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Document 62018CO0756

Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 24 de outubro de 2019.
LC e MD contra easyJet Airline Co. Ltd.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal d'instance d'Aulnay-sous-Bois.
Reenvio prejudicial — Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Artigo 99.o — Transporte aéreo — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Atraso considerável dos voos — Direito dos passageiros a indemnização — Prova da presença do passageiro no registo — Reserva confirmada pela transportadora aérea.
Processo C-756/18.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:902

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

24 de outubro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Artigo 99.o — Transporte aéreo — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Atraso considerável dos voos — Direito dos passageiros a indemnização — Prova da presença do passageiro no registo — Reserva confirmada pela transportadora aérea»

No processo C‑756/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal d’instance d’Aulnay‑sous‑Bois [Tribunal de Primeira Instância de Aulnay‑sous‑Bois (França)], por Decisão de 28 de novembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de dezembro de 2018, no processo

LC,

MD

contra

easyJet Airline Co. Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, J. Malenovský (relator) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de MD e LC, por J. Pitcher, avocate,

em representação do Governo francês, por A.‑L. Desjonquères e I. Cohen, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, P. Barros da Costa, L. Medeiros e C. Farto, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Hottiaux e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe LC e MD à easyJet Airline Co. Ltd (a seguir «easyJet») a respeito de uma indemnização pedida na sequência de atraso considerável de um voo.

Quadro jurídico

3

Nos termos do considerando 1 do Regulamento n.o 261/2004:

«A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser plenamente tidas em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.»

4

O artigo 2.o, alínea g), deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

g)

“Reserva”, o facto de o passageiro dispor de um bilhete ou outra prova, que indica que a reserva foi aceite e registada pela transportadora aérea ou pelo operador turístico».

5

O artigo 3.o do referido regulamento prevê:

«1.   O presente regulamento aplica‑se:

a)

Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica;

b)

Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica, a menos que tenham recebido benefícios ou uma indemnização e que lhes tenha sido prestada assistência nesse país terceiro, se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária.

2.   O disposto no n.o 1 aplica‑se aos passageiros que:

a)

Tenham uma reserva confirmada para o voo em questão e, salvo no caso de cancelamento a que se refere o artigo 5.o, se apresentarem para o registo:

tal como estabelecido e com a antecedência que tenha sido indicada e escrita (incluindo por meios eletrónicos) pela transportadora aérea, pelo operador turístico ou pelo agente de viagens autorizado,

ou, não sendo indicada qualquer hora,

até 45 minutos antes da hora de partida publicada; ou

b)

Tenham sido transferidos por uma transportadora aérea ou um operador turístico do voo para o qual tinham uma reserva para outro voo, independentemente do motivo.

[…]»

6

O artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 prevê:

«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)

250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

b)

400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros;

c)

600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7

Os demandantes no processo principal tinham uma reserva eletrónica para um voo de ida e volta operado pela easyJet, que incluía o voo de ida com partida de Paris (França) e destino a Veneza (Itália), em 8 de fevereiro de 2014, e o voo de regresso, em 10 de fevereiro de 2014.

8

Segundo os demandantes no processo principal, esse voo de regresso sofreu um atraso de 3 horas e 7 minutos à chegada a Paris.

9

Não tendo sido indemnizados por esse atraso, os demandantes no processo principal intentaram uma ação no órgão jurisdicional de reenvio, para que a easyJet fosse condenada no pagamento de 250 euros a cada um deles, a título da indemnização fixa prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004.

10

A easyJet, que não contesta o referido atraso, indefere o pedido de indemnização com o fundamento de que os demandantes no processo principal não apresentaram os cartões de embarque como prova da sua presença no registo.

11

Nestas circunstâncias, os demandantes no processo principal consideram que o problema da prova da presença no embarque deve ser esclarecido, argumentando, nomeadamente, que estar em poder de um cartão de embarque não pressupõe necessariamente a apresentação efetiva para o registo nem o embarque do passageiro na aeronave, que o artigo 3.o do Regulamento n.o 261/2004 não define o conceito de «registo» e que deve ser tida em conta a evolução digital em matéria de registo de passageiros, caracterizada pela desmaterialização da compra de bilhetes, pelas modalidades de registo em linha e pelos suportes eletrónicos dos bilhetes.

