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Document 62019CC0501

Conclusões do advogado-geral J. Richard de la Tour apresentadas em 1 de outubro de 2020.
UCMR – ADA Asociaţia pentru Drepturi de Autor a Compozitorilor contra Asociatia culturala „Suflet de Român“.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.o, n.o 1, alínea c), artigo 24.o, n.o 1, e artigo 25.o, alínea a) — Operações tributáveis — Remunerações para a comunicação ao público de obras musicais — Artigo 28.o — Organização de gestão coletiva dos direitos de autor — Cobrança dessas remunerações ao utilizador final em seu nome e por conta dos titulares de direitos de autor.
Processo C-501/19.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:766

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 1 de outubro de 2020 ( 1 )

Processo C‑501/19

UCMR‑ADA Asociaţia pentru Drepturi de Autor a Compozitorilor

contra

Pro Management Insolv IPURL, na qualidade de liquidatário da Asociaţia Culturală «Suflet de Român»

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia)]

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Operações tributáveis — Remunerações pela difusão de obras musicais ao público — Pagamento de uma licença não exclusiva pelos utilizadores das obras — Organizações de gestão coletiva dos direitos de autor que recebem estas remunerações por conta dos titulares destes direitos»

I. Introdução

1.

O pedido de decisão prejudicial tem como objeto a interpretação do artigo 24.o, n.o 1, do artigo 25.o, alínea a), e do artigo 28.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ( 2 ).

2.

Este pedido foi apresentado num litígio que opõe a Uniunea Compozitorilor și Muzicologilor din România — Asociația pentru Drepturi de Autor (União dos compositores e musicólogos da Roménia — Associação para proteção dos direitos de autor; a seguir «UCMR‑ADA») à Asociația Culturală «Suflet de Român» (associação cultural «Alma Romena»; a seguir «associação cultural»), atualmente em liquidação, a respeito do pagamento de uma parte das remunerações, acrescidas do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), devidas por esta última à UCMR‑ADA pela comunicação ao público, em especial a execução pública, de obras musicais durante um espetáculo.

3.

Assim, o Tribunal de Justiça tem a oportunidade de precisar quais são, à luz da Diretiva IVA, as obrigações dos titulares de direitos de autor sobre obras musicais e as das organizações de gestão coletiva, quando estes cobram remunerações devidas em contrapartida da concessão, por partes delas, de licenças não exclusivas de utilização das obras em causa por conta desses titulares, e estes últimos lhes pagam uma comissão pela gestão coletiva das suas remunerações.

4.

A análise das operações assim efetuadas com esta intervenção, frequente na prática, de uma organização de gestão coletiva que não é titular nem transfere ela própria os direitos de autor e não é beneficiária das remunerações recebidas, levar‑me‑á a propor ao Tribunal de Justiça que considere que os titulares dos direitos de autor efetuam uma prestação de serviços na aceção da Diretiva IVA e que precise as consequências que cada um dos sujeitos passivos deve tirar, consoante a organização de gestão coletiva aja em seu nome ou em nome destes titulares.

II. Quadro jurídico

A.   Diretiva IVA

5.

O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA dispõe:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

[…]

c)

As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.»

6.

O artigo 24.o, n.o 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Entende‑se por “prestação de serviços” qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.»

7.

Nos termos do artigo 25.o, alínea a), da referida diretiva:

«Uma prestação de serviços pode consistir, designadamente, numa das seguintes operações:

a)

A cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título.»

8.

O artigo 28.o da Diretiva IVA prevê:

«Quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo em seu nome mas por conta de outrem, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.»

B.   Direito romeno

1. Código Tributário

9.

O artigo 126.o, n.o 1, alínea a), da legea nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Lei n.o 571/2003 que Aprova o Código Tributário) ( 3 ), de 22 de dezembro de 2003, na versão aplicável ao litígio do processo principal, dispõe:

«Para efeitos do IVA, estão sujeitas a imposto na Roménia as operações que preencham as condições cumulativas seguintes:

a)

as operações efetuadas a título oneroso que, na aceção dos artigos 128.o a 130.o, constituam ou sejam equiparadas a uma entrega de bens ou a uma prestação de serviços sujeitas a IVA.»

10.

O artigo 129.o do Código Tributário, intitulado «Prestação de serviços», prevê:

«1.   Considera‑se prestação de serviços qualquer operação que não constitua uma entrega de bens, tal como definida no artigo 128.o

2.   Quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo no seu nome, mas por conta de outrem, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.

3.   As prestações de serviços incluem operações como:

[…]

b)

a cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título, nomeadamente: a transferência e/ou a cessão de direitos de autor, patentes, licenças, marcas e outros direitos semelhantes;

[…]

e)

serviços de intermediação efetuados por pessoas que agem em nome e por conta de terceiros, quando intervêm em entregas de bens ou prestações de serviços.

[…]»

2. Lei sobre os Direitos de Autor

11.

O artigo 13.o, alínea f), da legea nr. 8/1996 privind dreptul de autor și drepturile conexe (Lei n.o 8/1996 sobre os Direitos de Autor e Direitos Conexos) ( 4 ), de 14 de março de 1996, na versão aplicável ao litígio do processo principal, dispõe:

«A utilização de uma obra gera, para o autor, direitos patrimoniais distintos e exclusivos que lhe permitem autorizar ou proibir:

[…]

f)

a comunicação direta ou indireta da obra ao público por qualquer meio, incluindo a respetiva disponibilização ao público de modo tal que este possa aceder à obra a partir do lugar ou no momento que escolha individualmente.»

12.

O título III desta lei intitula‑se «Gestão e defesa dos direitos de autor e dos direitos conexos». O seu capítulo I, relativo à «[g]estão dos direitos patrimoniais de autor e dos direitos conexos», contém três Secções. Os artigos 123.o a 123.o4 estão incluídos na secção I, intitulada «Disposições gerais».

