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Document 62017CJ0616

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 1 de outubro de 2019.
Processo penal contra Mathieu Blaise e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal correctionnel de Foix.
Reenvio prejudicial — Ambiente — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Validade — Princípio da precaução — Definição do conceito de “substância ativa” — Acumulação de substâncias ativas — Fiabilidade do processo de avaliação — Acesso do público ao processo — Testes de toxicidade a longo prazo — Pesticidas — Glifosato.
Processo C-616/17.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:800

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

1 de outubro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Validade — Princípio da precaução — Definição do conceito de “substância ativa” — Acumulação de substâncias ativas — Fiabilidade do processo de avaliação — Acesso do público ao processo — Testes de toxicidade a longo prazo — Pesticidas — Glifosato»

No processo C‑616/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal correctionnel de Foix (Tribunal Correcional de Foix, França), por Decisão de 12 de outubro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de outubro de 2017, no processo penal contra

Mathieu Blaise,

Sabrina Dauzet,

Alain Feliu,

Marie Foray,

Sylvestre Ganter,

Dominique Masset,

Ambroise Monsarrat,

Sandrine Muscat,

Jean‑Charles Sutra,

Blanche Yon,

Kevin Leo‑Pol Fred Perrin,

Germain Yves Dedieu,

Olivier Godard,

Kevin Pao Donovan Schachner,

Laura Dominique Chantal Escande,

Nicolas Benoit Rey,

Eric Malek Benromdan,

Olivier Eric Labrunie,

Simon Joseph Jeremie Boucard,

Alexis Ganter,

Pierre André Garcia,

sendo interveniente:

Espace Émeraude,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal e K. Jürimäe, presidentes de secção, A. Rosas, E. Juhász, M. Ilešič, J. Malenovský, L. Bay Larsen (relator), P. G. Xuereb, N. Piçarra, L. S. Rossi e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de novembro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Mathieu Blaise e o., por G. Tumerelle, avocat,

em representação do Governo francês, por D. Colas, S. Horrenberger e A.‑L. Desjonquères, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por G. Kanellopoulos, E. Chroni e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação do Parlamento Europeu, por A. Tamás, D. Warin e I. McDowell, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por A.‑Z. Varfi e M. Moore, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por F. Castillo de la Torre, A. Lewis, I. Naglis e G. Koleva, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de março de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra M. Blaise e vinte outros arguidos pelo crime de dano, praticado em grupo.

Quadro jurídico

Diretiva 2003/4/CE

3

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO 2003, L 41, p. 26), tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente se a divulgação dessa informação prejudicar:

[…]

d)

A confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, incluindo o interesse público em manter a confidencialidade estatística e o sigilo fiscal;

[…]

Os motivos de indeferimento referidos nos n.os 1 e 2 devem ser interpretados de forma restritiva, tendo em conta, em cada caso, o interesse público servido pela sua divulgação. Em cada caso específico, o interesse público que a divulgação serviria deve ser avaliado por oposição ao interesse servido pelo indeferimento. Os Estados‑Membros não podem, por força do disposto nas alíneas a), d), f), g) e h) do n.o 2, prever o indeferimento de um pedido que incida sobre emissões para o ambiente.

[…]»

Regulamento n.o 1107/2009

4

O considerando 8 do Regulamento n.o 1107/2009 enuncia:

«O presente regulamento tem por objetivo garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente, preservando simultaneamente a competitividade da agricultura da Comunidade. […] O princípio da precaução deverá ser aplicado e o presente regulamento deverá garantir que a indústria demonstre que as substâncias ou produtos produzidos ou colocados no mercado não têm quaisquer efeitos nocivos na saúde humana ou animal, nem qualquer efeito inaceitável no ambiente.»

5

O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

«1.   O presente regulamento estabelece as regras aplicáveis à autorização dos produtos fitofarmacêuticos sob forma comercial, bem como à sua colocação no mercado, utilização e controlo na Comunidade.

2.   O presente regulamento estabelece […] as regras para a aprovação das substâncias ativas […] que os produtos fitofarmacêuticos contêm ou pelos quais são constituídos […].

3.   O presente regulamento visa assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente e melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos, melhorando simultaneamente a produção agrícola.

4.   As disposições do presente regulamento assentam no princípio da precaução, a fim de garantir que as substâncias ativas ou os produtos colocados no mercado não afetem negativamente a saúde humana ou animal ou o ambiente. Em particular, os Estados‑Membros não podem ser impedidos de aplicar o princípio da precaução se existir incerteza científica acerca dos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente colocados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território.»

