem que cumprem as cinco condições previstas no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base e que se possa assim considerar que operam em condições de uma economia de mercado. Caso contrário, aplica‑se «supletivamente» o método do país análogo ( 26 ).

62.

Das considerações anteriores decorre que a aplicabilidade do regime especial previsto no referido n.o 7 não pressupõe, de modo algum, como, pelo contrário, o Tribunal Geral considerou, uma análise a nível da empresa que leve a concluir que a aplicação das regras previstas nos n.os 1 a 6 conduziria a resultados artificiais. Em meu entender, fazer depender a aplicação do regime especial previsto no artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base de uma análise dos resultados eventualmente decorrentes da aplicação do regime geral é manifestamente contrário à sistemática das disposições em causa ( 27 ).

63.

Sempre de um ponto de vista sistemático, importa, no entanto, assinalar que, como o Tribunal Geral observou, o artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base prevê que o produtor‑exportador que requer o TEM deve demonstrar a prevalência das condições de economia de mercado «no que respeita ao fabrico e à venda do produto similar».

64.

Todavia, em meu entender, isso não implica necessariamente que, para poder estar abrangida pelo âmbito de aplicação dos requisitos previstos nos cinco travessões da alínea c) do mesmo número, em função dos quais a Comissão deve avaliar os pedidos de TEM, uma medida que seja suscetível de alterar os parâmetros próprios de uma economia de mercado se deva referir especificamente ao «fabrico e venda do produto similar em causa».

65.

No que diz respeito, mais particularmente, à segunda alternativa do primeiro requisito previsto no terceiro travessão da disposição em causa, considero que, da disposição constante da alínea b), referida no n.o 63, não se pode inferir que esse requisito deva ser interpretado de forma estrita, no sentido de que apenas as distorções importantes da situação financeira que se referem especificamente ao «fabrico e venda do produto similar em causa» podem justificar o indeferimento do pedido de TEM e que, por conseguinte, no caso de medidas que distorçam significativamente a situação financeira da empresa que requer o TEM herdadas do antigo sistema de economia centralizada, mas que não sejam específicas do produto similar, a Comissão seja obrigada a provar que existe uma relação entre a própria medida e o «fabrico e venda do produto similar em causa».

66.

Em meu entender, uma leitura tão restritiva da disposição constante do referido terceiro travessão é contrária não só à sua redação, que não prevê, de modo algum, essa distinção entre medidas que afetem a situação financeira da empresa em causa, mas também à sistemática e à finalidade da disposição, bem como à repartição do ónus da prova prevista no próprio artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base.

67.

Com efeito, do ponto de vista sistemático, como a Comissão, com razão, salientou e como, aliás, a própria Xinyi admitiu, os requisitos previstos no quarto e quinto travessões do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base — relativos, respetivamente, ao benefício de uma aplicação correta da legislação aplicável em matéria de propriedade e falência, e às operações cambiais — dizem respeito a parâmetros que, por definição, não têm relação direta com o «fabrico e venda do produto similar em causa». Esses requisitos referem‑se a alterações dos parâmetros próprios de uma economia de mercado que são suscetíveis de distorcer indiretamente os custos e preços de uma empresa. Parece ser pacífico que, perante medidas que alterem esses parâmetros, a Comissão não é obrigada a provar que existe uma relação entre essas medidas e o fabrico e venda do produto similar em causa.

68.

Na minha opinião, deve ser aplicada uma abordagem idêntica no que diz respeito a medidas herdadas do antigo sistema de economia centralizada que provoquem distorções importantes da situação financeira da empresa que requer o TEM, como regimes fiscais preferenciais. Não existindo prova em contrário, que deve ser fornecida pela empresa interessada, a Comissão pode presumir que as medidas desse tipo são suscetíveis de distorcer os custos e preços da empresa e, portanto, também, indiretamente, o «fabrico e venda do produto similar em causa».

69.

