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Document 62018CJ0230

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 8 de maio de 2019.
PI contra Landespolizeidirektion Tirol.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesverwaltungsgericht Tirol.
Reenvio prejudicial — Artigo 49.o TFUE — Artigo 15.o, n.o 2, e artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços — Restrição — Decisão de encerramento imediato de um estabelecimento comercial — Falta de fundamentação — Razões imperiosas de interesse geral — Prevenção da prática de infrações penais contra as pessoas que se dediquem à prostituição — Proteção da saúde pública — Caráter proporcionado da restrição da liberdade de estabelecimento — Artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Eficácia da fiscalização jurisdicional — Direitos de defesa — Princípio geral do direito a uma boa administração.
Processo C-230/18.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:383

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

8 de maio de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 49.o TFUE — Artigo 15.o, n.o 2, e artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços — Restrição — Decisão de encerramento imediato de um estabelecimento comercial — Falta de fundamentação — Razões imperiosas de interesse geral — Prevenção da prática de infrações penais contra as pessoas que se dediquem à prostituição — Proteção da saúde pública — Caráter proporcionado da restrição da liberdade de estabelecimento — Artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Eficácia da fiscalização jurisdicional — Direitos de defesa — Princípio geral do direito a uma boa administração»

No processo C‑230/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo do Tirol, Áustria), por Decisão de 27 de março de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de março de 2018, no processo

PI

contra

Landespolizeidirektion Tirol,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. Toader, presidente de secção, A. Rosas e M. Safjan (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de PI, por A. Zelinka, Rechtsanwalt,

em representação da Landespolizeidirektion Tirol, por C. Schmalzl, na qualidade de agente,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer e L. Malferrari, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.o 2, bem como dos artigos 41.o, 47.o e 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe PI à Landespolizeidirektion Tirol (Direção Regional de Polícia do Tirol, a seguir «Direção Regional») a respeito da legalidade do encerramento de um estabelecimento comercial gerido por PI.

Quadro jurídico

Direito da União

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

3

O artigo 15.o da Carta, com a epígrafe «Liberdade profissional e direito de trabalhar», prevê:

«1.   Todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite.

2.   Todos os cidadãos da União têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado‑Membro.

[…]»

4

As anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17) especificam, no que diz respeito ao seu artigo 15.o, n.o 2, que esta disposição consagra três liberdades garantidas pelos artigos 26.o, 45.o, 49.o e 56.o TFUE, a saber, a liberdade de circulação dos trabalhadores, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços.

5

Nos termos do artigo 16.o da Carta, com a epígrafe «Liberdade de empresa»:

«É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais.»

6

As anotações relativas à Carta especificam, no que diz respeito ao seu artigo 16.o, que esta disposição é baseada na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que reconheceu a liberdade de exercer uma atividade económica ou comercial e a liberdade contratual, bem como no artigo 119.o, n.os 1 e 3, TFUE, que reconhece a livre concorrência.

7

O artigo 35.o da Carta, com a epígrafe «Proteção da saúde», tem a seguinte redação:

«Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. […]»

8

O artigo 41.o da Carta, com a epígrafe «Direito a uma boa administração», dispõe:

«1.   Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.

2.   Este direito compreende, nomeadamente:

a)

O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente;

b)

O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;

c)

A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.

[…]»

9

O artigo 47.o da Carta, com a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», tem a seguinte redação:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

[…]»

10

O artigo 48.o da Carta, com a epígrafe «Presunção de inocência e direitos de defesa», dispõe, no seu n.o 2:

«É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.»

11

O artigo 51.o da Carta, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. […]»

12

O artigo 52.o da Carta, com a epígrafe «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», enuncia:

«1.   Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

2.   Os direitos reconhecidos pela presente Carta que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos.

[…]

7.   Os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da presente Carta.»

Diretiva 2006/123/CE

13

O artigo 4.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), com a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

5)

“Estabelecimento”: o exercício efetivo pelo prestador de uma atividade económica na aceção do artigo 43.o [CE], por um período indeterminado e através de uma infraestrutura estável a partir da qual a prestação de serviços é efetivamente assegurada;

6)

“Regime de autorização”: qualquer procedimento que tenha por efeito obrigar um prestador ou um destinatário a efetuar uma diligência junto de uma autoridade competente para obter uma decisão formal ou uma decisão tácita relativa ao acesso a uma atividade de serviço ou ao seu exercício;

[…]»

14

O capítulo III desta diretiva, com a epígrafe «Liberdade de estabelecimento dos prestadores», contém, na secção 1, com a epígrafe «Autorizações», os artigos 9.o a 13.o

15

O artigo 9.o da referida diretiva, com a epígrafe «Regimes de autorização», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros só podem subordinar a um regime de autorização o acesso a uma atividade de serviços e o seu exercício se forem cumpridas as condições seguintes:

a)

O regime de autorização não ser discriminatório em relação ao prestador visado;

b)

A necessidade de um regime de autorização ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)

O objetivo pretendido não poder ser atingido através de uma medida menos restritiva, nomeadamente porque um controlo a posteriori significaria uma intervenção demasiado tardia para se poder obter uma real eficácia.»