13.

O artigo 123.o, n.os 1 e 3, da referida lei, prevê:

«1.   Os titulares dos direitos de autor e dos direitos conexos podem exercer os direitos que lhes reconhece a presente lei, pessoalmente ou, com base num mandato, por intermédio de organizações de gestão coletiva, nas condições previstas pela presente lei.

[…]

3.   Os titulares dos direitos de autor e dos direitos conexos não podem ceder os direitos patrimoniais reconhecidos pela presente lei a organizações de gestão coletiva.»

14.

Nos termos do artigo 123.o1 da Lei sobre os Direitos de Autor:

«1.   A gestão coletiva é obrigatória para o exercício dos seguintes direitos:

[…]

e)

O direito de comunicar obras musicais ao público […]

[…]

2.   No que respeita às categorias de direitos visados no n.o 1, as organizações de gestão coletiva representam igualmente os titulares de direitos que não lhes conferiram mandato.»

15.

O artigo 125.o, n.o 2, desta lei, incluído na secção II, intitulada «Organizações de gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos», dispõe:

«[A]s organizações [de gestão coletiva] são criadas diretamente pelos titulares dos direitos de autor e direitos conexos, pessoas singulares ou coletivas e agem nos limites do mandato que lhes tenha sido conferido e com base no estatuto adotado em conformidade com o procedimento previsto por lei.»

16.

O artigo 129.o1 da referida lei tem a seguinte redação:

«Em caso de gestão coletiva é obrigatória, quando um titular [de direitos de autor] não estiver inscrito em nenhuma organização, é competente a organização do setor que tenha o maior número de membros. Os titulares de direitos não representados podem reclamar os montantes que lhes são devidos no prazo de três anos a contar da data da notificação. Após o termo desse prazo, os montantes não distribuídos ou não reclamados são utilizados em conformidade com a decisão da assembleia geral, deduzidas as despesas de gestão.»

17.

No título III, capítulo I, da Lei sobre os Direitos de Autor, a secção III, intitulada «Funcionamento das organizações de gestão coletiva», contém os artigos 130.o a 135.o

18.

O artigo 130.o, n.o 1, desta lei prevê:

«As organizações de gestão coletiva têm o dever de:

a)

conceder autorizações não exclusivas aos utilizadores que as solicitem antes de qualquer utilização do reportório protegido, em contrapartida de uma remuneração, mediante uma licença não exclusiva, sob forma escrita;

b)

elaborar metodologias para os respetivos domínios de atividade, incluindo os direitos patrimoniais adequados, que devem ser negociados com os utilizadores para efeitos do pagamento dos referidos direitos, no caso de obras cujo modo de exploração torne impossível a concessão de uma autorização individual pelos titulares de direitos;

c)

celebrar, em nome dos titulares de direitos que lhes tenham conferido mandato, ou por força de convenções celebradas com as organizações estrangeiras correspondentes no estrangeiro, contratos gerais com os organizadores de espetáculos […];

[…]

e)

cobrar os montantes devidos pelos utilizadores e reparti‑los entre os titulares de direitos […];

[…]»

19.

O artigo 131.o1, n.o 1, da referida lei, que completa as disposições do artigo 130.o, n.o 1, alínea b), dispõe:

«A metodologia é negociada pelas organizações de gestão coletiva com os representantes previstos no artigo 131.o, n.o 2, alínea b), tendo em conta os seguintes critérios principais:

a)

a categoria dos titulares de direitos, membros ou não membros, bem como o domínio em que a negociação é realizada;

[…]»

20.

Nos termos do artigo 134.o da Lei sobre os Direitos de Autor:

«1.   O exercício da gestão coletiva prevista pelo mandato não limita de modo nenhum os direitos patrimoniais dos titulares.

2.   A gestão coletiva é exercida em conformidade com as regras seguintes:

a)

as decisões relativas aos métodos e às regras de cobrança das remunerações e dos outros montantes aos utilizadores e à repartição destes montantes entre os titulares de direitos, bem como as relativas a outros aspetos mais importantes da gestão coletiva devem ser estabelecidas pelos membros no na assembleia geral, em conformidade com o estatuto;

b)

A comissão devida pelos titulares de direitos que são membros de uma organização de gestão coletiva para cobrir as despesas de funcionamento desta última […] e a comissão devida à organização de gestão coletiva que é a única cobradora […] não podem representar em conjunto mais de 15% dos montantes recebidos anualmente;

c)

salvo em caso de decisão expressa da assembleia geral, os montantes cobrados por uma organização de gestão coletiva não podem ser utilizados para fins comuns diferentes da assunção dos custos efetivos relacionados com a cobrança dos montantes devidos e a sua repartição entre os membros; a assembleia geral pode decidir que um máximo de 15 % dos montantes cobrados podem ser utilizados para fins comuns e unicamente nos limites do domínio de atividade;

d)

os montantes cobrados por uma organização de gestão coletiva são repartidos individualmente entre os titulares dos direitos proporcionalmente à utilização do reportório de cada um, o mais tardar seis meses após a data da cobrança; os titulares de direitos podem reclamar o pagamento dos montantes cobrados a título nominal ou cuja repartição não necessite da apresentação de documentos específicos no prazo de 30 dias a contar da data da cobrança;

e)

a comissão devida pelos titulares de direitos é deduzida dos montantes devidos a cada um deles após o cálculo da repartição individual;

[…]

3.   As remunerações pagas às organizações de gestão coletiva não são e não podem ser equiparadas a receitas das mesmas.»

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

21.

A UCMR‑ADA é uma organização de gestão coletiva dos direitos patrimoniais de autor sobre obras musicais. Foi designada pelo Oficiul Român pentru Drepturile de Autor (Serviço romeno dos direitos de autor) como único cobrador dos direitos patrimoniais de autor sobre a comunicação ao público dessas obras em concertos, espetáculos, ou ainda eventos artísticos.

