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Document 62018TJ0207

Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção) de 16 de dezembro de 2020 (Extratos).
PlasticsEurope contra Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA).
REACH — Criação de uma lista de substâncias identificadas com vista a uma inclusão a prazo no anexo XIV do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 — Complemento da inscrição relativa à substância bisfenol A nessa lista — Artigos 57.o e 59.o do Regulamento n.o 1907/2006 — Erro manifesto de apreciação — Critério do valor probatório das provas — Estudos exploratórios — Utilizações intermédias — Proporcionalidade.
Processo T-207/18.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2020:623

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

16 de dezembro de 2020 ( *1 )

«REACH — Criação de uma lista de substâncias identificadas com vista a uma inclusão a prazo no anexo XIV do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 — Complemento da inscrição relativa à substância bisfenol A nessa lista — Artigos 57.o e 59.o do Regulamento n.o 1907/2006 — Erro manifesto de apreciação — Critério do valor probatório das provas — Estudos exploratórios — Utilizações intermédias — Proporcionalidade»

No processo T‑207/18,

PlasticsEurope, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por R. Cana, É. Mullier e F. Mattioli, advogados,

recorrente,

contra

Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), representada por M. Heikkilä, W. Broere e C. Buchanan, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller, D. Klebs e S. Heimerl, na qualidade de agentes,

por

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, J. Traband, E. Leclerc e W. Zemamta, na qualidade de agentes,

e por

ClientEarth, com sede em Londres (Reino Unido), representada por P. Kirch, advogado,

intervenientes,

que tem por objeto, com base no artigo 263.o TFUE, um pedido de anulação da Decisão ED/01/2018 da ECHA, de 3 de janeiro de 2018, que completa a entrada existente relativa ao bisfenol A na lista das substâncias candidatas para eventual inclusão no anexo XIV do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH), que cria a Agência Europeia das Substâncias Químicas, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1, retificativo JO 2007, L 136, p. 3), em conformidade com o artigo 59.o desse regulamento, no sentido de que o bisfenol A também foi identificado como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino e que pode provocar efeitos graves no ambiente que suscitam um nível de preocupação equivalente ao da utilização de outras substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do referido regulamento, na aceção do artigo 57.o, alínea f), do mesmo regulamento,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: J. Svenningsen, presidente, T. Pynnä e J. Laitenberger (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

I. Antecedentes do litígio

1

O bisfenol A [2,2‑bis (4‑hidroxifenil)propano ou 4,4’‑isopropilidenodifenol, n.o CE 201‑245‑8, n.o CAS 0000080‑05‑7] é uma substância utilizada principalmente como monómero no fabrico de polímeros como o policarbonato e as resinas epóxi. É então utilizado como substância intermédia. O bisfenol A pode ainda ser utilizado para fins não intermédios. É nomeadamente o caso da sua utilização no fabrico do papel térmico.

2

Em 12 de janeiro de 2017, a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) publicou no seu sítio Internet a sua Decisão ED/01/2017, de 4 de janeiro de 2017, que inclui o bisfenol A na lista das substâncias candidatas para eventual inclusão no anexo XIV do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH), que cria a Agência Europeia das Substâncias Químicas, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1; retificação no JO 2007, L 136, p. 3), conforme prevista no artigo 59.o, n.o 1, desse regulamento (a seguir «lista das substâncias candidatas»), pelo facto de essa substância ter sido identificada como substância tóxica para a reprodução na aceção do artigo 57.o, alínea c), do mesmo regulamento.

3

Em 21 de março de 2017, a recorrente, PlasticsEurope, interpôs recurso de anulação da Decisão ED/01/2017 da ECHA, de 4 de janeiro de 2017, relativa à inclusão do bisfenol A na lista das substâncias candidatas. A recorrente é uma associação profissional internacional, com sede na Bélgica e regulada pelo direito belga, que representa e defende os interesses de mais de 100 empresas membros, constituídas por fabricantes e importadores de produtos de matérias plásticas. Tem personalidade e capacidade jurídicas. Cinco das empresas membros da recorrente desempenham um papel ativo na comercialização do bisfenol A no mercado da União Europeia e fazem parte do grupo «Polycarbonate/bisfenol A» da recorrente. Os membros desse grupo comercializam bisfenol A para utilizações intermédias e não intermédias. O Tribunal Geral negou provimento a esse recurso por Acórdão de 11 de julho de 2019, PlasticsEurope/ECHA (T‑185/17, não publicado, EU:T:2019:492).

4

Em 6 de julho de 2017, a ECHA adotou a Decisão ED/30/2017, que completa a entrada existente relativa à substância bisfenol A na lista das substâncias candidatas no sentido de que esta substância foi identificada também como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino e pode ter efeitos graves na saúde humana que suscitam um nível de preocupação equivalente ao suscitado pela utilização de outras substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 1907/2006, na aceção do artigo 57.o, alínea f), do mesmo regulamento. Esta decisão foi publicada em 7 de julho de 2017. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pela recorrente dessa decisão por Acórdão de 20 de setembro de 2019, PlasticsEurope/ECHA (T‑636/17, pendente de recurso, EU:T:2019:639).

5

Em 29 de agosto de 2017, o Umweltbundesamt (Instituto Federal do Ambiente, Alemanha, a seguir «Autoridade Alemã Competente») apresentou um processo em conformidade com o anexo XV do Regulamento n.o 1907/2006 (a seguir «processo elaborado em conformidade com o anexo XV»), nos termos do artigo 59.o, n.o 3, desse regulamento, propondo que o bisfenol A fosse igualmente identificado como substância que perturba o sistema endócrino relativamente à qual existem provas científicas de que pode ter efeitos graves no ambiente, na aceção do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

6

Em 5 de setembro de 2017, a ECHA publicou o processo elaborado em conformidade com o anexo XV.

7

No mesmo dia, em conformidade com o artigo 59.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1907/2006, a ECHA convidou todas as partes interessadas a apresentarem as suas observações sobre o processo elaborado em conformidade com o anexo XV.

8

Em 20 de outubro de 2017, a recorrente apresentou, em nome dos seus membros, observações sobre o processo elaborado em conformidade com o anexo XV.

9

Seguidamente, a Autoridade Alemã Competente preparou um documento, datado de 14 de dezembro de 2017, que continha as suas respostas a todos os comentários recebidos pela ECHA na consulta pública.

10

Tendo sido recebidos comentários sobre a identificação do bisfenol A, a ECHA transmitiu o processo ao Comité dos Estados‑Membros (a seguir «CEM»), em conformidade com o artigo 59.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1907/2006. De acordo com os seus procedimentos de trabalho relativos à identificação das substâncias que suscitam uma elevada preocupação, o CEM recebeu o processo elaborado em conformidade com o anexo XV, um projeto de acordo do CEM e um documento de trabalho (a seguir «documento de apoio») que continha a avaliação das propriedades intrínsecas do bisfenol A em apoio da sua identificação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do referido regulamento.

11

Na sua 57.a reunião, que decorreu entre 11 e 15 de dezembro de 2017, o CEM chegou a um acordo unânime sobre a identificação do bisfenol A como substância que preenche os critérios previstos no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006. Quatro Estados‑Membros abstiveram‑se na votação. Entre esses Estados, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte exprimiu as razões da sua abstenção numa declaração anexa à ata da reunião. Os motivos da identificação do bisfenol A foram expostos numa versão alterada do documento de apoio, tal como aprovada em 14 de dezembro de 2017. O documento de apoio, na sua versão final, conclui com base numa análise de uma multiplicidade de estudos que o bisfenol A corresponde à definição de substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino, conforme estabelecida ao nível da Organização Mundial de Saúde (OMS) e interpretada pelo grupo consultivo dos peritos dos perturbadores endócrinos da Comissão Europeia. Mais especificamente, o documento de apoio conclui que os dados in vitro e in vivo analisados indicam que o bisfenol A atua como agonista de estrogénio em determinadas espécies de peixes e como antagonista tiroideu em certas espécies de grandes anfíbios. Além disso, esse documento considera, a título de suporte adicional, que as análises de diferentes táxones de invertebrados demonstram que é possível que os efeitos graves do bisfenol A resultem do modo de ação endócrino. Por último, aí se indica que se considera que os efeitos do bisfenol A nos peixes e nos anfíbios suscitam um nível de preocupação equivalente ao suscitado pelas substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 1907/2006, a saber, as substâncias cancerígenas, mutagénicas e tóxicas para a reprodução (a seguir «substâncias CMR») ou ainda as substâncias persistentes, bioacumuláveis e tóxicas (a seguir «substâncias PBT») e as substâncias muito persistentes e muito bioacumuláveis (a seguir «substâncias vPvB»). Para o efeito, o documento de apoio invoca, nomeadamente, a severidade e o caráter irreversível dos efeitos sobre os organismos e sobre as populações, bem como as dificuldades encontradas na determinação de um nível seguro de exposição ao bisfenol A.

12

Em 3 de janeiro de 2018, na sequência do acordo unânime no CEM e em conformidade com o artigo 59.o, n.o 8, do Regulamento n.o 1907/2006, a ECHA adotou a Decisão ED/01/2018 (a seguir «decisão recorrida»), que completa a entrada existente relativa à substância bisfenol A na lista das substâncias candidatas, no sentido de que esta substância foi identificada, pelos motivos expostos no documento de apoio, também como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino, e que pode provocar efeitos graves no ambiente que suscitam um nível de preocupação equivalente ao da utilização de outras substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do referido regulamento, na aceção do artigo 57.o, alínea f), do mesmo regulamento.

13

Em 15 de janeiro de 2018, a lista das substâncias candidatas publicada no sítio Internet da ECHA foi atualizada em conformidade com a decisão recorrida.

II. Tramitação do processo e pedidos das partes

14

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de março de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso.

15

Em 18 de junho de 2018, a recorrente pediu ao Tribunal Geral a apensação dos processos T‑185/17, T‑636/17 e T‑207/18 para efeitos da fase oral e, sendo caso disso, de decisão que puser termo à instância, nos termos do artigo 68.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

16

A contestação foi apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de junho de 2018.

17

Por requerimentos separados, apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de julho de 2018, a recorrente pediu, tendo em conta o facto de a República Francesa e a ClientEarth serem intervenientes nos processos T‑185/17 e T‑636/17 e no caso de o presente recurso ser apensado a esses dois processos, que certas informações comunicadas na petição e na contestação apresentadas no âmbito do presente recurso beneficiassem de tratamento confidencial em relação à República Francesa e à ClientEarth.

18

Por requerimentos apresentados em 18, 19 e 24 de julho de 2018, a República Federal da Alemanha, a ClientEarth e a República Francesa pediram, respetivamente, para intervir em apoio dos pedidos da ECHA.

19

Em 26 de julho de 2018, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral decidiu não apensar o presente processo aos processos T‑185/17 e T‑636/17.

20

Por requerimentos separados, apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de agosto de 2018, a recorrente apresentou três pedidos de tratamento confidencial de certas informações comunicadas na petição inicial em relação, respetivamente, à República Francesa e à ClientEarth.

21

A réplica foi apresentada em 10 de setembro de 2018.

22

Por Despacho de 2 de outubro de 2018, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da ClientEarth. Por dois Despachos de 9 de outubro de 2018, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral deferiu os pedidos de intervenção da República Federal da Alemanha e da República Francesa.

23

Uma vez que a República Federal da Alemanha e a República Francesa não se opuseram, no prazo fixado, ao tratamento confidencial de determinadas informações comunicadas na petição, conforme pedido pela recorrente em 27 de agosto de 2018, foram deferidos os pedidos da recorrente no que respeita a essas intervenientes.

24

Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de outubro de 2018, a ClientEarth opôs‑se ao pedido de tratamento confidencial da recorrente de 27 de agosto de 2018.

25

Em 30 de outubro de 2018, foi apresentada tréplica na Secretaria do Tribunal Geral.

26

Em 23 e 26 de novembro de 2018, a República Francesa e a República Federal da Alemanha apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, os seus articulados de intervenção redigidos com base numa versão não confidencial da petição.

27

Depois de ouvir a recorrente a respeito das objeções apresentadas pela ClientEarth a respeito do pedido de tratamento confidencial da recorrente, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral, por Despacho de 13 de dezembro de 2018, indeferiu esse pedido no que respeita à ClientEarth.

28

Em 28 de janeiro de 2019, a ClientEarth apresentou as suas alegações.

29

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 14 e 15 de março de 2019, a ECHA e a recorrente apresentaram, respetivamente, as suas observações sobre os articulados de intervenção.

30

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de maio de 2019, a recorrente requereu a realização de audiência de alegações, nos termos do artigo 106.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

31

Tendo a composição das secções sido alterada, o processo foi distribuído a um novo juiz‑relator da Oitava Secção.

32

Em 10 de março de 2020, o Tribunal Geral, a título de medida de organização do processo, colocou questões às partes principais para resposta por escrito, às quais estas responderam no prazo fixado.

33

Em 7 de abril de 2020, o Tribunal Geral, a título de medida de organização do processo, interrogou as partes principais sobre a questão de saber se, tendo em conta o contexto sanitário ligado à COVID‑19, pretendiam, apesar de tudo, ser ouvidas em audiência.

34

Por medida de organização do processo de 12 de maio de 2020, o Tribunal Geral convidou cada uma das partes a apresentar as suas observações sobre as respostas das partes principais às questões escritas do Tribunal Geral de 10 de março de 2020. As partes responderam a este pedido no prazo concedido.

35

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 28 de maio de 2020 e em 1 de junho de 2020, a recorrente e a ECHA pediram, por razões relacionadas com a crise sanitária da Covid‑19, o adiamento da audiência para data posterior, à época fixada previamente para 22 de junho de 2020. Em 5 de junho de 2020, o presidente da Oitava Secção indeferiu esses pedidos. No mesmo dia, o Tribunal Geral convidou a ECHA a indicar‑lhe se estava em condições de participar na audiência por videoconferência. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de junho de 2020, a ECHA confirmou a sua participação na audiência por videoconferência.

36

Por requerimento apresentado em 9 de junho de 2020, a recorrente indicou que, à semelhança da ECHA, preferia participar na audiência por videoconferência. Em contrapartida, no caso de a sua participação numa audiência realizada por videoconferência não ser tecnicamente possível simultaneamente com a da ECHA, a recorrente indicou retirar o seu pedido de realização de audiência.

37

Em 12 de junho de 2020, tendo em conta a impossibilidade técnica de o Tribunal Geral ouvir simultaneamente as duas partes principais no âmbito de uma audiência por videoconferência e a retirada, nessa hipótese, do pedido de realização de audiência pela recorrente, o presidente da Oitava Secção decidiu finalmente anular a audiência. Tendo em devida conta as respostas das partes às suas questões e as respetivas observações sobre essas respostas, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelos autos, decidiu encerrar a fase oral do processo.

38

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

julgar o recurso admissível e procedente;

anular a decisão recorrida;

condenar a ECHA nas despesas;

ordenar quaisquer outras medidas que a realização da justiça possa exigir.

39

A ECHA conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

negar integralmente provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas nas duas instâncias.

40

A República Federal da Alemanha e a República Francesa concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

41

A ClientEarth conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar integralmente provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas do processo.

III. Questão de direito

42

A recorrente apresenta quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à existência de vários erros manifestos de apreciação na identificação do bisfenol A como substância que suscita uma elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, a saber, como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino relativamente à qual existem provas científicas de que pode ter efeitos graves no ambiente que suscitam um nível de preocupação equivalente ao da utilização de outras substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do referido regulamento. Com o segundo fundamento, a recorrente alega violação do artigo 59.o do Regulamento n.o 1907/2006, conjugado com o artigo 57.o, alínea f), desse regulamento. O terceiro fundamento é relativo a uma violação do artigo 2.o, n.o 8, alínea b), do referido regulamento. Com o seu quarto fundamento, a recorrente alega violação do princípio da proporcionalidade.

A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação na aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006

43

Com o seu primeiro fundamento, a recorrente alega que, ao adotar a decisão recorrida, a ECHA cometeu vários erros manifestos de apreciação à luz da necessidade enunciada no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, de a identificação de uma substância como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino que suscita elevada preocupação se basear em que «existam provas científicas de que [pode] provocar efeitos graves […] no ambiente» que suscitem «um nível de preocupação equivalente» ao suscitado pelos efeitos cobertos pelo artigo 57.o, alíneas a) a e) do mesmo regulamento.