16

O artigo 10.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Condições de concessão da autorização», tem, no seu n.o 1, a seguinte redação:

«Os regimes de autorização devem basear‑se em critérios que obstem a que as autoridades competentes exerçam o seu poder de apreciação de forma arbitrária.»

17

A secção 2, com a epígrafe «Requisitos proibidos ou sujeitos a avaliação», do capítulo III da Diretiva 2006/123 inclui os seus artigos 14.o e 15.o

Direito austríaco

18

O § 14 da Tiroler Landes‑Polizeigesetz (Lei de Polícia do Tirol), de 6 de julho de 1976 (LGBl. n.o 60/1976), na sua versão resultante da última alteração (LGBl. n.o 56/2017) (a seguir «Lei de Polícia»), com a epígrafe «Proibições», prevê:

«São proibidas:

a)

As atividades profissionais que consistem em consentir na prática de atos sexuais no próprio corpo ou em praticar atos sexuais (prostituição) fora dos bordéis autorizados (§ 15)

[…]»

19

O § 15 desta lei, com a epígrafe «Autorização de bordéis», dispõe, no seu n.o 1:

«Os estabelecimentos em que é exercida a prostituição são os bordéis. A exploração de um bordel carece de autorização administrativa (alvará de bordel).»

20

O § 19 da referida lei, com a epígrafe «Sanção», tem, no seu n.o 2, a seguinte redação:

«Quem explorar um bordel sem dispor de alvará nos termos do § 15 incorre numa infração penal administrativa, punível com multa até 36000 euros, e, em caso de não pagamento, com prisão até quatro semanas.»

21

Nos termos do § 19a da mesma lei, com a epígrafe «Fiscalização e encerramento de bordéis»:

«1.   Em caso de suspeita fundamentada em factos concretos da prática das infrações previstas nos n.os 1 ou 2 do § 19, as autoridades e os agentes dos serviços de segurança pública podem […] entrar nos edifícios e instalações em que se suspeita [que] seja praticada prostituição ilegal. Os proprietários ou arrendatários desses edifícios ou instalações são obrigados a permitir a entrada nos seus edifícios ou instalações. É permitido o recurso à força física.

[…]

3.   Em caso de suspeita fundamentada em factos concretos da prática de uma infração prevista no n.o 2 do § 19 e for de presumir que a exploração ilegal do bordel vai continuar, as autoridades podem tomar no local as medidas necessárias para fazer cessar a exploração do bordel, designadamente o seu encerramento, sem necessidade de um processo prévio.

4.   A requerimento de quem explora o bordel ou do proprietário das instalações utilizadas para o bordel, as autoridades competentes revogam as medidas tomadas com base no n.o 3, se o requerente:

a)

apresentar o alvará do bordel, ou

b)

garantir que a exploração do bordel não será reiniciada após a revogação das medidas tomadas com base no n.o 3.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

PI, nacional búlgara, fornecia serviços de massagem, em conformidade com a autorização de atividade que lhe foi emitida em 9 de fevereiro de 2011 pelo Stadtmagistrat Innsbruck (Administração Municipal de Innsbruck, Áustria). Explorava um gabinete de massagens localizado na mesma cidade.

23

Em 12 de dezembro de 2017, dois agentes da Direção Regional efetuaram uma fiscalização ao gabinete de massagens de PI. Convencidos de que, nesse gabinete, eram prestados serviços sexuais aos clientes, nomeadamente, massagens nudistas e massagens eróticas, os referidos agentes decidiram, nesse mesmo dia, por volta das 20 h 30, encerrar o referido gabinete com base numa suspeita de violação do § 19.o, n.o 2, da Lei de Polícia (a seguir «Decisão de 12 de dezembro de 2017»). Em consequência, foram apostos selos no gabinete em causa.

