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Document 62018CC0272

Conclusões do advogado-geral H. Saugmandsgaard Øe apresentadas em 5 de setembro de 2019.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:679

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 5 de setembro de 2019 ( 1 )

Processo C‑272/18

Verein für Konsumenteninformation

contra

TVP Treuhand‑ und Verwaltungsgesellschaft für Publikumsfonds mbH & Co. KG

[pedido de decisão prejudicial submetido pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria)]

«Reenvio Prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Lei aplicável — Contratos fiduciários celebrados entre consumidores residentes habitualmente num primeiro país e um profissional estabelecido num segundo país, que têm por objeto a gestão de participações em sociedades em comandita reguladas pelo direito do segunda país — Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais — Regulamento (CE) n.o 593/2008 — Matérias excluídas — Artigo 1.o, n.o 2 — Questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica — Regras protetoras em matéria de contratos celebrado por consumidores — Contratos excluídos — Artigo n.o 5.o, n.o 4, da Convenção de Roma e artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 593/2008 — Contrato de prestação de serviços no âmbito do qual os serviços devidos ao consumidor devem ser prestados exclusivamente num país diferente daquele em que ele tem a sua residência habitual — Diretiva 93/13/CEE relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Caráter abusivo de uma cláusula de escolha de lei que designa o direito da sede do prestador de serviços»

I. Introdução

1.

A Verein für Konsumenteninformation (a seguir «VKI»), uma associação de proteção dos consumidores com sede na Áustria, intentou uma ação inibitória ( 2 ) contra a TVP Treuhand‑ und Verwaltungsgesellschaft für Publikumsfonds mbH & Co. KG (a seguir «TVP»), uma sociedade constituída em Hamburgo (Alemanha), com vista a proibir esta sociedade de utilizar, nas suas relações comerciais com os consumidores residentes na Áustria, determinadas cláusulas contratuais. Essas cláusulas figuram nos contratos fiduciários que têm por objeto a gestão de participações em fundos imobiliários fechados com sede na Alemanha e constituídos sob a forma de sociedades em comandita. Entre as cláusulas em questão encontra‑se uma cláusula de escolha de lei que designa o direito alemão.

2.

O Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) interroga‑se sobre a compatibilidade dessa cláusula de escolha de lei com a Diretiva 93/13/CEE relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores ( 3 ), considerando, em especial, a interpretação feita pelo Tribunal de Justiça desta diretiva no Acórdão Verein für Konsumenteninformation ( 4 ). A resposta a esta interrogação depende, em especial, da questão de saber se, na inexistência de tal escolha, o direito austríaco é aplicável aos contratos fiduciários controvertidos ou se, pelo contrário, se trata do direito alemão. Este último ponto depende, por sua vez, da interpretação da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais ( 5 ) e do Regulamento (CE) n.o 593/2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais ( 6 ).

3.

Esse órgão jurisdicional submeteu assim ao Tribunal de Justiça diferentes questões destinadas, antes de mais, a determinar se esses contratos fiduciários suscitam «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica», excluídas do âmbito de aplicação material da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I, na medida em que digam respeito a participações comanditárias e estejam estreitamente ligadas aos estatutos das sociedades em comandita em causa. Admitindo que tal não é o caso, estas questões visam, em seguida, saber se os referidos contratos estão excluídos do âmbito de aplicação das regras de proteção em matéria de contratos celebrados por consumidores previstas por esses instrumentos por os serviços devidos aos consumidores serem, segundo esses mesmos contratos, prestados exclusivamente fora da Áustria. Por último, as referidas questões dizem respeito à compatibilidade da cláusula controvertida de escolha da lei com a diretiva relativa às cláusulas abusivas.

4.

Nas presentes conclusões, explicarei por que razão, em minha opinião, a lei aplicável aos contratos fiduciários como os que estão em causa no processo principal deve ser determinada em conformidade com as regras da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I. Por outro lado, exporei as razões pelas quais, em minha opinião, tais contratos, no âmbito dos quais os serviços devem ser prestados à distância no país de residência habitual do consumidor a partir do território de outro país, estão abrangidos pelas regras de proteção em matéria de contratos celebrados por consumidores, previstas por esses instrumentos. Por último, explicarei que uma cláusula de escolha de lei como a incluída nos contratos controvertidos é abusiva, uma vez que não informa o consumidor de que, não obstante essa escolha, beneficia da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei do país da sua residência habitual.

II. Quadro jurídico

A.   Convenção de Roma

5.

O artigo 1.o da Convenção de Roma, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   O disposto na presente convenção é aplicável às obrigações contratuais nas situações que impliquem um conflito de leis.

2.   Não se aplica:

[…]

e)

Às questões respeitantes ao direito das sociedades, associações e pessoas coletivas, tais como a constituição, a capacidade jurídica, o funcionamento interno e a dissolução das sociedades, associações e pessoas coletivas, bem como a responsabilidade pessoal legal dos associados e dos órgãos relativamente às dívidas da sociedade, associação ou pessoa coletiva;

[…]»

6.

O artigo 5.o da Convenção de Roma, sob a epígrafe «Contratos celebrados por consumidores», prevê:

«1.   O presente artigo aplica‑se aos contratos que tenham por objeto o fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviços a uma pessoa, o “consumidor”, para uma finalidade que pode considerar‑se estranha à sua atividade profissional, bem como aos contratos destinados ao financiamento desse fornecimento.

2.   Não obstante o disposto no artigo 3.o, a escolha pelas partes da lei aplicável não pode ter como consequência privar o consumidor privado da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei do país em que tenha a sua residência habitual:

se a celebração do contrato tiver sido precedida, nesse país, de uma proposta que lhe foi especialmente dirigida ou de anúncio publicitário e se o consumidor tiver executado nesse país todos os atos necessários à celebração do contrato, ou

se a outra parte ou o respetivo representante tiver recebido o pedido do consumidor nesse país

[…]

3.   Sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e na falta de escolha feita nos termos do artigo 3.o, esses contratos serão regulados pela lei do país em que o consumidor tiver a sua residência habitual, se se verificarem as circunstâncias referidas no n.o 2 do presente artigo.

4.   O presente artigo[…] não se aplica:

[…]

b)

Ao contrato de prestação de serviços quando os serviços devidos ao consumidor devam ser prestados exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual.

[…]»

B.   Regulamento Roma I

7.

O artigo 1.o do Regulamento Roma I, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação material», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   O presente regulamento é aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis.

Não se aplica, em especial, às matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

2.   São excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento:

[…]

f)

As questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica, tais como a constituição, através de registo ou por outro meio, a capacidade jurídica, o funcionamento interno e a dissolução de sociedades e de outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica, bem como a responsabilidade pessoal dos sócios e dos titulares dos órgãos que agem nessa qualidade relativamente às obrigações da sociedade ou entidade;

[…]»

8.

O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Contratos celebrados por consumidores», prevê:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.o e 7.o, os contratos celebrados por uma pessoa singular, para uma finalidade que possa considerar‑se estranha à sua atividade comercial ou profissional (“o consumidor”), com outra pessoa que aja no quadro das suas atividades comerciais ou profissionais (“o profissional”), são regulados pela lei do país em que o consumidor tem a sua residência habitual desde que o profissional:

[…]

b)

Por qualquer meio, dirija essas atividades para este ou vários países, incluindo aquele país,

e o contrato seja abrangido pelo âmbito dessas atividades.

2.   Sem prejuízo do n.o 1, as partes podem escolher a lei aplicável a um contrato que observe os requisitos do n.o 1, nos termos do artigo 3.o Esta escolha não pode, porém, ter como consequência privar o consumidor da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável com base no n.o 1.

3.   Caso não sejam cumpridos os requisitos estabelecidos nas alíneas a) ou b) do n.o 1, a lei aplicável ao contrato celebrado entre um consumidor e um profissional é determinada de acordo com os artigos 3.o e 4.o

4.   Os n.os 1 e 2 não são aplicáveis aos contratos seguintes:

a)

Contratos de prestação de serviços quando os serviços devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual;

[…]»

9.

O Regulamento Roma I substituiu a Convenção de Roma. Em conformidade com o seu artigo 28.o, este regulamento aplica‑se aos contratos celebrados após 17 de dezembro de 2009. É pacífico que a ação inibitória em causa no processo principal diz respeito tanto aos contratos celebrados antes dessa data como aos contratos celebrados e a celebrar após a mesma, pelo que ambos os instrumentos são aplicáveis ratione temporis.

C.   Diretiva relativa às cláusulas abusivas

10.

O artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às cláusulas abusivas dispõe:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça

11.

A sociedade MPC Münchmeyer Capital AG Hamburg (a seguir «MPC») cria e comercializa fundos imobiliários fechados, constituídos sob a forma de sociedades em comandita de direito alemão ( 7 ). A TVP, uma filial a 100 % da MPC, é a gestora e comanditária fundadora das sociedades em questão.

12.

Esses fundos foram, desde a origem, concebidos de modo a permitir a investidores privados e institucionais deterem participações nos mesmos enquanto comanditários. Os estatutos das sociedades em comandita que estruturam os referidos fundos habilitam, assim, a TVP, na sua qualidade de gestora e comanditária fundadora, a admitir comanditários adicionais.

13.

Para este fim, outra filial da MPC foi encarregada de procurar potenciais investidores. Os prospetos referentes às participações nos fundos criados pela MPC foram distribuídos nomeadamente (e, em certos casos, exclusivamente) na Áustria.

14.

Os investidores interessados podiam adquirir participações nesses fundos, designadamente, enviando à TVP uma declaração de adesão na forma de uma proposta de celebração de um contrato fiduciário (Treuhandvertrags). O montante correspondente à participação devia ser liquidado numa das contas fiduciárias (Treuhandkonten) abertas para esse fim em bancos austríacos. Os investidores entram assim indiretamente nesses fundos como fiduciantes, por intermédio da TVP, atuando na qualidade de fiduciária das suas participações comanditárias. A esse título, esta sociedade exerce, em nome próprio, mas por conta dos investidores em questão, os direitos destes últimos decorrentes dessas participações. Transfere‑lhes os pagamentos de dividendos e as outras vantagens patrimoniais decorrentes das mesmas. A TVP transfere também para os investidores as informações que obtém dos fundos sobre a evolução da atividade. A TVP recebe, em contrapartida destas diferentes prestações, uma remuneração de montante fixo.