22.

Em 16 de novembro de 2012, a associação cultural organizou um espetáculo durante o qual foram interpretadas obras musicais. Para o efeito, a referida associação obteve da UCMR‑ADA uma licença não exclusiva de utilização dessas obras, mediante o pagamento de remunerações pela comunicação ao público das mesmas.

23.

Na sequência da recusa da associação cultural em pagar integralmente as remunerações reclamadas pela UCMR‑ADA, o Tribunalul București (Tribunal de Primeira Instância de Bucareste, Roménia) e a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia) consideraram procedente o pedido da UCMR‑ADA. No entanto, o órgão jurisdicional de recurso declarou que a operação de cobrança das remunerações pela UCMR‑ADA pela comunicação ao público de obras musicais não estava sujeita a IVA e, por conseguinte, deduziu do montante das restantes remunerações devidas pela associação o montante do IVA.

24.

Na Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia), órgão jurisdicional de reenvio, a UCMR‑ADA sustenta, nomeadamente, que, com a sua decisão, o órgão jurisdicional de reenvio violou o Código Tributário ao excluir a aplicação do IVA sobre as remunerações devidas pela associação cultural como utilizadora das obras musicais em questão. A UCMR‑ADA alega que foi violado o princípio da neutralidade do IVA, uma vez que essa decisão do órgão jurisdicional de recurso implica que seja ela a suportar o encargo do IVA embora não seja o utilizador final dessas obras.

25.

A primeira questão que se coloca o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se à qualificação da operação pela qual os titulares de direitos de autor sobre obras musicais autorizam a utilização dessas obras pelos organizadores de espetáculos, à luz do Acórdão de 18 de janeiro de 2017, SAWP ( 5 ). Esta operação constitui uma «prestação de serviços a título oneroso» e, mais precisamente uma «cessão de um bem incorpóreo», na aceção do artigo 25.o, alínea a), da Diretiva IVA?

26.

No caso de resposta afirmativa do Tribunal de Justiça a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, referindo‑se ao Acórdão de 14 de julho de 2011, Henfling e o. ( 6 ), sobre se a organização de gestão coletiva, que recebe as remunerações dos utilizadores das obras musicais, efetua ela própria uma prestação de serviços na aceção do artigo 28.o da Diretiva IVA, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, cria uma ficção de duas prestações de serviços idênticas fornecidas consecutivamente, quando essa organização pode representar titulares de direitos de autor sem mandato e gere esses direitos segundo obrigações legais. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais as consequências que daí devem ser tiradas quanto ao valor tributável para efeitos de IVA e à sua faturação, tanto pela organização de gestão coletiva como pelos autores, no momento da cobrança das remunerações.

27.

Nestas circunstâncias, o Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os titulares de direitos sobre obras musicais efetuam uma prestação de serviços, na aceção do artigo 24.o, n.o 1, e do artigo 25.o, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA), a favor dos organizadores de espetáculos, dos quais as [organizações] de gestão coletiva, com base numa autorização — licença não exclusiva —, recebem em nome próprio mas por conta desses titulares uma remuneração pela comunicação de obras musicais ao público?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, as [organizações] de gestão coletiva, quando recebem dos organizadores de espetáculos remunerações pelo direito de comunicação de obras musicais ao público, atuam na qualidade de sujeitos passivos na aceção do artigo 28.o da Diretiva IVA e são obrigadas a emitir faturas que incluam IVA a cargo dos referidos organizadores de espetáculos? E, quando as remunerações são distribuídas, os autores e os restantes titulares de direitos de autor sobre obras musicais devem, por sua vez, emitir faturas que incluam IVA a cargo da [organização] de gestão coletiva?»

28.

Apresentaram observações escritas a UCMR‑ADA, os Governos romeno e polaco, bem como a Comissão Europeia, os quais também responderam no prazo fixado às questões para resposta escrita colocadas pelo Tribunal de Justiça, que decidiu pronunciar‑se sobre o processo sem realização de audiência de alegações.

IV. Análise

29.

O litígio no processo principal tem como objeto a aplicação do IVA a relações jurídicas relativas à comunicação de obras musicais ao público por intermédio de uma organização de gestão coletiva dos direitos de autor sobre estas obras.

30.

Esta questão tem uma acuidade especial, uma vez que o sistema de gestão dos direitos de autor e dos direitos conexos por conta de vários titulares destes direitos e em benefício coletivo de tais titulares é muito antigo e vigora em todos os Estados‑Membros. É apresentado como o meio mais adequado tanto para os autores para administrar os seus direitos, entre os quais o da exploração das suas obras mediante remuneração, como para os utilizadores, a fim de facilitar o seu acesso às obras ( 7 ).

31.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a qualificação dessa operação como «prestação de serviços» na qual participa um comissário nos termos do artigo 28.o da Diretiva IVA.

32.

Por conseguinte, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio conduzem, na minha opinião, a ter de enunciar, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, as condições da qualificação como «prestação de serviços» de uma operação compreendida no exercício de um dos direitos protegidos de que os autores são titulares, a saber, o direito a remuneração, como previstas no artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA e precisadas no seu artigo 25.o, alínea a) ( 8 ), bem como as relativas à qualificação de uma operação de intermediação em matéria de bens incorpóreos.

33.

Por outro lado, devem ser precisadas as consequências a tirar daí quanto à determinação do valor tributável para efeitos de IVA e à faturação, em conformidade com o artigo 220.o, n.o 1, da Diretiva IVA ( 9 ).

A.   Quanto à primeira questão prejudicial

34.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 25.o, alínea a), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que os titulares dos direitos de autor de obras musicais efetuam uma prestação de serviços a favor dos organizadores de espetáculos autorizados a comunicar essas obras ao público mediante o pagamento de remunerações recebidas por organizações de gestão coletiva em nome próprio e por conta desses titulares de direitos.