44

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, conclui pela improcedência desse fundamento.

45

Os argumentos invocados em apoio do primeiro fundamento podem ser agrupados em duas partes. Por um lado, a recorrente alega que a ECHA cometeu um erro manifesto na apreciação das provas que considerou relevantes para efeitos da identificação do bisfenol A, uma vez que não teve em conta certos dados e se baseou em estudos de caráter exploratório. Por outro lado, a recorrente alega erro manifesto de apreciação na identificação do bisfenol A para efeitos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, alegando, em substância, que os dados avaliados pela ECHA não podem sustentar as conclusões que daí retirou.

1.   Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a erro manifesto na apreciação das provas relevantes no âmbito do exame referido no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006

46

Com a primeira parte do primeiro fundamento, que se articula em torno de duas alegações, a recorrente alega, em substância, que a ECHA cometeu um erro manifesto na apreciação das provas relevantes para a identificação do bisfenol A como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino que pode ter efeitos graves no ambiente nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

a)   Quanto à primeira alegação da primeira parte do primeiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação devido ao facto de a ECHA não ter tido em conta certos estudos

47

No âmbito da primeira alegação da primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação ao não examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes para o caso. A este respeito, a recorrente invoca, nomeadamente, o dever de diligência que obriga a ECHA a ter em conta todos os elementos relevantes. Afirma que a ECHA não teve em conta, por um lado, o programa de investigação denominado «Clarity‑BPA» (consórcio que liga os conhecimentos académicos e regulamentares sobre a toxicidade do bisfenol A, a seguir «programa Clarity‑BPA»), que ainda estava em curso durante o período de avaliação do bisfenol A com vista à adoção da decisão recorrida, e, por outro, os resultados de um certo número de estudos que a recorrente considera relevantes. Entende que isso teve impacto na validade da aplicação do critério do valor probatório das provas no caso presente e, portanto, põe em causa a identificação do bisfenol A como substância que suscita elevada preocupação.

1) Quanto à alegada omissão de ter em conta o programa Clarity‑BPA

48

A recorrente alega, antes de mais, que a ECHA não teve em conta os resultados do programa Clarity‑BPA. O projeto de relatório do programa Clarity‑BPA foi publicado em 23 de fevereiro de 2018, ou seja, apenas algumas semanas após a identificação do bisfenol A pela ECHA.

49

O programa Clarity‑BPA foi iniciado em 2012 sob os auspícios do National Toxicology Program (NTP, Programa Nacional de toxicologia, Estados Unidos), do National Center for Toxicological Research (NCTR, Centro nacional de investigação toxicológica, Estados Unidos), da Food and Drug Administration (FDA, Administração da Alimentação e de Medicamentos, Estados Unidos) e do National Institute of Environmental Health Sciences (NIEHS, Instituto Nacional das Ciências da Saúde Ambiental, Estados Unidos). Esse programa foi lançado para verificar as conclusões divergentes a que tinham chegado, até então, uma série de estudos toxicológicos respeitantes ao bisfenol A. Foi concebido para analisar, nomeadamente, os efeitos potenciais para a saúde humana das exposições a baixos níveis de agentes endócrinos ativos e tem em conta um amplo leque de doses e de novos parâmetros relevantes que nunca foram utilizados anteriormente.

50

A recorrente considera que as conclusões do programa Clarity‑BPA, quaisquer que sejam, tiveram impacto nas provas de que a ECHA dispunha e, por conseguinte, deviam ter sido integradas na aplicação do critério do valor probatório das provas em que assenta a identificação do bisfenol A como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino e que afeta o ambiente. Segundo a recorrente, a ECHA devia, portanto, ter aguardado pela publicação desses resultados. Além disso, o facto de o programa Clarity‑BPA se ter concentrado nos efeitos do bisfenol A na saúde humana e não no ambiente não é de grande importância. Segundo a recorrente, o programa Clarity‑BPA é igualmente relevante para efeitos ambientais. Uma vez que os alegados efeitos na saúde humana são avaliados com base em dados recolhidos nos animais, os dados relativos à saúde humana e os dados relativos ao ambiente não podem, segundo a recorrente, ser separados completa e radicalmente uns dos outros.

51

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

52

Refira‑se que, como o Tribunal Geral já declarou (Acórdão de 20 de setembro de 2019, PlasticsEurope/ECHA, T‑636/17, pendente de recurso, EU:T:2019:639, n.o 170), tendo em conta a natureza dinâmica e exploratória da investigação científica em geral, existirá provavelmente sempre, no momento da decisão da ECHA, um estudo sobre uma substância examinada nos termos do artigo 57.o do Regulamento n.o 1907/2006, segundo o procedimento previsto no artigo 59.o desse regulamento, em curso ou em vias de ser iniciado. Deste modo, a obrigação de a ECHA aguardar a conclusão de todos os estudos efetuados a respeito de uma certa substância impossibilitaria a identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação, o que seria contrário ao objetivo de um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente, tal como consagrado no artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1907/2006.

53

Além disso, embora o Regulamento n.o 1907/2006 não contenha disposições expressas relativas à possibilidade de reexaminar a inclusão de uma substância na lista das substâncias candidatas nos termos do artigo 59.o do Regulamento n.o 1907/2006, há que lembrar que qualquer decisão adotada ao abrigo dessa disposição pode, regra geral, ser reexaminada à luz de novas informações disponíveis sem que seja necessária uma disposição expressa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2019, PlasticsEurope/ECHA, T‑636/17, pendente de recurso, EU:T:2019:639, n.o 165).

54

Refira‑se, a esse respeito, que o artigo 58.o, n.o 8, do Regulamento n.o 1907/2006 prevê que as substâncias incluídas no anexo XIV deste regulamento são dele retiradas quando, devido a novas informações, deixam de preencher os critérios previstos no artigo 57.o do referido regulamento. Esta disposição pressupõe assim que a ECHA pode e, sendo caso disso, deve proceder a uma revisão com base em novas informações relevantes. Dado que a identificação de uma substância nos termos dos artigos 57.o e 59.o do Regulamento n.o 1907/2006 é efetuada com vista à sua futura inclusão no anexo XIV do referido regulamento, o direito e, sendo caso disso, o dever de proceder a um reexame com base em novas informações aplica‑se a fortiori também no período entre, por um lado, a identificação de uma substância nos termos do artigo 57.o do Regulamento n.o 1907/2006 e a sua inclusão na lista das substâncias candidatas e, por outro, a posterior inclusão no anexo XIV desse regulamento. Por conseguinte, qualquer nova informação resultante de um estudo que ainda estava em curso no momento da identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação é, portanto, suscetível de ser tomada em consideração, se for caso disso, mesmo após a identificação prevista nos artigos 57.o e 58.o do Regulamento n.o 1907/2006, e antes da sua posterior inclusão no anexo XIV do referido regulamento.

55

À luz do exposto, há que concluir que a ECHA não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao não tomar em consideração o programa Clarity‑BPA. Assim, não tinha de tomar esse programa em conta, uma vez que ainda não estava concluído no momento da adoção da decisão recorrida.

2) Quanto aos estudos alegadamente rejeitados pela ECHA

56

A recorrente alega igualmente que a ECHA rejeitou erradamente estudos de alta qualidade obtidos, em parte, em conformidade com protocolos internacionalmente reconhecidos e cotados como fiáveis segundo a escala de cotação de Klimisch (conforme descrita num artigo de Klimisch, H. J., Andreae, M., e Tillmann, U., «A Systematic Approach for Evaluating the Quality of Experimental Toxicological and Ecotoxicological Data», Regulatory Toxicology and Pharmacology, Elsevier, 1997, vol. 25, pp. 1 a 5) (a seguir «escala de cotação de Klimisch»). Ao rejeitar esses estudos no caso presente, a ECHA cometeu um erro manifesto na sua apreciação das informações relevantes. Segundo a recorrente, essa apreciação era, portanto, arbitrária e incoerente, o que justifica a anulação da decisão recorrida.

57

Primeiro, de acordo com a recorrente, a ECHA ignorou o estudo Bjerregaard et al. (2008) relativo à truta fário, apesar de esse estudo ser suficientemente sólido e sustentado e de lhe ter sido atribuída uma nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch. Ora, esse estudo não demonstrou efeitos nefastos do bisfenol A no rácio dos sexos ou no desenvolvimento das gónadas.

58

Em segundo lugar, a recorrente alega que o documento de apoio não menciona o estudo Picard (2010c) sobre a lumbriculus variegatus, que seguiu o método de ensaio validado pela orientação n.o 225 da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Ora, na opinião da recorrente, esse estudo, que indica um nível de concentração sem efeitos quatro vezes superior ao de um estudo utilizado pela ECHA, a saber, o estudo Ladewig et al. (2006), deveria ter sido contado como de nível 1 na escala de cotação de Klimisch. Além disso, a recorrente acusa a ECHA de ter erradamente rejeitado o estudo Picard (2010a) sobre o leptocheirus plumulosus e o estudo Picard (2010b) sobre o chironomus riparius. Ora, a ECHA não precisou em que medida esses dois estudos não eram relevantes para efeitos de identificação do bisfenol A.

59

Terceiro, a recorrente acusa a ECHA de ter ignorado o estudo Lee (2010) sobre a americamysis Bahia. Ora, este estudo, que está em conformidade com as boas práticas de laboratório, não refere a existência de efeitos à mediação endócrina do bisfenol A.

60

Em quarto e último lugar, segundo a recorrente, a ECHA não teve em conta o estudo Rhodes et al. (2008) relativo ao pimephales promelas, conforme publicado em Mihaich et al. (2012). Ora, esse estudo foi concebido e realizado precisamente com o objetivo de colmatar determinadas deficiências no estado do conhecimento científico, evidenciadas no relatório da União sobre a avaliação dos riscos ligados ao bisfenol A elaborado em fevereiro de 2010 nos termos do Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho, de 23 de março de 1993, relativo à avaliação e controlo dos riscos ambientais associados às substâncias existentes (JO 1993, L 84, p. 1) (a seguir «relatório EU RAR»), tais como podem aparecer na avaliação da espermatogénese incluída no estudo Sumpter et al. (2001) realizado sobre a mesma espécie. A ECHA deveria, pois, ter tido em conta os resultados do estudo Rhodes et al. (2008), conforme publicado em Mihaich et al. (2008), segundo os quais os efeitos do bisfenol A observados são consequência mais de uma toxicidade sistémica do que de um modo de ação endócrino.

61

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

62

A título preliminar, há que observar que a ECHA dispõe de um amplo poder de apreciação na identificação das substâncias que suscitam uma elevada preocupação para efeitos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006. No entanto, há que precisar que o amplo poder de apreciação das autoridades da União, que implica uma fiscalização jurisdicional limitada do seu exercício, não se aplica exclusivamente à natureza e ao alcance das disposições a adotar, aplicando‑se também, em certa medida, ao apuramento dos dados de base. Contudo, mesmo tendo um alcance limitado, essa fiscalização jurisdicional exige que as autoridades da União, autoras do ato em causa, possam demonstrar ao juiz da União que o ato foi adotado mediante um exercício efetivo do seu poder de apreciação, o qual pressupõe que sejam tomados em consideração todos os elementos e circunstâncias relevantes da situação que esse ato pretendeu reger (v. Acórdão de 30 de abril de 2015, Polynt e Sitre/ECHA, T‑134/13, não publicado, EU:T:2015:254, n.o 53 e jurisprudência aí referida).

63

No caso, a identificação da substância em causa como substância que suscita uma elevada preocupação foi efetuada recorrendo ao critério do valor probatório das provas. Segundo o ponto 1.2 do anexo XI do Regulamento n.o 1907/2006, esse critério caracteriza‑se pelo facto de a hipótese de uma substância possuir ou não uma propriedade perigosa específica poder ser validamente confirmada por provas provenientes de várias fontes de informação independentes, ao passo que as informações provenientes de cada uma dessas fontes, consideradas isoladamente, podem ser insuficientes para permitir formular essa hipótese ou conclusão. Esse critério pressupõe que a autoridade competente examine todas as informações relevantes antes de chegar à identificação de uma substância como substância que suscita elevada preocupação. Assim, o anexo XV do Regulamento n.o 1907/2006 dispõe que o processo que desencadeia o procedimento de autorização deve incluir um exame das informações relevantes provenientes dos processos de registo e, se for caso disso, pode basear‑se em todas as outras informações disponíveis. Resulta assim do Regulamento n.o 1907/2006 que a identificação de uma substância recorrendo ao critério do valor probatório das provas deve ser feita com base em dados completos que permitam à autoridade competente exercer o poder de apreciação de que dispõe nos termos dos artigos 57.o e 59.o do Regulamento n.o 1907/2006, tomando em consideração todas as provas relevantes e disponíveis na data em que a autoridade adota a sua decisão.

64

O critério seguido pela ECHA, a saber, o do valor probatório das provas, e a margem de apreciação de que dispõe, igualmente com vista à verificação dos dados de base (v., neste sentido, Acórdão de 11 de maio de 2017, Deza/ECHA, T‑115/15, EU:T:2017:329, n.o 164), implicam, porém, que possa rejeitar estudos que considere irrelevantes por razões plausíveis ligadas à coerência interna da avaliação efetuada. A este respeito, há que observar, como aliás referido pela ClientEarth, que o bisfenol A é uma das substâncias mais estudadas no mundo. Por conseguinte, a obrigação de as instituições da União tomarem em consideração todas as provas relevantes não pode significar que todos os estudos realizados, independentemente da sua fiabilidade ou da sua relevância, tenham necessariamente de ser incluídos sem exceção na avaliação da ECHA. Com efeito, só se poderia concluir pela existência de um erro manifesto de apreciação se a ECHA tivesse ignorado completa e erradamente um estudo fiável cuja inclusão tivesse alterado a avaliação global das provas de tal forma que a decisão final tivesse sido privada de plausibilidade.

65

É à luz destas observações preliminares que há que examinar se a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação por não ter tido em conta os estudos invocados pela recorrente.

66

Desde logo, quanto ao estudo Bjerregaard et al. (2008), há que observar que a ECHA não o considerou particularmente relevante, pelo facto de os autores desse estudo não terem, em seu entender, observado «grandes alterações no desenvolvimento das gónadas de peixes» após exposição dos ovos e dos alevinos da truta comum ao E2 ou ao bisfenol A e de terem indicado a possibilidade de o «período de exposição do estudo em causa dever ter coberto uma parte maior do período de diferenciação sexual da truta comum se a diferenciação da gónada tivesse sido afetada». Resulta, assim, desse mesmo estudo que o facto de não se ter podido observar qualquer alteração significativa no desenvolvimento das gónadas se pode explicar pela possibilidade de o período de exposição do estudo ter coberto uma parte demasiado curta do período de diferenciação sexual da truta comum. Esta possibilidade constatada pelos próprios autores do referido estudo podia levar a ECHA a pôr em causa a relevância dos seus resultados. Assim, a ECHA não cometeu qualquer erro manifesto ao não considerar que o estudo Bjerregaard et al. (2008) constituía uma prova relevante.

67

Seguidamente, quanto aos estudos Picard (2010a, 2010b, 2010c), respetivamente relativos ao leptocheirus plumulosus, ao chironomus riparius e à lumbriculus variegatus, há que assinalar que, como aliás resulta do contributo da recorrente na consulta pública, os seus resultados foram publicados na publicação Staples et al. (2016), que, por sua vez, está entre as provas analisadas no documento de apoio da identificação do bisfenol A. O documento de apoio cita o estudo Staples et al. (2016), relativo aos chironomus, na medida em que esse grupo de insetos constitui um táxon relevante para a avaliação dos invertebrados. Nesse estudo, o impacto sobre a emergência foi considerado relevante para a população e possivelmente para a mediação endócrina. Em contrapartida, como explicou a ECHA, os efeitos observados nas espécies leptocheirus e lumbriculus não estiveram, no referido estudo, no cerne da avaliação do perturbador endócrino. Não se pode, pois, criticar a ECHA por não ter integrado na sua avaliação os estudos Picard, tanto mais que, de qualquer forma, os teve em conta através do estudo Staples et al. (2016), no qual se baseou formalmente com vista à adoção da decisão recorrida.