15.

Os contratos fiduciários celebrados com a TVP estipulam nomeadamente a cláusula seguinte: (ou uma cláusula equivalente a esta):

«O contrato fiduciário rege‑se pelo direito da República Federal da Alemanha. O foro competente para a resolução de qualquer litígio emergente do presente contrato, bem como o lugar de celebração e cumprimento do presente contrato, é o da sede da fiduciária, na medida em que a legislação admita um acordo nesse sentido.»

16.

Em 6 de setembro de 2013, a VKI intentou uma ação inibitória no Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria), para impedir a TVP de utilizar, nas suas relações comerciais com os consumidores residentes na Áustria, nas condições gerais em que assentam os contratos fiduciários que ela celebra ou nos formulários do contrato standard utilizados para esse efeito, um determinado número de cláusulas, com o fundamento, nomeadamente, de serem abusivas na aceção da diretiva relativa às cláusulas abusivas e do direito austríaco que transpõe esta diretiva. Além disso, a VKI pede autorização para publicar a sentença.

17.

A ação intentada pela VKI diz respeito, em especial, à cláusula relativa ao lugar de execução das prestações fiduciárias e à lei aplicável aos contratos fiduciários, reproduzida no n.o 15 das presentes conclusões. Neste quadro, a VKI argumentou que, em conformidade, nomeadamente, com as disposições do Regulamento (CE) n.o 864/2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais ( 8 ), a licitude das cláusulas impugnadas deve ser apreciada à luz não do direito aplicável a esses contratos, mas da lex loci damni, isto é, o direito austríaco. Este último direito é, aliás, também aplicável por força da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I.

18.

A TVP pediu que a ação intentada pela VKI seja julgada improcedente. Segundo essa sociedade, em conformidade com as disposições do Regulamento Roma I, a licitude das cláusulas controvertidas deve ser apreciada à luz do direito alemão, escolhido como aplicável aos contratos fiduciários. Por outro lado, os contratos e os estatutos das sociedades em comandita em causa estão de tal modo justapostos que os primeiros devem necessariamente estar sujeitos ao mesmo direito que os segundos, ou seja, também ao direito alemão. Além disso, a TVP prestou todos os serviços previstos nos referidos contratos na Alemanha e não tem sucursal, estabelecimento ou mesmo pessoal na Áustria.

19.

Por Sentença de 3 de setembro de 2015, o Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) julgou procedente à ação da VKI. Aplicando o direito austríaco, esse tribunal ordenou que a TVP deixasse de utilizar, nas suas relações comerciais com os consumidores residentes na Áustria, as cláusulas visadas por esta ação, incluindo a cláusula de escolha de lei. Também julgou procedente o pedido de publicação da sentença.

20.

Por Despacho de 13 de setembro de 2016, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria) anulou a sentença proferida pelo Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) e reenviou o processo para esse tribunal com vista ao prosseguimento da instrução e a uma nova decisão. Em especial, a jurisdição de recurso, referindo‑se ao Acórdão VKI/Amazon, considerou que o exame da validade da cláusula de escolha de lei controvertida deve ser efetuado à luz do direito alemão, mas que, em conformidade com este direito, tal cláusula é abusiva, na medida em que induz o consumidor em erro, dando‑lhe a impressão de que apenas esse direito é aplicável ao contrato, sem o informar do facto de que, nos termos do disposto na Convenção de Roma e no Regulamento Roma I, beneficia também da proteção que lhe garantem as disposições imperativas do direito do país da sua residência habitual, neste caso, o direito austríaco.

21.

A VKI e a TVP intentaram, cada uma, recurso deste despacho no Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal). Nestas condições, esse órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Estão abrangidos pela exclusão do âmbito de aplicação, que está prevista nos artigos 1.o, n.o 2, alínea e), da [Convenção de Roma] e no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do [Regulamento Roma I,] igualmente acordos entre o fiduciante e o fiduciário que detém uma participação social numa sociedade em comandita por conta do fiduciante, designadamente quando existe uma justaposição de contratos de sociedade e de contratos fiduciários?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve o artigo 3.o, n.o 1, da [diretiva relativa às cláusulas abusivas] ser interpretado no sentido de que é abusiva uma cláusula de um contrato fiduciário celebrado entre um empresário e um consumidor relativo à gestão de uma participação numa sociedade em comandita, que não foi negociada individualmente e que estabelece como lei aplicável a lei do Estado em que se situa a sede da sociedade em comandita quando o objeto do contrato fiduciário consiste exclusivamente na gestão de uma participação numa sociedade em comandita e o fiduciante está investido dos direitos e das obrigações de um sócio direto?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão:

A resposta é diferente se o empresário, para fornecer as prestações de serviços a que se comprometeu, não tiver de se deslocar ao Estado do consumidor, mas tiver obrigação de remeter ao consumidor os dividendos e outros benefícios patrimoniais decorrentes da participação, bem como informações sobre a evolução da atividade da [sociedade na qual detém uma] participação? A este respeito, faz alguma diferença a circunstância de ser aplicável o Regulamento Roma I ou a Convenção [de Roma]?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

Essa resposta mantém‑se quando, além disso, o pedido de subscrição do consumidor tenha sido assinado no Estado da sua residência, o empresário forneça informações sobre a participação igualmente na Internet e tenha sido criado um organismo para pagamento, no qual o consumidor deve depositar o montante da participação, embora o empresário não esteja habilitado a dispor dessa conta bancária? A este respeito, faz alguma diferença a circunstância de ser aplicável o Regulamento Roma I ou a Convenção [de Roma]?»

22.

A decisão de reenvio, com data de 28 de março de 2018, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de abril de 2018. Foram apresentadas observações escritas pela VKI, pela TVP e pela Comissão Europeia. As mesmas partes foram representadas na audiência realizada em 27 de fevereiro de 2019.

IV. Análise

23.

A ação inibitória intentada, neste caso, pela VKI contra a TVP tem como pano de fundo as participações adquiridas por investidores privados residentes na Áustria em fundos imobiliários fechados, constituídos sob a forma de sociedades em comandita de direito alemão ( 9 ). Mais precisamente, ao subscreverem um pedido de adesão a esses fundos, os investidores não entraram diretamente no capital das sociedades em questão. Na realidade, confiaram o montante das suas participações à TVP (que é gestora e comanditária fundadora dessas sociedades) e assinaram com esta última contratos fiduciários (Treuhandvertrags) tendo por objeto a gestão dessas participações ( 10 ).

24.

Nesta fase, deve recordar‑se, brevemente, que, no quadro da operação da Treuhand (termo que designa instituição de direito alemão, próxima da fidúcia do direito francês), uma pessoa, denominada «fiduciante» (Treugeber) transfere a propriedade de ativos para outra pessoa denominada «fiduciário»(Treuhänder), que deve manter esses ativos separados do seu património próprio e geri‑los para uma finalidade determinada, a favor de um beneficiário (que pode ser, mas não é necessariamente, o fiduciante). Enquanto proprietário dos ativos transferidos, o fiduciário atua em seu próprio nome, mas por conta do beneficiário ( 11 ).

25.

Através dos contratos fiduciários controvertidos, a TVP, que é sócia comanditária «direta» nas sociedades em comandita em questão, gere, assim, as participações de que é proprietária nessas sociedades em seu nome, mas por conta de uma multiplicidade de investidores que são simultaneamente fiduciantes e beneficiários de fidúcias em relação a essas participações. Desta maneira, os investidores em causa (para usar os termos utilizados pelo órgão jurisdicional de reenvio) «[entraram] indiretamente» nas referidas sociedades ( 12 ).

26.

A ação inibitória intentada pela VKI contra a TVP tem por objeto a licitude de diferentes cláusulas estipuladas nos contratos fiduciários (ou, mais precisamente, nas condições gerais em que assentam esses contratos e nos formulários de contrato standard utilizados para esse efeito). A VKI alega, nomeadamente, que essas cláusulas são abusivas, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às cláusulas abusivas. Uma vez que a sede social da TVP se situa da Alemanha e que a VKI defende os interesses dos consumidores residentes na Áustria, coloca‑se a questão do direito aplicável a esta ação.

27.

No Acórdão VKI/Amazon, o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que a lei aplicável a uma ação inibitória contra a utilização de cláusulas contratuais alegadamente ilícitas por uma empresa sedeada num Estado‑Membro, que celebra contratos com consumidores que residem noutros Estados‑Membros, deve ser determinada em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Roma II ( 13 ). Em contrapartida, a questão do caráter abusivo de uma determinada cláusula contratual enquadra‑se na lei aplicável ao contrato, a qual é determinada, em princípio, em conformidade com a Convenção de Roma ou o Regulamento Roma I ( 14 ). Decidir sobre a ação intentada no caso em apreço pela VKI contra a TVP implica, portanto, determinar a lei aplicável aos contratos fiduciários controvertidos.

28.

A este respeito, a TVP invoca uma cláusula de escolha de lei, estipulada nesses contratos, que designa o direito alemão, lei da sua própria sede e da sede das sociedades em comandita, como aplicável. Todavia, a VKI alega que esta cláusula é abusiva. Com efeito, no Acórdão VKI/Amazon, o Tribunal de Justiça considerou que tal cláusula é suscetível de induzir em erro o consumidor na medida em que não o informa do facto de que, em conformidade com as regras protetoras em matéria de contratos celebrados por consumidores previstas no Regulamento Roma I, não obstante a escolha da lei, beneficia da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da sua residência habitual ( 15 ). A TVP responde que esta jurisprudência não é transponível para o caso do processo principal. Com efeito, a cláusula de escolha de lei controvertida é puramente declarativa: os contratos fiduciários em causa no processo principal devem, em todo o caso, estar sujeitos ao direito alemão, aplicável às sociedades em questão.