6

O artigo 2.o, n.o 2, do referido regulamento tem a seguinte redação:

«O presente regulamento aplica‑se às substâncias, incluindo microrganismos, que exercem uma ação geral ou específica contra os organismos nocivos ou sobre os vegetais, partes de vegetais ou produtos vegetais, designadas por “substâncias ativas”».

7

O artigo 3.o do mesmo regulamento contém uma série de definições para efeitos do referido regulamento.

8

O artigo 4.o, n.os 1 a 3 e 5, do Regulamento n.o 1107/2009 tem a seguinte redação:

«1.   As substâncias ativas são aprovadas nos termos do anexo II se, à luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, for previsível que os produtos fitofarmacêuticos que as contêm preenchem os requisitos previstos nos n.os 2 e 3, tendo em conta os critérios de aprovação previstos nos pontos 2 e 3 daquele anexo.

[…]

2.   Os resíduos de produtos fitofarmacêuticos resultantes de uma aplicação de acordo com as boas práticas fitossanitárias e em condições realistas de utilização devem cumprir os seguintes requisitos:

a)

Não terem efeitos nocivos na saúde humana, nomeadamente na dos grupos de pessoas vulneráveis, ou na saúde animal, tendo em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] para os avaliar, nem nas águas subterrâneas;

[…]

3.   Os produtos fitofarmacêuticos, na sequência da sua aplicação de acordo com as boas práticas fitossanitárias e em condições realistas de utilização, devem cumprir os seguintes requisitos:

[…]

b)

não tem efeitos nocivos imediatos ou diferidos na saúde humana, […] tendo em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] para os avaliar […];

[…]

5.   Para a aprovação de uma substância ativa, consideram‑se cumpridas as disposições dos n.os 1, 2 e 3, caso se tenha determinado que as mesmas foram cumpridas para uma ou mais utilizações representativas de, pelo menos, um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância ativa.»

9

O artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento estabelece:

«O pedido de aprovação de uma substância ativa […] é apresentado pelo produtor da substância em causa a um Estado‑Membro, designado por “Estado‑Membro relator”, juntamente com um processo resumo e um processo completo nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 8.o […], demonstrando que a substância ativa preenche os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o»

10

O artigo 8.o do referido regulamento dispõe:

«1.   O processo resumo inclui os seguintes elementos:

[…]

b)

Para cada ponto dos requisitos em matéria de dados aplicáveis à substância ativa, o resumo e os resultados dos testes e estudos, o nome do seu proprietário e da pessoa ou instituto que realizou os testes e estudos;

c)

para cada ponto dos requisitos em matéria de dados aplicáveis ao produto fitofarmacêutico, o resumo e os resultados dos testes e estudos, o nome do seu proprietário e da pessoa ou instituto responsável pela realização dos testes e estudos relevantes para a avaliação dos critérios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 4.o para um ou mais produtos fitofarmacêuticos […];

[…]

2.   O processo completo deve incluir o texto integral dos relatórios de testes e estudos individuais relativamente a todas as informações referidas nas alíneas b) e c) do n.o 1. […]

[…]

4.   Os requisitos em matéria de dados referidos nos n.os 1 e 2 devem incluir os requisitos aplicáveis às substâncias ativas e aos produtos fitofarmacêuticos, tal como constam dos anexos II e III da Diretiva 91/414/CEE [do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1),] e dos regulamentos aprovados pelo procedimento consultivo a que se refere o n.o 2 do artigo 79.o, sem alterações substanciais. As subsequentes alterações a esses regulamentos são aprovadas nos termos da alínea b) do n.o 1 do artigo 78.o

5.   O requerente deve juntar ao processo a literatura científica avaliada e revista, como determinado pela [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos], sobre a substância ativa e os seus metabolitos relevantes, relativa a efeitos secundários na saúde, no ambiente e nas espécies não visadas e publicada nos últimos 10 anos antes da data de apresentação do processo.»

11

O artigo 10.o do mesmo regulamento prevê:

«A [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] coloca sem demora à disposição do público o processo resumo referido no n.o 1 do artigo 8.o, com exceção das informações que tenham sido objeto de um pedido de tratamento confidencial, justificado nos termos do artigo 63.o, salvo se a sua divulgação for exigida por razões de superior interesse público.»