Essa interpretação não restritiva da norma em causa é conforme com os objetivos gerais do regime especial instituído no artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, o qual, como foi assinalado nos n.os 39 e 40, supra, visa evitar que sejam tomados em consideração os preços e custos em vigor em países que não têm uma economia de mercado, na medida em que, nestes últimos, esses parâmetros não são a resultante normal das forças que se exercem no mercado, e isto independentemente do caráter direto ou indireto das consequências que as medidas que dão origem a alterações dos parâmetros próprios de uma economia de mercado tenham sobre os preços e custos do produto similar.

70.

A referida interpretação não restritiva também é conforme com a finalidade específica do requisito previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, o qual, ao distinguir, de forma expressa, entre distorções dos custos de produção e distorções da «situação financeira», considerada em geral e sem mais especificações, pretende abranger no seu âmbito de aplicação não só alterações diretas dos custos de produção, mas também outras distorções, mesmo de caráter indireto e não necessariamente limitadas aos custos de produção, que tenham uma repercussão na situação financeira da empresa que requer o estatuto TEM.

71.

Além disso, entendo que, como a GMB alegou no âmbito da segunda parte do seu primeiro fundamento de recurso, a interpretação estrita do requisito previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base feita pelo Tribunal Geral, segundo a qual, no caso de distorções importantes da situação financeira da empresa que requer o TEM herdadas do antigo sistema de economia centralizada, mas que não se referem, de modo específico, ao produto similar, a Comissão é obrigada a provar que existe uma relação entre a própria medida e o fabrico e venda do produto similar em causa, é contrária à repartição do ónus da prova, conforme previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do mesmo regulamento, interpretado à luz da jurisprudência.

72.

Com efeito, resulta de jurisprudência constante que o ónus da prova recai sobre o produtor que pretende beneficiar do TEM nos termos do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base e que, para esse efeito, o pedido apresentado por esse produtor deve conter provas bastantes, como especificado no n.o 7, alínea c), do mesmo artigo, de que o produtor opera em condições de economia de mercado. Logo, não incumbe às instituições da União provar que o produtor não cumpre as condições previstas para beneficiar do referido estatuto ( 28 ).

73.

Em meu entender, daí decorre que, ao contrário do que o Tribunal Geral decidiu no n.o 60 do acórdão recorrido, no caso de medidas que provocam distorções importantes da situação financeira da empresa que requer o TEM, herdadas do antigo sistema de economia centralizada e que não se referem, de modo específico, ao produto similar, a Comissão não é obrigada a provar que existe uma relação entre a própria medida e o fabrico e venda do produto similar em causa, mas, pelo contrário, compete à empresa requerente provar que, apesar dessas medidas que causam distorções, opera em condições de economia de mercado no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar.

74.

Por último, entendo que as considerações anteriores não são, de modo algum, postas em causa pelo Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan, ao qual o Tribunal Geral fez referência, por analogia, para fundamentar a sua interpretação estrita da disposição constante do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base. Com efeito, por um lado, esse acórdão tem por objeto a interpretação do requisito previsto no primeiro travessão da alínea c) do n.o 7 do artigo 2.o do regulamento de base. Essa disposição, logo tendo em conta, tão‑somente, a sua redação, pressupõe expressamente uma ingerência efetiva nos preços, custos e fatores de produção ( 29 ). Em virtude da redação da disposição constante do terceiro travessão, a qual se refere à «situação financeira» em geral, duvido que, como o Tribunal Geral considerou nos n.os 59 a 61 do acórdão recorrido, as observações expostas pelo Tribunal de Justiça nos n.os 78 a 82 do Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan com vista a interpretar o requisito previsto no primeiro travessão, sejam automaticamente aplicáveis na interpretação do requisito constante do referido terceiro travessão ( 30 ).

75.

Por outro lado, há que salientar que, no Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan, o Tribunal de Justiça (e o Tribunal Geral) tinha criticado à Comissão ter ignorado completamente os elementos fornecidos pela empresa em causa, sem ter apreciado se esses elementos eram suficientes para demonstrar que esta satisfazia a condição dupla enunciada no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), primeiro travessão, do regulamento de base ( 31 ). No presente caso, como resulta dos n.os 7 e 9, supra, e, mais pormenorizadamente, dos n.os 63 a 65 do acórdão recorrido, a Comissão, pelo contrário, não ignorou os elementos apresentados pela Xinyi, mas avaliou‑os e rejeitou‑os.