29.

Neste contexto, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre se, como alega a TVP, esses contratos fiduciários estão excluídos do âmbito de aplicação material da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I, a título da exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), desta convenção e no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), deste regulamento, relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica» e, se for esse o caso, em que medida. Abordarei em primeiro lugar esta problemática (secção A).

30.

Na hipótese de os contratos fiduciários controvertidos estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I, o órgão jurisdicional de reenvio procura, com a sua terceira e quarta questões, determinar se esses contratos estão abrangidos pelas regras protetoras em matéria de contratos celebrados por consumidores, que figuram no artigo 5.o da referida convenção e no artigo 6.o do referido regulamento. Mais precisamente, interroga‑se sobre o alcance da exclusão prevista no n.o 4 destes dois artigos, invocados pela TVP, segundo a qual estas regras protetoras não se aplicam aos «contratos de prestação de serviços quando os serviços devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual». Por comodidade, examinarei estas questões conjuntamente e em segundo lugar (secção B).

31.

Por último, terminarei as presentes conclusões com a análise da segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio, relativa ao caráter abusivo, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às cláusulas abusivas, da cláusula de escolha de lei controvertida (secção C).

A.   Quanto à não aplicabilidade da exclusão relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica» (primeira questão)

32.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I devem ser interpretados no sentido de que a exclusão que preveem, relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica», abrange as obrigações contratuais que têm origem num contrato fiduciário cujo objeto é a gestão de uma participação numa sociedade em comandita, nomeadamente quando este contrato e os estatutos desta sociedade se justapõem.

33.

A Convenção de Roma e o Regulamento Roma I aplicam‑se, como indica o seu artigo 1.o, n.o 1, às «obrigações contratuais» ( 16 ). A lei aplicável a tais obrigações deve, em princípio, ser determinada de acordo com as regras de conflitos de leis previstas nestes instrumentos.

34.

No entanto, o artigo 1.o, n.o 2, dos referidos instrumentos exclui expressamente determinadas matérias do seu âmbito de aplicação. Em especial, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e com o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I, estes não se aplicam às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica». Por consequência, a lei aplicável a tais «questões» deve ser determinada de acordo com as regras de conflitos das leis nacionais ( 17 ).

35.

Não é contestado que, em geral, um contrato fiduciário cria entre as partes «obrigações contratuais» abrangidas pelo âmbito de aplicação material da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I.

36.

No entanto, os contratos fiduciários em questão na ação intentada no caso em apreço pela VKI contra a TVP têm a particularidade de, por um lado, se referirem à gestão de participações em sociedades em comandita e, por outro lado, haver, para usar o termo empregado pelo órgão jurisdicional de reenvio, «justaposição» entre esses contratos e os estatutos das sociedades em questão.

37.

Resulta da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que esta «justaposição» reside no facto de a possibilidade de os investidores celebrarem um contrato fiduciário com a TVP e de entrarem «indiretamente» nas sociedades em comandita como fiduciantes estar prevista nos estatutos dessas sociedades. Por outro lado, os estatutos preveem que os fiduciantes são tratados da mesma forma que os sócios comanditários «diretos» nas relações com a sociedade em questão e nas relações com os outros sócios, que têm as mesmas obrigações (incluindo a participação no capital e nas perdas) e direitos (incluindo o de receber dividendos e o direito de voto). A própria remuneração da TVP pelos seus serviços de fiduciário está prevista nos estatutos e é paga não pelos fiduciantes mas pelas sociedades em comandita. Os contratos fiduciários controvertidos fazem também referência, várias vezes, aos estatutos destas sociedades.

38.

Trata‑se, portanto, de saber se, tendo em conta estas particularidades, a lei aplicável às obrigações contratuais que têm origem nesses contratos deve ser determinada de acordo com as regras de conflitos de leis nacionais, a título da exclusão relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica», prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I.

39.

A VKI argumenta que tal não é o caso. Os contratos fiduciários estabeleceram uma única relação entre os fiduciantes e a TVP, regulada não pelo direito das sociedades, mas pelo direito das obrigações. Os fiduciantes não têm a qualidade de sócio, reservada às pessoas inscritas para o efeito no Registo Comercial alemão. Estas não têm relação jurídica direta com essas sociedades ou os seus sócios. Os fiduciantes não podem, designadamente, opor diretamente à sociedade um direito de voto ou um direito aos dividendos, como pode fazer um sócio. Podem unicamente instruir a TVP para lhes transferir os dividendos que esta recebe na sua qualidade de sócia e para exercer o seu direito de voto de uma certa maneira por conta deles.

40.

Do lado oposto, a TVP sustenta que, uma vez que os fiduciantes têm os mesmos direitos e obrigações que os sócios «diretos», estão diretamente envolvidos nas sociedades em comandita e devem ser considerados, do ponto de vista do direito das sociedades, sócios (ou «quase sócios») nas relações internas dessas sociedades. Existe uma relação direta entre eles e as referidas sociedades. Os fiduciantes podem, designadamente, opor diretamente a essas mesmas sociedades o direito de voto e o direito aos dividendos. A TVP intervinha como fiduciária apenas para facilitar o tratamento da qualidade de sócio dos fiduciantes em matéria de registo e para facilitar a gestão interna das referidas sociedades. A relação entre os fiduciantes e a TVP caracteriza‑se também pelo direito das sociedades. Os contratos fiduciários são, por conseguinte, indissociáveis dos estatutos das sociedades em comandita. Existe uma relação jurídica única que se estende à sociedade, aos sócios «diretos», ao fiduciário e aos fiduciantes, que está integralmente abrangida pela exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I ( 18 ).

41.

Pela minha parte, considero que obrigações contratuais como as que têm origem nos contratos fiduciários controvertidos não estão abrangidas pela exclusão relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I, pelas razões a seguir expostas. Uma vez que estas disposições têm, no essencial, o mesmo conteúdo, referir‑me‑ei nos números seguintes, por conveniência, apenas ao regulamento, mas a minha análise é totalmente transponível para a referida convenção.

42.

O Regulamento Roma I não define o conceito de «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), deste regulamento. Não obstante, a sua aceção não pode, na minha opinião, ser deixada ao direito de cada Estado‑Membro. Uma vez que contribui para a definição do âmbito de aplicação do referido regulamento, e a fim de assegurar a aplicação uniforme, em todos os Estados‑Membros, das regras de conflitos de leis que este prevê, há que dar a este conceito uma aceção autónoma, com referência à redação desta disposição, à sua génese, bem como ao sistema e aos objetivos deste mesmo regulamento ( 19 ). Tendo em conta o contexto factual do presente processo, ater‑me‑ei apenas às «questões reguladas pelo direito das sociedades», deixando de lado as outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica.

43.

No que respeita, antes de mais, à redação do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I, este fornece uma enumeração, embora não exaustiva, ainda assim ilustrativa dessas «questões». Trata‑se de aspetos como a «constituição […], a capacidade jurídica, o funcionamento interno e a dissolução de sociedades […], bem como a responsabilidade pessoal dos sócios e dos titulares dos órgãos que agem nessa qualidade relativamente às obrigações da sociedade». O Relatório Giuliano‑Lagarde dá indicações análogas, especificando que esta exclusão visa «todos os atos de natureza complexa (contratuais, administrativos, de registo) necessários para a constituição de uma sociedade, ou que regulem a sua vida interna ou sua dissolução», isto é, atos «regulad[o]s pelo direito das sociedade» ( 20 ).

44.

Em seguida, no que se refere à génese desta exclusão, o Relatório Giuliano‑Lagarde explica que a sua introdução na Convenção de Roma se justificava devido às ações da Comunidade Europeia no domínio do direito material das sociedades à época da elaboração desta convenção, com vista a aproximar as legislações dos Estados‑Membros nesta matéria ( 21 ). Por outro lado, as divergências existentes entre os Estados‑Membros quanto às regras de conflitos de leis aplicáveis em matéria de direto das sociedades são também, a meu ver, suscetíveis de explicar a existência da referida exclusão ( 22 ).

45.

Por último, quanto ao sistema e aos objetivos do Regulamento Roma I, recordo que este prevê regras de conflitos de leis com vista a apresentar um elevado grau de previsibilidade, a fim de garantir a segurança jurídica quanto à lei aplicável ( 23 ). Ora, na minha opinião, a exclusão relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades» prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I contribui para a realização desse objetivo. A este respeito, as sociedades que operam na esfera internacional confrontam‑se com ordens jurídicas diferentes, que podem ter a pretensão de as reger. Neste contexto, é geralmente admitido, nos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, que, com uma mesma preocupação de previsibilidade e de segurança jurídica, no interesse, nomeadamente, dos seus credores e dos seus sócios, um determinado número de questões relativas às sociedades deva estar associado a uma determinada lei, denominada lei da sociedade (ou lex societatis).

46.

Em suma, o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I visa excluir do âmbito de aplicação deste regulamento as questões de direito das sociedades ou, por outras palavras, as abrangidas pelo âmbito da lex societatis, a fim de evitar que estas questões específicas fiquem sujeitas a ordens jurídicas diferentes, com o objetivo de garantir a previsibilidade e a segurança jurídica quanto ao direito aplicável às sociedades e, deste modo, a circulação destas na esfera internacional ( 24 ).

47.

Na falta de um corpo de regras uniforme e completo aplicável às sociedades no direito da União ( 25 ), é difícil, se não impossível, dar uma definição exaustiva do que constitui uma questão regulada pelo direito das sociedades e pela lex societatis. É necessário proceder caso a caso, voltando‑se para os princípios gerais que derivam dos sistemas de direito nacionais. Observo ainda que, em algumas ordens jurídicas, as regras de conflitos de leis preveem uma enumeração das questões reguladas pela lex societatis. No entanto, estas enumerações são apenas ilustrativas e existem divergências entre os Estados‑Membros no que diz respeito às questões reguladas por esta lei ( 26 ). Face a essas divergências, importa sem dúvida centrar‑se no «núcleo duro» de questões comummente admitidas nesses Estados ( 27 ), com vista a preservar o objetivo de previsibilidade e segurança jurídica quanto à lei aplicável a uma sociedade prosseguido pelo o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I.