35.

As dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio resultam das suas interrogações quanto ao alcance do Acórdão SAWP, em virtude dos critérios que o Tribunal de Justiça adotou para decidir que os titulares de direitos de reprodução por conta dos quais as sociedades de gestão coletiva dos direitos de autor e dos direitos conexos tinham cobrado, em nome próprio, remunerações sobre a venda de suportes virgens e aparelhos de gravação e de reprodução não realizavam prestações de serviços na aceção da Diretiva IVA ( 10 ).

36.

Embora esta comparação com o Acórdão SAWP me pareça oportuna tendo em conta a análise feita pelo Tribunal de Justiça de uma questão relativa à tributação em sede de IVA de uma operação relativa à exploração de direitos de autor protegidos, geridos por uma organização de gestão coletiva e em virtude do raciocínio jurídico seguido, considero que o alcance da solução acolhida pelo Tribunal de Justiça se deve limitar às circunstâncias específicas do processo que deu origem a esse acórdão, no qual estabeleceu dois critérios.

37.

Com efeito, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se, tendo em conta, por um lado, que a taxa em causa era imposta por lei, que determinava o respetivo montante, a produtores e importadores de suportes e aparelhos de gravação e reprodução ( 11 ) e, por outro, que essa taxa visava financiar a compensação equitativa do prejuízo causado pelo desrespeito dos direitos de reprodução aos respetivos titulares ( 12 ). Ora, segundo o Tribunal de Justiça, «a compensação equitativa não constitui o contravalor direto de uma qualquer prestação, pois está ligada ao prejuízo resultante para aqueles titulares da reprodução de obras protegidas efetuada sem a sua autorização» ( 13 ).

38.

Por conseguinte, no caso em apreço, é essencial sublinhar que a análise se refere à remuneração dos autores pela comunicação das suas obras ao público e não a uma compensação equitativa do prejuízo que pudesse resultar da difusão das suas obras. Por isso, embora a fixação e a cobrança dessa remuneração sejam reguladas pela lei, o seu regime, do ponto de vista económico, que apreciarei mais adiante ( 14 ), não pode ser equiparado ao que o Tribunal de Justiça analisou no Acórdão SAWP.

39.

Nestas circunstâncias, proponho ao Tribunal de Justiça que apenas tenha em consideração nesse acórdão o método de análise das diferentes operações efetuadas entre os titulares de direitos de autor e os utilizadores finais por intermédio de uma sociedade encarregada de cobrar e distribuir as remunerações devidas aos autores.

40.

Assim, no que respeita ao conceito de «prestação de serviços», pode recordar‑se, em primeiro lugar, a título preliminar, que, no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva IVA, esse conceito apenas é definido por oposição ao de «entrega de bens» ( 15 ).

41.

Em segundo lugar, como o Tribunal de Justiça precisou no Acórdão SAWP, antes da questão de saber se uma prestação de serviços pode consistir numa cessão de bens incorpóreos, há que apreciar se essa operação é efetuada a título oneroso. Com efeito, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, para ser abrangida por esta, a prestação de serviços deve ser efetuada a título oneroso ( 16 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça afirmou que decorre de jurisprudência constante que uma prestação de serviços só é efetuada a título oneroso, no sentido da Diretiva IVA, se existir entre o prestador de serviços e o beneficiário uma relação jurídica no decurso da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição do prestador de serviços o contravalor efetivo do serviço prestado ao beneficiário ( 17 ). O Tribunal de Justiça declarou que esse é o caso se existir um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efetiva de um serviço individualizável prestado no âmbito dessa relação jurídica ( 18 ).

42.

Em terceiro lugar, «[o] artigo 25.o da Diretiva IVA enumera, a título exemplificativo, três diferentes operações qualificáveis como prestações de serviços, consistindo a da alínea a) numa cessão de um bem incorpóreo» ( 19 ).

43.

No caso em apreço, é pacífico que a operação em causa no processo principal não constitui uma entrega de bens na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

44.

No que respeita à relação jurídica existente entre o titular de direitos de autor e o utilizador final, parece‑me que resulta da legislação romena que este titular de direitos de autor pode ser qualificado de «prestador de serviços», apesar da intervenção de um intermediário, e que o referido titular de direitos de autor recebe uma remuneração na aceção da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça ( 20 ). Por conseguinte, pode deduzir‑se daí que existem prestações recíprocas entre o titular dos direitos de autor que disponibiliza a sua obra ao utilizador e este último, que paga uma remuneração para poder comunicá‑la ao público.

45.

Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisou que os titulares de direitos de autor não podem ceder os seus direitos patrimoniais às organizações encarregadas, por conta dos referidos titulares, da gestão coletiva e obrigatória do exercício do direito de comunicação ao público das obras musicais. O órgão jurisdicional de reenvio acrescentou que, antes de qualquer utilização do reportório das obras musicais protegido, os utilizadores devem solicitar por escrito, em troca de uma remuneração, uma autorização ( 21 ), licença não exclusiva.

46.

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio expôs que os direitos patrimoniais são devidos aos titulares de direitos de autor segundo «metodologias» negociadas com os utilizadores ( 22 ), pela organização encarregada da gestão coletiva dos seus direitos ( 23 ) e são objeto de uma cobrança e de uma distribuição das remunerações entre os titulares de direitos, em conformidade com as decisões tomadas pelos membros da organização de gestão coletiva ( 24 ). Apesar de estas decisões estarem reguladas pela lei, as remunerações cobradas estão relacionadas com o serviço prestado, sob a forma de montante fixo ou de percentagem, como precisaram o Governo romeno e a Comissão nas observações escritas que apresentaram no Tribunal de Justiça ( 25 ).

47.

No meu entender, resulta do exposto que o titular de direitos de autor recebe uma contrapartida efetiva pela autorização de comunicar a sua obra ao público que dá a um utilizador final que a tenha solicitado, independentemente do facto de a organização de gestão coletiva intervir por conta de um autor que não faz parte dos seus membros.