12

O artigo 11.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1107/2009 dispõe:

«1.   No prazo de doze meses a contar da data da notificação […], o Estado‑Membro relator elabora e apresenta à Comissão, com cópia para a [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos], um relatório, designado por “projeto de relatório de avaliação”, que avalia se é previsível que a substância ativa satisfaça os critérios previstos no artigo 4.o

2.   […]

O Estado‑Membro relator faz uma avaliação independente, objetiva e transparente à luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos.

[…]

3.   Se o Estado‑Membro relator necessitar de estudos ou informações adicionais, concede um prazo suplementar ao requerente para a sua apresentação. […]»

13

O artigo 12.o, n.os 1 a 3, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.   […], a [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] deve comunicar ao requerente e aos restantes Estados‑Membros […] o projeto de relatório de avaliação que lhe foi transmitido pelo Estado‑Membro relator. Se for caso disso, solicita ao requerente que envie uma atualização do processo aos Estados‑Membros, à Comissão e à [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos].

A [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] coloca o projeto de relatório de avaliação à disposição do público depois de conceder duas semanas ao requerente para que este possa solicitar, ao abrigo do artigo 63.o, a confidencialidade de determinadas partes do projeto de relatório de avaliação.

[…]

2.   Se for caso disso, a [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] organiza uma consulta de peritos, incluindo peritos provenientes do Estado‑Membro relator.

No prazo de 120 dias a contar do termo do prazo previsto para a apresentação de comentários escritos, a [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] aprova conclusões à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, com base em documentos de orientação disponíveis na altura do pedido, sobre a previsibilidade de a substância ativa satisfazer os critérios previstos no artigo 4.o, e comunica essas conclusões ao requerente, aos Estados‑Membros e à Comissão e coloca‑as à disposição do público. […]

[…]

3.   Se necessitar de informações adicionais, a [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] concede um prazo máximo de 90 dias ao requerente para a sua apresentação aos Estados‑Membros, à Comissão e à [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos].

[…]

A [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] pode solicitar à Comissão que consulte um laboratório comunitário de referência […] para verificar se o método analítico proposto pelo requerente para a determinação de resíduos é satisfatório […]»

14

O artigo 13.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento prevê:

«1.   No prazo de seis meses após a receção das conclusões da [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos], a Comissão apresenta um relatório, designado por “relatório de revisão”, e um projeto de regulamento ao Comité referido no n.o 1 do artigo 79.o, tendo em conta o projeto de relatório de avaliação elaborado pelo Estado‑Membro relator e as conclusões da [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos].

[…]

2.   […] é aprovado pelo procedimento de regulamentação a que se refere o n.o 3 do artigo 79.o um regulamento que estabeleça que:

a)

A substância ativa é aprovada, se for caso disso, mediante condições e restrições, tal como referido no artigo 6.o;

b)

A substância ativa não é aprovada; ou

c)

As condições da aprovação são alteradas.»

15

O artigo 21.o do mesmo regulamento especifica:

«1.   A Comissão pode rever a aprovação de uma substância ativa em qualquer altura. A Comissão toma em consideração o pedido de um Estado‑Membro de revisão, à luz dos novos conhecimentos científicos e técnicos e de dados de monitorização, da aprovação de uma substância ativa […]

Se, à luz de novos conhecimentos científicos e técnicos, a Comissão considerar que existem indicações de que a substância deixou de satisfazer os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o […], informa desse facto os Estados‑Membros, a [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] e o produtor da substância ativa e fixa um prazo para que o produtor apresente os seus comentários.

[…]

3.   Se concluir que os critérios previstos no artigo 4.o deixaram de estar satisfeitos […], a Comissão aprova, pelo procedimento de regulamentação a que se refere o n.o 3 do artigo 79.o, um regulamento para retirar ou alterar a aprovação.

[…]»

16

Os artigos 25.o a 27.o do Regulamento n.o 1107/2009 estabelecem regras relativas à aprovação dos protetores de fitotoxicidade e agentes sinérgicos e à aceitação de coformulantes.