48.

Neste contexto, os estatutos de uma sociedade, na medida em que regulam as questões que rodeiam o seu funcionamento interno, como o alcance e o exercício dos direitos políticos (entre os quais, o direito e voto) e dos direitos pecuniários (entre os quais, o direito aos dividendos) que resultam da qualidade de sócio, estão abrangidos pela exclusão prevista nesta disposição.

49.

Em contrapartida, considero que a simples circunstância de um contrato ter por objeto uma participação social, quer se trate, por exemplo, de um contrato de venda ou, como neste caso, de um contrato fiduciário, não pode justificar excluir as obrigações que decorrem desse contrato do âmbito de aplicação do Regulamento Roma I ao abrigo do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), deste regulamento.

50.

Na verdade, operações como a venda ou a fidúcia relativas a participações sociais são suscetíveis de suscitar «questões reguladas pelo direito das sociedades» excluídas do Regulamento Roma I ( 28 ). No entanto, em minha opinião, estas questões devem distinguir‑se das suscitadas pelos contratos subjacentes a essas operações, que, por sua vez, são reguladas pela lex contractus ( 29 ) e por este regulamento.

51.

Trata‑se, portanto, em cada situação, de proceder a um rigoroso exercício de qualificação. Neste contexto, como acertadamente salienta o órgão jurisdicional de reenvio, deve adotar‑se, regra geral, uma qualificação distributiva em função das questões de direito suscitadas por um pedido.

52.

Por exemplo, no processo que deu origem ao Acórdão KA Finanz ( 30 ), que diz respeito precisamente da exclusão relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades» [conforme reiterada no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma], estava em causa a questão da lei aplicável, na sequência de uma fusão transfronteiriça por incorporação, à interpretação, ao cumprimento das obrigações e aos modos de extinção de um contrato de mútuo celebrado pela sociedade incorporada antes dessa fusão. O Tribunal de Justiça observou que a interpretação, o cumprimento e a extinção das obrigações decorrentes desses contratos são questões reguladas pela lex contractus e por esta convenção. Em contrapartida, a questão do efeito de uma fusão por incorporação nos contratos celebrados pela sociedade incorporada enquadra‑se, por seu turno, no domínio da lex societatis e da referida exclusão ( 31 ).

53.

Por outras palavras, a simples circunstância de um contrato ter uma conexão com «questões reguladas pelo direito das sociedades» não tem por efeito excluir do âmbito de aplicação do Regulamento Roma I as obrigações que derivam desse contrato. Tal é o caso apenas das «questões» que devem, portanto, ser qualificadas separadamente das questões de ordem contratual ( 32 ).

54.

Esclarecido isto, neste caso, a ação inibitória intentada pela VKI diz respeito, recordo, ao caráter abusivo e, portanto, à licitude de determinadas cláusulas de contratos fiduciários controvertidos, as quais dizem respeito a questões como o alcance da responsabilidade da TVP na qualidade de fiduciária, os prazos de prescrição e de caducidade nos quais o investidor, na qualidade de fiduciante, pode intentar uma ação de responsabilidade contra a TVP, o local de cumprimento das prestações fiduciárias e a lei aplicável ao contrato fiduciário. A meu ver, todas estas questões são de ordem contratual e, por conseguinte, são abrangidas pelo âmbito de aplicação da lex contractus e do Regulamento Roma I.

55.

O facto de existir uma «justaposição» entre os contratos controvertidos e os estatutos das sociedades em comandita, tal como explicado no n.o 37 das presentes conclusões, não põe em causa, em minha opinião, esta interpretação.

56.

A este respeito, observo que as partes discordam quanto à questão de saber se, tendo em conta esta justaposição, os fiduciantes têm ou não a qualidade de sócios. Na minha opinião, trata‑se certamente de uma «questão regulada pelo direito das sociedades», excluída do Regulamento Roma I e relacionada com a lex societatis. De maneira geral, cabe a esta lei determinar as pessoas que têm a qualidade de sócio. Cabe, sendo caso disso, ao órgão jurisdicional de reenvio decidir esta questão substantiva à luz do direito alemão ( 33 ).

57.

No entanto, no quadro da ação intentada pela VKI, a referida questão não é determinante. Não se trata de determinar o alcance dos eventuais direitos e obrigações que os fiduciantes teriam, na qualidade de sócios, em conformidade com o direito das sociedades aplicável, diretamente em relação a sociedades em comandita. Se a lei aplicável a estas sociedades, a saber, o direito alemão, previsse que, tendo em conta os direitos e obrigações dos fiduciantes, conforme previstos nos estatutos, há que lhes reconhecer a qualidade de sócio ( 34 ), isso não mudaria, na minha opinião, o caráter contratual das questões colocadas no caso em apreço. Questões como o alcance da responsabilidade da TVP, enquanto fiduciária, ou os prazos de prescrição ou de caducidade em que os fiduciantes podem atuar judicialmente contra esta não são simplesmente «questões reguladas pelo direito das sociedades», que devam ser relacionadas uniformemente com a lex societatis. Uma interpretação contrária iria, como salienta acertadamente o órgão jurisdicional de reenvio, além do objetivo de previsibilidade e de segurança jurídica prosseguido pelo artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I.

58.

Como alega a Comissão, também é possível raciocinar em termos de relações. As cláusulas contratuais controvertidas visam regular as relações entre fiduciante e fiduciário. Determinam as obrigações existentes entre eles por força do contrato fiduciário. Mesmo quando este contrato reproduz direitos e obrigações previstos nos estatutos de uma sociedade, uma parte no contrato só os pode opor à outra na medida em que este mesmo contrato o preveja. As obrigações contratuais em questão distinguem‑se assim desses estatutos. Os referidos estatutos e a lex societatis são diretamente pertinentes apenas para as questões relativas às eventuais relações dos fiduciantes, na qualidade de sócios (admitindo que tenham essa qualidade), com a sociedade e os seus sócios comanditários ( 35 ), as quais não estão em causa neste caso.

59.

A interpretação que sugiro não é infirmada pelo argumento da TVP segundo o qual uma dissociação dos contratos fiduciários e dos estatutos das sociedades em comandita para efeitos da determinação da lei aplicável poderia quebrar a igualdade entre os sócios dessas sociedades e o fiduciantes no que respeita, em especial, à responsabilidade em relação a terceiros credores das referidas sociedades pelas dívidas da sociedade. A este respeito, a TPV sustenta que, em conformidade com a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), embora os fiduciantes não sejam diretamente responsáveis em relação a terceiros credores, são no entanto obrigados a liberar o fiduciário da responsabilidade que sobre este impende, na qualidade de sócio, em relação a estes últimos (os fiduciantes são assim «indiretamente» responsáveis em relação aos credores). A este respeito, admito que, efetivamente, a responsabilidade pessoal legal dos sócios pelas dívidas da sociedade é, também aqui, uma «questão regulada pelo direito das sociedades» excluída do Regulamento Roma I, como prevê aliás expressamente o seu artigo 1.o, n.o 2, alínea f). Todavia, a questão de uma eventual obrigação do fiduciante de liberar o fiduciário da sua responsabilidade legal de sócio pelas dívidas da sociedade respeita, antes de mais, às relações contratuais existentes entre eles. Por conseguinte, a meu ver, é regulada pela lex contractus e por este regulamento ( 36 ).

60.

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão que a exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I, relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica», não se aplica às obrigações contratuais decorrentes de um contrato fiduciário que tenha por objeto a gestão de uma participação numa sociedade em comandita.

B.   Quanto à não aplicabilidade da exclusão relativa a determinados contratos de prestação de serviços celebrados pelos consumidores (terceira e quarta questões)

61.

Na medida em que o Tribunal de Justiça declare, como proponho, que obrigações contratuais como as decorrentes dos contratos fiduciários controvertidos não são abrangidas pela exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I (ou pela exclusão equivalente da Convenção de Roma), a lei aplicável a estes contratos deve ser determinada segundo as regras de conflitos de leis previstas por esses instrumentos.

62.

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio determinou que os contratos fiduciários controvertidos são contratos celebrados por consumidores suscetíveis de ser abrangidos pelas regras protetoras, nesta matéria, previstas no artigo 5.o desta convenção e no artigo 6.o deste regulamento ( 37 ). Com efeito, vinculam um «profissional», a saber, a TVP, agindo no exercício da sua atividade profissional, a diferentes investidores que têm a qualidade de «consumidores», a saber, pessoas singulares que agiram, ao celebrarem estes contratos, para uma finalidade que pode considerar‑se estranha a tal atividade ( 38 ). Este tribunal também determinou que as condições de aplicação dessas regras protetoras estão cumpridas ( 39 ).

63.

No entanto, estes artigos excluem expressamente, no seu n.o 4, determinados contratos do seu âmbito de aplicação. Em especial, o artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I preveem, em termos idênticos, que as regras protetoras em matéria de contratos celebrados por consumidores não se aplicam «[a]os contratos de prestação de serviços quando os serviços devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual». A lei aplicável aos contratos abrangidos por esta exclusão deve ser determinada à luz das regras de conflitos de leis gerais previstas nos artigos 3.o e 4.o destes instrumentos.

64.

Neste contexto, com a terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se contratos fiduciários como os que são objeto da ação inibitória intentada pela VKI são suscetíveis de ser abrangidos pela referida exclusão.

65.

A VKI e a Comissão alegam, no essencial, que esta mesma exclusão não se aplica no caso em apreço, uma vez que os consumidores recebem determinados serviços decorrentes dos contratos fiduciários controvertidos na Áustria. A TVP sustenta, por sua vez, que presta os seus serviços fiduciários exclusivamente na Alemanha, como estipulam esses contratos ( 40 ), uma vez que as atividades necessárias para executar os referidos contratos são unicamente realizadas nesse Estado‑Membro.

66.