48.

Considero também que a gestão coletiva da remuneração e a sua qualificação como obrigação legal não são suscetíveis de pôr em causa que o autor recebe uma remuneração correspondente à utilização da sua obra, consentida por ele.

49.

Quanto à questão de saber se a operação em causa no processo principal pode ser qualificada como «cessão de um bem incorpóreo» na aceção do artigo 25.o, alínea a), da Diretiva IVA, há que observar que, embora a mesma questão tivesse sido suscitada no processo que deu origem ao Acórdão SAWP, o Tribunal de Justiça decidiu que não era necessário apreciá‑la, uma vez que a operação em causa nesse processo não era efetuada a título oneroso na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), dessa diretiva ( 26 ).

50.

Contudo, o Tribunal de Justiça salientou que o artigo 25.o da Diretiva IVA enumera, a título indicativo, três diferentes operações qualificáveis como prestações de serviços, consistindo a da alínea a) numa cessão de um bem incorpóreo ( 27 ).

51.

Por conseguinte, poderia considerar‑se que, em matéria de tributação em IVA, a qualificação da prestação de serviços à luz do artigo 25.o da Diretiva IVA é acessória relativamente à que é exigida pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea c).

52.

Todavia, dado que o Tribunal de Justiça acrescentou no n.o 32 do Acórdão SAWP, o inciso «mesmo admitindo que os titulares dos direitos de reprodução possam proceder à cessão de um bem incorpóreo, no sentido do artigo 25.o, alínea a), da Diretiva IVA», entendo que é oportuno dissipar qualquer dúvida sobre a interpretação dessa disposição e precisar, no que respeita à operação em causa no processo principal, que a mesma tem como objeto a tributação de uma prestação de serviços que consiste numa «cessão de um bem incorpóreo», na aceção do artigo 25.o, alínea a), da Diretiva IVA.

53.

Em primeiro lugar, pode fazer‑se uma comparação com o artigo 59.o, alínea a), da Diretiva IVA ( 28 ), que visa, nomeadamente, as «[c]essões e concessões de direitos de autor» na categoria das prestações de serviços para definir o lugar das operações tributáveis.

54.

Em segundo lugar, poder‑se‑ia argumentar que, no Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Comissão/Áustria ( 29 ), o Tribunal de Justiça, fez uma distinção, para efeitos de tributação em IVA, entre, por um lado, as retribuições relativas aos direitos de utilização e de exploração sucessivas de obras diferentes das obras de arte gráficas e plásticas e, por outro, a remuneração devida a título do direito de sequência ( 30 ).

55.

Para o efeito, o Tribunal de Justiça considerou que a retribuição relativa aos direitos de utilização e de exploração sucessivas de obras diferentes das obras de arte gráficas e plásticas está sujeita a IVA porque essa retribuição devida aos seus autores remunera uma prestação efetuada a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva IVA, que consiste na reiterada colocação à disposição dessas obras ( 31 ).

56.

Assim, o Tribunal de Justiça analisou o direito de exploração de uma criação intelectual como um direito exclusivo de natureza patrimonial que pode ser objeto de transmissão repetida. Por consequência, partilho do entendimento do Governo polaco segundo o qual o conceito de «cessão de um bem incorpóreo» abrange as transações em matéria de propriedade intelectual que confere o direito de utilizar um bem incorpóreo, como, por exemplo, as relativas à concessão de licenças.

57.

Todos estes elementos me levam a propor ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial que o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 25.o, alínea a), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que os titulares de direitos de autor de obras musicais efetuam prestações de serviços que consistem na cessão de um bem incorpóreo a um utilizador final, no caso vertente a organizadores de espetáculos autorizados a comunicar essas obras ao público, embora a remuneração que constitui a contrapartida dessa autorização seja recebida, em nome próprio, por uma organização de gestão coletiva.

58.

Face à resposta à primeira questão, há que analisar a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio.

B.   Quanto à segunda questão prejudicial

59.

A segunda questão visa qualificar, para efeitos da tributação em IVA, as relações jurídicas existentes entre a UCMR‑ADA e, por um lado, os utilizadores dos direitos de comunicação de obras musicais ao público, e, por outro, os titulares desses direitos cujas prestações são efetuadas por seu intermédio.

60.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a interpretação do artigo 28.o da Diretiva IVA, tendo em conta os critérios definidos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência, bem como sobre as consequências que dela devem ser tiradas em matéria de faturação em razão das características do serviço prestado pela organização de gestão coletiva em causa, a saber, por um lado, a cobrança de remunerações para os autores, alguns dos quais não lhe conferiram um mandato geral de gestão coletiva dos seus direitos, e, por outro, as obrigações previstas na lei para o exercício dessa gestão.

61.

A aplicação das regras especiais às prestações de serviços efetuadas por um comissário que intervém numa prestação de serviços, enunciadas no artigo 28.o da Diretiva IVA, exige que este comissário seja sujeito passivo do IVA e aja em nome próprio, mas por conta de outrem ( 32 ).

62.

Por outro lado, cabe sublinhar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, «esta disposição cria a ficção jurídica de duas prestações de serviços idênticas fornecidas consecutivamente» ( 33 ).

63.

No que respeita à qualidade de sujeito passivo, considero que se pode constatar, a exemplo do que o Tribunal de Justiça decidiu no Acórdão de 4 de maio de 2017, Comissão/Luxemburgo ( 34 ), que a organização de gestão coletiva é um verdadeiro sujeito passivo, distinto daqueles por conta dos quais age, a saber, os autores, que são igualmente sujeitos passivos. Por conseguinte, as operações entre a organização de gestão coletiva e estes autores devem ser consideradas operações entre sujeitos passivos abrangidos pelo âmbito de aplicação do IVA ( 35 ).