76.

Resulta de todas as considerações anteriores que, em meu entender, a interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base feita pelo Tribunal Geral nos n.os 55 a 61 do acórdão recorrido enferma de vários erros de direito e que, portanto, os primeiros fundamentos de recurso invocados pela Comissão e pela GMB devem ser julgados procedentes. A conclusão anterior é suficiente para anular o acórdão recorrido. Daí decorre que será apenas a título subsidiário que analisarei, de forma sucinta, os outros fundamentos de recurso invocados pela Comissão e pela GMB.

B.   Quanto aos fundamentos relativos a erros de direito na aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base

1. Argumentos das partes

77.

Com os seus segundos fundamentos, a Comissão e a GMB sustentam que, em todo o caso, o Tribunal Geral, nos n.os 62 a 73 do acórdão recorrido, cometeu diversos erros de direito na aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base.

78.

Em primeiro lugar, segundo a Comissão, ao contrário do que o Tribunal Geral concluiu, o custo do capital de uma sociedade constitui um fator, como, por exemplo, o custo da mão de obra, que tem um efeito direto nos custos de produção, na medida em que aumenta o montante do resultado de exploração antes de amortizações (EBIDTA). Em segundo lugar, segundo a Comissão, nos n.os 70 e 71 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral pôs em dúvida o caráter «importante» da distorção. No entanto, o mesmo não respondeu a argumentos da Comissão, não forneceu uma fundamentação suficiente e cometeu erros na qualificação jurídica dos factos. Por um lado, não teve em consideração os argumentos relativos à natureza ilimitada no tempo das reduções fiscais em causa, bem como à circunstância de os direitos serem aplicados de maneira prospetiva, para um período de cinco anos prorrogável. Por outro lado, o Tribunal Geral não teve em consideração os seus argumentos relativos ao direito em matéria de auxílios de Estado. Em terceiro lugar, tanto a Comissão como a GMB censuram ao Tribunal Geral não ter respeitado a margem de apreciação de que a Comissão goza em matéria de defesa comercial e ter substituído pela sua própria a avaliação feita por essa instituição.

79.

A Xinyi responde, antes de mais, que, ao contrário do que a Comissão afirma, a questão do caráter importante das distorções não foi examinada em pormenor no regulamento controvertido e no decurso do inquérito. A Comissão entendeu, erradamente, que podia indeferir o seu pedido de concessão do TEM sem examinar nem responder aos elementos de prova e argumentos que a Xinyi apresentou e que demonstraram que as distorções não eram importantes, na medida em que as isenções fiscais em causa equivaliam apenas a 1,34 % dos seus custos totais e a 1,14 % do seu volume de negócios total. O Tribunal Geral criticou, portanto, a Comissão por não ter examinado de forma adequada os elementos de prova apresentados pela Xinyi.

80.

A Comissão, ao argumentar, perante o Tribunal Geral, que os benefícios fiscais eram importantes, contradisse a posição adotada no decurso do inquérito, no âmbito da qual não contestou a tese da Xinyi, segundo a qual essas vantagens não eram importantes, nem em valor absoluto, nem em valor relativo. Além disso, no decurso do inquérito, a Comissão reconheceu que essas vantagens eram limitadas no tempo. A Xinyi acrescenta que, no âmbito do inquérito contra as subvenções paralelo, a Comissão fixou em 0 % o benefício conferido por cada um dos dois regimes fiscais em causa, o que põe em causa também a suposta importância dos pretensos benefícios. Além disso, a fundamentação apresentada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido era suficiente. De resto, a afirmação da Comissão segundo a qual a possibilidade de uma sociedade beneficiar do TEM não pode depender dos seus resultados durante um exercício determinado era incorreta. Com efeito, em aplicação do artigo 11.o, n.o 3, do regulamento de base, a Comissão procede ao reexame do TEM dos produtores‑exportadores chineses quando dispõe de elementos de prova que justificam esse reexame. Por último, as referências ao direito da União em matéria de auxílios de Estado são irrelevantes.