Partilho da opinião das primeiras, pelas seguintes razões. Mais uma vez, visto que não há diferença entre a Convenção de Roma e o Regulamento Roma I no que respeita à presente problemática, deve ser adotada uma interpretação idêntica para ambos os instrumentos. Por conseguinte, a seguir nas presentes conclusões, referir‑me‑ei novamente, por comodidade, apenas ao Regulamento Roma I.

67.

Duas condições cumulativas resultam da redação do artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I. A exclusão que aí figura aplica‑se quando, por um lado, se esteja em presença de «contratos de prestação de serviços» e, por outro lado, os serviços «devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual».

68.

A interpretação da primeira condição deixa pouca margem para dúvidas. A este respeito, o conceito de «contratos de prestação de serviços» utilizado no artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I [N. do T.: na versão em língua portuguesa desta disposição figura a expressão «contratos de prestação de serviços», ao passo que noutras versões linguísticas, designadamente nas versões em língua francesa, inglesa e italiana, figura respetivamente a expressão «contrat de fourniture de services», «contract for the supply of services» e «contratti di fornitura di servizi»] deve, em meu entender, ser definido autonomamente e ter a mesma aceção que o de «contrato de prestação de serviços», que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento [N. do T.: na versão em língua portuguesa desta disposição mantém‑se a mesma expressão «contrato de prestação de serviços», ao passo que noutras versões linguísticas, designadamente nas versões em língua francesa, inglesa e italiana, figura uma expressão diferente, respetivamente «contrat de prestation de services», «contract for the provision of services» e «contratto di prestazione di servizi»] ( 41 ). Com efeito, a categoria de contratos abrangida por estes dois conceitos é, apesar de uma ligeira diferença terminológica [N. do T.: por conseguinte, esta diferença terminológica verifica‑se nas outras versões linguísticas acima referidas, mas não na versão portuguesa], manifestamente a mesma. Esta categoria deve, por outro lado, ter o mesmo alcance que a de «prestação de serviços» [N. do T.: nas versões linguísticas acima referidas, respetivamente, «fourniture de services», «provision of services» e «prestazione di servizi»] prevista, para efeitos da competência judiciária em matéria contratual, no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Bruxelas I bis ( 42 ). Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a esta última disposição que o conceito de «serviços» implica, pelo menos, que a parte que os presta realize uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração ( 43 ). Ora, como salienta a TVP, a fidúcia constitui um «serviço» deste tipo: no âmbito de um contrato fiduciário, o fiduciário realiza uma atividade determinada, que consiste na gestão do ou dos ativos colocados em fidúcia, em contrapartida de uma remuneração.

69.

O alcance da segunda condição, relativa ao lugar onde os serviços «devam ser prestados» ao consumidor, é menos evidente. É verdade que o Tribunal de Justiça já abordou a questão do lugar de cumprimento de uma obrigação contratual ou de um contrato a fim de determinar a competência judiciária em matéria contratual, usando critérios diferentes ( 44 ). No entanto, ainda não examinou esta questão no contexto do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Roma I, para efeitos da determinação da lei aplicável. Antes de mais, importa precisar se a questão desse lugar de cumprimento é regulada pelo direito nacional, em particular, pela lex contractus, ou deve ser definida autonomamente no direito da União, bem como a importância a dar ao eventual lugar de cumprimento estipulado no contrato.

70.

A este respeito, saliento que o órgão jurisdicional de reenvio se focou em certas obrigações decorrentes dos contratos fiduciários controvertidos, a saber, a obrigação da TVP de transmitir ao investidor informações sobre a evolução da atividade do fundo e a obrigação de transferir para o referido investidor os dividendos e outras vantagens patrimoniais que lhe são devidas, e determinou onde essas obrigações devem ser cumpridas, à luz tanto do direito austríaco como do direito alemão, ou seja, as duas leis potencialmente aplicáveis a esses contratos ( 45 ). Esse órgão jurisdicional também considerou que, por força de um ou outro direito, a cláusula que designa o lugar do cumprimento nos contratos fiduciários é nula ( 46 ).

71.

Todavia, não penso que a questão do lugar da prestação dos serviços ao consumidor (e do da eventual cláusula que designa esse lugar), para efeitos da aplicação do artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I, deva ser deixada à lex contractus. Com efeito, esta questão deve ser decidida a montante da determinação da lei aplicável e permite precisamente determiná‑la. Para evitar uma lógica circular ou complexa ( 47 ), há que, em minha opinião, adotar uma interpretação autónoma do lugar onde os serviços «devam ser prestados» ao consumidor, na aceção desta disposição, a qual deve ser elaborada à luz do seu contexto e dos seus objetivos.

72.

No que respeita, em primeiro lugar, ao contexto no qual se inscreve o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I, considero, como a VKI e a Comissão, que esta disposição deve ser interpretada restritivamente, uma vez que derroga o objetivo de proteção genericamente prosseguido por este artigo ( 48 ).

73.

Além disso, o facto de uma exclusão equivalente à contida na referida disposição não se encontrar prevista no artigo 17.o do Regulamento Bruxelas I bis ( 49 ), relativo à competência judiciária em matéria de contratos de consumo, também milita, em minha opinião, a favor de uma interpretação restrita, a fim de não exacerbar estas divergência e as soluções incoerentes que acarreta ( 50 ).

74.

No que respeita, em segundo lugar, ao objetivo prosseguido pela exclusão em questão, o Relatório Giuliano‑Lagarde explica, no que respeita ao artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma, que, «no caso de contratos de prestação de serviços (por exemplo, alojamento em hotel ou curso de línguas) que são prestados exclusivamente fora do Estado onde o consumidor reside, este não pode razoavelmente esperar que a lei do seu Estado de origem seja aplicada ( 51 ) por derrogação das regras gerais dos artigos 3.o e 4.o». Neste caso, «o contrato apresenta ligações mais estreitas com o Estado de residência da outra parte contratante, mesmo que esta última tenha executado um dos atos descritos no [artigo 5.o, n.o 2] (por exemplo, publicidade) no Estado de residência do consumidor» ( 52 ).

75.

Por outro lado, resulta dos debates realizados por ocasião da adoção do Regulamento Roma I, em especial no âmbito do Conselho da União Europeia, que esta exclusão foi mantida neste regulamento pelo motivo, nomeadamente, de que determinadas delegações temiam uma «superproteção» do consumidor e desejavam não afetar demasiado as pequenas e médias empresas, designadamente do setor do turismo ( 53 ).

76.

Em minha opinião, resulta dos elementos precedentes que, a fim de determinar o lugar onde «os serviços devam ser prestados ao consumidor», na aceção do artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I, é necessário focar‑se, de um ponto de vista factual, na natureza dos serviços em questão. Embora uma eventual cláusula de designação do lugar de cumprimento das obrigações contratuais possa eventualmente constituir um indício a este respeito, a mesma não é, de modo algum, determinante. A expressão «devam ser prestados» não remete, como sustenta a TVP, para o lugar onde as obrigações devem ser cumpridas em conformidade com as estipulações do contrato ( 54 ). Como a VKI argumenta, é na realidade necessário verificar se resulta da própria natureza dos serviços contratados que os mesmos são necessariamente prestados fora do país de residência habitual do consumidor ( 55 ).

77.

A determinação do lugar onde os serviços devem ser prestados ao consumidor parece‑me relativamente evidente no caso dos serviços do setor do turismo evocados no Relatório Guiliano‑Lagarde e discutidos no âmbito do Conselho, como a restauração e a hotelaria. Nestas situações, a prestação de serviços localiza‑se, por natureza, num único local: o profissional realiza as atividades necessárias, e o consumidor recebe os resultados correspondentes, num único e mesmo lugar.

78.

Em contrapartida, outras prestações de serviços são efetuadas à distância, ou seja, o lugar de realização material das prestações não coincide com aquele onde o consumidor recebe os resultados. Em particular, estes dois lugares podem situar‑se em países diferentes. Os serviços são então prestados de maneira transfronteiriça e o profissional não tem, como evoca o órgão jurisdicional de reenvio na sua terceira questão prejudicial, de se deslocar ao país do consumidor para cumprir as suas obrigações.

79.

A este respeito, partilho da opinião do órgão jurisdicional de reenvio e da Comissão, segundo a qual, na hipótese referida no número anterior, não se pode considerar que os serviços «devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual», na aceção do artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I ( 56 ). Por outras palavras, a exclusão prevista nesta disposição não deve aplicar‑se nessa hipótese.

80.

Com efeito, na minha opinião, por um lado, a insistência do legislador da União, na redação do artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I, quanto ao facto de os serviços deverem ser prestados «exclusivamente» fora do país da residência habitual do consumidor e, por outro, as explicações subjacentes a esta disposição ( 57 ) tendem a salientar que a exclusão em causa só deve aplicar‑se na hipótese de, tendo em conta a natureza dos serviços em causa, o consumidor ter de se deslocar ao estrangeiro para os receber. Nesta hipótese, o contrato apresenta ligações negligenciáveis com o país da sua residência habitual e outras (manifestamente) mais estreitas com o país de prestação dos serviços ( 58 ). Em contrapartida, no caso de serviços prestados à distância no país da residência habitual do consumidor, as ligações do contrato com esse país são mais significativas e o consumidor pode razoavelmente esperar que se aplica a lei do referido país (ou, pelo menos, as suas disposições imperativas).

81.

Na minha opinião, estas considerações são plenamente aplicáveis num processo como o principal. Em especial, o facto de os montantes correspondentes às participações terem sido pagos pelos consumidores austríacos em contas fiduciárias (Treuhandkonten) na Áustria ( 59 ), de a TVP transferir os pagamentos de dividendos e as outras vantagens pecuniárias que lhes são devidas para contas austríacas, de esta sociedade cumprir as suas obrigações de informação resultantes do contrato fiduciário enviando‑lhes relatórios sobre a atividade dos fundos na Áustria e de dispor de um sítio Internet dedicado a esses consumidores, no qual estes podem consultar informações e votar ( 60 ), sublinha que os referidos consumidores recebem o resultado dos serviços prestados pela TVP no país da sua residência habitual. Por consequência, a meu ver, a exclusão prevista no artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I não é aplicável.