64.

No que respeita ao papel exercido pela UCMR‑ADA, observo, em primeiro lugar, que é precisado na primeira questão prejudicial que «as organizações de gestão coletiva recebem em nome próprio, mas por conta [dos] titulares [de direitos sobre obras musicais] uma remuneração pela comunicação [dessas] obras ao público» ( 36 ).

65.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio expôs no seu pedido de decisão prejudicial que «no caso de os direitos patrimoniais serem devidos aos titulares em conformidade com as metodologias negociadas pela organização de gestão coletiva com os utilizadores, a autorização não exclusiva concedida a um utilizador pela organização de gestão coletiva incluirá os montantes que a pessoa coletiva receba em nome próprio mas por conta dos titulares dos direitos patrimoniais» ( 37 ).

66.

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio sublinhou que o autor de obras musicais detém o direito patrimonial de autorizar ou proibir a comunicação das obras ao público, de forma direta ou indireta, direito que não pode ser objeto de cessão à organização de gestão coletiva.

67.

Por conseguinte, como o Tribunal de Justiça decidiu no Acórdão Henfling e o. ( 38 ), embora incumba ao órgão jurisdicional de reenvio analisar nomeadamente qual a natureza das obrigações contratuais do operador económico em causa em relação aos seus clientes, não é menos verdade que o bom funcionamento do sistema comum do IVA exige ao órgão jurisdicional de reenvio uma verificação concreta, suscetível de demonstrar se, à luz de todos os dados do caso em apreço, o referido operador agia efetivamente em nome próprio, no momento da sua prestação de serviços ( 39 ).

68.

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio deveria, portanto, verificar as condições precisas em que a organização de gestão coletiva agiu, quer fosse ou não para um dos seus membros, uma vez que essa distinção não resulta da lei que prevê a sua intermediação. A este respeito, deduzo das respostas escritas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça que não se deve fazer confusão entre o mandato na aceção do direito civil e o mandato conferido por certos autores na aceção da Lei sobre os Direitos de Autor ( 40 ). Embora este último confira a qualidade de membro da organização de gestão coletiva, não produz efeitos sobre a relação entre a organização de gestão coletiva e o utilizador final para a cobrança das remunerações devidas aos titulares de direitos de autor como contrapartida da utilização das suas obras musicais para serem comunicadas ao público.

69.

É por isso que, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, poderiam ser‑lhe dadas indicações recolhidas das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe ( 41 ) à luz de diferentes critérios, entre os quais os enumerados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Henfling e o. ( 42 ).

70.

Assim, poderiam ser tidas em consideração a indicação do nome da organização de gestão coletiva nos documentos entregues aos utilizadores no momento da emissão da licença para a comunicação das obras ao público, bem como a aceitação por estes, segundo as condições de utilização da licença, do regulamento da organização de gestão coletiva.

71.

Pela minha parte, considero que os elementos de informação comunicados ao Tribunal de Justiça vêm confirmar que, no ato de cobrança aos utilizadores de obras musicais das remunerações devidas aos titulares de direitos de autor como contrapartida das licenças que lhes são concedidas, a UCMR‑ADA não age na qualidade de mandatária dos titulares dos direitos de autor, sejam membros ou não dessas organizações de gestão coletiva, mas em nome próprio e por conta desses titulares.

72.

Uma vez que me parecem reunidas as condições de aplicação do artigo 28.o da Diretiva IVA, há que precisar as consequências a tirar desse facto, tomando como referência os princípios recordados pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente no Acórdão de 4 de maio de 2017, Comissão/Luxemburgo ( 43 ).

73.

Assim, por um lado, o Tribunal de Justiça decidiu que, em virtude da ficção jurídica de duas prestações de serviços idênticas fornecidas consecutivamente, criada pelo artigo 28.o da Diretiva IVA, «considera‑se que o operador que intervém na prestação de serviços e é o comissário, recebeu, num primeiro tempo, os serviços em causa do operador por conta do qual atua, que é o comitente, antes de, num segundo momento, prestar pessoalmente esses serviços ao cliente» ( 44 ). Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou que, «[u]ma vez que o artigo 28.o da Diretiva [IVA] está incluído no seu título IV, com a epígrafe “Operações tributáveis”, as duas prestações de serviços em causa relevam do campo de aplicação do IVA. Daqui resulta que, se a prestação de serviços em que um operador intervém for sujeita a IVA, a relação jurídica desse operador com o operador por conta do qual ele age é igualmente sujeita a IVA» ( 45 ).

74.

A título de exemplo, pode precisar‑se que, no caso de uma «relação entre uma empresa que exerce uma atividade de corretor de apostas e um operador económico que intervém na recolha de apostas em nome próprio, mas por conta da referida empresa» ( 46 ), o Tribunal de Justiça decidiu que «o vínculo jurídico não nasce diretamente entre o apostador e a empresa por conta da qual o operador age, mas entre esse operador e o apostador, por um lado, e esse operador e a referida empresa, por outro» ( 47 ). Apesar disso, para efeitos de IVA, os papéis dos prestadores de serviços e de pagador são ficticiamente invertidos ( 48 ).

75.

No que respeita às consequências concretas de tal interpretação, sobre as quais o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, partilho das opiniões convergentes comunicadas ao Tribunal de Justiça pelas partes interessadas, segundo as quais a organização de gestão coletiva cobra ao utilizador final montantes correspondentes à remuneração devida ao autor em causa e à sua comissão ( 49 ), IVA incluído. Uma vez que esta organização age em nome próprio, o seu valor tributável em IVA é, no meu entender, em conformidade com o princípio geral enunciado no artigo 73.o da Diretiva IVA, a totalidade dos montantes cobrados ao utilizador final como contrapartida da cessão de direitos de autor ( 50 ), sem o IVA. Tal como precisam os Governos romeno e polaco, para cobrar a remuneração devida pela utilização das obras musicais, a organização de gestão coletiva deve emitir uma fatura em seu nome a cargo do organizador de espetáculos.