24

PI foi oralmente informada desta decisão imediatamente antes do encerramento do seu gabinete. Não lhe foi dada nenhuma confirmação do referido encerramento e não recebeu nenhum documento a expor os fundamentos de adoção da referida decisão.

25

Em 13 de dezembro de 2017, PI constituiu um advogado de defesa dos seus interesses e este procurou por várias vezes, nos dias seguintes, ter acesso à documentação policial. No entanto, esse acesso foi‑lhe recusado com o fundamento de, no caso de medidas administrativas como as que foram aplicadas a PI, não ser admitido o referido acesso, tendo em conta o facto de não ter sido aberto um processo‑crime contra ela.

26

Em 14 de dezembro de 2017, PI pediu a anulação da Decisão de 12 de dezembro de 2017 e, em 29 de dezembro de 2017, a Direção Regional decidiu acolher este pedido. A decisão adotada por esta autoridade administrativa não incluía nenhuma fundamentação relativa ao encerramento nem às razões que levaram à anulação da Decisão de 12 de dezembro de 2017.

27

Em 18 de dezembro de 2017, PI interpôs no Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo do Tirol, Áustria) um recurso de declaração de ilegalidade do encerramento do seu gabinete de massagens.

28

Não tendo a Direção Regional comunicado os documentos e elementos de facto pertinentes relativos a este processo, o órgão jurisdicional de reenvio procedeu, ele próprio, à determinação dessas circunstâncias de facto.

29

Este órgão jurisdicional salienta que, em conformidade com a legislação nacional, uma decisão relativa ao encerramento de um estabelecimento comercial como o gabinete de massagens de PI produz efeitos desde a sua adoção. Sendo o objetivo desta legislação a luta contra a prostituição ilegal, é necessário que as autoridades competentes possam adotar medidas no âmbito do seu poder inibitório e de coerção.

30

Essa decisão pode ser anulada mediante pedido da pessoa interessada, quer pela autoridade administrativa, no caso em apreço a Direção Regional, com efeitos para o futuro, quer por um órgão jurisdicional, no presente caso o órgão jurisdicional de reenvio, que pode verificar a legalidade desta decisão.

31

No entanto, contrariamente aos outros procedimentos nacionais que implicam o exercício, pelas autoridades, do seu poder inibitório e de coerção, a legislação relativa ao litígio em causa no processo principal não exige que as autoridades competentes, na sequência do exercício do referido poder, fundamentem a sua decisão por escrito. Ora, a obrigação de fundamentar por escrito uma decisão tomada no âmbito do exercício do mesmo poder tem por objetivo obrigar a autoridade em causa a verificar novamente a legalidade da sua intervenção.

32

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, na falta de um documento escrito que exponha os fundamentos em apoio da decisão adotada pela autoridade competente no âmbito de um litígio como o que está em causa no processo principal, o destinatário dessa decisão está privado da possibilidade de consultar os autos do seu processo, de tomar conhecimento das provas recolhidas por esta autoridade e de exprimir o seu ponto de vista a este respeito. É apenas de forma indireta, através de um recurso interposto contra as medidas adotadas pela referida autoridade, que esse destinatário pode tomar conhecimento dos fundamentos pelos quais a mesma autoridade suspeitou que tivesse sido cometido um ato ilegal.

33

Além disso, as possibilidades de contestar a decisão em causa não são suficientes.

34

Com efeito, em conformidade com o § 19a, n.o 4, da Lei de Polícia, a anulação, pela autoridade competente, da sua decisão relativa ao encerramento do estabelecimento em causa só pode ocorrer em duas situações, a saber, quando o destinatário desta decisão possa quer apresentar uma autorização de bordel quer apresentar garantias de que não continuará a exploração do bordel depois da anulação da decisão de encerramento.

35

Contudo, no que diz respeito à Decisão de 12 de dezembro de 2017, não cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar as circunstâncias factuais na origem desta decisão, sendo este órgão jurisdicional apenas competente para apreciar se um agente de polícia tinha, no caso em apreço, motivo para suspeitar da existência de uma atividade ilegal.

36

Nestas circunstâncias, o Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo do Tirol) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 15.o, n.o 2, da [Carta], […], ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime legal de um Estado‑Membro, como o do n.o 3 do § 19[a] da [Lei de Polícia], que permite aos agentes da autoridade tomarem, in loco, medidas coercivas diretas, como o encerramento de um estabelecimento, que não são meras medidas provisórias, mesmo sem a precedência de um procedimento administrativo?