12

Em contrapartida, segundo a easyJet, a interpretação do Regulamento n.o 261/2004 não levanta dúvidas, tendo a Cour de cassation [Tribunal de Cassação (França)] esclarecido que cabe aos passageiros apresentar o cartão de embarque para provar a sua presença no registo.

13

Com efeito, a decisão de reenvio remete para a jurisprudência da Cour de cassation (Tribunal de Cassação) que confirmou acórdãos do órgão jurisdicional de reenvio em que este julgou improcedentes pedidos de indemnização fixa apresentados ao abrigo do Regulamento n.o 261/2004, por atraso considerável de voos, intentados por passageiros que, apesar da apresentação da prova da reserva eletrónica e de determinados certificados, não juntaram os cartões de embarque pertinentes.

14

Além disso, resulta da decisão de reenvio que, no âmbito do importante contencioso de massa submetido à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio, a maioria das transportadoras aéreas operadoras alega a não apresentação do cartão de embarque para recusar o pagamento da indemnização prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004 em caso de atraso considerável de voos, com fundamento na referida jurisprudência da Cour de cassation (Tribunal de Cassação).

15

Nestas circunstâncias, o Tribunal d’instance d’Aulnay‑sous‑Bois [Tribunal de Primeira Instância de Aulnay‑sous‑Bois (França)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do [Regulamento n.o 261/2004] ser interpretado no sentido de que, para invocar as disposições do regulamento, os passageiros devem provar a sua presença no registo?

2)

Em caso de resposta afirmativa, o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do [Regulamento n.o 261/2004] opõe‑se a um sistema de presunção simples, segundo o qual se dá como provado o requisito de presença do passageiro no registo a partir do momento em que este último disponha de uma reserva aceite e registada pela transportadora aérea operadora, na aceção do artigo 2.o, alínea g)?»

Quanto às questões prejudiciais

16

A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, previsto no artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (v., designadamente, Acórdão de 17 de setembro de 2015, van der Lans, C‑257/14, EU:C:2015:618, n.o 32 e jurisprudência referida).

17

Há que usar esta faculdade no âmbito do presente reenvio prejudicial.

18

Com efeito, é certo que, através das suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se, de uma maneira geral, sobre a questão de saber se o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que, para poder invocar as suas disposições, um passageiro deve provar a sua presença no registo e, em caso afirmativo, se, tendo em conta o artigo 2.o, alínea g), deste regulamento, é admissível presumir essa presença quando o passageiro tenha uma reserva aceite e registada pela transportadora aérea operadora.

19

Todavia, as questões do órgão jurisdicional de reenvio inserem‑se num contexto específico, ou seja, o da recusa da transportadora aérea em conceder, ao abrigo do Regulamento n.o 261/2004, a indemnização por atraso igual ou superior a três horas verificado no final de um voo para o qual os interessados têm uma reserva confirmada. Ora, como resulta do n.o 10 do presente despacho, a transportadora aérea não contesta a existência desse atraso, mas indefere o pedido de indemnização com o fundamento de que os interessados não provaram a sua presença no registo através da apresentação do cartão de embarque.

20

O órgão jurisdicional de reenvio também realça que tem para apreciação um considerável contencioso de massa. Em seu entender, a maioria das transportadoras aéreas recusa‑se a conceder, em caso de atraso considerável de voos, a indemnização prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, por não apresentação do cartão de embarque, apresentação exigida em conformidade com a jurisprudência assente do tribunal supremo do Estado‑Membro em causa.