68

No que respeita ao estudo Lee (2010), sobre a americamysis bahia, uma espécie de invertebrados, refira‑se que resulta do documento de apoio e das observações da ECHA sobre a resposta dada a esse respeito pela recorrente a uma questão do Tribunal Geral que, deliberadamente, a ECHA não efetuou uma análise exaustiva dos efeitos do bisfenol A nas espécies de invertebrados nem sustentou, de forma decisiva, a identificação do bisfenol A em provas relativas aos invertebrados. Com efeito, a ECHA teve em conta o facto de a perturbação endócrina em invertebrados ainda não estar suficientemente compreendida ao nível científico. Além disso, a recorrente não explica nem demonstra em que medida os resultados desse estudo, que não revelou efeitos de mediação endócrina, contradizem a identificação do bisfenol A como substância que suscita uma elevada preocupação baseada em provas diferentes das relativas aos invertebrados, de modo que esses resultados invalidam o valor probatório das provas da avaliação efetuada. Por conseguinte, a decisão de não se basear nesse estudo revela‑se, in fine, justificada e situa‑se nos limites do poder de apreciação da ECHA na apreciação das provas relevantes. Por conseguinte, essa decisão não está ferida de erro manifesto a esse respeito.

69

Por último, quanto ao estudo Rhodes et al. (2008), conforme publicado em Mihaich et al. (2012), há que observar que, ao contrário do que alega a recorrente, esse estudo foi efetivamente tido em conta pela ECHA, como resulta da página 44 do documento de apoio. Nesse documento, não foi evocada nenhuma contradição entre esse estudo e o estudo de Sumpter et al. (2001). Pelo contrário, o documento de apoio conclui que o estudo Rhodes et al. (2008), conforme publicado em Mihaich et al. (2012), corresponde efetivamente aos resultados do estudo Sumpter et. al. (2001), que não só trata os efeitos sobre a espermatogénese, mas também constata uma indução da vitelogenina na sequência da exposição ao bisfenol A. No que respeita às fraquezas invocadas pela recorrente quanto aos dados sobre a espermatogénese no estudo Sumpter et al. (2001), há que observar, como igualmente referiu a ECHA, que, embora seja verdade que certas fraquezas foram dadas por provadas no relatório EU RAR, os autores desse relatório consideraram esses dados inadequados unicamente no contexto específico da determinação de uma concentração previsível sem efeitos. Assim, este aspeto não põe em causa, per se, a relevância desses dados para efeitos de identificação do bisfenol A devido às suas propriedades intrínsecas, a saber, o seu modo de ação endócrino. É, pois, infundado o reparo da recorrente de que a ECHA não teve em conta o estudo Rhodes et al. (2008), conforme publicado em Mihaich et al. (2012).

70

Em face de todas estas considerações, o argumento da recorrente de que a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação por não ter tomado em consideração os estudos invocados pela recorrente deve ser julgado improcedente e, com ele, a primeira alegação da primeira parte do primeiro fundamento.

b)   Quanto à segunda alegação da primeira parte do primeiro fundamento, relativa à consideração de estudos exploratórios alegadamente não fiáveis

71

Com a segunda alegação da primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que a ECHA se baseou em numerosos estudos não normalizados ou exploratórios, a saber, estudos que não foram efetuados em conformidade com os métodos validados à escala nacional ou internacional, apesar de o Regulamento n.o 1907/2006 não permitir em geral o recurso a estudos que sigam métodos não validados, na medida em que esses estudos não podem ser considerados fiáveis.

72

A recorrente reconhece que tais estudos não normalizados ou exploratórios, que incidem frequentemente sobre uma nova espécie ou ainda sobre novos pontos de avaliação, apresentam um certo interesse científico na medida em que permitem alargar o estado do conhecimento. No entanto, frequentemente estão feridos de debilidades, a saber, nomeadamente, uma baixa reprodutibilidade. Entende, assim, que isso põe em causa a sua fiabilidade científica, excluindo que sejam exploráveis para fins regulamentares.

73

Em apoio do seu argumento, a recorrente invoca o Regulamento Delegado (UE) 2017/2100 da Comissão, de 4 de setembro de 2017, que estabelece critérios científicos para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino nos termos do Regulamento (UE) n.o 528/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2017, L 301, p. 1), que dispõe que a identificação de uma substância como substância que apresenta propriedades perturbadoras do sistema endócrino se deve basear quer em «dados científicos produzidos de acordo com protocolos de estudo acordados a nível internacional», quer em «outros dados científicos selecionados mediante a aplicação de uma metodologia de revisão sistemática».

74

A recorrente invoca ainda a versão 3.1 do guia sobre a partilha de dados da ECHA de janeiro de 2017, que recomenda aos participantes do mercado que forneçam informações relativas a uma substância com vista a uma avaliação dos seus riscos que recorram preferencialmente a estudos científicos com uma nota de fiabilidade de 1 ou de 2 na escala de cotação Klimisch. Ao aplicar assim uma norma sobre a maior fiabilidade científica para as informações prestadas por participantes no mercado do que para as informações em que se baseia com vista à identificação de uma substância como suscitando uma elevada preocupação, a ECHA aplica uma «norma dupla», que, segundo a recorrente, é inaceitável.

75

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

76

Importa recordar que, no caso, a ECHA chegou à identificação do bisfenol A como substância que suscita elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, seguindo o critério do valor probatório das provas, conforme acima descrito no n.o 63. Esse critério exige que a autoridade competente tenha em conta todas as provas relevantes para a identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação.

77

Assim, resulta nomeadamente do ponto 1.2 do anexo XI do Regulamento n.o 1907/2006 que, no âmbito de um critério do valor probatório das provas, os métodos de ensaio recentemente desenvolvidos e que, portanto, não correspondem aos definidos num regulamento da Comissão ou a métodos internacionais reconhecidos pela Comissão ou pela ECHA podem servir de prova para esse efeito.

78

Além disso, resulta do anexo XV, ponto I, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1907/2006, que é aplicável no caso em apreço por força do artigo 59.o, n.o 3, do referido regulamento, conjugado com o anexo XV, ponto I, primeiro parágrafo, segundo travessão, que, em todos os processos a que se refere o artigo 59.o do mesmo regulamento, as informações relevantes provenientes dos processos de registo são examinadas e que é possível recorrer a «outras informações disponíveis».

79

É certo que resulta do artigo 13.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1907/2006 que, para efeitos de registo das substâncias, em geral, quando são necessários ensaios em substâncias para obter informações sobre as suas propriedades intrínsecas, esses ensaios devem ser realizados em conformidade com os métodos de ensaio definidos num regulamento da Comissão ou em conformidade com outros métodos de ensaio internacionais reconhecidos pela Comissão ou pela ECHA como adequados.

80

No entanto, resulta de uma leitura conjugada do artigo 13.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1907/2006 e do anexo XI, ponto 1.1.2, do mesmo regulamento que as disposições acima referidas no n.o 79 não constituem uma regra absoluta que proíba liminarmente a ECHA de tomar em consideração, para efeitos da identificação de substâncias que suscitam uma elevada preocupação, estudos que não tenham sido realizados em conformidade com métodos validados.

81

Embora o artigo 13, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1907/2006 exija que os ensaios em substâncias sejam realizados em conformidade com métodos validados no plano internacional, o artigo 13.o, n.o 3, segundo parágrafo, desse regulamento permite a produção das informações sobre as propriedades intrínsecas das substâncias «de acordo com outros métodos de ensaio, desde que estejam satisfeitas as condições fixadas no anexo XI». A esse respeito, o anexo XI, ponto 1.1.2, do Regulamento n.o 1907/2006 dispõe nomeadamente que os dados sobre as propriedades relativas ao ambiente provenientes de experiências não efetuadas em conformidade com as boas práticas de laboratório ou com os métodos de ensaio a que se refere o artigo 13.o, n.o 3, desse regulamento são considerados equivalentes a esses dados, se estiverem preenchidas certas condições mencionadas nesse mesmo ponto, relativo, por exemplo, à duração da exposição ou aos parâmetros‑chave.

82

Além disso, o anexo XI, ponto 1.2, do Regulamento n.o 1907/2006 precisa que o recurso a métodos de ensaio recentemente desenvolvidos, mas que ainda não figuram entre os métodos validados no plano internacional referidos no artigo 13.o, n.o 3, do mesmo regulamento, «pode permitir comprovar suficientemente que a substância tem ou não tem uma determinada propriedade perigosa». Assim, o Regulamento n.o 1907/2006 reconhece que os dados não normalizados ou não validados podem apoiar as conclusões sobre as propriedades intrínsecas de uma certa substância a partir do momento em que a ECHA segue o critério do valor probatório das provas na identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação. É inerente a este critério que o seu caráter não normalizado e, sendo caso disso, a sua reduzida fiabilidade devam ser tomados em consideração na ponderação das provas para concluir sobre as propriedades intrínsecas de uma substância, sem que a reduzida fiabilidade de um determinado estudo se oponha de forma absoluta e geral à sua consideração na identificação de uma substância nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

83

À luz destas considerações, há que concluir que não existe uma proibição de princípio de a ECHA tomar em consideração estudos «não normalizados» ou «exploratórios» para sustentar, no âmbito do critério do valor probatório das provas, conclusões extraídas de estudos normalizados que sigam um método de ensaio validado para efeitos da identificação de uma substância como substância que suscita elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

84

Esta conclusão de modo nenhum é posta em causa pelo argumento da recorrente de que a ECHA aplica uma dupla norma na medida em que a versão 3.1 do seu guia sobre a partilha dos dados de janeiro de 2017 recomenda aos declarantes das substâncias que apresentem estudos com uma nota de fiabilidade de 1 ou 2 na escala de cotação de Klimisch, se considerarem ter o direito de pedir uma compensação financeira por parte de outro declarante.

85

Com efeito, há que observar a este respeito que a versão 3.1 do guia sobre a partilha de dados de janeiro de 2017 da ECHA contém unicamente uma simples recomendação desprovida de valor jurídico vinculativo e que tem unicamente por objetivo identificar os estudos que supostamente são objeto de uma compensação financeira devido à sua elevada qualidade no âmbito do regime de partilha de dados previsto nos artigos 27.o e 30.o do Regulamento n.o 1907/2006. Enquanto tal, esta recomendação não pode constituir uma norma que orienta a ECHA na seleção dos estudos que fundamentam a identificação de uma substância como substância que suscita elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do referido regulamento. Pelo contrário, a ECHA deve respeitar o critério da prova que decidiu seguir, o que implica que deve tomar em consideração todas as provas relevantes, não deixando de as ponderar em função, entre outros critérios, da sua fiabilidade científica.

86

Além disso, há que rejeitar o argumento da recorrente de que os estudos «não normalizados» ou «exploratórios» estão regularmente feridos por deficiências que se opõem à sua utilização para fins regulamentares.

87

Antes de mais, não se pode deixar de observar que, no âmbito da escala de cotação de Klimisch, em que se baseou a ECHA no caso presente, os estudos que não estejam inteiramente em conformidade com os métodos validados podem, ainda assim, ser considerados fiáveis com restrições.

88

Aliás, como acertadamente assinalam a República Federal da Alemanha e a ClientEarth, não existem métodos validados para todas as questões relacionadas com as propriedades endócrinas das substâncias químicas. Os estudos que estão em conformidade com os métodos validados não são necessariamente os estudos mais relevantes, na medida em que não exploram forçosamente os parâmetros mais sensíveis com vista à identificação das propriedades endócrinas. Em contrapartida, como refere igualmente a República Francesa a esse respeito, os estudos exploratórios são regularmente levados a cabo com o objetivo específico de verificar uma hipótese científica precisa, de modo que permitem, em complementaridade com estudos normalizados, a identificação dessas propriedades. Por conseguinte, um critério que exclua em regra o recurso a estudos não normalizados ou exploratórios tornaria impossível a identificação de substâncias que apresentam um risco para o ambiente. Ora, o princípio da precaução, em que assentam as disposições do Regulamento n.o 1907/2006 por força do seu artigo 1.o, n.o 3, implica que, quando subsistam incertezas quanto à existência ou ao alcance de riscos para a saúde das pessoas, podem ser tomadas medidas de proteção, sem aguardar que a realidade e a gravidade desses riscos estejam plenamente demonstradas (v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2019, Blaise e o., C‑616/17, EU:C:2019:800, n.o 43).

89

Uma vez que não existe, portanto, uma proibição de princípio de a ECHA tomar em consideração estudos não normalizados ou exploratórios para sustentar, no âmbito do critério do valor probatório das provas, conclusões já extraídas de estudos normalizados e que, de qualquer forma, a ECHA não se baseou exclusivamente, no caso presente, em estudos não normalizados ou exploratórios para fundamentar a decisão recorrida, como resulta do documento de apoio, há que concluir que é improcedente ou, de qualquer forma, inoperante a alegação da recorrente de que a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação ao não excluir de forma geral os estudos não normalizados ou exploratórios das provas que sustentavam a identificação do bisfenol A como substância que suscita elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do referido regulamento.

90

Em face do exposto e sem prejuízo do exame individual dos argumentos sobre a fiabilidade de certos estudos apresentados no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, há que julgar improcedente a segunda alegação da primeira parte do primeiro fundamento e, com ela, essa parte.

2.   Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação na identificação do bisfenol A como substância com propriedades perturbadoras do sistema endócrino relativamente à qual existem provas científicas de que pode ter efeitos graves no ambiente que suscitam um nível de preocupação equivalente ao suscitado pelas substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 1907/2006

91

Com a segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que a ECHA cometeu vários erros manifestos de apreciação na identificação do bisfenol A como perturbador endócrino que pode ter efeitos graves no ambiente que suscitam um nível de preocupação equivalente ao suscitado pela utilização de outras substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 1907/2006.

92

A segunda parte do primeiro fundamento articula‑se, em substância, em torno de três alegações. Primeiro, a recorrente alega erro manifesto de apreciação cometido pela ECHA na avaliação das provas com vista à identificação do bisfenol A. Segundo, impugna o facto de a ECHA ter demonstrado que estava cientificamente provado que o bisfenol A teve efeitos graves devido ao seu modo de ação endócrino. Em terceiro lugar, alega que a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação na determinação do nível de preocupação previsto no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

a)   Quanto à primeira alegação da segunda parte do primeiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação na avaliação das provas com vista à identificação do bisfenol A como perturbador endócrino com efeitos graves no ambiente

93

Com a primeira alegação da segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que a ECHA cometeu um erro manifesto na avaliação das provas em que se baseou para a identificação do bisfenol A nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, na medida em que seguiu um critério arbitrário e incoerente na avaliação das provas e se baseou em estudos que apresentavam falhas numerosas e graves que não teve em conta para avaliar a sua fiabilidade. Ora, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, só as substâncias «como as que apresentam propriedades perturbadoras do sistema endócrino […] em relação às quais existam provas científicas de que são suscetíveis de provocar efeitos graves […] no ambiente» podem ser incluídas na lista das substâncias candidatas.

94

A título preliminar, há que observar que a ECHA tinha margem de apreciação na identificação das propriedades intrínsecas do bisfenol A. Nestas condições, segundo jurisprudência constante, para demonstrar que essa agência cometeu um erro manifesto na apreciação de factos complexos suscetíveis de justificar a anulação de um dos seus atos, as provas apresentadas pela recorrente devem ser suficientes para deixar sem plausibilidade as apreciações dos factos dados por provados nesse ato. Sob reserva desta apreciação, não cabe ao Tribunal Geral substituir a apreciação dos factos complexos feita pelo autor desse ato pela sua própria apreciação (v. Acórdão de 9 de setembro de 2011, França/Comissão, T‑257/07, EU:T:2011:444, n.o 86 e jurisprudência aí referida). Além disso, a limitação da fiscalização do juiz da União não afeta o seu dever de verificar a exatidão material das provas invocadas, a sua fiabilidade e a sua coerência, bem como de fiscalizar se essas provas constituem a totalidade dos dados relevantes a ter em consideração na apreciação de uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões que deles são extraídas (v. Acórdão de 9 de setembro de 2011, França/Comissão, T‑257/07, EU:T:2011:444, n.o 87 e jurisprudência aí referida).

95

É à luz destas considerações que se deve verificar se, no caso, a apreciação da ECHA relativa às propriedades intrínsecas do bisfenol A como perturbador endócrino nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006 está ferida de erro manifesto.