2)

Deve o artigo 47.o da [Carta], eventualmente em conjugação com os artigos 41.o e 52.o da [Carta], na perspetiva do princípio da igualdade de armas e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime legal de um Estado‑Membro, como o dos n.os 3 e 4 do § 19[a] da [Lei de Polícia], que prevê medidas coercivas de facto, como o encerramento de um estabelecimento, sem documentação e sem confirmação do ato ao interessado?

3)

Deve o artigo 47.o da [Carta], eventualmente em conjugação com os artigos 41.o e 52.o da [Carta], na perspetiva do princípio da igualdade de armas, ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime legal de um Estado‑Membro, como o dos n.os 3 e 4 do § 19[a] da [Lei de Polícia], que, para a revogação de medidas coercivas de facto tomadas diretamente sem precedência de processo, como o encerramento de um estabelecimento, exige que o interessado apresente um requerimento fundamentado?

4)

Deve o artigo 47.o da [Carta], em conjugação com o artigo 52.o da mesma Carta, tendo em conta o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime legal de um Estado‑Membro, como o do n.o 4 do § 19[a] da [Lei de Polícia], que apenas prevê um direito limitado de pedir a revogação de uma medida coerciva de facto, sob a forma de encerramento de um estabelecimento?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

37

Nas observações escritas, o Governo austríaco alega que a quarta questão é inadmissível, tal como, em parte, a segunda e terceira questões, na medida em que estas últimas dizem respeito ao § 19a, n.o 4, da Lei de Polícia, que prevê a possibilidade de uma autoridade competente anular as medidas em causa.

38

Com efeito, a Direção Regional terá retirado a medida de encerramento do gabinete de PI e ordenado a retirada dos selos oficiais que lhe foram apostos. Nestas circunstâncias, a disposição referida no número anterior já não é aplicável ao processo principal, que tem por objeto uma verificação não administrativa, mas judicial das medidas em causa.

39

A este respeito, há que constatar que, como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, o processo principal tem por objeto a verificação da legalidade da Decisão de 12 de dezembro de 2017, que ordena o encerramento do gabinete de PI, tendo sido o recurso contra esta decisão interposto antes de a mesma ter sido anulada, em 29 de dezembro de 2017, pela Direção Regional.

40

Há que recordar também que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. A rejeição de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas e para compreender as razões pelas quais o tribunal nacional considera ter necessidade das respostas para decidir o litígio (Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević, C‑630/17, EU:C:2019:123, n.o 48 e jurisprudência referida).

41

No presente processo, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio está mais bem posicionado para apreciar a existência, à luz do direito nacional, do interesse em agir de PI. Por conseguinte, há que considerar a segunda a quarta questões admissíveis.

Observações preliminares

42

A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi apresentado. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir os litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, AREX CZ, C‑414/17, EU:C:2018:1027, n.o 34 e jurisprudência referida).

43

Neste processo, no plano formal, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado as suas questões à interpretação do artigo 15.o, n.o 2, e dos artigos 41.o, 47.o e 52.o da Carta, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado da sua questão. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, AREX CZ, C‑414/17, EU:C:2018:1027, n.o 35 e jurisprudência referida).

44

Como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, PI, nacional búlgara, exerce uma atividade independente na Áustria, a saber, a exploração de um gabinete de massagens.

45

Para efeitos de decidir o recurso que lhe foi submetido, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o direito da União se opõe a uma legislação nacional que prevê que um estabelecimento comercial, como o que está em causa no processo principal, pode ser imediatamente encerrado por uma decisão de uma autoridade nacional por suspeita do exercício, nesse estabelecimento e sem a autorização necessária, da atividade de prostituição, sem garantir ao explorador do referido estabelecimento o respeito de certos direitos processuais.

46

A este propósito, há que salientar, desde logo, que a atividade descrita no n.o 44 do presente acórdão constitui um serviço na aceção do artigo 57.o TFUE, uma vez que é exercida no território de um Estado‑Membro por um nacional de outro Estado‑Membro. Além disso, a exploração de um gabinete de massagens no território de outro Estado‑Membro entra no âmbito de aplicação da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, em conformidade com os artigos 49.o e seguintes TFUE.

47

A admitir que a atividade de PI também abrange a exploração de um estabelecimento no qual são prestados serviços de prostituição, há que recordar que a prostituição constitui uma prestação de serviços remunerada (Acórdão de 20 de novembro de 2001, Jany e o., C‑268/99, EU:C:2001:616, n.o 49), enquanto uma atividade que consiste em explorar um bordel é abrangida pela liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.o TFUE e dos artigos 9.o a 15.o da Diretiva 2006/123, quando é exercida pelo prestador por uma duração indeterminada e através de uma infraestrutura estável (v., nesse sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2015, Trijber e Harmsen, C‑340/14 e C‑341/14, EU:C:2015:641, n.os 67 a 77).