21

Tendo em consideração os referidos elementos contextuais e a fim de dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil para poder resolver o litígio que lhe foi submetido, as suas questões devem ser entendidas como pretendendo determinar, em substância, se o Regulamento n.o 261/2004, nomeadamente o seu artigo 3.o, n.o 2, alínea a), deve ser interpretado no sentido de que pode ser recusada a indemnização ao abrigo desse regulamento aos passageiros de um voo com atraso de três horas ou mais à chegada, que tenham uma reserva confirmada para esse voo, apenas com o fundamento de que, quando formularam o pedido de indemnização, não provaram a sua presença no registo desse voo, nomeadamente através do cartão de embarque.

22

Nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado, quando, nomeadamente, a resposta a uma questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável.

23

Sendo esse o caso no presente processo, há que aplicar esta disposição.

24

Resulta da redação do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004 que este regulamento só se aplica se, por um lado, os passageiros tiverem uma reserva confirmada para o voo em causa e, por outro, se se apresentarem para o registo com a antecedência prevista nessa disposição.

25

Daqui resulta que, uma vez que os dois requisitos referidos nessa disposição são cumulativos, não se pode presumir a presença do passageiro no registo por ter uma reserva confirmada para o voo em causa.

26

Por outro lado, esta disposição especifica que o requisito da apresentação para o registo não é extensível aos passageiros abrangidos por um cancelamento de voo.

27

Ora, as questões prejudiciais dizem respeito a passageiros abrangidos por um atraso considerável de um voo.

28

A este respeito, na medida em que, à semelhança do processo principal, uma determinada transportadora aérea embarca os passageiros que têm uma reserva confirmada para o voo em questão e transporta‑os até ao seu destino, deve considerar‑se que estes cumpriram a obrigação de se apresentarem para o registo antes desse voo. Nestas circunstâncias, não é, por conseguinte, necessário provar essa presença aquando da formulação do seu pedido de indemnização.

29

Daqui resulta que se deve considerar que passageiros como os que estão em causa no processo principal, que têm uma reserva confirmada para um voo e que o tenham efetuado, cumpriram devidamente a obrigação de se apresentarem para o registo.

30

Deste modo, se chegarem ao destino com um atraso igual ou superior a três horas, esses passageiros têm direito a uma indemnização pelo referido atraso, ao abrigo do Regulamento n.o 261/2004, sem terem de apresentar, para o efeito, o cartão de embarque ou outro documento comprovativo da sua presença, com a antecedência prevista, no registo do voo atrasado.

31

Esta conclusão é, aliás, corroborada pelo objetivo, enunciado no considerando 1 do Regulamento n.o 261/2004, de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros.

32

Com efeito, os passageiros que sofram um atraso considerável do seu voo podem, assim, beneficiar do direito a indemnização, sem estarem sujeitos ao requisito, inadequado à sua situação, de, posteriormente, quando formularem o pedido de indemnização, terem de provar que estiveram presentes no registo do voo atrasado, no qual, em todo o caso, foram transportados.

33

Só assim não será se a transportadora aérea tiver elementos que possam provar que, contrariamente ao que afirmam, esses passageiros não foram transportados no voo atrasado em questão, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

34

Tendo em conta o que precede, há que responder às questões submetidas que o Regulamento n.o 261/2004, nomeadamente o seu artigo 3.o, n.o 2, alínea a), deve ser interpretado no sentido de que não pode ser recusada a indemnização ao abrigo desse regulamento aos passageiros de um voo com atraso de três horas ou mais à chegada, que tenham uma reserva confirmada para esse voo, apenas com o fundamento de que, quando formularam o pedido de indemnização, não provaram a sua presença no registo desse voo, nomeadamente através do cartão de embarque, exceto se for demonstrado que esses passageiros não foram transportados no voo atrasado em causa, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Quanto às despesas

35

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, nomeadamente o seu artigo 3.o, n.o 2, alínea a), deve ser interpretado no sentido de que não pode ser recusada a indemnização ao abrigo desse regulamento aos passageiros de um voo com atraso de três horas ou mais à chegada, que tenham uma reserva confirmada para esse voo, apenas com o fundamento de que, quando formularam o pedido de indemnização, não provaram a sua presença no registo desse voo, nomeadamente através do cartão de embarque, exceto se for demonstrado que esses passageiros não foram transportados no voo atrasado em causa, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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