2. Apreciação

81.

Como foi indicado no n.o 76, supra, analisarei apenas ad abundantiam os argumentos apresentados no âmbito dos presentes fundamentos ( 32 ).

82.

A esse respeito, em primeiro lugar, resulta dos n.os 66 e 67, bem como dos n.os 68, 69 e 72, do acórdão recorrido que, no presente processo, o Tribunal Geral — aplicando a interpretação, no meu entender errada, do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base que tinha desenvolvido anteriormente —, fundamentalmente, criticou a Comissão por esta se ter baseado, para indeferir o pedido de concessão do TEM apresentado pela Xinyi, na vantagem financeira geralmente conferida pelos regimes fiscais preferenciais em questão, sem identificar um nexo com algum dos elementos relativos ao fabrico ou venda do produto similar em causa e, mais especificamente, sem clarificar a relação entre a vantagem relativa à possibilidade de atrair capitais a taxas reduzidas, que identificou, e o fabrico ou venda do produto similar.

83.

Decorre de tal que, ao contrário do que a Xinyi sustenta, o Tribunal Geral acusou a Comissão de ter incorrido num erro metodológico na aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base e não ter realizado uma análise complementar para demonstrar que existia uma relação entre a pretensa distorção causada pelos regimes fiscais em questão e o fabrico e venda do produto similar em causa.

84.

Em segundo lugar, estou de acordo com o argumento pelo qual a Comissão alega que o capital constitui um dos fatores de produção e que, por isso, medidas que afetem o seu custo, por exemplo, oferecendo a possibilidade de aceder a financiamentos a custos mais reduzidos em virtude de regimes fiscais preferenciais baseados em medidas herdadas do antigo sistema de economia centralizada, podem, sem dúvida, dar origem a uma distorção da situação financeira que pode estar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão. Daí decorre que, na minha opinião, o raciocínio do Tribunal Geral nos n.os 68 e 69 do acórdão recorrido, além de assentar numa interpretação errada da norma pertinente, também é incorreto deste ponto de vista.

85.

Em terceiro lugar, ao contrário do que a Comissão sustenta, não considero que o Tribunal Geral, nos n.os 70 e 71 do acórdão recorrido, tenha posto em causa o caráter «importante» da distorção da situação financeira decorrente dos regimes fiscais preferenciais em questão. Esses números parecem, antes, indicar que, segundo o Tribunal Geral, a análise complementar referida no n.o 83, supra, que, em seu entender, a Comissão deveria ter realizado, era «tanto mais» necessária à luz dos elementos apresentados pela Xinyi. Esses números parecem, pois, ter caráter de reforço do raciocínio desenvolvido nos números anteriores do acórdão recorrido.

86.

Em quarto lugar, quanto ao argumento da Comissão e da GMB segundo o qual o Tribunal Geral não tinha respeitado a margem de apreciação de que goza a Comissão em matéria de defesa comercial, remeto para a análise pormenorizada da jurisprudência que realizei nas minhas muito recentes conclusões no processo Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube ( 33 ). A esse respeito, uma vez que, na análise prevista no artigo 2.o, n.o 7, do regulamento de base, atendendo à complexidade das situações económicas e políticas que deve apreciar, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação ( 34 ), a fiscalização jurisdicional nesse âmbito é limitada.

87.

No caso em apreço, os n.os 66 a 73 do acórdão recorrido revelam um grau de intervenção bastante elevado, por parte do Tribunal Geral, na análise realizada pela Comissão no que diz respeito à existência, no presente caso, de uma distorção importante da situação financeira. Na minha opinião, uma intervenção desse tipo é dificilmente conciliável com a fiscalização jurisdicional limitada estabelecida pela jurisprudência neste tipo de casos. Com efeito, enquanto nos n.os 66 a 68 do acórdão recorrido o Tribunal Geral, com base na sua interpretação — em meu entender, errada — do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base, censura à Comissão ter incorrido em erros de direito na sua análise, nos n.os 69 a 71, o Tribunal Geral vai ao ponto de avaliar o impacto dos regimes fiscais em causa na capacidade de atrair investidores, à luz do volume de negócios da empresa e do valor absoluto da vantagem decorrente desses regimes. Ao fazê‑lo, na minha opinião, o Tribunal Geral excede os limites da fiscalização jurisdicional, limitada, substituindo, pela sua própria, a avaliação da Comissão.