48

Por conseguinte, uma vez que, no caso em apreço, se afigura que a atividade de PI é exercida por uma duração indeterminada e através de uma infraestrutura estável, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, esta atividade é abrangida pela liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.o TFUE e dos artigos 9.o a 15.o da Diretiva 2006/123.

49

Resulta da decisão de reenvio que a legislação nacional aplicável ao processo principal submete o exercício da prostituição à exigência de uma autorização.

50

No que se refere à Diretiva 2006/123, cujos artigos 9.o a 13.o preveem as condições a que deve corresponder um regime de autorização, há que constatar que as questões submetidas no âmbito do presente pedido de decisão prejudicial não têm por objeto a legalidade do regime nacional que enquadra o exercício das atividades de prostituição enquanto tal, mas a conformidade com o direito da União de uma medida de encerramento de um estabelecimento comercial adotada sem garantias processuais.

51

Nestas circunstâncias, há que responder às questões submetidas tendo em conta o artigo 49.o TFUE e não a Diretiva 2006/123.

52

No que diz respeito ao artigo 15.o, n.o 2, da Carta, referido na primeira questão, este garante nomeadamente a liberdade de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado‑Membro.

53

Resulta das explicações relativas à Carta — as quais, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração com vista à interpretação desta última — que o artigo 15.o, n.o 2, da Carta consagra três liberdades garantidas pelo artigo 26.o bem como pelos artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE, ou seja, respetivamente, a livre circulação de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços.

54

A este respeito, há que constatar que, ainda que o juiz de reenvio não tenha feito referência, no seu pedido de decisão prejudicial, ao artigo 16.o da Carta, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta disposição remete, designadamente, para o artigo 49.o TFUE, que garante o exercício da liberdade fundamental de estabelecimento (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Sokoll‑Seebacher, C‑367/12, EU:C:2014:68, n.o 22).

55

Por conseguinte, o facto de evocar, no que se refere à liberdade de estabelecimento, o artigo 15.o, n.o 2, da Carta, implica, no contexto do processo principal, a apreciação do respeito desta liberdade tendo também em conta o artigo 16.o desta Carta.

56

Quanto ao artigo 41.o da Carta, referido nas segunda e terceira questões, importa observar que resulta claramente da redação desta disposição que ela não se dirige aos Estados‑Membros, mas apenas às instituições, aos órgãos e aos organismos da União (Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.o 28 e jurisprudência referida). Daqui resulta que o artigo 41.o da Carta não é pertinente no processo principal.

57

A referida disposição reflete um princípio geral do direito da União, segundo o qual o direito a uma boa administração implica a obrigação de a administração fundamentar as suas decisões (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2014, YS e o., C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2014:2081, n.o 68). A obrigação, para a administração, de fundamentar uma decisão de forma suficientemente específica e concreta para permitir ao interessado compreender que as razões da medida individual que lhe causa prejuízo constitui, assim, o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, princípio geral do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 88, e de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 38).

58

Resulta, assim, das considerações precedentes que, com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 49.o TFUE, o artigo 15.o, n.o 2, e os artigos 16.o, 47.o e 52.o da Carta, bem como o princípio geral do direito a uma boa administração, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do litígio do processo principal, se opõem a uma legislação nacional que prevê que uma autoridade administrativa pode decidir encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial por suspeitar do exercício, neste estabelecimento, de uma atividade de prostituição sem a autorização exigida por esta legislação nacional, na medida em que esta última, em primeiro lugar, não exige que essa decisão seja fundamentada, de facto e de direito, por escrito e comunicada ao seu destinatário e, em segundo lugar, exige que o pedido, pelo referido destinatário, que visava a anulação desta decisão seja, por sua vez, fundamentado e, em terceiro lugar, limita os fundamentos com base nos quais a autoridade administrativa competente pode anular a referida decisão.

Quanto às questões

59

Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, constitui uma restrição na aceção do artigo 49.o TFUE qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, proíba, perturbe ou torne menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo tratado (Acórdão de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall’Antonia, C‑342/17, EU:C:2018:906, n.o 48 e jurisprudência referida).