1) Quanto à avaliação das provas

96

A recorrente alega que a ECHA não aplicou um método de exame sistemático existente nem redigiu um documento para expor os princípios relativos à seleção dos estudos que tomou em consideração para efeitos da avaliação do bisfenol A com vista à adoção da decisão recorrida. Assim, adotou um critério arbitrário e incoerente não só para selecionar mas também para avaliar as provas. A ECHA baseou‑se nomeadamente em estudos que apresentavam falhas numerosas e graves que não teve em conta para avaliar a sua fiabilidade.

97

Ora, o artigo 13.o e o anexo XI do Regulamento n.o 1907/2006 definem os critérios relativos à identificação de informações e o guia da ECHA sobre a partilha de dados exige que se determine, nomeadamente, a fiabilidade de um estudo de acordo com a escala de cotação de Klimisch. Entende que, porém, a ECHA aplicou mal essa escala de cotação. Com efeito, cotou, nomeadamente, como muito fiável ou fiável com restrições (1 ou 2 na escala de cotação de Klimisch) estudos que, segundo a recorrente, deveriam ter sido cotados como não suficientemente documentados ou não válidos (3 ou 4 na escala de cotação de Klimisch). No entanto, esses estudos foram posteriormente invocados pela ECHA para sustentar a sua conclusão final.

98

Além disso, a avaliação da fiabilidade de vários estudos in vivo, conforme exposta no documento de apoio, contradiz manifestamente as avaliações da fiabilidade realizadas no relatório EU RAR. Esses erros na avaliação da fiabilidade dos estudos levaram a ECHA a cometer um erro manifesto no que respeita à aplicação correta do critério das provas a todas as informações recolhidas. Não forneceu, nomeadamente, nenhuma justificação quanto ao modo diferente como ponderou as provas invocadas.

99

Resulta igualmente do protocolo relativo à avaliação dos perigos apresentados pelo bisfenol A, conforme desenvolvido pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), que, com vista à seleção dos estudos relevantes para a avaliação dos seus efeitos de perturbação do sistema endócrino no ambiente, devem ser definidos critérios científicos de forma precisa e transparente. Além disso, a recorrente faz referência ao anexo I do Regulamento (CE) n.o 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (JO 2008, L 353, p. 1), que exige que a qualidade e a coerência dos dados sejam asseguradas de forma adequada no âmbito de um critério do valor probatório das provas.

100

Em apoio dos seus argumentos, a recorrente invoca, fazendo referência ao Acórdão de 11 de setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho (T‑13/99, EU:T:2002:209), «os princípios da excelência, da transparência e da independência».

101

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

102

Há que observar que, contrariamente ao que alega a recorrente, a ECHA aplicou um método de exame sistemático, o que resulta da secção 5.2 do documento de apoio. Esta indica que o ponto de partida da avaliação do bisfenol A é a definição de perturbador endócrino para o ambiente dada pela OMS, conforme interpretada pelo grupo consultivo dos peritos dos perturbadores endócrinos da Comissão. Aliás, o documento de apoio indica que a avaliação segue as Orientações para a avaliação de substâncias químicas devido às suas propriedades de perturbador endócrino estabelecidas pela OCDE no seu documento de orientação n.o 150.

103

Seguidamente, o documento de apoio explica que tanto os dados in vitro como os dados in vivo foram tomados em consideração para demonstrar o modo de ação endócrino, os efeitos graves, a relação biológica plausível entre estes últimos e o modo de ação endócrino, bem como a relevância ambiental. Para esse efeito, o documento de apoio explica que dois tipos de efeitos diferentes foram avaliados separadamente, a saber, por um lado, os indicadores de um modo endócrino e, por outro, as consequências para os pontos de avaliação apicais. Dado que, como se esclarece no documento de apoio, os indicadores de um modo de ação endócrino e os efeitos apicais diferem consoante os táxones, a avaliação baseou‑se nos estudos sobre os peixes, os anfíbios e os invertebrados, precisando embora que os dados sobre os invertebrados só podem apoiar as conclusões extraídas de forma principal dos dados sobre determinadas espécies de peixes e de anfíbios. Por outras palavras, os dados sobre os invertebrados não tiveram, para efeitos da adoção da decisão recorrida, uma importância decisiva autónoma nas conclusões da ECHA.

104

Resulta igualmente do documento de apoio que os dados in vitro e in vivo foram tidos em conta segundo o critério do valor probatório das provas, como previsto no anexo XI do Regulamento n.o 1907/2006 e como acima descrito no n.o 63. Para o efeito, todos os estudos utilizados pela ECHA foram avaliados quanto à sua fiabilidade científica. O documento de apoio atribui igualmente a cada estudo uma nota de fiabilidade recorrendo à escala de cotação de Klimisch. Assim, o documento de apoio expõe os critérios que aplica para determinar se um estudo pode ser considerado fiável sem restrições (1 na escala de cotação de Klimisch), fiável com restrições (2 na escala de cotação de Klimisch), não fiável (3 na escala de cotação de Klimisch) ou se não pode ser atribuída nenhuma cotação (4 na escala de cotação de Klimisch).

105

Refira‑se, a esse respeito, que o documento de apoio, na página 22, contém uma descrição sintética do sistema de cotação aplicado que não é inteiramente idêntico à escala de cotação de Klimisch, conforme acima descrita no artigo referido no n.o 56. Assim, a título de exemplo, segundo essa publicação, a cotação «1 = fiável sem restrições» é atribuída aos estudos ou dados realizados ou obtidos em conformidade com orientações validadas ou internacionalmente reconhecidas, de preferência em conformidade com as boas práticas de laboratório, mas também com estudos em que todos os parâmetros sejam fortemente comparáveis a uma orientação. Ora, segundo o documento de apoio, a cotação 1 é atribuída aos estudos cuja conceção, execução e documentação são de boa qualidade, mas que não estão necessariamente em conformidade completa com orientações adotadas à escala internacional como, por exemplo, os estudos adotados pela OCDE. Interrogada no âmbito de uma medida de organização do processo sobre essas diferenças na definição dos critérios de cotação, a ECHA confirmou, no entanto, que tinha recorrido exclusivamente à escala de cotação de Klimisch para efeitos da identificação do bisfenol A. Por conseguinte, as diferenças na descrição sintética que figura no documento de apoio apresentam‑se como puramente terminológicas e não alteram o sistema de cotação aplicado no caso presente, que é o de Klimisch.

106

Tendo em conta a fiabilidade atribuída a um estudo, o documento de apoio distingue entre os estudos‑chave identificados em função da sua fiabilidade e a relevância desse estudo. Assim, resulta das respostas da ECHA a uma questão do Tribunal Geral que os estudos fiáveis (cotados 1 ou 2 na escala de cotação de Klimisch) que oferecem mais informações sobre o modo de ação endócrino e os seus efeitos são qualificados de estudos‑chave, ao passo que os estudos de menor fiabilidade e que apresentam menos informações sobre o modo de ação endócrino unicamente apoiam as conclusões extraídas principalmente nos estudos‑chave e contribuem, assim, para o valor probatório das provas.

107

Por conseguinte, há que observar que a ECHA aplicou um método de exame que, de forma sistemática, garante que a identificação dos dados in vivo e in vitro sobre diferentes táxones como provas relevantes seja efetuada no pleno respeito do princípio da excelência científica. A atribuição de uma cotação segundo a escala de cotação de Klimisch a cada estudo permitiu nomeadamente à ECHA uma ponderação dos dados em função da sua fiabilidade científica. Ora, tal ponderação é inerente precisamente ao critério aplicado pela ECHA na identificação do bisfenol A como substância que suscita elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, que é o critério do valor probatório das provas.

108

Quanto ao protocolo relativo à avaliação dos perigos apresentados pelo bisfenol A desenvolvido pela EFSA, refira‑se que esse protocolo invocado pela recorrente não pode definir critérios para a avaliação das propriedades intrínsecas do bisfenol A que devem ser respeitadas pela ECHA. Esse protocolo é unicamente relevante para a missão atribuída à EFSA, que é diferente da atribuída à ECHA. Assim, o protocolo da EFSA concentra‑se na avaliação do risco ligado a uma utilização específica do bisfenol A, a saber, o risco induzido pela exposição do consumidor a uma substância, nomeadamente por via alimentar através dos materiais em contacto com os alimentos, a fim de determinar a dose diária tolerável de exposição ao bisfenol A.

109

Refira‑se, por outro lado, que o facto de a fiabilidade de certos estudos ter sido avaliada de forma diferente no relatório EU RAR e no documento de apoio não pode pôr em causa, de forma geral, a avaliação das propriedades intrínsecas do bisfenol A efetuada pela ECHA. Antes de mais, esse relatório não avalia de forma sistemática a fiabilidade dos estudos utilizados. Não aplica, nomeadamente, a escala de cotação de Klimisch. Além disso, como claramente indica o documento de apoio, essa avaliação tem como finalidade a avaliação das propriedades endócrinas do bisfenol A, o que a distingue de outras avaliações do bisfenol A, a saber, nomeadamente, a avaliação que resulta do relatório EU RAR e que tem por finalidade definir uma concentração previsível sem efeitos para o bisfenol A e não uma avaliação das suas propriedades intrínsecas como perturbador endócrino.

110

A esse respeito, há que observar igualmente que é certo que a escala de cotação de Klimisch constitui um instrumento metodológico de referência no caso presente. No entanto, só se a ECHA tivesse aplicado este sistema de cotação de fiabilidade de forma geralmente incoerente, afetando assim a ponderação das provas, é que esse critério poderia ser considerado ferido de erro manifesto de apreciação na identificação do bisfenol A como substância que suscita uma elevada preocupação. Ora, a coerência da aplicação da escala de cotação de Klimisch deve ser avaliada no contexto específico da identificação do bisfenol A tal como efetuada pela ECHA. O facto de outras instituições terem cotado a fiabilidade do mesmo estudo de forma diferente pode nomeadamente explicar‑se pelo contexto específico e pelo objetivo dessa avaliação e não põe necessariamente em causa, por si só, o acerto da cotação atribuída globalmente a um estudo pela ECHA.

111

Em face do exposto, há que rejeitar o argumento da recorrente relativo a uma alegada inexistência de método de exame sistemático.

2) Quanto aos estudos in vitro

112

No que respeita, em primeiro lugar, a certos dados in vitro invocados em apoio da conclusão relativa aos dados in vivo, a recorrente considera que a ECHA reconheceu certas deficiências, como, nomeadamente, uma falta de controlo com o antagonista E2 nos ensaios MCF‑7 e conhecimentos científicos limitados quanto à forma de interpretar resultados a partir de dados in vitro sobre os invertebrados. No entanto, a ECHA não discutiu o facto de esses dados serem pouco concludentes, nomeadamente para sustentar as conclusões extraídas dos dados in vivo.

113

Afirma que a ECHA também não teve em conta, como aliás reconhece, o facto de o ensaio relativo à proteína de transporte de esteroides não poder fornecer dados relativos à afinidade da proteína de receção dos compostos sujeitos ao ensaio.

114

Além disso, os estudos in vitro que serviram de base para verificar a via de atividade dos recetores de estrogénios e dos recetores dos andrógenos no documento de apoio não assentam numa orientação de ensaio validada pela OCDE nem num protocolo validado pela Environmental Protection Agency (EPA, Agência para a Proteção do Ambiente, Estados Unidos). De resto, o documento de apoio apresenta apenas um número restrito de estudos sobre a atividade androgénica e sobre uma atividade semelhante à da hormona tiroideia. Além disso, os estudos referidos no documento de apoio relativos à ativação transcrita ou aos genes relatores sob o controlo dos recetores dos estrogénios, dos recetores dos andrógenos e dos recetores tireoideus extraem, segundo a recorrente, conclusões relativas ao bisfenol A, quando não contêm nenhum dado relativo ao bisfenol A. A ECHA reconheceu no documento preparado pela Autoridade Alemã Competente (v. n.o 9, supra) que esses estudos foram referidos de forma errada. Todavia, não alterou as conclusões suportadas por esses estudos.

115

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, rejeita estes argumentos.

116

Há que observar que o documento de apoio é prudente na apreciação dos dados extraídos dos estudos in vitro, cujo valor probatório individual limitado é reconhecido pela ECHA. A título de exemplo, verifica‑se, na página 29 do documento de apoio, que não está excluída a possibilidade de os efeitos observados no âmbito dos ensaios MCF‑7 não terem sido causados por um modo de ação endócrino do bisfenol A. O documento de apoio conclui, na página 32, que o conjunto dos dados in vitro sugere que o bisfenol A «pode» ter um modo de ação endócrino. Os dados in vitro, considerados isoladamente, não permitem, portanto, efetivamente, extrair conclusões definitivas sobre o modo de ação do bisfenol A. É, no entanto, coerente que a ECHA utilize esses dados no âmbito do critério do valor probatório das provas, na medida em que esses dados apoiam os efeitos observados nos estudos in vivo sobre os peixes e sobre os anfíbios.

117

A esse respeito, não se pode deixar de observar que a recorrente não sugere que os dados in vitro contradizem os efeitos observados in vivo. Limita‑se a pôr em causa a relevância de certos dados in vitro, sem daí extrair consequências sobre o valor probatório do conjunto das provas ponderadas. Ora, esse critério não se opõe a que, apesar do seu caráter eventualmente menos fiável e pouco conclusivo só por si, os dados in vitro possam apoiar as conclusões extraídas dos dados considerados mais fiáveis e concludentes.

118

Como salientou igualmente a ECHA, o quadro geral dos dados in vitro disponíveis corresponde às conclusões relativas aos efeitos in vivo observados. Assim, os fracos efeitos antiandrógenos observados in vitro podem, em certa medida, explicar o aparecimento in vivo de efeitos estrogénicos apicais como um rácio dos sexos desigual a favor das fêmeas. No que respeita mais especificamente ao teste da proteína de ligação dos esteroides sexuais, resulta do documento de apoio que esse teste mostra a capacidade do bisfenol A para inibir a ligação do E2 à proteína plasmática de ligação dos esteroides sexuais.

119

Por conseguinte, os argumentos da recorrente não são suscetíveis de demonstrar um erro manifesto de apreciação na avaliação dos estudos in vitro que entende viciar a identificação do bisfenol A como perturbador endócrino que pode ter efeitos graves no ambiente na aceção do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

3) Quanto aos estudos in vivo efetuados em invertebrados

120

Em segundo lugar, no que respeita aos estudos in vivo efetuados para observar os efeitos endócrinos nos invertebrados, a recorrente alega que certos estudos sobre os caracóis para o compartimento de água doce e certos estudos sobre oligochaeta para o compartimento sedimentar contêm avaliações erradas. Esses estudos tiveram, no entanto, incidência causal na adoção da decisão recorrida.

i) Quanto ao estudo Oehlmann et al. (2006) sobre o caracol marisa cornuarietis

121

Primeiro, de acordo com a recorrente, os estudos sobre o caracol marisa cornuarietis efetuados por Oehlmann, nomeadamente Oehlmann et al. (2006), estão feridos de grandes deficiências na sua conceção e nos pormenores fornecidos, igualmente referidos no relatório EU RAR e publicados no estudo Dietrich et al. (2006). Afirma que, com efeito, nenhum laboratório independente teria confirmado os efeitos graves que a Oehlmann apresentou. Em particular, os efeitos de «super‑feminização» observados por Oehlmann não poderiam ter sido reproduzidos pelo estudo Forbes et al. (2008), que, por sua vez, teria utilizado um dispositivo de ensaio mais sólido e mais válido do ponto de vista estatístico e ter‑se‑ia baseado numa estirpe do marisa cornuarietis que se prestasse melhor aos ensaios de ecotoxicidade. A concentração sem efeitos mais fraca observada por Forbes et al. (2008) teria sido 3 a 4 vezes superior à dos estudos de Oehlmann. Além disso, no processo de validação pela OCDE do que se tornou na orientação de ensaio n.o 242 relativa aos ensaios de reprodução do potamopirgus antipodarum, verificou‑se que o sistema de ensaio não podia ser validado para os efeitos de «super‑feminização». A esse respeito, a recorrente salienta que o marisa cornuarietis e o potamopirgus antipodarum são espécies‑chave que pertencem ao mesmo grupo taxonómico, a saber moluscos prosobranchia. Por conseguinte, seria «muito provável» que apresentassem características reprodutivas e sistemas endócrinos idênticos.

122

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, rejeita estes argumentos.