88.

Das considerações anteriores decorre que, em meu entender, os segundos fundamentos invocados pela Comissão e pela GMB também devem ser julgados procedentes.

C.   Quanto aos fundamentos relativos a vícios processuais

1. Argumentos das partes

89.

Com os seus terceiros fundamentos, a Comissão e a GMB acusam o Tribunal Geral de ter cometido irregularidades processuais.

90.

Antes de mais, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral decidiu ultra petita. Em seu entender, no recurso em primeira instância, a Xinyi não tinha desenvolvido nenhum dos argumentos jurídicos expostos nos n.os 55 a 61 do acórdão recorrido. Além disso, e em todo o caso, o Tribunal Geral não tinha posto a Comissão em condições de apresentar a sua posição quanto a esses argumentos fundamentais. Ao fazê‑lo, aquele tinha violado o seu direito a um processo equitativo, o qual, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, exige que as partes conheçam e possam discutir em contraditório os elementos de facto e de direito que sejam determinantes para a decisão da causa.

91.

A GMB também considera que o Tribunal Geral decidiu ultra petita, na medida em que resulta do n.o 1 do dispositivo do acórdão recorrido que o mesmo anulou o regulamento controvertido, na sua totalidade, quando a Xinyi, no seu recurso em primeira instância, tinha pedido a anulação desse regulamento apenas na parte que lhe dizia respeito.

92.

A Xinyi contesta esses argumentos. Quanto aos argumentos da Comissão, a Xinyi afirma que, na segunda parte do primeiro fundamento de recurso, alegou que a Comissão não tinha concluído que existia uma distorção «importante», uma vez que o impacto financeiro dos dois regimes fiscais preferenciais em questão era inferior a 1,5 % dos custos de produção ou do volume de negócios durante o período de inquérito. De resto, a Xinyi, no n.o 29 da sua réplica, alegou que devia ser feita referência à sua situação financeira no decurso do período de inquérito, dado que o artigo 2.o, n.o 7, alínea c), do regulamento de base se insere no cálculo do dumping e que este se refere às vendas e aos custos no período de inquérito. A Comissão teve possibilidade de responder na tréplica que deduziu em primeira instância e nas duas audiências que tiveram lugar perante o Tribunal Geral. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral apenas confirmou a abordagem proposta pela Xinyi. Quanto ao argumento da GMB, segundo a Xinyi, é evidente que o Tribunal Geral pretendeu anular o regulamento controvertido apenas no que lhe dizia respeito e que se tratava de um erro material corrigível.

2. Apreciação

93.

Em primeiro lugar, no que diz respeito ao terceiro fundamento da GMB, no âmbito do qual esta alega que o Tribunal Geral decidiu ultra petita, faço notar que, da leitura do n.o 1 do dispositivo do acórdão recorrido, em conjugação com o no n.o 74 do mesmo, resulta, de forma manifesta, que o Tribunal Geral anulou o regulamento controvertido, na sua totalidade, quando, como resulta, de forma expressa, do n.o 31 do mesmo acórdão, a Xinyi tinha pedido a anulação desse regulamento apenas na parte que lhe dizia respeito. Portanto, o Tribunal Geral decidiu ultra petita ( 35 ). Por conseguinte, em meu entender, o terceiro fundamento invocado pela GMB deve ser julgado procedente e o acórdão recorrido deve ser anulado, na medida em que anula o regulamento controvertido erga omnes, e não apenas, de forma limitada, em relação à Xinyi.

94.