82.

Tendo em conta o que precede, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à terceira e quarta questões que o artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I devem ser interpretados no sentido de que a exclusão que preveem, relativa aos «[c]ontratos de prestação de serviços quando os serviços devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual», não se aplica a um contrato fiduciário no âmbito do qual os serviços são prestados pelo profissional ao consumidor, no país de residência habitual deste último, à distância a partir do território de outro país.

C.   Quanto ao caráter abusivo, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às cláusulas abusivas, da escolha da lei que designa o direito da sede do profissional (segunda questão)

83.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às cláusulas abusivas deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato fiduciário, celebrado entre um profissional e um consumidor, relativo à gestão de uma participação numa sociedade em comandita, que não tenha sido objeto de uma negociação individual e em virtude da qual o direito aplicável é o do Estado‑Membro da sede dessa sociedade é abusiva, na aceção desta disposição.

84.

Como indiquei nas presentes conclusões, em minha opinião, a lei aplicável a obrigações contratuais como as que decorrem dos contratos fiduciários controvertidos deve ser determinada em conformidade com as regras de conflitos de leis previstas na Convenção de Roma e no Regulamento Roma I e, mais especificamente, em conformidade com as regras em matéria de consumo, previstas no artigo 5.o desta convenção e no artigo 6.o deste regulamento.

85.

O artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Roma I preveem que, em princípio, os contratos celebrados por consumidores são regulados pela lei do país em que o consumidor tem a sua residência habitual. Neste caso, trata‑se, portanto, do direito austríaco.

86.

No entanto, recordo que os contratos fiduciários controvertidos estipulam uma cláusula de escolha de lei que designa o direito da sede da TVP e das sociedades em comandita, a saber, o direito alemão. Todavia, a VKI argumenta que esta cláusula é ilícita. Em especial, alega que, tal como as outras cláusulas abrangidas pela sua ação, é abusiva.

87.

A este respeito, importa recordar que o artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Roma I permitem, em princípio, tal cláusula de escolha de lei. Contudo, nos termos dessas disposições, semelhante escolha não pode ter por efeito privar o consumidor da proteção que lhe garantem as disposições não derrogáveis por acordo (ou «disposições imperativas» ( 61 )) em virtude da lei do país em que tem a sua residência habitual. No caso em apreço, a cláusula controvertida não pode, portanto, impedir que os consumidores residentes na Áustria (e a VKI no âmbito da sua ação inibitória) invoquem disposições imperativas do direito austríaco.

88.

Ora, no Acórdão VKI/Amazon, o Tribunal de Justiça declarou que uma cláusula que figure nas condições gerais de venda de um profissional, que haja sido objeto de uma negociação individual, segundo a qual a lei do Estado‑Membro da sede do profissional rege o contrato celebrado por via eletrónica com um consumidor, é abusiva, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às cláusulas abusivas, por induzir em erro o consumidor, dando‑lhe a impressão de que apenas a lei desse Estado‑Membro se aplica ao contrato, sem o informar do facto de que também beneficia, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Roma I (ou, se for caso disso, do artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Roma), da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei do país da sua residência habitual ( 62 ).

89.

À semelhança da VKI e da Comissão, considero que esta jurisprudência é aplicável no processo principal. A este respeito, partilho da opinião da Comissão segundo a qual o facto de os contratos fiduciários controvertidos não terem sido, ao que parece, celebrados por via eletrónica não é importante. Com efeito, na minha opinião, uma cláusula de escolha de lei é abusiva pelo facto de, contrariamente à exigência de uma redação clara e compreensível, enunciada no artigo 5.o da diretiva relativa às cláusulas abusivas, não informar o consumidor de que, não obstante essa escolha, pode invocar as disposições imperativas da lei do país da sua residência habitual ( 63 ). A forma que assumiu a celebração do contrato não é relevante no âmbito deste raciocínio. Em contrapartida, o facto de a cláusula controvertida não satisfazer este imperativo de informação é decisivo ( 64 ).

90.

Tendo em conta as considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às cláusulas abusivas deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato fiduciário, celebrado entre um profissional e um consumidor, relativo à gestão de uma participação numa sociedade em comandita, que não foi objeto de uma negociação individual e em virtude da qual o direito aplicável é o do Estado‑Membro da sede do profissional e dessa sociedade é abusiva na aceção da referida disposição, se não informar o consumidor de que, não obstante a escolha de lei, também beneficia, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Roma ou do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Roma I, da proteção que lhe garantem as disposições imperativas do direito que seria aplicável se não existisse essa cláusula.

V. Conclusão

91.

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria):

1)

O artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de junho de 1980, e o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), devem ser interpretados no sentido de que a exclusão que preveem, relativa às «questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica», não se aplica a obrigações contratuais decorrentes de um contrato fiduciário que tem por objeto a gestão de uma participação numa sociedade em comandita.

2)

O artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de junho de 1980, e o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento n.o 593/2008 devem ser interpretados no sentido de que a exclusão que preveem, relativa aos «[c]ontratos de prestação de serviços quando os serviços devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual», não se aplica a um contrato fiduciário no âmbito do qual os serviços são prestados pelo profissional ao consumidor, no país de residência habitual deste último, à distância a partir do território de outro país.

3)

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato fiduciário, celebrado entre um profissional e um consumidor, relativo à gestão de uma participação numa sociedade em comandita, que não foi objeto de uma negociação individual e em virtude da qual o direito aplicável é o do Estado‑Membro da sede do profissional e dessa sociedade é abusiva na aceção da referida disposição, se não informar o consumidor de que, não obstante essa escolha, também beneficia, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de junho de 1980, ou do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 593/2008, da proteção que lhe garantem as disposições imperativas do direito que seria aplicável se não existisse essa cláusula.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Na aceção da Diretiva 2009/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO 2009, L 110, p. 30).

( 3 ) Diretiva do Conselho, de 5 de abril de 1993 (JO 1993, L 95, p. 29, a seguir «diretiva relativa às cláusulas abusivas»).

( 4 ) Acórdão de 28 de julho de 2016 (C‑191/15, a seguir «Acórdão VKI/Amazon, EU:C:2016:612).

( 5 ) Aberta a assinatura em Roma em 19 de junho de 1980 (JO 1980, L 266, p. 1) (a seguir «Convenção de Roma»).

( 6 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 (JO 2008, L 177, p. 6), conforme retificado (JO 2009, L 309, p. 87) (a seguir «Regulamento Roma I»). Tanto a Convenção de Roma como o Regulamento Roma I são aplicáveis ratione tempore ao processo principal (v. n.o 9 das presentes conclusões).

( 7 ) V., para mais explicações, nota de pé de página 9 das presentes conclusões.

( 8 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007 (JO 2007, L 199, p. 40, a seguir «Regulamento Roma II»).

( 9 ) Resulta das observações da VKI que fundos fechados, como os criados pela MPC, consistem em obter capitais, mediante a emissão e venda de participações no capital de sociedades constituídas para esse efeito, com vista a proceder a investimentos em bens imóveis, com o objetivo de gerar rendimentos através da locação e venda dos bens em questão. As participações só podem ser subscritas pelos investidores por um período limitado. Uma vez obtido o capital necessário, o fundo é fechado e não emitirá novas participações. As participações inicialmente emitidas não podem ser readquiridas pelo fundo, ou só o podem em condições estritas. Os fundos deste tipo estão particularmente difundidos na Alemanha (v., sobre esta problemática, Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo E. Friz, C‑215/08, EU:C:2009:522, n.os 33, 42, 43 e referências citadas). A VKI indica ainda que, desde 2002, cerca de 16000 consumidores austríacos celebraram contratos fiduciários com a TVP para adquirirem participações nos fundos da MPC.

( 10 ) É ponto assente que os investidores também podiam escolher entrar diretamente nas sociedades que estruturam os fundos como sócios comanditários e ser inscritos no Registo Comercial alemão. Contudo, esta não é a situação no processo principal.

( 11 ) O Treuhand e a fidúcia são semelhantes ao trust dos países de «Common Law» (v., para uma análise de direito comparado, Braun, A. e Swadling, W., «Chapter six — Management: Trust, Treuhand and Fiducie», em Van Erp, S., e Akkermans, B., Cases, Materials and Text on Property Law, Ius commune casebooks for the common law of europe, Hart Publishing, 2012, pp. 553 a 615). Ora, a Convenção de Roma, no seu artigo 1.o, n.o 2, alínea g), e o Regulamento Roma I, no seu artigo 1.o, n.o 2, alínea h), excluem do seu âmbito material de aplicação a constituição de trusts e as relações que criam entre os constituintes, os trustees e os beneficiários. No entanto, esta exclusão não é, a priori, aplicável no processo principal. Com efeito, resulta do Relatório relativo à Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, por Mario Giuliano, professor da Universidade de Milão, e Paul Lagarde, professor da Universidade de Paris I (JO 1980, C 282, p. 1, a seguir «Relatório Giuliano‑Lagarde»), que, em princípio, a referida exclusão tem unicamente por objeto os trusts e não abrange as «instituições semelhantes de direito continental» (v. p. 13 deste relatório). Seja como for, uma vez que a questão da aplicabilidade desta mesma exclusão não foi submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio e não foi suscitada perante o Tribunal de Justiça, não me debruçarei sobre ela nas presentes conclusões.

( 12 ) O órgão jurisdicional de reenvio não fornece mais detalhes quanto à forma de representar juridicamente os investimentos em questão.

( 13 ) Recordo que uma ação inibitória tem por base uma obrigação extracontratual na medida em que não há um contrato entre o profissional e a associação de proteção dos consumidores. A este respeito, o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Roma II prevê que a lei aplicável à obrigação extracontratual resultante de um ato de concorrência desleal é a do país em que as relações de concorrência ou os interesses coletivos dos consumidores sejam afetados ou sejam suscetíveis de ser afetados. No Acórdão VKI/Amazon (n.o 42), o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «concorrência desleal» engloba a utilização de cláusulas abusivas inseridas nas condições gerais do contrato de venda quando seja suscetível de afetar os interesses coletivos dos consumidores enquanto grupo e, portanto, influenciar as condições de concorrência no mercado.