76.

Quanto ao autor, que apenas recebeu da organização de gestão coletiva o montante pago pelo utilizador final correspondente à remuneração, após dedução da comissão devida a essa organização, IVA incluído, tal autor é, na minha opinião, tributado sobre esse valor sem o IVA. Na prática, como expõem os Governos romeno e polaco, bem como a Comissão nas respetivas observações escritas, isso deveria traduzir‑se na emissão de uma fatura pelo autor a cargo da organização de gestão coletiva que inclua a remuneração que recebeu ( 51 ) e o IVA a que a mesma está sujeita.

77.

Com efeito, esta parte do IVA deve ser dedutível do valor tributável da organização de gestão coletiva, em conformidade com o artigo 168.o da Diretiva IVA. Assim, esta organização só terá de pagar o montante correspondente à parte do IVA devida pelo autor sobre a sua comissão.

78.

No entanto, considero que esta comissão não deveria ser objeto de faturação pela organização de gestão coletiva ao autor, na medida em que não é tributável enquanto tal, em virtude da ficção criada pelo artigo 28.o da Diretiva IVA.

79.

Nestas circunstâncias, o princípio da neutralidade fiscal, essencial em matéria de IVA, parece‑me plenamente respeitado, uma vez que este imposto é suportado pelo utilizador final ( 52 ), que o pagou à organização de gestão coletiva sobre toda a operação, e o IVA é repercutido respetivamente por essa organização e pelo autor.

80.

No caso contrário, ou seja, na hipótese de a organização de gestão coletiva agir em nome dos titulares dos direitos de autor, essa organização só pagaria o IVA sobre o montante recebido como contrapartida da operação de intermediação.

81.

Com efeito, nesse caso, trata‑se de uma operação tributável como qualquer prestação de serviços, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA. O titular dos direitos de autor deveria então pagar o IVA cobrado pela organização de gestão coletiva a um utilizador final. O referido titular deduziria o IVA devido a essa organização pela operação de intermediação que esta lhe teria faturado.

82.

Tendo em consideração todos estes elementos, parece‑me que se pode responder ao órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 28.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que uma organização de gestão coletiva intervém em nome próprio, mas por conta de titulares de direitos de autor de obras musicais, na cobrança das remunerações que lhes são devidas como contrapartida da autorização para explorar as suas obras na comunicação ao público, deve considerar‑se que estes titulares prestam este serviço à organização de gestão coletiva e que esta organização presta o mesmo serviço ao utilizador final. Neste caso, a organização de gestão coletiva emite as faturas em seu nome a cargo do utilizador final, nas quais figura a totalidade dos montantes pagos por este último, IVA incluído. Os titulares de direitos de autor deveriam emitir faturas que incluam o IVA pela prestação efetuada a título de remuneração a cargo da organização de gestão coletiva para efeitos da dedução desse imposto.

V. Conclusão

83.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia) do modo seguinte:

1)

O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 25.o, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que os titulares de direitos de autor de obras musicais efetuam prestações de serviços que consistem na cessão de um bem incorpóreo a um utilizador final, no caso vertente a organizadores de espetáculos autorizados a comunicar essas obras ao público, embora a remuneração que constitui a contrapartida dessa autorização seja recebida, em nome próprio, por uma organização de gestão coletiva.

2)

O artigo 28.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que uma organização de gestão coletiva intervém em seu próprio nome, mas por conta de titulares de direitos de autor de obras musicais, na cobrança das remunerações que lhes são devidas como contrapartida da autorização para explorar as suas obras na comunicação ao público, deve considerar‑se que estes titulares prestam este serviço à organização de gestão coletiva e esta presta o mesmo serviço ao utilizador final. Neste caso, a organização de gestão coletiva emite as faturas em seu nome a cargo do utilizador final, nas quais figura a totalidade dos montantes pagos por este último, IVA incluído. Os titulares de direitos de autor deveriam emitir faturas que incluam o IVA pela prestação efetuada a título de remuneração a cargo da organização de gestão coletiva, para efeitos da dedução desse imposto.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA».

( 3 ) M. Of., parte I, n.o 927/23, dezembro de 2003; a seguir «Código Tributário».

( 4 ) M. Of., parte I, n.o 60/26 de março de 1996; a seguir «Lei sobre os Direitos de Autor».

( 5 ) C‑37/16, a seguir «Acórdão SAWP, EU:C:2017:22.

( 6 ) C‑464/10, a seguir «Acórdão Henfling e o., EU:C:2011:489, n.o 35, relativo à Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1), especialmente ao seu artigo 6.o, n.o 4, cuja redação corresponde à do artigo 28.o da Diretiva IVA.

( 7 ) A este respeito cabe salientar que o interesse por este sistema foi reforçado pelo desenvolvimento de novos meios de difusão de obras musicais cujo âmbito superava amplamente as capacidades de gestão individual pelos autores dos seus direitos para controlarem a utilização das suas obras, especialmente em mercados estrangeiros [v. considerando 2 da Diretiva 2014/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à gestão coletiva dos direitos de autor e direitos conexos e à concessão de licenças multiterritoriais de direitos sobre obras musicais para utilização em linha no mercado interno (JO 2014, L 84, p. 72)]. A importância das missões das organizações encarregadas da gestão coletiva dos direitos de autor também é realçada pela adoção de normas comuns aos Estados‑Membros na Diretiva 2014/26. Nessa ocasião, foi sublinhado que estas organizações participam na realização do objetivo mais geral de promoção da diversidade da expressão cultural na União Europeia (v. considerando 3 desta diretiva), que era necessário harmonizar os princípios que regem a organização dos referidas organizações para garantir o seu bom funcionamento (v. considerandos 5 e 55 e artigo 1.o, primeiro período, da referida diretiva) e que deviam ser adotadas normas especiais para reforçar o seu papel a fim de facilitar a concessão de licenças, à escala europeia, de direitos de autor sobre as obras musicais, com vista à sua utilização em linha (v. considerando 40 e artigo 1.o, segundo período, da mesma diretiva).