17

O artigo 29.o do referido regulamento dispõe:

«1.   Sem prejuízo do artigo 50.o, um produto fitofarmacêutico apenas é autorizado se, de acordo com os princípios uniformes referidos no n.o 6, cumprir os seguintes requisitos:

a)

as suas substâncias ativas, protetores de fitotoxicidade e agentes sinérgicos foram aprovados;

[…]

e)

à luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, cumpre os requisitos constantes do n.o 3 do artigo 4.o;

[…]

2.   O requerente deve demonstrar que os requisitos previstos nas alíneas a) a h) do n.o 1 foram cumpridos.

3.   O cumprimento dos requisitos constantes das alíneas b) e e) a h) do n.o 1 deve ser confirmado por testes e análises oficiais ou oficialmente reconhecidos […]

[…]

6.   Os princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos devem incluir os requisitos fixados no anexo VI da Diretiva 91/414/CEE e ser estabelecidos em regulamentos aprovados pelo procedimento consultivo a que se refere o n.o 2 do artigo 79.o sem alterações substanciais. As subsequentes alterações a esses regulamentos são aprovadas nos termos da alínea c) do n.o 1 do artigo 78.o

De acordo com estes princípios, a interação entre a substância ativa, os protetores de fitotoxicidade, os agentes sinérgicos e os coformulantes deve ser tida em conta na avaliação dos produtos fitofarmacêuticos.»

18

O artigo 33.o, n.os 1 e 3, do referido regulamento enuncia:

«1.   Qualquer requerente que pretenda colocar um produto fitofarmacêutico no mercado deve apresentar um pedido de autorização […]

[…]

3.   O pedido é acompanhado de:

a)

para o produto fitofarmacêutico em causa, o processo completo e o processo resumo relativamente a cada ponto dos requisitos em matéria de dados aplicáveis ao produto fitofarmacêutico;

b)

para cada substância ativa, protetor de fitotoxicidade e agente sinérgico contido no produto fitofarmacêutico, o processo completo e o processo resumo relativamente a cada ponto dos requisitos em matéria de dados aplicáveis à substância ativa, protetor de fitotoxicidade e agente sinérgico;

[…]»

19

O artigo 36.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê:

«O Estado‑Membro que examina o pedido faz uma avaliação independente, objetiva e transparente à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, usando os documentos orientadores disponíveis na altura do pedido. […]

[…]»

20

O artigo 37.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 determina:

«O Estado‑Membro que examina o pedido decide, decorridos doze meses a contar da sua receção, se estão cumpridos os requisitos necessários à autorização.

Se o Estado‑Membro necessitar de informações adicionais, concede um prazo ao requerente para a sua apresentação. […]»

21

O artigo 44.o, n.os 1 a 3, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros podem rever uma autorização em qualquer altura se tiverem indicações de que um dos requisitos referidos no artigo 29.o deixou de ser cumprido.

[…]

3.   O Estado‑Membro retira ou altera a autorização, consoante o adequado, se:

a)

os requisitos previstos no artigo 29.o não forem ou tiverem deixado de ser cumpridos;

b)

tiverem sido fornecidas informações falsas ou enganosas relativamente aos dados que serviram de base à concessão da autorização;

[…]»

22

O artigo 63.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«1.   As pessoas que solicitarem tratamento confidencial das informações por elas apresentadas nos termos do presente regulamento devem apresentar uma prova verificável de que a divulgação dessas informações pode prejudicar os seus interesses comerciais ou a proteção da privacidade e da integridade da pessoa.

2.   Em geral, considera‑se que a divulgação das informações a seguir indicadas prejudica a proteção dos interesses comerciais ou da privacidade e da integridade dos interessados:

a)

Método de fabrico;

[…]

f)

Informações relativas à composição completa de um produto fitofarmacêutico;

[…]

3.   O presente artigo não prejudica a aplicação da Diretiva [2003/4].»

23

O ponto 1.2. do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 estabelece:

«A avaliação efetuada pela [Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos] e pelo Estado‑Membro relator tem de se basear em princípios científicos e de se apoiar no aconselhamento de peritos.»

24

O ponto 3.5. deste anexo prevê:

«3.5.1.

Os métodos de análise da substância ativa, do protetor de fitotoxicidade ou do agente sinérgico tal como fabricado e de determinação das impurezas relevantes do ponto de vista toxicológico, ecotoxicológico ou ambiental, ou que estejam presentes em quantidades superiores a 1 g/kg na substância ativa, no protetor de fitotoxicidade ou no agente sinérgico, tal como fabricado, devem ter sido validados, e demonstrado que são suficientemente específicos, corretamente calibrados, exatos e precisos.

3.5.2.