123

A respeito dos estudos in vivo efetuados sobre os invertebrados, refira‑se, a título preliminar, que resulta do próprio documento de apoio que, na falta de acordo científico sobre a definição de uma relação biológica plausível entre os efeitos e o modo de ação endócrino nessas espécies de invertebrados, bem como devido ao seu caráter fragmentário, os dados extraídos desses estudos serviram unicamente de prova de caráter adicional em apoio das conclusões extraídas em primeiro lugar dos estudos sobre os peixes e os anfíbios.

124

Quanto aos estudos da Oehlmann, a ECHA não impugna, nomeadamente, que apresentam certas deficiências quanto à sua conceção experimental que, de resto, são expressamente descritas no documento de apoio e que foram tidas em conta na cotação da sua fiabilidade. O próprio documento extrai daí a consequência de que há que tratar esses estudos com prudência, sem, no entanto, ignorar os efeitos reportados nesses estudos que o documento de apoio considera um indicador possível do facto de o marisa cornuarietis reagir de forma sensível a uma exposição ao bisfenol A.

125

No entanto, como acima se refere no n.o 64, o critério do valor probatório das provas não se opõe a que a identificação de uma substância se baseie igualmente em dados com pouca fiabilidade científica per se, quando esta seja tomada em consideração na ponderação dos dados. No caso, os estudos de Oehlmann, como todos os dados retirados dos estudos sobre os invertebrados, não constituem dados‑chave na avaliação do modo de ação endócrino do bisfenol A, mas apenas servem de apoio a essa avaliação. Daí resulta igualmente que o facto de os efeitos reportados por Oehlmann não terem podido ser reproduzidos no estudo Forbes et al. (2008) não pode pôr em causa, nomeadamente, as conclusões extraídas dos estudos‑chave sobre o modo de ação endócrino efetuados sobre peixes e anfíbios.

126

Além disso, o documento de apoio examina as razões que poderiam explicar o facto de os efeitos observados nos estudos do Oehlmann não terem podido ser reproduzidos. Entre elas figuram a diferença de estirpe utilizada e os efeitos de ocultação de uma elevada taxa de reprodução, bem como o facto de a sazonalidade não ter sido tomada em consideração no estudo Forbes e algarismos (2008). Segundo o documento de apoio, os efeitos observados nos estudos de Oehlmann podem, além disso, ser atribuídos aos metabolitos que são bem visíveis nas concentrações relevantes em condições semiestatísticas, e não em condições dinâmicas como as utilizadas por Forbes. Aliás, como referem a República Federal da Alemanha e a ClientEarth, os estudos de Forbes não se destinavam a reproduzir os estudos de Oehlmann.

127

Por conseguinte, a forma como a ECHA tratou os estudos de Oehlmann não está ferida de erros à luz das exigências impostas pelo critério do valor probatório das provas.

ii) Quanto aos estudos Duft et al. (2003) e Jobling et al. (2004) sobre o caracol potamopyrgus antipodarum

128

Em segundo lugar, a recorrente apresenta observações parecidas quanto aos estudos sobre o caracol potamopyrgus antipodarum realizados por Duft et al. (2003) e por Jobling et al. (2004). A esse respeito, a recorrente alega que os resultados relativos aos efeitos do bisfenol A referidos nesses estudos não puderam ser confirmados por outros estudos definitivos, nomeadamente Forbes et al. (2007), Forbes et al. (2008), Warbritton et al. (2007a) e Warbritton et al. (2007b).

129

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, rejeita estes argumentos.

130

Refira‑se que, segundo o documento de apoio, a ECHA teve em conta os efeitos observados por Duft et al. (2003) e por Jobling et al. (2004) sobre o caracol potomopyrgus antipodarum no âmbito do critério do valor probatório das provas como dados que sustentam unicamente as conclusões sobre o modo de ação endócrino do bisfenol A nos peixes e nos anfíbios. Esses estudos observaram uma estimulação da produção embrionária em concentrações reduzidas que a ECHA tratou como indicativo de um modo de ação comparável ao de um modo de ação estrogénico. Assim, a ECHA deu um valor relativo inferior a esse estudo, como, de resto, a todos os estudos sobre os invertebrados, na ponderação global dos dados disponíveis. Dito isto, o caráter puramente indicativo dos efeitos reportados por Jobling et al. (2004) e Duft et al. (2003) não pode ser posto em causa pelo facto de estes não terem sido confirmados pelos estudos invocados pela recorrente.

131

Por último e de qualquer forma, a recorrente não apresentou nenhuns elementos que invalidem os efeitos reportados por Jobling et al. (2004) e Duft et al. (2003) e capazes de demonstrar que os resultados desses autores não podiam servir de prova de apoio às conclusões sobre o modo de ação endócrino do bisfenol A.

iii) Quanto ao estudo Ladewig et al. (2006) sobre a lumbriculus variegatus

132

Em terceiro lugar, a recorrente alega que a ECHA se baseou erradamente num estudo sobre o verme anelídeo nelide lumbriculus variegatus efetuado por Ladewig et al. (2006). Esse estudo não teve por objetivo apresentar dados sólidos para a avaliação dos riscos, mas sim apresentar uma nova abordagem técnica. Há que observar, aliás, que o estudo de alta qualidade Picard (2010c) indica um nível de concentração sem efeitos quatro vezes superior ao do estudo exploratório Ladewig et al. (2006).

133

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, rejeita estes argumentos.

134

A este respeito, não se pode deixar de observar que o documento de apoio conclui expressamente que o potencial modo de ação subjacente do bisfenol A não resulta claramente do estudo Ladewig et. al. (2006). Assim, a ECHA teve efetivamente em consideração o valor probatório limitado desse estudo na identificação das propriedades de perturbador endócrino do bisfenol A no âmbito do critério das provas. De resto, dado que os estudos sobre os invertebrados só sustentam essa identificação no âmbito do critério do valor probatório das provas, as alegadas deficiências na avaliação do estudo Ladewig et al. (2006), admitindo‑as demonstradas, não podem, seja como for, constituir um erro manifesto de apreciação na identificação do bisfenol A nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

135

Em face de todas estas considerações, improcedem os argumentos invocados em relação aos estudos efetuados sobre os invertebrados.

4) Quanto aos estudos in vivo sobre os anfíbios

136

Em terceiro lugar, a recorrente alega que a ECHA se baseou em determinados estudos sobre espécies de anfíbios como provas sólidas, apesar de o CEM ter reconhecido a reduzida disponibilidade dos dados e a sua reduzida qualidade. Mais precisamente, os dados in vitro existentes não correspondem às constatações in vivo a esse respeito. Os dados in vitro, que são, aliás, fracos e limitados, provam interações com o recetor das hormonas tiroideias e indicam que o bisfenol A é um antagonista desse recetor, ao passo que os dados in vivo que constatam um desenvolvimento acelerado nos anfíbios vão no sentido de o bisfenol A ser um agonista do recetor das hormonas tiroideias. Por conseguinte, o mecanismo que dá origem a um desenvolvimento acelerado nos anfíbios é obscuro.

137

Aliás, os dados in vivo sobre os anfíbios apresentam graves insuficiências. Assim, no estudo Heimeier et al. (2009) sobre o xenopus laveis, que o documento de apoio considera ser um estudo‑chave e que é cotado fiável com restrições (2 na escala de cotação de Klimisch), os animais de controlo encontravam‑se na fase de desenvolvimento de 54 na escala relevante de Nieuwkoop e Faber no início do estudo e só atingiram a fase 56 passados 21 dias, ao passo que o método de ensaio relevante, a saber, a orientação n.o 231 da OCDE sobre os ensaios de metamorfose dos anfíbios, exige que os animais de controlo apresentem um estádio de desenvolvimento 51 no início do estudo e que atinjam pelo menos o estádio de desenvolvimento 57 passados 21 dias. Por conseguinte, a recorrente põe em causa a fiabilidade de todo o estudo, que, em seu entender, deveria ter recebido uma nota de fiabilidade de 3 na escala de cotação de Klimisch e, por essa razão, não podia constituir uma prova sólida no caso presente. De resto, a ECHA não teve em conta essas observações comunicadas na consulta pública do processo elaborado em conformidade com o anexo XV.

138

Nas suas observações sobre a resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral dirigida a esse respeito à ECHA, a recorrente salientou ainda que as observações que constam do estudo Heimeier e o. (2009) se podem igualmente explicar em razão de uma conceção errada de estudo, a saber, ignorar o regime alimentar quotidiano. Acresce que foram feitas as mesmas observações quanto aos elementos de controlo negativos que não sofreram nenhuma exposição ao bisfenol A. Por último, segundo a recorrente, o estudo Iwamuro et al. (2003) sobre a mesma espécie não podia reforçar as conclusões quanto à existência de um modo de ação tiroideu, dado que os efeitos só foram observados em concentração equivalente a uma toxicidade aguda, o que não está em conformidade com o ensaio de metamorfose dos anfíbios segundo a orientação n.o 231 da OCDE.

139

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, rejeita estes argumentos.

140

Refira‑se, antes de mais, que o documento de apoio conclui que o bisfenol A atua como antagonista tiroideu nos anfíbios. A esse respeito, baseia‑se, nomeadamente, nos indicadores de um modo de ação tiroideu, conforme previstos pela orientação n.o 231 da OCDE, à luz dos quais os estudos in vivo efetuados no xenopus laevis foram avaliados. Entre esses indicadores figura, nomeadamente, um atraso no desenvolvimento como indicador de um modo de ação tiroideu antagonista, na condição de não se poder observar qualquer toxicidade sistemática.

141

Ora, ao contrário do que alega a recorrente, ambos os estudos in vivo em que se baseia o documento de apoio como estudos‑chave, a saber, Heimeier et al. (2009) e Iwamuro et al. (2003), referem, como, aliás, confirma a ECHA em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, esse atraso no desenvolvimento, o que sugere, segundo a orientação n.o 231 da OCDE, que o bisfenol A neutraliza os efeitos da hormona tiroideia T3.

142

Em particular, no que respeita ao estudo Heimeier et al. (2009), o documento de apoio precisa as diferenças entre este e a orientação n.o 231 da OCDE. Em face dessas diferenças, a atribuição de uma nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch revela‑se coerente. É certo que esse estudo se desvia da referida orientação. No entanto, a ECHA assinala de forma convincente ou, pelo menos, plausível as razões pelas quais a considerou muito bem documentada. Por outro lado, a sua qualificação de estudo‑chave não parece estar ferida de erro, uma vez que, segundo a metodologia seguida pela ECHA no caso presente, os estudos que receberam a nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch podem servir de estudo‑chave na medida em que os efeitos reportados apresentem particular relevância.

143

A esse respeito, importa, aliás, observar que as diferenças com a orientação n.o 231 da OCDE não podem, por si só, pôr em causa a importância da observação de uma atividade antagónica nas hormonas tiroideias. Com efeito, essa observação, feita no estudo Heimeier et al. (2009), é confirmada por outros estudos in vivo que constam do documento de apoio, incluindo nomeadamente o estudo‑chave Iwamuro et al. (2003) sobre a mesma espécie. É certo que do próprio estudo resulta que foi efetuado em concentrações relativamente altas, o que não está necessariamente em conformidade com as recomendações que figuram na orientação n.o 231 da OCDE. Contudo, é só nas suas observações sobre as respostas da ECHA às questões colocadas pelo Tribunal Geral que a recorrente alega que o estudo Iwamuro et al. (2003) foi efetuado a uma concentração tóxica. A esse respeito, segundo a orientação n.o 231 da OCDE, só na inexistência de toxicidade é que o atraso no desenvolvimento é um indicador forte de atividade antitiroideia. No entanto, não se pode deixar de observar que a recorrente não baseia essa hipótese em elementos factuais circunstanciados. Nestas circunstâncias, tendo em conta o facto de a ECHA ter atribuído a esse estudo a nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch, o que tem em conta o facto de esse estudo não estar inteiramente em conformidade com um método validado, a consideração do estudo Iwamuro et al. (2003) pela ECHA não constitui um erro manifesto de apreciação. De resto, as conclusões extraídas dos estudos Heimeier et al. (2009) e Iwamuro et al. (2003) são sustentadas por diversos outros estudos sobre espécies de anfíbios que o documento de apoio considera estudos de suporte. Assim, resulta do documento de apoio e da resposta da ECHA a uma pergunta escrita do Tribunal Geral que o estudo Goto et al. (2006) refere uma inibição espontânea da metamorfose do xenopus (silruna) tropicalis e do rana rugosa causada por uma exposição ao bisfenol A que bloqueia o recetor de hormonas tiroideias, nomeadamente a hormona T3. O facto de esse estudo só ter sido efetuado numa única concentração, como refere a recorrente, foi tido em conta no documento de apoio, na medida em que atribui a esse estudo a nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch e não a qualifica de estudo‑chave.

144

Além disso, a hipótese de um modo de ação tiroideu é corroborada pelos ensaios in vitro igualmente tidos em conta no documento de apoio, que demonstraram que o bisfenol A perturbava o eixo hipotálamo‑hipófiso‑tiroideu e referem uma atividade antagonista nos recetores das hormonas tiroideias responsáveis pelo atraso de desenvolvimento observado nos estudos in vivo.

145

Em face do exposto, há que considerar que os argumentos da recorrente que contestam o recurso, no caso, pela ECHA, aos estudos sobre os anfíbios e mais em particular ao estudo Heimeier et al. (2009) sobre o xenopus laevis não podem demonstrar um erro manifesto que fira as conclusões que deles extraiu quanto ao modo de ação tiroideu do bisfenol A. Assim, esses argumentos não podem invalidar o valor probatório de todas as provas que levaram a ECHA à identificação do bisfenol A nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

5) Quanto aos estudos in vivo nos peixes

146

Em quarto lugar, a recorrente alega que certos estudos sobre os efeitos estrogénicos do bisfenol A em espécies de peixes não corroboram a conclusão da ECHA sobre as propriedades intrínsecas do bisfenol A como perturbador endócrino que pode ter efeitos graves no ambiente.

i) Quanto ao estudo Chen et al. (2015) sobre o peixe‑zebra (danio rerio)

147

Primeiro, a recorrente alega que o estudo multigeracional sobre o peixe‑zebra (danio rerio) Chen et al. (2015), mencionado nas páginas 41, 42 e 53 do documento de apoio como um «estudo‑chave», não é fiável para efeitos de avaliação das propriedades endócrinas do bisfenol A, pelo facto de ter grandes inconvenientes, nomeadamente fraca replicação, falta de controlo, incoerências analíticas e documentação insuficiente, pelo que, no caso, a ECHA não se podia basear nesse estudo. A esse respeito, a recorrente remete para a declaração feita pelo Reino Unido na 57.a reunião do CEM segundo a qual não existiam informações suficientes para validar os resultados desse estudo. Com efeito, não foi efetuado em conformidade com os métodos de ensaio validados que exigem que se proceda a ensaios com múltiplos níveis de exposição.

148

Além disso, a recorrente alega que o estudo Chen et al. (2015) é o único estudo invocado pela ECHA que refere efeitos em baixa concentração, ao passo que a maior parte dos estudos sobre o modo de ação endócrino do bisfenol A revela efeitos a concentrações tóxicas agudas, o que entende impedir que se determine de forma fiável os efeitos de um modo de ação específico, uma vez que qualquer efeito observado poderá igualmente ser consequência de uma concentração tóxica aguda e não de um modo de ação real do bisfenol A.

149

Acresce que, segundo a recorrente, existe incerteza quanto ao efeito reportado pelo estudo Chen et al. (2015) quanto ao rácio dos sexos no peixe que a ECHA reconheceu como um critério‑chave na determinação das propriedades de perturbação endócrina de uma substância. Esse efeito foi demonstrado através de uma inspeção visual, o que, por um lado, não é fiável para o peixe‑zebra devido ao facto de apresentar poucas características sexuais secundárias distintas e, por outro, não foi confirmado através de uma inspeção histológica, a saber, por uma determinação precisa do sexo através do estudo de células e de tecidos. A esse respeito, para constituir uma apreciação estatisticamente sólida, como sugere, nomeadamente, o método de ensaio n.o 240 da OCDE, deveria ter sido objeto dessa inspeção histológica uma amostra ampla e representativa. Ora, o estudo Chen et al. (2015) não contém detalhes quanto ao número exato de peixes inspecionados.