Em segundo lugar, no que diz respeito à alegação da Comissão, segundo a qual o Tribunal Geral decidiu ultra petita, na medida em que procedeu a uma interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base que não tinha sido suscitada pela Xinyi em primeira instância, entendo que deve ser julgada improcedente. Com efeito, resulta da jurisprudência que, embora deva conhecer apenas dos pedidos das partes, às quais cabe delimitar o quadro do litígio, o juiz não pode estar limitado aos argumentos por estas invocados em apoio das suas pretensões, sob pena de se ver obrigado, sendo caso disso, a basear a sua decisão em considerações jurídicas erradas ( 36 ). A faculdade de proceder à interpretação da disposição que deve aplicar aos factos do caso em apreço é inerente ao papel do juiz e não é suscetível de constituir uma decisão ultra petita.

95.

Em terceiro lugar, no que diz respeito à alegação da Comissão relativa a uma violação do direito a um processo equitativo, resulta da jurisprudência que, para responder às exigências relacionadas com esse direito, é necessário que as partes tomem conhecimento e possam discutir em contraditório tanto os elementos de facto como os elementos de direito que sejam determinantes à decisão da causa ( 37 ). No presente litígio, o processo no Tribunal Geral tinha por objeto o alcance e a aplicação ao caso concreto do requisito previsto no artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, do regulamento de base. Essas questões eram objeto da segunda parte do primeiro fundamento de recurso invocado pela Xinyi e a Comissão teve oportunidade de tomar posição quanto às mesmas, no decurso tanto do primeiro como do segundo processo no Tribunal Geral ( 38 ). Daí decorre que, em meu entender, essa alegação da Comissão também deve ser julgada improcedente e que, por conseguinte, o terceiro fundamento invocado pela Comissão deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

96.

Em conclusão, resulta de todas as considerações anteriores que, em meu entender, os primeiros e segundos fundamentos de recurso invocados pela Comissão e pela GMB, bem como o terceiro fundamento invocado pela GMB, devem ser julgados procedentes e que, por conseguinte, o acórdão recorrido deve ser anulado.

VII. Quanto ao recurso perante o Tribunal Geral

97.

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o próprio Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

98.

Considero ser esse o caso no que diz respeito à segunda parte do primeiro fundamento de recurso invocado pela Xinyi perante o Tribunal Geral e resumido nos n.os 37 e 38 do acórdão recorrido. A esse respeito, observo que resulta do considerando 33 do regulamento controvertido e dos ofícios da Comissão de 22 de agosto de 2013 e de 13 de setembro de 2013, retomados nos n.os 63 a 65 do acórdão recorrido, que a Comissão indeferiu o pedido de concessão do TEM apresentado pela Xinyi, em razão dos benefícios fiscais sensíveis decorrentes do efeito combinado dos regimes fiscais preferenciais referidos no n.o 8, supra, que foram considerados suscetíveis de se repercutir na situação financeira e económica global da sociedade, podendo prosseguir o objetivo de atrair capitais a taxas reduzidas. A Comissão também considerou que a vantagem absoluta conferida durante o período de inquérito não é necessariamente um critério decisivo para avaliar a importância da distorção, uma vez que esta avaliação deve incidir sobre o impacto global da medida na situação económica e financeira da empresa.

99.

Entendo que essas considerações não enfermam de qualquer erro manifesto de apreciação. Com efeito, resulta da interpretação do artigo 2.o, n.o 7, alínea c), terceiro travessão, exposta nos n.os 56, 57, 62, 65, 68 a 70 e 73, supra, que, como foi assinalado no n.o 84, medidas como regimes fiscais preferenciais, herdadas do antigo sistema de economia centralizada, que afetam o custo do capital, por exemplo, oferecendo a possibilidade de aceder a financiamentos a custos mais reduzidos em virtude de benefícios fiscais que estes conferem, podem dar origem a distorções importantes da situação financeira da empresa, que podem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação dessa disposição.

100.