Os métodos de análise dos resíduos da substância ativa e metabolitos relevantes nas matrizes vegetais, animais ou ambientais e na água potável, consoante o caso, devem ter sido validados, e demonstrado serem suficientemente sensíveis no que diz respeito aos níveis que causem preocupação.

3.5.3.

A avaliação deve ter sido realizada nos termos dos princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos referidos no n.o 6 do artigo 29.o»

25

Os pontos 3.6.3. e 3.6.4. do referido anexo subordinam a aprovação de substâncias ativas, em especial, aos resultados de avaliações que incluam testes de carcinogenicidade e de toxicidade.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

Em 27 de setembro de 2016, M. Blaise e outras vinte pessoas entraram em lojas localizadas no departamento de Ariège (França) e causaram estragos em bidões de herbicidas que continham glifosato e em montras de vidro.

27

Tais factos levaram à instauração, no tribunal correctionnel de Foix (Tribunal Correcional de Foix, França), de ações penais contra estas pessoas, acusadas do crime de dano, praticado em grupo.

28

Perante o referido órgão jurisdicional, os arguidos invocaram o estado de necessidade e o princípio da precaução, alegando que as suas ações se destinavam a alertar as lojas em causa e os seus clientes para os perigos associados à comercialização, sem advertências suficientes, de herbicidas que contenham glifosato, a evitar essa comercialização e a proteger a saúde pública e a sua própria saúde.

29

Para se pronunciar sobre o mérito da referida alegação, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre a aptidão da regulamentação da União para assegurar a plena proteção das populações e, por conseguinte, considera necessário pronunciar‑se sobre a validade do Regulamento n.o 1107/2009 à luz do princípio da precaução.

30

Nestas condições, o tribunal correctionnel de Foix (Tribunal Correcional de Foix) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O Regulamento [n.o 1107/2009], ao não definir com precisão o que é uma substância ativa, deixando ao critério do requerente escolher o que este designa como substância ativa do seu produto, e ao conferir‑lhe a possibilidade de orientar a totalidade do seu [processo] de pedido para uma substância única, embora o seu produto acabado comercializado inclua várias substâncias, é compatível com o princípio da precaução?

2)

O princípio da precaução e a imparcialidade da autorização de comercialização estão assegurados quando os testes, análises e avaliações necessárias para a instrução do processo são realizados unicamente pelos requerentes, uma vez que estes podem ser parciais na sua apresentação, sem nenhuma contra‑análise independente e sem que sejam publicados os relatórios dos pedidos de autorização ao abrigo da proteção do segredo industrial?

3)

O Regulamento [n.o 1107/2009] é compatível com o princípio da precaução quando não tem de modo nenhum em conta uma pluralidade de substâncias ativas e a utilização cumulativa destas, em particular quando não prevê nenhuma análise específica completa a nível europeu para acumulações de substâncias ativas num mesmo produto?

4)

O Regulamento [n.o 1107/2009] é compatível com o princípio da precaução quando, nos seus capítulos 3 e 4, dispensa de análises de toxicidade (genotoxicidade, exame de [carcinogenicidade], exame de perturbações endócrinas […]) os produtos pesticidas nas suas formulações comerciais tal como colocados no mercado e aos quais os consumidores e o ambiente estão expostos, ao impor apenas testes sumários realizados sempre pelo requerente?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

31

O Parlamento Europeu e a Comissão Europeia contestam a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

32

O Parlamento considera que a resposta do Tribunal a este pedido não é suscetível de influenciar o resultado das ações penais no processo principal. Com efeito, apesar de apenas a declaração da invalidade da aprovação do glifosato poder eventualmente ser relevante para este efeito, o referido pedido respeita unicamente à validade do Regulamento n.o 1107/2009.

33

A Comissão alega, por seu turno, que o presente processo diz respeito a um produto fitofarmacêutico autorizado pela República Francesa e que o órgão jurisdicional de reenvio não explica de que modo a invalidade do Regulamento n.o 1107/2009 pode ter efeitos na qualificação penal dos atos de que os arguidos no processo principal são acusados ou sobre a apreciação da oportunidade das ações penais instauradas contra eles.

34

Importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, sempre que as questões submetidas tenham por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça está, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 24, e de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality e Commissioner of An Garda Síochána, C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 26).

35

Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma disposição do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 25, e de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality e Commissioner of An Garda Síochána, C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 27).