150

Por último, a recorrente observa que os dados relativos ao bisfenol A para o oryzias latipes, a saber, a espécie de peixe que foi objeto do maior número de estudos de investigação quanto à alteração potencial do rácio dos sexos, indicam que nenhuma alteração do rácio dos sexos foi observada de um modo geral. Apenas dois estudos, a saber, os estudos Yokota et al. (2000) e Na et al. (2002), referiram alteração do rácio dos sexos, embora os seus resultados sejam contraditórios. Em contrapartida, seis outros estudos, a saber, os estudos Metcalfe et al. (2001), Kashiwada et al. (2002), Sun et al. (2014), Bhandari et al. (2015), Kang et al. (2002) e Tabata et al. (2001), não observaram nenhuma alteração do rácio dos sexos.

151

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

152

Em resposta aos argumentos relativos ao estudo Chen et al. (2015), refira‑se que as deficiências alegadas pela recorrente e pelo Reino Unido na sua declaração anexa à ata da 57.a reunião do CEM relativamente a esse estudo sobre o peixe‑zebra (danio rerio), resultantes nomeadamente de ter sido efetuado com uma única concentração, são expressamente reconhecidos nas páginas 42 e 43 do documento de apoio. Esse documento indica claramente que o estudo Chen et al. (2015) não está em conformidade com as boas práticas de laboratório. Além disso, segundo a página 53 do documento de apoio, a atribuição a esse estudo de uma nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch tem em conta o facto de o estudo só ter sido efetuado numa única concentração. Essa cotação corresponde, portanto, à metodologia da ECHA que aplica os critérios de Klimisch, acima descrita no n.o 104. A esse respeito, há que recordar que algumas deficiências dos estudos, mesmo significativas, não são, por si só, suficientes para os excluir à partida. Por último, essas deficiências devem ser apreciadas em relação à capacidade de esses estudos, não obstante, sustentarem a conclusão que são chamados a corroborar. No âmbito do amplo poder de apreciação conferido à ECHA, conforme acima descrito no n.o 62, e, mais especificamente, no critério do valor probatório das provas, as divergências de opiniões em relação a essas questões não são suficientes para pôr de lado um estudo ou a conclusão que é chamado a sustentar. Tal consequência só se impõe se a ECHA tiver ignorado completa e erradamente elementos cuja inclusão teria alterado a avaliação global das provas de uma forma tal que deixasse a decisão final privada de plausibilidade.

153

Ora, em face do exposto, não se pode considerar que o tratamento do estudo Chen et al. (2015) pela ECHA esteja ferido de erro manifesto de apreciação. É certo que as deficiências desse estudo foram evidenciadas, mas, com base em explicações, não se considerou terem uma gravidade suscetível de justificar que o estudo fosse considerado desprovido de fiabilidade e de relevância relativamente às conclusões a que procede. Visto poder ser considerado um estudo fiável e tendo em conta o facto de esse estudo registar múltiplos efeitos do bisfenol A, a ECHA também não cometeu qualquer erro manifesto ao qualificá‑lo de estudo‑chave em conformidade com a sua própria metodologia.

154

A esse respeito, refira‑se mais especificamente, como fez a ClientEarth no seu articulado de intervenção, que o facto de o estudo ter sido efetuado a uma única concentração não se opõe per se a que seja tido em conta na identificação do bisfenol A, uma vez que a identificação de uma substância como substância que suscita elevada preocupação assenta nas suas propriedades intrínsecas.

155

Quanto aos efeitos sobre o rácio dos sexos observados no estudo Chen et al. (2015), há que observar desde logo que a recorrente não impugna o facto de o documento de apoio considerar o rácio dos sexos um ponto de avaliação que pode servir de indicador de um modo de ação endócrino. Como indicado no documento de apoio, esse critério não está em conformidade com a orientação n.o 150 da OCDE, segundo a qual não existe nenhum caso de alteração do rácio dos sexos que não seja causado por um perturbador endócrino.

156

Resulta do documento de apoio e dos articulados das partes que as observações visuais da repartição por sexo foram efetivamente objeto de verificação por exames histológicos duplo cego. No entanto, a ECHA não pôde indicar o número exato de peixes que foram objeto dessa inspeção histológica. Por conseguinte, não se pode determinar se uma amostra suficientemente ampla e representativa foi objeto de tal verificação histológica, como recomendada pelo método de ensaio n.o 240 da OCDE. Refira‑se, no entanto, que o documento de apoio não sugere que a ECHA tenha tratado esse estudo como um estudo em perfeita conformidade com métodos validados. Pelo contrário, a ECHA atribuiu‑lhe a nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch para refletir as deficiências metodológicas que o viciam, sem pôr em causa a sua fiabilidade geral. Do mesmo modo, resulta da página 42 do documento de apoio, no que respeita a esse estudo, que não havia grandes diferenças entre os resultados da inspeção visual, por um lado, e da inspeção histológica, por outro. Assim, verifica‑se que, na medida em que foi efetuada uma inspeção histológica, os seus resultados não estavam em contradição com os da inspeção visual. Daí resulta que o facto de a extensão da inspeção histológica no estudo Chen et al. (2015) não estar mais amplamente documentada não basta para pôr em causa os resultados reportados por esse estudo.

157

Quanto à questão da reprodutibilidade dos efeitos no rácio dos sexos, conforme reportados por Chen et al. (2015), cabe fazer as seguintes observações.

158

Em primeiro lugar, é certo que resulta do documento de apoio que nem o estudo‑chave Segner et al. (2003a) nem o estudo Keiter et al. (2012), igualmente efetuados sobre o danio rerio a concentrações superiores às aplicadas no estudo Chen et al. (2015), observaram efeitos no rácio dos sexos. Há que observar igualmente que a ECHA não estava em condições de fornecer, em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, as razões subjacentes que poderiam explicar essa inexistência de efeitos sobre o rácio dos sexos. No entanto, esses estudos referem outros indicadores que confirmam a existência ou, pelo menos, a verosimilhança de um modo de ação endócrino do bisfenol A, a saber, nomeadamente, uma indução da vitelogenina. Por conseguinte, a inexistência de observações sobre o rácio dos sexos não pode ser reveladora, por si só, de uma contradição que permita pôr suficientemente em causa, no plano científico, as constatações do estudo Chen et al. (2015).

159

Em segundo lugar, também foram observados efeitos sobre o rácio dos sexos noutra espécie de peixe. Trata‑se do oryzias latipes, no estudo‑chave Yokota et al. (2000). É verdade que esse estudo diz respeito não só a outra espécie de peixe, mas também foi efetuado a uma concentração superior à do estudo Chen et al. (2015). Por conseguinte, não pode corroborar diretamente as conclusões do estudo Chen et al. (2015) quanto a este ponto. Não obstante, esses dois estudos, em conjunto, contribuem para o valor probatório das provas no que respeita aos efeitos do bisfenol A sobre o rácio dos sexos nas populações de peixes. Com efeito, no caso, os diferentes elementos apresentados pela ECHA constituem um conjunto de indícios que sustentam a sua hipótese. Em contrapartida, os elementos apresentados pela recorrente não são suscetíveis de retirar toda a plausibilidade ao valor probatório desse conjunto de indícios.

160

Por último, no que respeita aos seis estudos sobre o oryzias latipes referidos pela recorrente (v. n.o 150, supra) e que não observaram efeitos no rácio dos sexos, há que observar que isso se pode explicar, como avançou a ECHA a propósito dos estudos Kang et al. (2002) e Tabata et al. (2001), pelo facto de, nesses estudos, os peixes observados não terem sido expostos durante a fase sensível do seu desenvolvimento. Por conseguinte, a inexistência de efeitos sobre o rácio dos sexos nesses estudos não contradiz necessariamente os efeitos relatados nos estudos Yokota e a. (2000) ou Chen et al. (2015). Seguidamente, no que respeita aos estudos Metcalfe et al. (2001), Kashiwada et al. (2002), Sun et al. (2014) e Bhandari et al. (2015), refira‑se que, embora não refiram efeitos no rácio dos sexos, podem dar suporte às conclusões extraídas do estudo Chen et al. (2015) sobre o modo de ação endócrino do bisfenol A. Assim, o estudo Metcalfe et al. (2001) refere testis‑ova, alterações morfológicas nos testículos dos machos e ovogénese acelerada nas fêmeas. Por seu turno, o estudo Kashiwada et al. (2012) refere indução da vitelogenina, ao passo que o estudo Sun et al. (2014) refere eclosão reduzida e um alto nível de vitelogenina. Quanto ao estudo Bhandari et al. (2015), resulta do documento de apoio que este refere anomalias reprodutivas transgeracionais, tendo em conta as taxas de fertilização e a sobrevivência embrionária causadas por uma exposição ao bisfenol A.

161

Em face do exposto, não se pode deixar de observar que, no âmbito do critério do valor probatório das provas, as dúvidas expressadas tendo em conta o estudo Chen et al. (2015), nomeadamente a verificação e a reprodutibilidade dos efeitos no rácio dos sexos, mesmo admitindo‑as justificadas, não são capazes de demonstrar que a conclusão da ECHA de que o bisfenol A tem um modo de ação estrogénico nos peixes está ferida de erro manifesto de apreciação.

162

De qualquer forma, o estudo Chen et al. (2015) não se limita a constatar efeitos no rácio dos sexos, o que está no cerne das críticas da recorrente. Com efeito, esse estudo refere igualmente outros indicadores de um modo de ação estrogénico, a saber, efeitos sobre o número e a qualidade dos espermatozoides, bem como malformação e mortalidade das larvas. O facto de esse estudo ter sido efetuado a baixa concentração não pode, per se, pôr em causa as conclusões sobre o modo de ação estrogénico. Como acima se refere no n.o 63, um dado tido em conta no critério das provas pode, aliás, revelar‑se deficitário para um ponto de avaliação específico, sem que isso se oponha a que a conclusão seja extraída de uma visão de conjunto dos dados disponíveis que demonstrem efeitos semelhantes. No caso, é nomeadamente o estudo Segner et al. (2003a), cuja qualificação de estudo‑chave não é, de resto, posta em causa pela recorrente, que, segundo o documento de apoio, refere outros indicadores de um modo de ação estrogénico no danio rerio, a saber, uma indução da vitelogenina, os testis‑ova e uma redução da fertilização. Além disso, o estudo Chen et al. (2015) não é o único a demonstrar os efeitos no rácio dos sexos. Esses efeitos são igualmente reportados nomeadamente pelo estudo‑chave Yokota et al. (2000), cuja avaliação pela ECHA a recorrente não impugna. Por último, outros estudos sobre o danio rerio e o oryzias latipes referem outros indicadores de um modo de ação endócrino e dão suporte às conclusões extraídas dos estudos‑chave, nomeadamente como o estudo Yokota et al. (2000), sobre o oryzias latipes, mas também o estudo Segner et al. (2003a).

163

Assim, não se pode deixar de observar por acréscimo que, mesmo que o estudo Chen et al. (2015) não tivesse podido ser tido em conta, a ECHA não teria cometido qualquer erro manifesto de apreciação ao basear‑se no valor probatório de outros múltiplos estudos, que a recorrente não põe em causa, relativos ao modo de ação endócrino do bisfenol A.

ii) Quanto ao estudo Shioda e Wakabayashi (2000) sobre o oryzias latipes

164

Em segundo lugar, o estudo Shioda e Wakabayashi (2000) sobre o oryzias latipes, que, segundo o documento de apoio, refere efeitos a longo prazo na sequência de uma exposição a curto prazo ao bisfenol A, nomeadamente na eclosão dos ovos, não pode, segundo a recorrente, sustentar a hipótese de um modo de ação estrogénico, dado o seu fraco grau de fiabilidade, que aliás foi reconhecido no documento de apoio.

165

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

166

A título preliminar, não se pode deixar de observar que o documento de apoio atribui ao estudo Shioda e Wakabayashi (2000) a cotação de 2 na escala de cotação de Klimisch, o que sugere que a ECHA considerou esse estudo fiável com restrições. Ao mesmo tempo, o documento de apoio, na página 40, indica que é de «reduzida fiabilidade».

167

Interrogada sobre esta contradição aparente quanto ao estudo Shioda e Wakabayashi (2000), com cotação de 2 na escala de cotação de Klimisch, por um lado, e a sua qualificação como de «fraca fiabilidade», por outro, a ECHA explica‑a por um erro tipográfico e afirma que o documento de apoio deve ser lido e compreendido no sentido de uma fiabilidade relativamente «menor», o que reflete o facto de só ter sido testado um número limitado de organismos. No entanto, o estudo é relevante e válido.

168

Ora, embora seja verdade que a mesma formulação já se encontra no processo elaborado em conformidade com o anexo XV que propõe inicialmente a identificação do bisfenol A, mesmo admitindo que o estudo Shioda e Wakabayashi (2000) sobre o oryzias latipes deva ser efetivamente considerado de fraca fiabilidade, o facto de a ECHA se ter igualmente apoiado nesse estudo não pode constituir um erro manifesto de apreciação ao ponto de viciar a identificação do bisfenol A como substância que suscita uma elevada preocupação, conforme considerada na decisão recorrida.

169

Com efeito, há que observar que a ECHA tratou os efeitos relatados pelo estudo Shioda e Wakabayashi (2000) como apenas simples indicações suplementares de um modo de ação em apoio das conclusões extraídas dos estudos com valor probatório superior e que constituem estudos‑chave. Isto é igualmente ilustrado pelo facto de a breve análise do estudo Shioda e Wakabayashi (2000) no documento de apoio ser introduzida pela expressão «além disso» e se situar no fim da secção dedicada à análise dos efeitos sobre o oryzias latipes (v. p. 40 do documento de apoio). A ECHA não o considerou, nomeadamente, como um teste‑chave na ponderação dos dados. Ora, o critério do valor probatório das provas não se opõe a que a ECHA se baseie igualmente em informações com pouca fiabilidade, desde que a ponderação das informações tome em consideração esse reduzido grau da fiabilidade da informação.

170

Seguidamente, há que observar que a recorrente não explicou sobretudo em que medida os efeitos relatados no estudo Shioda e Wakabayashi (2000) contradizem as conclusões que a ECHA extraiu sobre a identificação do bisfenol A de outros estudos que demonstram efeitos a longo prazo na sequência da exposição ao bisfenol A, como, nomeadamente, o estudo Bhandari et al. (2015), realizado sobre a mesma espécie.

171

Por conseguinte, o argumento avançado com base no estudo Shioda e Wakabayashi (2000) não permite considerar que a identificação do bisfenol A está ferida de erro manifesto de apreciação.

iii) Quanto ao estudo Lahnsteiner et al. (2005) sobre a truta fário (salmo trutta fario)

172

Em terceiro lugar, segundo a recorrente, o estudo Lahnsteiner et al. (2005), relativo à truta fário (salmo trutta fario), mencionado nomeadamente na página 57 do documento de apoio, apresenta igualmente graves deficiências, tais como a reduzida qualidade dos peixes testados, baixa replicação, falta de confirmação analítica ou novos efeitos sem validação. Em consequência disso, concluiu‑se no relatório EU RAR que esse estudo não era adequado para fins regulamentares. Apesar desta conclusão, esse estudo é invocado no documento de apoio, acompanhado de uma nota de fiabilidade de 2 na escala de cotação de Klimisch. Ora, na opinião da recorrente, esse estudo deveria ter sido cotado em 3 na escala de cotação de Klimisch, ou seja, «não fiável».

173

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, rejeita este argumento.

174

A esse respeito, é certo que a ECHA não impugna o facto de o estudo Lahnsteiner et al. (2005) conter dados caracterizados por um baixo grau de fiabilidade. No entanto, como já acima se referiu no n.o 64, é inerente ao critério do valor probatório das provas o facto de a base de dados utilizada poder conter dados deficitários num determinado ponto de avaliação. Assim, a reduzida fiabilidade de certos dados contidos num estudo utilizado pela ECHA não se opõe, per se, a que a ECHA utilize esse estudo na avaliação de uma substância. No entanto, nesse caso, cabe à ECHA tomar em consideração a reduzida fiabilidade desses dados na ponderação dos diversos dados disponíveis.

175

No caso, resulta do documento de apoio que a ECHA se limitou a basear‑se nos pontos de avaliação fiáveis do estudo Lahnsteiner et al. (2005), tais como, nomeadamente, os efeitos observados na produção de óvulos e na fertilidade do sémen. Em contrapartida, o ponto de avaliação ligado a um atraso de ovulação, relativamente ao qual apenas foram examinados seis peixes, não foi tido em conta. Por conseguinte, a atribuição da nota 2 na escala de cotação de Klimisch (fiável com restrições) não revela estar ferida de erro manifesto de apreciação, na medida em que a ECHA se baseou unicamente em determinados dados que considerou fiáveis.