( 14 ) V., neste sentido, Acórdão VKI/Amazon, n.os 35 a 60.

( 15 ) V. n.os 83 a 90 das presentes conclusões.

( 16 ) O conceito de «obrigação contratual», na aceção destes instrumentos, refere‑se a uma obrigação jurídica livremente consentida por uma pessoa para com outra. V. Acórdão de 21 de janeiro de 2016, ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (C‑359/14 e C‑475/14, EU:C:2016:40, n.o 44).

( 17 ) Independentemente da questão da lei aplicável, saber se os contratos fiduciários controvertidos suscitam questões reguladas pelo direito das sociedades é também suscetível de ter, quanto ao mérito, consequências quanto à possibilidade de a VKI invocar as regras que proíbem cláusulas abusivas. Com efeito, de maneira análoga à Convenção de Roma e ao Regulamento Roma I, a diretiva relativa às cláusulas abusivas não se aplica, como indica o seu décimo considerando, aos «contratos relativos à constituição e aos estatutos das sociedades».

( 18 ) A este respeito, a TPV invoca uma jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) segundo a qual, no caso de estreita justaposição entre um contrato fiduciário relativo a participações sociais e os estatutos da sociedade em causa, o fiduciante deve ser tratado como um sócio. O direito das sociedades aplicável aos estatutos rege igualmente o contrato fiduciário quando o fiduciante está fortemente e diretamente implicado na sociedade, tendo os mesmos direitos e obrigações que os sócios, quando é diretamente responsável pelas entradas de capital e beneficia diretamente das vantagens, nomeadamente fiscais, de um sócio. Nesse caso, os estatutos da sociedade e o contrato fiduciário são indissociáveis, pelo que não há necessidade de proceder a uma «decomposição em função de uma problemática de conflito de leis». Pelo contrário, existe uma «relação de direito única» que deve ser tratada segundo o mesmo direito (v. Acórdão BGB II ZR 276/02).

( 19 ) É possível raciocinar aqui por analogia com a interpretação autónoma feita pelo Tribunal de Justiça das exclusões previstas no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I bis»). V., designadamente, no que respeita à exclusão relativa à «segurança social», Acórdão de 14 de novembro de 2002, Baten (C‑271/00, EU:C:2002:656, n.o 42); quanto à exclusão de «falências, concordatas e processos análogos», Acórdão de 22 de fevereiro de 1979, Gourdain (133/78, EU:C:1979:49, n.o 3); e, sobre a exclusão relativa ao «estado e à capacidade jurídica das pessoas singulares», Acórdão de 3 de outubro de 2013, Schneider (C‑386/12, EU:C:2013:633, n.o 19).

( 20 ) Relatório Giuliano‑Lagarde, p. 12. Preciso que, se o referido relatório diz respeito à Convenção de Roma, também fornece um esclarecimento relevante sobre a interpretação das disposições equivalentes do Regulamento Roma I. V., designadamente, Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 34).

( 21 ) V. Relatório Giuliano‑Lagarde, p. 12.

( 22 ) Recordo, sumariamente, que alguns Estados‑Membros mantêm, como critério de conexão para fins de determinação da lei aplicável às sociedades, o lugar da constituição, enquanto outros aplicam a «teoria da sede efetiva», que impõe que a sociedade seja constituída no Estado‑Membro onde sua sede efetiva se localiza. V., sobre esta questão, Acórdãos de 9 de março de 1999, Centros (C‑212/97, EU:C:1999:126); de 5 de novembro de 2002, Überseering (C‑208/00, EU:C:2002:632); e de 25 de outubro de 2017, Polbud — Wykonawstwo (C‑106/16, EU:C:2017:804).

( 23 ) V. considerandos 6 e 16 do Regulamento Roma I.

( 24 ) V., neste sentido, Acórdão 8 de maio de 2019, Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 33).

( 25 ) A legislação atual da União Europeia em matéria de direito das sociedades é fragmentária. V., em particular, Diretiva (UE) 2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativa a determinados aspetos do direito das sociedades (JO 2017, L 169, p. 46). V., também, Regulamento (CE) n.o 2157/2001 do Conselho, de 8 de outubro de 2001, relativo ao estatuto da sociedade europeia (SE) (JO 2001, L 294, p. 1).

( 26 ) V., designadamente, na Bélgica, artigo 111.o da loi du 16 juillet 2004 portant sur le code de droit international privé (Lei de 16 de julho de 2004 relativa ao Código de Direito Internacional Privado) (Moniteur belge de 27 de julho de 2004, p. 57344) e, na Itália, artigo 25.o da Legge 31 maggio 1995 n.o 218 (Lei n.o 218, de 31 de maio de 1995) (suplemento ordinário do GURI n.o 128, de 3 de junho de 1995). V., para um exame comparativo das ordens jurídicas dos Estados‑Membros em matéria de direito das sociedades, Gerner‑Beuerle, C., Mucciarelli, F., Schuster, E., e Siems, M., The Private International Law Firms of Europe, Beck, Hart e Nomos, 2019, pp. 47 a 127.

( 27 ) V, para uma enumeração destas questões abrangidas por este «núcleo duro», Gerner‑Beuerle, C., Mucciarelli, F., Schuster, E., e Siems, M., op. cit.

( 28 ) Por exemplo, quanto à venda: um sócio tem o direito de ceder a sua participação a um terceiro sem o acordo dos outros sócios? Esta cessão dá origem a um direito de preferência por estes últimos? V., para as diferentes questões de direito das sociedades suscitadas pelas operações fiduciárias que têm por objeto a gestão de ações e de participações sociais, Fiducie sur titres, Les nouvelles perspectives, colóquio organizado pela Associação Francesa de Fiduciários, LGDJ, Coll. Grands colloques, 2017.

( 29 ) V., a este respeito, para o domínio da lex contractus, enumeração que figura no artigo 12.o do Regulamento Roma I. Para uma questão de ordem contratual, em caso de venda: qual é a responsabilidade do vendedor em relação ao comprador?

( 30 ) Acórdão de 7 de abril de 2016 (C‑483/14, EU:C:2016:205).

( 31 ) V. Acórdão de 7 de abril de 2016, KA Finanz (C‑483/14, EU:C:2016:205, n.os 52 a 58). V., para a mesma qualificação distributiva, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (C‑359/14 e C‑475/14, EU:C:2016:40, n.os 50 a 62). V., também, Acórdão VKI/Amazon e a distinção feita pelo Tribunal de Justiça entre a lei aplicável à questão principal suscitada por semelhante ação inibitória (a determinar, portanto, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Roma II) e a lei aplicável à questão incidental do caráter abusivo das cláusulas controvertidas, a qual se enquadra no domínio da lex contractus e do Regulamento Roma I (v. n.o 27 das presentes conclusões).

( 32 ) A problemática do direito de voto em relação a um contrato fiduciário relativo a uma participação social constitui um bom exemplo de qualificação distributiva. A questão do alcance do direito de voto de um sócio é uma «questão regulada pelo direito das sociedades» e pela lex societatis. Em contrapartida, a maneira como o fiduciário deve exercer o direito de voto por conta do fiduciante (deve o primeiro seguir as orientações gerais ou especiais do segundo? Deve pedir o seu parecer antes de cada voto?, etc.) é uma questão que respeita à sua relação contratual e às suas obrigações respetivas, regulada pela lex contractus.

( 33 ) Simplificando o discurso, numa transação fiduciária relativa a uma participação social, que eu qualificarei de «básica», a propriedade da participação social submetida a fidúcia é transferida para o fiduciário, e este goza dos direitos e suporta as obrigações que lhe estão associadas. É, portanto, o fiduciário que tem a qualidade de sócio. No caso em apreço, a circunstância de os fiduciantes terem, em conformidade com os estatutos, os mesmos direitos políticos e pecuniários que os sócios, poderem opor estes direitos à sociedade e terem as mesmas obrigações (incluindo a de participar nas perdas) complica este esquema «básico». As coisas podem ser vistas de duas maneiras: por um lado, como alega a VKI, a fidúcia pode ser vista como uma «ficção contratual» destinada a imitar a qualidade de sócio sem apresentar determinadas desvantagens (incluindo a inscrição no registo comercial); por outro lado, como alega a TVP, pode considerar‑se que, independentemente da propriedade das participações e da pessoa inscrita no registo comercial, há que «romper o véu contratual» e reconhecer como sócio o fiduciante. Por último, a questão suscitada é a do critério da qualidade de sócio: trata‑se da propriedade das participações? Da inscrição no registo comercial? Ou ainda da oponibilidade dos direitos de um sócio em relação à sociedade e do facto de suportar as obrigações? Trata‑se de uma questão substantiva típica do direito das sociedades.

( 34 ) V. nota de pé de página 18 das presentes conclusões.

( 35 ) Os fiduciantes não podem opor à sociedade ou aos sócios os direitos previstos pelo contrato fiduciário no qual estes últimos não são parte.

( 36 ) Por uma questão de exaustividade, preciso que, mesmo que os contratos fiduciários fossem nulos por força da lex contractus, isso não significaria necessariamente que os consumidores austríacos recuperassem automaticamente o seu investimento. Contanto que fosse usada como entrada de capital numa sociedade em comandita, a possibilidade de o consumidor se retirar da sociedade e recuperar essa entrada e as eventuais obrigações que continuaria a suportar em tal caso seriam, também neste caso, uma «questão regulada pelo direito das sociedades», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I. V., a este respeito, acerca da doutrina da sociedade irregular (Lehre der fehlerhaften Gesellschaft) no direito alemão, Acórdão de 15 de abril de 2010, E. Friz (C‑215/08, EU:C:2010:186).

( 37 ) Mais precisamente, o artigo 5.o da Convenção de Roma apenas se aplica aos contratos celebrados por consumidores que tenham por objeto o fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviços, bem como aos contratos destinados ao financiamento desse fornecimento. O artigo 6.o do Regulamento Roma I tem um âmbito de aplicação mais alargado, uma vez que abrange todos os tipos de contratos celebrados por consumidores, sob reserva das exclusões expressas que prevê.