A esse respeito, recordo que, como foi salientado no n.o 72, supra, recai sobre o produtor que pretende beneficiar do TEM o ónus de provar que, apesar desses regimes fiscais preferenciais, operava em condições de economia de mercado. Para esse efeito, a Xinyi argumentou que os referidos regimes tinham um impacto financeiro de menos de 1,5 % dos custos de produção ou do volume de negócios, sem, porém, explicar por que motivo esses elementos (ou seja, os custos de produção ou o volume de negócios) devem constituir o quadro de referência da análise, nem por que motivo o exame dos efeitos da distorção causada por esses regimes fiscais deve ser limitado ao período de inquérito, quando o alcance temporal dos benefícios fiscais não o é. Além disso, a Xinyi não forneceu nenhuma informação sobre o impacto dessas medidas sobre a sua situação financeira geral, nem sobre o impacto desses benefícios fiscais sobre o seu custo de acesso ao capital. Neste contexto, em meu entender, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

101.

Pelo contrário, entendo que os restantes fundamentos de recurso, que não foram analisados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido e relativamente aos quais não se pode excluir que seja necessária uma instrução complementar, não estão em condições de ser julgados pelo Tribunal de Justiça. Nestas condições, considero que o processo deve ser remetido ao Tribunal Geral para julgamento quanto a esses restantes fundamentos de recurso.

VIII. Quanto às despesas

102.

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Como essa hipótese não se verifica no caso em apreço, a decisão sobre as despesas é reservada para final.

IX. Conclusão

103.

À luz das considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça decida do seguinte modo:

o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2019, Xinyi PV Products (Anhui) Holdings/Comissão (T‑586/14 RENV, EU:T:2019:668), é anulado;

a segunda parte do primeiro fundamento de recurso invocado pela Xiniy Xinyi PV Products (Anhui) Holdings é julgada improcedente;

o processo é remetido ao Tribunal Geral, para que decida quanto aos restantes fundamentos;

é reservada para final a decisão sobre as despesas.


( 1 ) Língua original: italiano.

( 2 ) T‑586/14 RENV, EU:T:2019:668.

( 3 ) JO 2014, L 142, p. 1.

( 4 ) JO 2009, L 343, p. 51, e retificação (JO 2010, L 7, p. 22); esse regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 21).

( 5 ) Acórdão de 16 de março de 2016, Xinyi PV Products (Anhui) Holdings/Comissão (T‑586/14, EU:T:2016:154).

( 6 ) «In particular», na versão inglesa; «notamment», na versão francesa; «insbesondere», na versão alemã; «particularmente», na versão espanhola; «nomeadamente», na versão portuguesa; e «in het bijzonder», na versão neerlandesa. Parece existir uma imprecisão na tradução italiana da disposição em questão, na medida em que, nessa versão, o termo «anche» se refere apenas ao primeiro parâmetro previsto na disposição em causa, ou seja, «a amortização dos ativos», ao passo que, nas versões linguísticas acima referidas, as expressões indicadas são colocadas antes da enumeração dos vários parâmetros aí referidos e especificam, pois, de forma inequívoca, o caráter meramente indicativo dessa enumeração. No entanto, esse caráter indicativo não é, de modo algum, contestado.

( 7 ) Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de março de 2020, os processos C‑884/19 P e C‑888/18 P foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

( 8 ) A Comissão também invoca uma violação do artigo 2.o, n.o 7, alínea b), do regulamento de base. O primeiro fundamento de recurso da GMB é dirigido apenas contra os n.os 59, 60, 61 e 68 do acórdão recorrido.

( 9 ) Acordo sobre a aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (JO 1994, L 336, p. 103).

( 10 ) Acórdão de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal (C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.o 47). Para observações mais aprofundadas quanto à introdução da disposição constante do artigo 2.o no regulamento de base, n.o 7, v. n.os 53 e segs. das Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings (C‑301/16 P, EU:C:2017:938).

( 11 ) Acórdãos Conselho/Zhejiang Xinan, n.o 66 e Comissão/Xinyi n.o 64.

( 12 ) Acórdãos Conselho/Zhejiang Xinan, n.o 67 e Comissão/Xinyi, n.o 65. No que diz respeito às razões que levaram à introdução dessas disposições, com referência específica à República Popular da China, v., também, n.os 68 e 69 e n.os 75 e 76 desses acórdãos, respetivamente.