( 8 ) A este respeito, considero que a interpretação do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva IVA, referida pelo órgão jurisdicional de reenvio na primeira questão prejudicial, não me parece indispensável. V. n.o 43 das presentes conclusões.

( 9 ) Tal como alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1).

( 10 ) V. Acórdão SAWP (n.o 33).

( 11 ) V. Acórdão SAWP (n.o 28).

( 12 ) V. Acórdão SAWP (n.os 29 e 30).

( 13 ) V. Acórdão SAWP (n.o 30).

( 14 ) V. n.os 45 a 47 das presentes conclusões.

( 15 ) V. Acórdão SAWP (n.o 20).

( 16 ) V. Acórdão SAWP (n.o 24).

( 17 ) V. Acórdãos SAWP (n.o 25 e jurisprudência aí referida) e de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C‑242/18, EU:C:2019:558, n.o 69 e jurisprudência aí referida).

( 18 ) V. Acórdão SAWP (n.o 26 e jurisprudência aí referida).

( 19 ) Acórdão SAWP (n.o 22).

( 20 ) V., a este respeito, o n.o 41 das presentes conclusões.

( 21 ) A este propósito, o processo principal, relativo à comunicação de obras musicais ao público, também se distingue do que deu origem ao Acórdão de 3 de março de 1994, Tolsma (C‑16/93, EU:C:1994:80), relativo a uma atividade semelhante, na medida em que consistia em tocar música na via pública. Além disso, não estava estipulada nenhuma remuneração (v. n.os 18 a 20 desse acórdão).

( 22 ) V., a título de exemplo dos modos de cálculo das remunerações, nomeadamente, Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Kanal 5 e TV 4 (C‑52/07, EU:C:2008:703, n.os 37 a 40), relativo a remunerações variáveis em função das receitas das sociedades de teledifusão e do volume de música teledifundida.

( 23 ) Resulta dos documentos dos autos que a organização de gestão coletiva está encarregada da gestão coletiva não apenas da remuneração dos autores, mas também dos outros direitos de que os seus membros são titulares. V. artigo 125.o, n.o 2, da Lei sobre os Direitos de Autor.

( 24 ) V. artigo 134.o, n.o 2, alínea a), da Lei sobre os Direitos de Autor.

( 25 ) A Comissão referiu‑se ao artigo 1311, n.o 2, da Lei sobre os Direitos de Autor.

( 26 ) V. Acórdão SAWP (n.os 31 e 32).

( 27 ) V. Acórdão SAWP (n.o 22).

( 28 ) Conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11).

( 29 ) C‑51/18, EU:C:2018:1035.

( 30 ) V. n.os 36, 52 e 56 desse acórdão.

( 31 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Comissão/Áustria (C‑51/18, EU:C:2018:1035, n.o 54, a comparar com os n.os 56 e 57).

( 32 ) V. Acórdão Henfling e o. (n.o 38) realçando a distinção entre o comissário e o mandatário. Este age em nome e por conta de outrem.

( 33 ) V. Acórdão Henfling e o. (C‑464/10, n.o 35). O sublinhado é nosso. V., também, n.o 73 das presentes conclusões.

( 34 ) C‑274/15, EU:C:2017:333.

( 35 ) V. n.o 82 desse acórdão.

( 36 ) O sublinhado é nosso.

( 37 ) O sublinhado é nosso. V., a título de comparação, Acórdão de 3 de maio de 2012, Lebara (C520/10, EU:C:2012:264, n.os 29 e 38), relativo à revenda de cartões telefónicos por um distribuidor em seu próprio nome e por sua conta.

( 38 ) Resulta das minhas pesquisas que se trata do único acórdão com o qual o processo principal se pode comparar.

( 39 ) V. Acórdão Henfling e o. (n.os 40 e 42).

( 40 ) V., em especial, o artigo 125.o, n.o 2, da Lei sobre os Direitos de Autor, referido no n.o 15 das presentes conclusões.

( 41 ) Comparar com o Acórdão Henfling e o. (n.o 41).

( 42 ) V. n.o 43 desse acórdão.

( 43 ) C‑274/15, EU:C:2017:333.

( 44 ) Acórdão de 4 de maio de 2017, Comissão/Luxemburgo (C‑274/15, EU:C:2017:333, n.o 86 e jurisprudência aí referida).

( 45 ) Acórdão de 4 de maio de 2017, Comissão/Luxemburgo (C‑274/15, EU:C:2017:333, n.o 87 e jurisprudência aí referida). V. também o Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Amărăşti Land Investment (C‑707/18, EU:C:2019:1136, n.o 38).

( 46 ) Acórdão Henfling e o. (n.o 27).

( 47 ) Acórdão Henfling e o. (n.o 33).

( 48 ) V. Acórdão Henfling e o. (n.o 35).

( 49 ) Trata‑se da comissão devida no momento da cobrança da remuneração, deduzida do montante da mesma. V. artigo 134.o, n.o 2, alíneas b) e e), da Lei sobre os Direitos de Autor, referida no n.o 20 das presentes conclusões. V., a este respeito, Acórdão de 24 de novembro de 2011, Circul Globus Bucureşti (C‑283/10, EU:C:2011:772, n.o 20).

( 50 ) Preciso que a expressão «cessão de direitos» abrange, neste caso, as operações abrangidas pelo exercício do direito de representação protegido.

( 51 ) V. nota 49.

( 52 ) V., nomeadamente, Acórdão de 3 de maio de 2012, Lebara (C‑520/10, EU:C:2012:264, n.os 23 a 25).

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