( 38 ) Por outro lado, estes contratos fiduciários são «contratos de prestação de serviços», na aceção do artigo 5.o da Convenção de Roma (v n.o 68 das presentes conclusões), pelo que, em princípio, são abrangidos pelo âmbito de aplicação deste artigo.

( 39 ) No que diz respeito às condições estabelecidas no artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Roma, importa recordar que a celebração de contratos fiduciários na Áustria «foi precedida […] de uma proposta que lhe foi especialmente dirigida ou de anúncio publicitário» (os prospetos relativos às participações controvertidas foram distribuídos nesse Estado‑Membro). Além disso, os consumidores austríacos «executa[ram] nesse país todos os atos necessários à celebração do contrato» e «a outra parte ou o respetivo representante [recebeu] o pedido do consumidor nesse país» (os atos jurídicos exigidos dos consumidores foram executados na Áustria e aceites neste Estado‑Membro por parceiros contratuais da TVP). No que respeita às condições que figuram no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Roma I, os mesmos elementos indicam que a TVP «dirigiu» a sua atividade «para» o mercado austríaco e é incontestável que os contratos fiduciários estavam abrangidos pelo âmbito dessa atividade.

( 40 ) V. n.o 15 das presentes conclusões.

( 41 ) V., neste sentido, Ragno, F., «Article 6: Consumer contracts», em Ferrari, F., Rome I Regulation — Pocket Commentary, selp, 2015, p. 219 e referências citadas.

( 42 ) V., neste sentido, considerando 17 do Regulamento Roma I e Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.os 39 a 41). Recordo que o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I bis prevê que as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro podem ser demandadas, em matéria contratual, em conformidade com a alínea a) desse número, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão. A alínea b) daquele número especifica que, para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o local de cumprimento da obrigação em questão será, no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues e, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.

( 43 ) V. Acórdãos de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C‑533/07, EU:C:2009:257, n.o 29); de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 57); e de 8 de maio de 2019, Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 39).

( 44 ) No quadro do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I bis, que prevê que uma pessoa domiciliada num Estado‑Membro pode ser demandada «perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão», o Tribunal de Justiça considera que se deve determinar a obrigação correspondente ao direito contratual no qual se baseia a ação do demandante e apreciar, em conformidade com a lei que rege essa obrigação, o lugar onde esta foi ou deve ser cumprida [v., por analogia, Acórdãos de 6 de outubro de 1976, De Bloos (14/76, EU:C:1976:134, n.o 13), e Industrie Tessili Italiana Como (12/76, EU:C:1976:133, n.o 13)]. No quadro do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, relativo aos contratos de venda e aos contratos de prestação de serviços, o Tribunal de Justiça adota uma definição autónoma e factual do local de cumprimento do contrato, considerado globalmente, dando peso preponderante às estipulações do contrato [v., designadamente, Acórdãos de 3 de maio de 2007, Color Drack (C‑386/05, EU:C:2007:262); de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C‑533/07, EU:C:2009:257); e de 25 de fevereiro de 2010, Car Trim (C‑381/08, EU:C:2010:90)].

( 45 ) O órgão jurisdicional de reenvio salientou que, na falta de escolha, o direito austríaco prevê que as obrigações pecuniárias são cumpridas no domicílio do credor. O direito alemão faz, por sua vez, uma distinção entre o lugar onde a obrigação pecuniária é materialmente cumprida (Leistungsort ou Erfüllungsort), situado no domicílio do devedor, e o local onde o resultado desse cumprimento é obtido (Erfolgsort), que é o domicílio do credor.

( 46 ) A TVP contesta as afirmações do órgão jurisdicional de reenvio relativas aos direitos alemão e austríaco. Todavia, não cabe ao Tribunal de Justiça pôr em causa a interpretação desses direitos nacionais feita por esse órgão jurisdicional.

( 47 ) Esta lógica consistiria em determinar, à luz da lei designada pelas regras protetoras em matéria de contratos celebrados por consumidores previstas pelo Regulamento Roma I, se estas regras são aplicáveis, o que seria circular, ou em designar, como sugere a TVP, uma primeira lex contractus, em conformidade com as regras gerais deste regulamento (artigos 3.o e 4.o) e determinar, nos termos dessa lei, se as referidas regras protetoras se devem aplicar, o que seria complexo.

( 48 ) Como resulta do considerando 23 do Regulamento Roma I, as regras em matéria de contratos celebrados por consumidores previstas por este regulamento visam, nomeadamente, proteger o consumidor, considerado como parte fraca no contrato, através de normas de conflitos de leis que sejam mais favoráveis aos seus interesses do que as normas gerais.

( 49 ) Ao contrário, por exemplo, da exclusão prevista no artigo 6.o, n.o 4, alínea b), do Regulamento Roma I, em matéria de contratos de transporte diferentes dos contratos relativos a uma viagem organizada, que encontra um equivalente no artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento Bruxelas I bis.

( 50 ) Com efeito, um prestador de serviços que pode invocar o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I e subtrair‑se assim à aplicação das disposições imperativas da lei do Estado‑Membro onde o consumidor tem a sua residência habitual deverá, em todo o caso, intentar a sua ação (e o consumidor poderá intentar a sua) nos tribunais deste Estado, em conformidade com o artigo 18.o do Regulamento Bruxelas I bis. Esta incoerência é criticada na doutrina. V. Calliess, G.‑P., Rome Regulations — Commentary on the European Rules of the Conflict of Laws, Kluwer Law International, 2011, p. 147 e referências citadas, bem como Ragno, F., op. cit., p. 219 e referências citadas.

( 51 ) V. n.os 85 e 87 das presentes conclusões.

( 52 ) Relatório Giuliano‑Lagarde, pp. 24 e 25.

( 53 ) A exclusão controvertida figurava na proposta de regulamento de 15 de dezembro de 2005, do Parlamento Europeu e do Conselho, sobre lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (COM/2005/0650 final). Esta exclusão deu origem a objeções por parte de diferentes delegações (República Francesa, República Italiana e República da Áustria) que pretendiam suprimi‑la, enquanto outras (República da Lituânia e Reino dos Países Baixos) queriam que fosse mantida e o Grão‑Ducado do Luxemburgo propunha a sua extensão aos contratos de venda. Diferentes associações profissionais, no domínio da hotelaria e da restauração, pronunciaram‑se publicamente a favor da manutenção da referida exclusão, temendo ficar expostas a direitos diferentes em função do país de residência dos seus clientes. V. Calliess, G.‑P., op. cit., pp. 146 a 148, bem como McParland, M., The Rome I Regulation on the Law Applicable to Contractual Obligations, Oxford University Press, 2015, pp. 554 e 555.

( 54 ) Nesta matéria, não podemos raciocinar por analogia com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Bruxelas I bis. Neste contexto, o Tribunal de Justiça atribui uma importância preponderante, para determinar «o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados», na aceção desta disposição, às estipulações do contrato. Embora esta abordagem se justifique tanto à luz da redação da referida disposição como do objetivo de previsibilidade que prossegue, é todavia inadequada no quadro do artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I. Com efeito, na minha opinião, o objetivo de proteção prosseguido por este último artigo milita a favor de uma interpretação que não depende da maneira como o contrato está formulado.

( 55 ) V., neste sentido, Bělohlávek, A. J., Rome Convention — Rome I Regulation, volume 1, Juris, 2010, p. 1167. Preciso que o simples facto de o profissional ter «dirigido» a sua atividade «para» o país de residência habitual do consumidor não pode, por si só, excluir a aplicação do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento Roma I. De outra forma, esta disposição ficaria privada de qualquer efeito útil. Com efeito, as regras protetoras previstas neste artigo só se aplicam, em todo o caso, se a condição relativa à «atividade dirigida» estiver cumprida. Por conseguinte, os elementos que demonstram que a atividade do profissional é «dirigida para» o país de residência habitual do consumidor, como a distribuição de publicidade ou a celebração do contrato nesse país, não podem, por si só, demonstrar que os serviços «dev[e]m ser prestados ao consumidor nesse país».

( 56 ) Esta interpretação impõe‑se também, na minha opinião, tratando‑se de serviços prestados online. V., neste sentido, Tang, Z. S., Electronic Consumer Contracts in the Conflict of Laws, Hart publishing, 2.a edição, 2015, pp. 240 e 241.

( 57 ) V. n.o 74 das presentes conclusões.

( 58 ) V., da mesma opinião, Calliess, G.‑P., op. cit., p. 148.

( 59 ) A questão de saber se a TVP está legalmente autorizada a dispor de tais contas não me parece determinante.

( 60 ) A circunstância de que nenhuma obrigação contratual impunha à TVP que criasse esse sítio Internet, admitindo que se comprove, também não é determinante, na minha opinião. Em qualquer caso, este sítio Internet é apenas um dos elementos que salientam que os serviços são prestados à distância.

( 61 ) V., sobre este conceito, Conclusões que apresentei no processo Verein für Konsumenteninformation (C 191/15, EU:C:2016:388, n.os 99 a 101).

( 62 ) V. Acórdão VKI/Amazon, n.os 72 a 81.

( 63 ) V. Acórdão VKI/Amazon, n.os 68 e 69.

( 64 ) V., para mais explicações, Conclusões que apresentei no processo Verein für Konsumenteninformation (C‑191/15, EU:C:2016:388, n.os 95 a 104) e, para uma discussão desta jurisprudência, Mankowski, P., «Just how free is a free choice of law in contract in the EU?», Journal of Private international Law, 2017, 13:2, pp. 231 a 258, esp. pp. 235 a 241; Müller, M. F., «Amazon and Data Protection Law — The End of the Private/Public Divide in EU conflict of laws?», EuCML, 2016, n.o 5, pp. 215 e segs.; bem como Conclusões do advogado‑geral G. Hogan no processo Lovasné Tóth (C‑34/18, EU:C:2019:245, n.os 87 a 89 e 95 a 108).

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