( 13 ) Acórdãos de 2 de fevereiro de 2012, Brosmann Footwear (HK) e o./Conselho (C‑249/10 P, EU:C:2012:53, n.o 32) e Conselho/Zhejiang Xinan, n.o 70.

( 14 ) V. Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan, n.o 93.

( 15 ) V. Acórdão Comissão/Xinyi, n.o 68.

( 16 ) V. Acórdão Comissão/Xinyi, n.o 70.

( 17 ) V. Acórdão Comissão/Xinyi, n.o 70.

( 18 ) V. n.os 13 e 14, supra.

( 19 ) V. n.os 54 e 55 do acórdão recorrido.

( 20 ) V. n.os 59 e 60 do acórdão recorrido, bem como a aplicação desse princípio feita nos n.os 67 e segs. do mesmo.

( 21 ) V., respetivamente, n.os 59, primeiro período, e 61, último período, do acórdão recorrido.

( 22 ) V. Acórdão de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal (C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.os 48 e 50).

( 23 ) V., inter alia, Acórdão de 12 de outubro de 2017, Tigers (C‑156/16, EU:C:2017:754, n.o 21 e jurisprudência aí referida).

( 24 ) V., inter alia, Acórdão de 21 de março de 2019, Falck Rettungsdienste e Falck (C‑465/17, EU:C:2019:234, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

( 25 ) V. n.o 61, último período, e, também, n.o 68 do acórdão recorrido.

( 26 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings (C‑301/16 P, EU:C:2017:938, n.o 63).

( 27 ) Além disso, a esse respeito, assinalo que a referência feita por analogia, no n.o 61 do acórdão recorrido, ao n.o 82 do Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan, não parece pertinente para justificar a existência da relação direta entre os n.os 1 a 6 e o n.o 7 do artigo 2.o do regulamento de base.

( 28 ) Acórdão de 2 de fevereiro de 2012, Brosmann Footwear (HK) e o./Conselho (C‑249/10 P, EU:C:2012:53, n.o 32).

( 29 ) V. Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan, n.os 79 e 80.

( 30 ) Quanto a um caso no qual o Tribunal de Justiça considerou que a referência ao Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan não era pertinente, v. Acórdão de 11 de setembro de 2014, Gem‑Year e Jinn‑Well Auto‑Parts (Zhejiang)/Conselho (C‑602/12 P, não publicado, EU:C:2014:2203, n.o 56).

( 31 ) V. Acórdão Conselho/Zhejiang Xinan, n.os 85 a 87.

( 32 ) Além disso, o segundo fundamento de recurso da Comissão foi invocado apenas a título subsidiário, para o caso de o primeiro vir a ser julgado improcedente.

( 33 ) Conclusões de 1 de julho de 2021 (C‑891/19 P, EU:C:2021:533), n.o 29 e, por analogia, n.os 160 e segs. e jurisprudência aí referida).

( 34 ) V. Conselho/Zhejiang Xinan, n.o 86.

( 35 ) V., especificamente em matéria antidumping, Acórdão de 15 de fevereiro de 2001, Nachi Europe (C‑239/99, EU:C:2001:101, n.o 24, in fine, e jurisprudência aí referida).

( 36 ) V., mais recentemente, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 58 e jurisprudência aí referida).

( 37 ) V. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o. (C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 56).

( 38 ) V., a esse respeito, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos apensos Comissão/Siemens Österreich e o. e Siemens Transmission & Distribution e o./Comissão (C‑231/11 P – C‑233/11 P, EU:C:2013:578, n.o 116 e jurisprudência aí referida) e Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Deltafina/Comissão (C‑578/11 P, EU:C:2014:199, n.os 98 a 100). No que diz respeito aos elementos de direito, parece‑me que a jurisprudência referida na nota anterior é aplicável nos casos em que o juiz pretenda suscitar oficiosamente elementos de direito novos que tenham um alcance determinante relativamente à decisão final, como um fundamento novo suscitado oficiosamente (v. Acórdão Comissão/Irlanda aí referido) ou a qualificação, de forma oficiosa, de uma cláusula contratual como abusiva (v. Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank (C‑472/11, EU:C:2013:88, n.os 30 e 31).

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