60

No caso em apreço, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que uma autoridade administrativa pode decidir encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial por suspeita do exercício, neste estabelecimento, de uma atividade de prostituição sem a autorização exigida por esta legislação, pode ter consequências negativas no volume de negócios e na prossecução da atividade profissional, nomeadamente no que diz respeito à relação com os clientes que beneficiam dos serviços em causa. Por conseguinte, esta legislação é suscetível de impedir ou de dissuadir pessoas provenientes de outros Estados‑Membros que se pretendam estabelecer no Estado do Tirol (Áustria) para aí exercer uma atividade profissional como a que está em causa no processo principal (v., por analogia, Acórdão de 5 de novembro de 2014, Somova, C‑103/13, EU:C:2014:2334, n.os 41 a 45).

61

Daqui decorre que a referida legislação nacional constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.o TFUE.

62

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.o TFUE pode ser justificada, desde que se aplique sem discriminação em razão da nacionalidade, por razões imperiosas de interesse geral, contanto que seja adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não ultrapasse o que é necessário para o atingir (Acórdão de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall’Antonia, C‑342/17, EU:C:2018:906, n.o 51 e jurisprudência referida).

63

É também jurisprudência constante que os direitos fundamentais garantidos pela Carta são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União e devem, por conseguinte, ser respeitados quando uma legislação nacional se enquadra no âmbito de aplicação desse direito (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, AGET Iraklis, C‑201/15, EU:C:2016:972, n.o 62 e jurisprudência referida).

64

Esse é nomeadamente o caso quando uma legislação nacional possa entravar uma ou mais liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado e o Estado‑Membro em causa invoque razões imperiosas de interesse geral para justificar esse entrave. Em semelhante hipótese, a legislação nacional em causa só poderá beneficiar das exceções assim previstas se se conformar com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, AGET Iraklis, C‑201/15, EU:C:2016:972, n.o 63 e jurisprudência referida).

65

No presente caso, na medida em que a legislação nacional em causa no processo principal constitui, como resulta do n.o 61 do presente acórdão, uma restrição à liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.o TFUE, a mesma implica também uma limitação ao exercício da liberdade de estabelecimento e à liberdade de empresa, respetivamente consagrados nos artigos 15.o, n.o 2, e 16.o da Carta.

66

Ao mesmo tempo, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite restrições ao exercício de direitos nela consagrados desde que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, AGET Iraklis, C‑201/15, EU:C:2016:972, n.o 70 e jurisprudência referida).

67

No presente caso, o Governo austríaco alega que esta legislação nacional é necessária para a prevenção de atividades criminosas associadas à prostituição e para a proteção da saúde humana.

68

Uma vez que o exercício da prostituição não é proibido no Estado do Tirol, será sujeito a um controlo e a limitações previstas no interesse geral. Para esse efeito, a referida legislação nacional sujeita esta atividade nomeadamente a uma autorização. Além disso, as pessoas que a exercem estão sujeitas a requisitos particulares em matéria de saúde e a um controlo regular destinado a detetar doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a sida e a tuberculose.

69

Na medida em que a prostituição ilegal escapa ao referido controlo, a mesma representa, na opinião desse Governo, um risco para a saúde das pessoas que a exercem, para os seus clientes e, de uma forma geral, para a sociedade.

70

A este respeito, há que recordar que a prevenção da ocorrência de infrações penais em relação às pessoas que se prostituem, em especial o tráfico de seres humanos, a prostituição forçada e a prostituição de menores, constitui uma razão imperiosa de interesse geral (v., nesse sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2015, Trijber e Harmsen, C‑340/14 e C‑341/14, EU:C:2015:641, n.o 68).

71

Além disso, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a proteção da saúde pública figura entre as razões imperiosas de interesse geral reconhecidas pelo direito da União (Acórdão de 1 de março de 2018, CMVRO, C‑297/16, EU:C:2018:141, n.o 57).

72

A proteção da saúde é também garantida pelo artigo 35.o da Carta, que prevê o direito de acesso de todas as pessoas à prevenção em matéria de saúde e a beneficiar de cuidados médicos nas condições estabelecidas pelas legislações e práticas nacionais.

73

No presente caso, a prestação de serviços que consiste em exercer atividades de prostituição, ainda que por um curto período, num estabelecimento comercial não registado e, devido a esse facto, sem uma autorização concedida por uma autoridade pública de um Estado‑Membro, não permite assegurar o controlo adequado pelas autoridades competentes dessas atividades no estabelecimento em causa e, por conseguinte, é suscetível de aumentar o risco de as pessoas que aí exercem as suas atividades serem vítimas de infrações penais.