176

Quanto ao argumento da recorrente de que a ECHA não se podia basear no estudo Lahnsteiner et al. (2005), por não ter sido utilizado no âmbito do relatório EU RAR, há que salientar que este se destinava a demonstrar uma concentração previsível sem efeitos. Em contrapartida, a avaliação do estudo Lahnsteiner et al. (2005), tal como efetuada pela ECHA, inscreve‑se noutro contexto regulamentar que prossegue outra finalidade, a saber, a de identificar as substâncias que suscitam uma elevada preocupação na aceção do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

177

Em todo o caso, não se pode deixar de observar que, segundo o documento de apoio, os dados sobre a truta fário só deram suporte às conclusões sobre o modo de ação endócrina extraídas dos estudos in vivo efetuados noutras espécies de peixes, a saber, o oryzias latipes, o danio rerio e o pimephales promelas. Daí resulta que, mesmo admitindo que as críticas feitas pela recorrente ao estudo Lahnsteiner et al. (2005) fossem fundadas, não podem, seja como for, invalidar a identificação do bisfenol A como perturbador endócrino com base nesses dados tidos em conta a título principal.

178

Em face do exposto, os argumentos da recorrente relativos ao estudo Lahnsteiner et al. (2005) sobre a truta fário não podem sustentar a conclusão de erro manifesto de apreciação na identificação do bisfenol A como perturbador endócrino para efeitos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006.

iv) Quanto aos estudos de Bowmer e Gimeno (2001) e de Mandich et al. (2007) sobre a cyprinus carpio

179

Em quarto lugar, a recorrente invoca a reduzida fiabilidade de dois estudos sobre a cyprinus carpio.

180

Por um lado, segundo a recorrente, o estudo Mandich et al. (2007) sobre a cyprinus carpio, referido nas páginas 36 e 48 do documento de apoio, foi cotado em 1 na escala de cotação de Klimisch, apesar de ser um estudo que deve ser considerado exploratório, dado que não está em total conformidade com a orientação n.o 204 da OCDE no que respeita a certos pontos de avaliação nos quais a ECHA se teria, no entanto, apoiado. De resto, esse estudo apresenta certas deficiências, como, nomeadamente, documentação insuficiente, falta de pormenores sobre a histopatologia, falta de dados sobre os peixes de controlo, baixa reprodutibilidade e estatísticas reduzidas de corroboração. Tendo em conta estes elementos, uma avaliação adequada para esse estudo deveria, em seu entender, ter dado origem a uma cotação de fiabilidade de 3 na escala de cotação de Klimisch (ou seja, «não fiável»).

181

Afirma ainda que o estudo efetuado por Bowmer e Gimeno (2001), como referido nas páginas 36 e 48 do documento de apoio, só se baseia num resumo detalhado. Apesar de não existir publicação integral desse estudo, essa prova foi avaliada em nível 2 na escala de cotação de Klimisch, ou seja, «fiável com restrições», quando uma avaliação científica adequada sugeriria uma fiabilidade de nível 4, ou seja, «documentação insuficiente».

182

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

183

A esse respeito, há que lembrar, a título preliminar, por um lado, que o critério do valor probatório das provas não se opõe a que a ECHA se baseie em estudos que apresentam certas deficiências que afetam a sua fiabilidade, desde que a ECHA as tome em consideração na ponderação dos dados em que se baseia. Por outro lado, não se pode deixar de observar que os dados sobre a cyprinus carpio só serviram de apoio às conclusões extraídas dos estudos efetuados noutras espécies de peixes, a saber, nomeadamente, o danio rerio e o oryzias latipes. Por conseguinte, nenhum dos estudos efetuados na cyprinus carpio serviu de teste‑chave na ponderação dos dados com vista à identificação do bisfenol A como perturbador endócrino.

184

Antes de mais, quanto ao estudo Mandich et al. (2007), há que observar que o documento de apoio considera que esse estudo só parcialmente está em conformidade com a orientação n.o 204 da OCDE. Não revela, nomeadamente, nenhuma indicação de que os pontos de avaliação relativos à indução da vitelogenina ou a histopatologia das gónadas tenham sido analisados em conformidade com essa orientação validada. Ora, o documento de apoio considera‑a fiável sem restrições, atribuindo‑lhe a cotação de 1 na escala de cotação de Klimisch sem diferenciar entre os diferentes pontos de avaliação. Dado que essa nota está, em princípio, reservada aos estudos efetuados em plena conformidade com métodos validados no plano internacional, a cotação atribuída a esse estudo revela‑se errada. No entanto, como acima referido no n.o 182, a ECHA não considerou que esse estudo constituía um estudo‑chave com vista à identificação do bisfenol A. Servia unicamente como estudo de apoio no âmbito do critério do valor probatório das provas. Esse estudo não foi, portanto, determinante para a identificação do bisfenol A como substância que suscita elevada preocupação, apenas o corroborando. Daí resulta que, mesmo admitindo que a ECHA tivesse avaliado mal a fiabilidade desse estudo, esse erro não poria em causa as conclusões extraídas, nomeadamente, dos estudos‑chave conforme avaliados pela ECHA no documento de apoio.

185

Em seguida, quanto ao estudo Bowmer e Gimeno (2001), há que observar que resulta do documento de apoio, por um lado, que apenas um dos dois ensaios utilizados nesse estudo foi efetuado em conformidade com as boas práticas de laboratório, tal como definidas pela OCDE, e, por outro, que apenas está disponível um resumo alargado. À luz destas considerações, a atribuição da nota 2 na escala de cotação de Klimisch (fiável com restrições) não parece estar ferida de erro manifesto de apreciação. Dito isto, não se pode deixar de observar que, à semelhança do estudo Mandich et al. (2007), o estudo Bowmer e Gimeno (2001) só serviu de apoio à identificação do bisfenol A. Assim, mesmo que a cotação desse estudo viesse a revelar‑se errada, esse erro não poria em causa as conclusões extraídas nomeadamente dos estudos‑chave.

186

Em face do exposto, os argumentos apresentados tendo em conta os estudos efetuados na cyprinus carpio não podem deixar de ser julgados improcedentes e, em face de todos estes elementos, há que considerar que os argumentos invocados a respeito de determinados estudos in vivo efetuados em certas espécies de peixes não demonstraram a existência de um erro manifesto de apreciação na avaliação desses estudos que implicasse que não permitiam sustentar a conclusão de um modo de ação estrogénico do bisfenol A nos peixes através do critério da força probatória das provas.

6) Conclusão quanto à primeira alegação da segunda parte do primeiro fundamento

187

Em face do exposto, há que observar que, no exercício do seu poder de apreciação com vista à identificação, no caso presente, do bisfenol A como perturbador endócrino que pode ter efeitos graves no ambiente, a ECHA seguiu uma metodologia transparente e sistemática no respeito do princípio da excelência para efeitos de avaliação das diversas provas em que se baseou. No âmbito do critério do valor probatório das provas, a ECHA procedeu a uma ponderação dos dados in vivo e dos dados in vitro relativos a um grande número de estudos científicos tendo simultaneamente em conta a fiabilidade científica de cada estudo. Essa ponderação levou‑a a identificar um modo de ação endócrino, em primeiro lugar, com base em determinados estudos in vivo sobre determinadas espécies de peixes e de anfíbios, ao passo que outros dados in vivo, a saber, nomeadamente, os relativos a certas espécies de invertebrados, e os dados in vitro serviram de apoio a essas conclusões.

188

Foi o valor probatório do conjunto dos dados acima referidos que permitiu à ECHA formular as suas conclusões tendo com conta as propriedades intrínsecas do bisfenol A como perturbador endócrino. Essas conclusões não foram extraídas, nomeadamente, de um único estudo individual e ainda menos de um único estudo que servisse de estudo de apoio. Ora, não se pode deixar de observar que as críticas da recorrente relativas a certos estudos utilizados pela ECHA se limitam a pôr em causa a sua relevância individual ou o seu caráter pouco conclusivo, sem, no entanto, demonstrar uma contradição material nos efeitos reportados ou uma incoerência evidente na ponderação que invalidasse o valor probatório das provas.

189

Por conseguinte, improcede a primeira alegação da segunda parte do primeiro fundamento.

b)   Quanto à segunda alegação da segunda parte do primeiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação na medida em que a ECHA não demonstrou que existiam provas científicas de que o bisfenol A podia ter efeitos graves no ambiente devido às suas propriedades perturbadoras do sistema endócrino

190

Com a segunda alegação da segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação, pois não demonstrou que estava cientificamente provado que o bisfenol A podia ter efeitos graves no ambiente devido às suas propriedades perturbadoras do sistema endócrino. Ora, a recorrente precisa que, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, só podem ser identificadas como substâncias que suscitam elevada preocupação as substâncias que apresentem propriedades perturbadoras do sistema endócrino «em relação às quais existam provas científicas de que podem ter efeitos graves […] no ambiente».

191

A recorrente considera que as provas invocadas no documento de apoio não apresentam uma hipótese clara para demonstrar um modo de ação que perturbasse o sistema endócrino no ambiente no respeitante ao bisfenol A, apoiando‑se unicamente na descrição de observações individuais no contexto da perturbação do sistema endócrino, ao passo que os argumentos científicos são vagos e não sustentados. Entende que os dados que sustentam a existência de uma reduzida atividade estrogénica nos peixes e nos anfíbios não são suficientes para identificar uma substância que suscita uma elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006. As provas, pelo contrário, são extremamente fracas ou muito especulativas. Esta crítica é válida, nomeadamente, para o modo de ação sugerido nos peixes e nos anfíbios. Também não existem provas suficientes obtidas por exemplo através de estudos in vitro que permitam identificar o bisfenol A como substância com um modo de ação que perturbe o sistema endócrino.

192

Em apoio do seu argumento, a recorrente remete para as observações apresentadas pelo Reino da Dinamarca e pelo Reino Unido na consulta pública. Mais especificamente, o Reino Unido exprimiu as suas hesitações quanto à conclusão de que o bisfenol A causou inegavelmente os seus efeitos através de uma perturbação endócrina.

193

A recorrente refere ainda que a afirmação da ECHA de que um efeito está associado a um modo de ação perturbador do sistema endócrino não é acompanhada de provas suficientes para poder preencher os critérios enunciados no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006. A recorrente sublinha, a título geral, que a mera associação entre dois aspetos não apresenta, em seu entender, a prova científica exigida.

194

Além disso, entende que o facto de certos efeitos graves serem conhecidos como potencialmente «de mediação Oats» [estrogeno‑androgeno‑tiroideu‑esteroidiano] não constitui prova científica bastante de um modo de ação endócrino do bisfenol A in vivo com efeitos graves. Segundo a recorrente, havia que examinar e excluir a existência de outros eventuais mecanismos. Dado que a maior parte dos ensaios in vitro em mecanismos endócrinos avalia apenas o acontecimento molecular iniciador, eram necessários outros dados relativos aos efeitos indesejáveis suspeitos antes de se poder presumir que certos efeitos eram «de mediação Oats». Por outro lado, a simples afirmação de que certos efeitos são conhecidos como efeitos «de mediação Oats» é demasiado genérica e não explica quais os efeitos que estão em causa, nem como e por quem esses efeitos são conhecidos como «de mediação Oats», nem de que modo teria permitido à ECHA concluir pela existência de uma ligação biologicamente plausível. Por conseguinte, a ECHA devia ter recorrido a uma análise detalhada do modo de ação.

195

O documento de apoio não demonstra, nomeadamente, os acontecimentos bioquímicos, celulares e moleculares‑chave no modo de ação proposto, nem a concordância temporal ou a concordância dose‑resposta, limitando‑se a postular simplesmente a sua existência num cenário hipotético. Entende que, ao proceder desse modo, a ECHA não cumpriu os critérios que ela própria identificou no documento de apoio.

196

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

197

A esse respeito, há que examinar se a ECHA ignorou o nível de prova necessário para demonstrar que o bisfenol A causa efeitos graves no ambiente devido ao seu modo de ação endócrino.

198

A título preliminar, não se pode deixar de observar que o Tribunal Geral já declarou, no n.o 173 do acórdão de 11 de maio de 2017, Deza/ECHA (T‑115/15, EU:T:2017:329), que a probabilidade de um perturbador endócrino poder ter efeitos graves no ambiente bastava para estabelecer um nexo de causalidade na aceção do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006. Esse critério está, nomeadamente, em conformidade com o princípio da precaução, no qual se baseiam as disposições do Regulamento n.o 1907/2006 por força do seu artigo 1.o, n.o 3.

199

Além disso, o Tribunal Geral precisou, no n.o 94 do Acórdão de 20 de setembro de 2019, PlasticsEurope/ECHA (T‑636/17, pendente de recurso, EU:T:2019:639), que «os elementos de factos e de prova utilizados na análise de uma substância dev[iam] permitir determinar que [era] “plausível” que o modo de ação dessa substância p[udesse] conduzir a certos efeitos nefastos [e que, em] contrapartida, o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006 não exig[ia] uma prova absoluta da causalidade».

200

À luz destas considerações, há que fazer as seguintes observações. A ECHA expõe claramente no documento de apoio a metodologia seguida para determinar se existe uma relação biológica plausível entre o modo de ação endócrino do bisfenol A e os efeitos graves. Segundo essa metodologia, a ECHA avaliou, por um lado, indicadores de um modo de ação endócrino e, por outro, efeitos em pontos de avaliação apicais como provas que sustentavam a conclusão de que o bisfenol A causa efeitos graves devido ao seu modo de ação endócrino. A esse respeito, o documento considera, nomeadamente, que os estudos in vivo são relevantes para determinar se os efeitos graves são causados pelo modo de ação endócrino ou se são apenas a consequência de uma toxicidade sistémica geral.

201

A título de exemplo, as páginas 33 a 35 do documento de apoio explicam mais especificamente em relação aos estudos sobre os peixes, por um lado, os indicadores relevantes de um modo de ação endócrino, a saber, nomeadamente, uma indução da vitelogenina ou as modificações histológicas, e, por outro, os pontos de avaliação apicais que, segundo as Orientações n.o 150 sobre a avaliação dos perturbadores endócrinos da OCDE, podem ser considerados indicadores de um antagonista do recetor das hormonas estrogénicas, a saber, nomeadamente, uma diminuição das características sexuais secundárias e uma alteração do rácio dos sexos a favor das fêmeas no desenvolvimento sexual. A esse respeito, o documento de apoio explica que, em conjugação com os indicadores de uma atividade endócrina, os pontos de avaliação permitem constatar a existência de um modo de ação estrogénico.

202

É à luz destas considerações que o documento de apoio conclui, quanto ao oryzias latipes e ao danio rerio, que existe um nexo direto entre o modo de ação estrogénico e os efeitos graves observados. Estas conclusões são extraídas dos estudos científicos analisados no documento de apoio, todos eles tendo observado uma indução da vitelogenina no oryzias latipes e no danio rerio. Foram igualmente observadas alterações no rácio dos sexos no oryzias latipes, nomeadamente no estudo‑chave Yokota et al. (2000) e no danio rerio no estudo Chen et al. (2015).

203

Do mesmo modo, nos anfíbios, os estudos analisados no documento de apoio, nomeadamente os estudos‑chave Iwamuro et al. (2003) e Heimeier et al. (2009), fazem prova de um modo de ação tiroideu que se manifestou por uma perturbação do eixo hipotálamo‑hipófiso‑tiroideu e por um atraso de desenvolvimento, o que levou a ECHA a concluir pela existência de um nexo biológico plausível entre o modo de ação e os efeitos graves.

204

Em face do exposto, há que observar que, contrariamente ao que alega a recorrente, as provas invocadas pela ECHA não eram demasiado vagas nem demasiado especulativas. Com efeito, baseavam‑se na observação de eventos de tipo bioquímico celular e molecular. Esses dados puderam levar a ECHA a considerar que era biologicamente plausível que o bisfenol A causasse os seus efeitos devido a um modo de ação endócrino. Contrariamente ao que parece afirmar a recorrente, a ECHA não se limitou a «associar um certo efeito a um determinado modo de ação».