74

Da mesma forma, a prestação dos referidos serviços por pessoas não sujeitas aos requisitos especiais em matéria de saúde e a um controlo regular destinado a detetar as doenças sexualmente transmissíveis é suscetível de favorecer os riscos para a saúde tanto de pessoas que se dedicam à prostituição como dos seus clientes, na medida em que é facto assente que as doenças sexualmente transmissíveis não tratadas provocam uma deterioração do estado de saúde e que o facto de ser portador de uma doença sexualmente transmissível não tratada aumenta o risco de contrair outra doença.

75

Nestas circunstâncias, a restrição à liberdade de estabelecimento instituída por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que confere a uma autoridade administrativa a competência para decidir encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial por suspeita do exercício, neste estabelecimento, de uma atividade de prostituição sem a autorização exigida pela referida legislação, deve ser considerada justificada por razões imperiosas de interesse geral e adequada a garantir a realização dos objetivos prosseguidos pela mesma legislação, a saber, a prevenção da prática de infrações penais contra as pessoas que se dedicam à prostituição e a proteção da saúde pública.

76

No entanto, há que apreciar se a possibilidade de uma autoridade administrativa nacional decidir encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial por suspeita do exercício, neste estabelecimento, de uma atividade de prostituição sem a autorização exigida pela legislação nacional poderá ser considerada proporcionada aos objetivos referidos no número anterior.

77

A este respeito, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, ao prever que uma autoridade administrativa pode decidir encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial pelas razões acima referidas, pode, em princípio, ser considerada proporcionada em função dos referidos objetivos. No entanto, no caso em apreço, a referida legislação autoriza o encerramento de um estabelecimento sem nenhuma fundamentação, de facto e de direito, por escrito e comunicada ao seu destinatário, exigindo, ao mesmo tempo, que o pedido destinado à anulação de uma decisão relativa a este encerramento seja fundamentado pela pessoa em causa.

78

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta exige que o interessado possa conhecer os fundamentos em que se baseia a decisão tomada a seu respeito por uma autoridade administrativa quer através da leitura da própria decisão quer através da comunicação destes motivos feita a seu pedido, sem prejuízo do poder do juiz competente de exigir da autoridade em causa a comunicação, a fim de lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último as condições para exercer plenamente a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (Acórdãos de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 53, e, neste sentido, de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 84).

79

Além disso, o direito de ser ouvido em qualquer processo, consagrado pelos artigos 47.o e 48.o da Carta e que faz parte integrante do respeito pelos direitos de defesa, princípio geral do direito da União, implica que a administração preste toda a atenção necessária às observações submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada, constituindo, assim, o dever de fundamentar uma decisão de forma suficientemente específica e concreta para permitir que este interessado possa compreender as razões da recusa oposta ao seu pedido o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa (v., neste sentido, Acórdão de 5 de novembro de 2014, Mukarubega, C‑166/13, EU:C:2014:2336, n.os 43, 45 e 48).

80

A obrigação de respeitar os direitos de defesa dos destinatários de decisões que afetam sensivelmente os seus interesses incumbe, assim, em princípio, às administrações dos Estados‑Membros, sempre que estas tomem medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (Acórdão de 5 de novembro de 2014, Mukarubega, C‑166/13, EU:C:2014:2336, n.o 50).

81

Esta exigência de fundamentação das decisões das autoridades administrativas nacionais reveste uma importância especial no contexto de um litígio como o do processo principal, no qual há que apreciar o caráter justificado e proporcional de uma restrição à liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.o TFUE, bem como as liberdades de estabelecimento e de empresa, respetivamente consagradas no artigo 15.o, n.o 2, e no artigo 16.o da Carta.

82

Com efeito, por um lado, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais efetuar uma apreciação global das circunstâncias que rodeiam a adoção e a aplicação de uma legislação restritiva com base em elementos de prova fornecidos pelas autoridades competentes do Estado‑Membro, destinada a demonstrar a existência de objetivos adequados para legitimar um entrave a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE e a sua proporcionalidade (Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Sporting Odds, C‑3/17, EU:C:2018:130, n.o 53 e jurisprudência referida).

83

Por outro lado, embora esses órgãos jurisdicionais possam ser obrigados, em aplicação das regras processuais nacionais, a tomar as medidas necessárias para favorecer a produção de tais provas, não podem, em contrapartida, ser obrigados a substituir as referidas autoridades para fornecer as justificações que essas autoridades têm a obrigação de fornecer. Se essas justificações não forem fornecidas devido à ausência ou à passividade das referidas autoridades, os órgãos jurisdicionais nacionais devem poder retirar todas as consequências que resultam de semelhante falta (Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Sporting Odds, C‑3/17, EU:C:2018:130, n.o 54).