205

Por outro lado, no caso, a ECHA baseou‑se principalmente em determinados estudos‑chave relativos a certas espécies de peixes e a certas espécies de anfíbios para demonstrar a existência de uma ligação biológica plausível. Numerosos estudos in vivo e in vitro apoiam esta conclusão. A plausibilidade da existência de um nexo de causalidade constatada pela ECHA no documento de apoio não pode, portanto, ser posta em causa pelo simples facto de subsistirem incertezas relativamente a um número limitado de dados considerados isoladamente, como, por exemplo, certos elementos retirados do estudo Chen et al. (2015), conforme acima descritos. Com efeito, mesmo que a ECHA tivesse ignorado os estudos cujas alegadas deficiências são invocadas pela recorrente, o valor probatório de todas as provas restantes continuaria a ser suficiente para sustentar a conclusão da ECHA quanto à plausibilidade de um nexo de causalidade entre o modo de ação endócrino e os efeitos graves observados.

206

Nenhum dos argumentos da recorrente pode pôr em causa esta conclusão.

207

Antes de mais, no que respeita ao argumento de que a ECHA se limitou, na sua avaliação, admitindo, sem análise detalhada, que certos efeitos do bisfenol A seriam causados pela mediação endócrina, é certo que o documento de apoio pressupõe, na parte que descreve a metodologia utilizada, que alguns desses efeitos sejam de mediação endócrina. No entanto, o documento de apoio baseia essa pressuposição referindo‑se a publicações científicas. Assim, na página 34, o documento de apoio explica que a alteração do rácio dos sexos a favor das fêmeas é o resultado conhecido de uma exposição estrogénica ou antiandrogénica durante o desenvolvimento sexual, indicando três fontes de referência, incluindo as publicações da OCDE e do programa internacional sobre a segurança das substâncias químicas da OMS. Ao fazê‑lo, a ECHA partiu de uma hipótese que parece pelo menos plausível do ponto de vista científico e, por conseguinte, cumpre o padrão de prova quanto à existência de um nexo de causalidade biologicamente plausível entre o modo de ação e os efeitos graves.

208

Seguidamente, quanto ao argumento da recorrente de que os dados que sustentam a existência de uma fraca atividade estrogénica não eram suficientes para identificar um perturbador endócrino, refira‑se, em primeiro lugar, que a recorrente não define o que entende por fraca atividade endócrina e, por conseguinte, quais são os dados que considera insuficientes. Em segundo lugar, o critério do valor probatório das provas permite e obriga a ter em conta todos os dados relevantes em apoio de uma hipótese. Assim, a ECHA podia acertadamente basear as suas conclusões igualmente em dados que demonstrassem unicamente poucos efeitos. Em terceiro lugar, o grau dos efeitos observados não é um critério necessário para estabelecer um nexo de causalidade entre um modo de ação endócrino e os seus efeitos. Esse nexo de causalidade pode igualmente ser demonstrado, de forma plausível, com base em poucos efeitos.

209

Por último, quanto ao argumento da recorrente de que o Reino Unido expressou hesitações relativas à conclusão de que o bisfenol A causava os seus efeitos inegavelmente através de uma perturbação endócrina, refira‑se que essa observação por parte do Reino Unido foi efetivamente feita à luz dos dados contidos nos estudos sobre os invertebrados. Ora, resulta da página 135 do documento de apoio que a ECHA não se baseou de forma conclusiva nos dados relativos aos invertebrados, tendo‑se limitado a constatar que era possível que os efeitos do bisfenol A fossem causados por uma perturbação endócrina. Mais precisamente, a ECHA reconhece aí que, na falta de acordo científico sobre a definição de um nexo biológico plausível entre os efeitos e o modo de ação endócrino nessas espécies de invertebrados, essas provas apenas podem servir de suporte suplementar em apoio das conclusões extraídas, em primeiro lugar, dos estudos sobre os peixes e sobre os anfíbios. Por conseguinte, não se pode criticar a ECHA por ter rejeitado as hesitações expressas pelo Reino da Dinamarca e pelo Reino Unido na consulta da proposta de identificação.

210

Em face do exposto, a segunda alegação da segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

c)   Quanto à terceira alegação da segunda parte do primeiro fundamento, relativa a erro manifesto de apreciação na identificação de um nível de preocupação equivalente

211

Com a terceira alegação da segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação na identificação dos critérios previstos no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006 ao concluir que o bisfenol A suscitava «um nível de preocupação equivalente» ao suscitado pela utilização de outras substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas d) e e), do Regulamento n.o 1907/2006, a saber, por um lado, as substâncias PBT e, por outro, as substâncias vPvB.

212

Antes de mais, a recorrente alega que a fácil biodegradabilidade do bisfenol A e o facto de a potencial concentração no ambiente não exceder o limiar de inocuidade se opõem a que essa substância possa suscitar um nível de preocupação equivalente ao suscitado pela utilização das substâncias PBT ou vPvB, dado não se acumular no ambiente. A esse respeito, a recorrente invoca a secção 1.1 do anexo XIII do Regulamento n.o 1907/2006, segundo a qual uma substância não preenche o critério da persistência se for biodegradável. O alto nível de preocupação ligado às substâncias PBT/vPvB é suscitado essencialmente pela sua acumulação no ambiente devido às suas propriedades persistentes e bioacumuláveis. Embora a reunião das propriedades PBT e vPvB não seja exigida para que uma substância seja qualificada de perturbador endócrino na aceção do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, a recorrente considera que há que remeter para as propriedades relevantes para a identificação das substâncias PBT e vPvB, a saber, a persistência e a bioacumulação. Em apoio do seu argumento, a recorrente invoca observações feitas por vários Estados‑Membros, nomeadamente pelo Reino dos Países Baixos e pelo Reino Unido, sobre o processo elaborado em conformidade com o anexo XV do Regulamento n.o 1907/2006, insistindo na fácil e imediata biodegradabilidade do bisfenol A. A recorrente afirma que a ECHA respondeu a essas observações afirmando que o bisfenol A era facilmente biodegradável. No entanto, não pôs em causa as suas conclusões sobre o nível de preocupação equivalente. Além disso, a ECHA não demonstrou a existência de um nível de preocupação equivalente por referência a critérios diferentes da persistência ou da bioacumulação.

213

Além disso, a recorrente remete para a determinação de uma concentração previsível sem efeitos do bisfenol A no âmbito do relatório EU RAR, o que ilustra a possibilidade de determinar um nível seguro de exposição ao bisfenol A. No entanto, a ECHA concluiu de forma especulativa que parece difícil encontrar um nível seguro sem fornecer uma justificação relativa a essa conclusão, o que, segundo a recorrente, constitui um erro manifesto de apreciação que vicia a decisão recorrida.

214

Seguidamente, na medida em que, de resto, a ECHA se baseou na gravidade dos efeitos e no seu caráter irreversível, a recorrente sustenta que essas constatações se baseiam em estudos não fiáveis. Além disso, segundo a recorrente, a ECHA não pode invocar a gravidade dos efeitos para justificar o nível de preocupação, dado que, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, a gravidade dos efeitos já é tida em conta para determinar se o bisfenol A constitui uma substância relativamente à qual existem provas científicas de que pode ter efeitos graves no ambiente.

215

Por último, na opinião da recorrente, o simples facto de o CEM ter admitido por unanimidade que existia esse nível de preocupação era insuficiente e não podia suprir a falta de prova científica dessa afirmação.

216

A ECHA, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela ClientEarth, contesta estes argumentos.

217

A esse respeito, há que lembrar que o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006 exige, para a identificação de substâncias diferentes daquelas que preenchem os critérios de classificação referidos no artigo 57.o, alíneas a) a e), do mesmo regulamento, que se demonstre, caso a caso, com base em elementos científicos, por um lado, que as substâncias em causa podem provocar efeitos graves na saúde humana ou no ambiente e, por outro, que esses efeitos originam um nível de preocupação equivalente ao das substâncias referidas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 1907/2006, isto é, as substâncias CMR, PBT e vPvB. Esses pressupostos são cumulativos, pelo que a identificação de uma substância como substância que suscita elevada preocupação deve ser afastada quando um deles não estiver preenchido (Acórdão de 15 de março de 2017, Hitachi Chemical Europe e Polynt/ECHA, C‑324/15 P, EU:C:2017:208, n.o 26).

218

No que respeita ao segundo pressuposto enunciado no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, é necessário demonstrar que esses efeitos «originam um nível de preocupação equivalente» ao que é originado pelas substâncias CMR, PBT ou vPvB. Ora, como refere o Tribunal de Justiça no n.o 32 do Acórdão de 15 de março de 2017, Hitachi Chemical Europe e Polynt/ECHA (C‑324/15 P, EU:C:2017:208), o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006 não fixa nenhum critério nem fornece nenhuma precisão no que respeita à natureza das preocupações suscetíveis de ser tomadas em consideração para efeitos da identificação de uma substância que não seja CMR, PBT ou vPvB. Nestas condições, há que determinar se a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação na determinação do nível de preocupação.

219

Antes de mais, há que observar que o documento de apoio apresenta, através de um critério baseado no valor probatório das provas, uma série de considerações que levaram a ECHA a concluir pela existência de efeitos graves prováveis que suscitam um nível de preocupação equivalente. O documento de apoio invoca, nomeadamente, a gravidade dos efeitos na reprodução e no desenvolvimento sexual dos peixes e dos anfíbios, bem como a irreversibilidade desses efeitos potencialmente com consequências a longo prazo para a população, mesmo após uma exposição de curta duração ao bisfenol A. Além disso, o documento de apoio explica, por um lado, que o bisfenol A atua sobre uma ampla variedade de espécies ecologicamente importantes e que, por outro, a exposição a essa substância não está limitada a certos ambientes, visto ter ubiquidade. Por último, invoca a dificuldade em determinar e quantificar um limiar seguro de exposição.

220

Ora, não se pode deixar de observar que a recorrente não põe em causa estas conclusões na íntegra. Com efeito, limita‑se, por um lado, a discutir a possibilidade de estabelecer um nível seguro de exposição ao bisfenol A e, por outro, a alegar que a biodegradabilidade fácil e imediata do bisfenol A, que aliás não é impugnada pela ECHA, se opõe à constatação de um nível de preocupação equivalente ao suscitado, nomeadamente, pelas substâncias PBT e vPvB.

221

Antes de mais, quanto à possibilidade de determinar um nível seguro de exposição, há que observar que é certo que foi determinada no âmbito do relatório EU RAR uma concentração previsível sem efeitos.

222

Ora, como a ECHA explicou nas suas observações sobre uma resposta da recorrente a uma questão escrita do Tribunal Geral, contrariamente aos trabalhos efetuados com vista à determinação de uma concentração previsível sem efeitos, a identificação de uma substância nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006 não é uma questão de análise dos riscos, mas sim uma avaliação dos perigos inerentes às propriedades intrínsecas de uma substância. Assim, a possibilidade de deduzir um nível seguro no contexto deve ser avaliada em função dos perigos que o bisfenol A coloca para o ambiente em razão do seu modo de ação endócrino. Foi neste contexto que a ECHA teve em conta as incertezas evidenciadas na derivação de um nível seguro. O documento de apoio menciona a esse respeito, nomeadamente, dificuldades que resultam do facto de certos efeitos só poderem ser observados durante certas fases de vida, certos períodos ou então determinadas épocas. Além disso, foram identificadas dificuldades devido ao facto de o bisfenol A afetar uma grande variedade de organismos através de modos de ação endócrinos diferentes.

223

Em face destas incertezas, pelo menos plausíveis, a ECHA abordou com prudência a questão da possibilidade de determinar um nível seguro de exposição ao bisfenol A. Essa prudência justificava‑se, nomeadamente, à luz do princípio da precaução em que assentam as disposições do Regulamento n.o 1907/2006, de acordo com o seu artigo 1.o, n.o 1. Esse princípio, que constitui um princípio geral do direito da União, implica que, quando subsistam incertezas quanto à existência ou alcance de riscos para o ambiente, podem ser tomadas medidas de proteção sem ter de aguardar que a realidade e a gravidade desses riscos estejam plenamente demonstradas (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de outubro de 2019, Blaise e o., C‑616/17, EU:C:2019:800, n.o 43, e de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.o 45). Por conseguinte, não se pode criticar a ECHA por ter justificado o nível de preocupação suscitado pelos efeitos do bisfenol A devido ao seu modo de ação endócrino, nomeadamente ao invocar as incertezas que tinha identificado com vista à determinação de um nível seguro de exposição ao bisfenol A.

224

Seguidamente, quanto ao argumento de que a fácil e imediata biodegradabilidade do bisfenol A se opõe à determinação de um nível de preocupação equivalente ao suscitado pelas substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 1907/2006, há que observar, em primeiro lugar, que esse argumento se revela contraditório. Por um lado, a recorrente reconhece, com razão, que não é necessário que uma substância tenha propriedades PBT ou vPvB para poder ser considerada um perturbador endócrino na aceção do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2007. Por outro lado, considera que há que remeter para as propriedades relevantes para a identificação das substâncias PBT e vPvB para efeitos da determinação de um nível de preocupação equivalente. Neste contexto, a recorrente não explica, porém, quais seriam os critérios que permitiriam, em seu entender, a identificação de uma substância como perturbador endócrino sem ser ao mesmo tempo uma substância PBT e vPvB.

225

Esta interpretação dada pela recorrente ao artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006, por essência, faz dessa disposição uma simples duplicação das disposições do artigo 57.o, alíneas a) a e), do mesmo regulamento, o que retiraria qualquer efeito útil às disposições do artigo 57.o, alínea f), do referido regulamento. Tal interpretação seria, pois, contrária, nomeadamente, ao objetivo principal do Regulamento n.o 1907/2006, enunciado no seu artigo 1.o, n.o 1, a saber, o de assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente, na medida em que essa interpretação conduziria a uma situação em que as substâncias extremamente preocupantes que não apresentam as propriedades referidas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 1907/2006 não poderiam ser identificadas enquanto tais. Ora, segundo a própria redação do artigo 57.o, alínea f), do referido regulamento, essa disposição abrange nomeadamente as substâncias «que não preenchem os critérios [do artigo 57.o, alíneas d) e e), do referido regulamento]».

226

Segundo, a recorrente não explica em que medida a fácil biodegradabilidade do bisfenol A invalidaria, por si só, as conclusões da ECHA sobre o nível de preocupação que suscita. Ora, resulta do documento de apoio que a ECHA considerou que mesmo uma curta exposição ao bisfenol A pode bastar para causar efeitos graves, irreversíveis e a longo prazo nos organismos e nas populações. Por conseguinte, a fácil e imediata biodegradabilidade do bisfenol A não pode afetar o nível de preocupação, conforme identificado pela ECHA.

227

Terceiro, há que lembrar que a ECHA chegou à determinação de um nível de preocupação com base no valor probatório das provas. Assim, o argumento de que a ECHA se baseou em estudos não fiáveis, que corresponde à primeira alegação do primeiro fundamento, deve igualmente ser rejeitado. O valor probatório dos estudos avaliados permitiu à ECHA, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, concluir que os efeitos causados pelo bisfenol A em razão do seu modo de ação endócrino são de caráter irreversível na medida em que se transmitem entre as gerações, como referem os diversos estudos multigeracionais efetuados em espécies de peixes analisadas no documento de apoio.

228

Por último, quanto à severidade dos efeitos causados pelo bisfenol A devido ao seu modo de ação endócrino, refira‑se que é certo que o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento n.o 1907/2006 exige que se demonstre que o bisfenol A causa efeitos graves no ambiente. No entanto, isso não impede a ECHA de considerar a severidade desses efeitos em relação à severidade dos efeitos suscitados pelas substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do referido regulamento. Esse critério não constitui, nomeadamente, uma dupla contagem das provas, mas simplesmente uma análise dessas provas sob outra perspetiva.

229

Tendo essas provas em conta, não se pode deixar de observar que a recorrente não demonstrou de que modo a ECHA cometeu um erro manifesto de apreciação na fixação de um nível de preocupação equivalente.

230

Em face do exposto, improcede essa terceira alegação da segunda parte do primeiro fundamento e, com ela, essa parte e esse fundamento na íntegra.

[Omissis]

IV. Quanto às despesas

272

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela ECHA e pela ClientEarth, em conformidade com os pedidos destas últimas.

273

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. Assim, a República Federal da Alemanha e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A PlasticsEurope suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) e pela ClientEarth.

 

3)

A República Federal da Alemanha e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

 

Svenningsen

Pynnä

Laitenberger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de dezembro de 2020.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

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