84

No caso em apreço, a legislação nacional, na medida em que não exige que a decisão que ordena o encerramento, com efeitos imediatos, de um estabelecimento comercial como o que está em causa no processo principal seja devidamente fundamentada, por escrito e comunicada ao seu destinatário, não corresponde aos requisitos estabelecidos pela jurisprudência referida nos n.os 78 a 83 do presente acórdão.

85

Com efeito, a referida legislação não garante que o destinatário desta decisão possa conhecer os fundamentos em que esta última se baseia, a fim de lhe permitir defender os seus direitos e decidir se é útil recorrer ao juiz competente. Assim, no presente caso, a mesma legislação não permite assegurar a efetividade da fiscalização jurisdicional nem o respeito pelos direitos de defesa, garantidos pelos artigos 47.o e 48.o da Carta e os princípios gerais do direito da União.

86

No que diz respeito ao requisito, previsto pela legislação nacional em causa no processo principal, de que todo o pedido de anulação de uma decisão de encerramento de um estabelecimento deve ser devidamente fundamentado pela pessoa em causa, há que constatar que este requisito é desproporcionado, tendo em conta o facto de que, em contrapartida, esta mesma legislação não prevê a obrigação de fundamentar essa decisão.

87

A este respeito, exigir ao destinatário de uma decisão administrativa que fundamente o seu pedido de anulação desta decisão quando esta última não é, por sua vez, fundamentada afeta o direito desse destinatário a um recurso efetivo e ao acesso a um tribunal, bem como os seus direitos de defesa.

88

No que diz respeito à restrição, prevista no § 19a, n.o 4, da Lei de Polícia, de razões suscetíveis de justificar a anulação, por um órgão administrativo, da decisão relativa ao encerramento de um estabelecimento comercial, há que recordar que esta decisão é suscetível de ser anulada quando o seu destinatário possa quer apresentar uma autorização de bordel quer apresentar garantias de que não continuará a exploração do bordel depois dessa anulação.

89

A admitir que esta disposição da Lei de Polícia é aplicável ao litígio no processo principal, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, não se afigura que a limitação referida no número anterior seja desproporcionada à luz dos objetivos prosseguidos por essa lei, a saber, a prevenção da prática de infrações penais contra prostitutas e a proteção da saúde pública.

90

Com efeito, uma vez que, como foi observado nos n.os 73 a 75 do presente acórdão, a possibilidade de encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial pelo facto de a autoridade competente suspeitar do exercício, neste estabelecimento, de uma atividade de prostituição sem a autorização exigida para este efeito se justifica pelos referidos objetivos, a restrição prevista no § 19a, n.o 4, da Lei de Polícia deve ser considerada uma consequência lógica da proibição, prevista pela legislação em causa, de exploração de um bordel sem essa autorização.

91

Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 49.o TFUE, o artigo 15.o, n.o 2, e os artigos 16.o, 47.o e 52.o da Carta, bem como o princípio geral do direito a uma boa administração, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do litígio do processo principal, se opõem a uma legislação nacional que prevê que uma autoridade administrativa pode decidir encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial por suspeitar do exercício, neste estabelecimento, de uma atividade de prostituição sem a autorização exigida por esta legislação nacional, na medida em que esta última, por um lado, não exige que essa decisão seja fundamentada, de facto e de direito, por escrito e comunicada ao seu destinatário e, por outro, exige que um pedido, pelo referido destinatário, que visava a anulação desta decisão seja, por sua vez, fundamentado.

Quanto às despesas

92

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

O artigo 49.o TFUE, o artigo 15.o, n.o 2, e os artigos 16.o, 47.o e 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o princípio geral do direito a uma boa administração, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do litígio do processo principal, se opõem a uma legislação nacional que prevê que uma autoridade administrativa pode decidir encerrar, com efeitos imediatos, um estabelecimento comercial por suspeitar do exercício, neste estabelecimento, de uma atividade de prostituição sem a autorização exigida por esta legislação nacional, na medida em que esta última, por um lado, não exige que essa decisão seja fundamentada, de facto e de direito, por escrito e comunicada ao seu destinatário e, por outro, exige que um pedido, pelo referido destinatário, que visava a anulação desta decisão seja, por sua vez, fundamentado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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