36

No presente processo, resulta da decisão de reenvio e da resposta do órgão jurisdicional de reenvio a um pedido de esclarecimento que, segundo esse órgão jurisdicional, a declaração de invalidade do Regulamento n.o 1107/2009 pode, na aplicação das normas do direito penal francês, levá‑lo a considerar que o elemento jurídico da infração imputada aos arguidos no processo principal é neutralizado, dado o caráter nocivo dos produtos fitofarmacêuticos em causa para a saúde humana.

37

Nestas circunstâncias, tendo em conta, por um lado, que, no âmbito de um processo previsto no artigo 267.o TFUE, a interpretação do direito nacional é da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2018, Čepelnik, C‑33/17, EU:C:2018:896, n.o 24 e jurisprudência aí referida) e, por outro, que o Regulamento n.o 1107/2009 estabelece as normas em aplicação das quais o caráter nocivo, para a saúde humana ou animal ou para o ambiente, de tais produtos e das substâncias ativas que entram na sua composição deve ser apreciado antes de poderem ser autorizados por um Estado‑Membro, não se pode considerar que as questões destinadas a apreciar a conformidade do referido regulamento com o princípio da precaução são manifestamente desprovidas de relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal.

38

O facto de as questões prejudiciais submetidas não dizerem respeito à validade dos atos da União que aprovaram a substância ativa contida nesses produtos não pode levar a uma conclusão diferente, na medida em que o litígio no processo principal diz respeito a produtos fitofarmacêuticos que, enquanto tais, devem ser autorizados ao abrigo do referido regulamento.

39

Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto às questões prejudiciais

40

Com as suas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que aprecie a validade do Regulamento n.o 1107/2009 à luz do princípio da precaução.

Quanto ao alcance do princípio da precaução e da exigência de conformidade do Regulamento n.o 1107/2009

41

Importa salientar, a título preliminar, que, embora o artigo 191.o, n.o 2, TFUE disponha que a política no domínio do ambiente se baseia, designadamente, no princípio da precaução, esse princípio destina‑se igualmente a ser aplicado no âmbito de outras políticas da União, em particular da política de proteção da saúde pública, tal como quando as instituições da União adotam, no âmbito da política agrícola comum ou da política do mercado interno, medidas de proteção da saúde humana (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de dezembro de 2004, Comissão/Países Baixos, C‑41/02, EU:C:2004:762, n.o 45; de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C‑154/04 e C‑155/04, EU:C:2005:449, n.o 68; e de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços, C‑77/09, EU:C:2010:803, n.os 71 e 72).

42

Incumbe, assim, ao legislador da União, ao adotar normas que regulam a colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado, como as previstas no Regulamento n.o 1107/2009, respeitar o princípio da precaução, nomeadamente a fim de assegurar, em conformidade com o artigo 35.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e com os artigos 9.o e 168.o, n.o 1, TFUE, um elevado nível de proteção da saúde humana (v., por analogia, Acórdão de 4 de maio de 2016, Pillbox 38, C‑477/14, EU:C:2016:324, n.o 116).

43

Este princípio implica que, quando subsistam incertezas sobre a existência ou o alcance de riscos para a saúde das pessoas, possam ser adotadas medidas de proteção sem que seja necessário esperar que a realidade e gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas. Quando seja impossível determinar com segurança a existência ou o alcance do risco alegado, devido à natureza não conclusiva dos resultados dos estudos efetuados, mas persista a probabilidade de um prejuízo real para a saúde pública na hipótese de o risco se concretizar, o princípio da precaução justifica que sejam adotadas medidas restritivas (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços, C‑77/09, EU:C:2010:803, n.os 73 e 76; de 17 de dezembro de 2015, Neptune Distribution, C‑157/14, EU:C:2015:823, n.os 81 e 82; e de 22 de novembro de 2018, Swedish Match, C‑151/17, EU:C:2018:938, n.o 38).

44

A este respeito, resulta do considerando 8 e do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1107/2009 que as disposições do referido regulamento se baseiam no princípio da precaução e não impedem os Estados‑Membros de aplicar esse princípio sempre que exista incerteza científica quanto aos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente apresentados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território.

45

Contudo, esta conclusão não é suficiente para dar por assente a conformidade do referido regulamento com o princípio da precaução.

46

Com efeito, uma aplicação correta do referido princípio no domínio abrangido pelo mesmo regulamento pressupõe, em primeiro lugar, a identificação das consequências potencialmente negativas para a saúde da utilização das substâncias ativas e dos produtos fitofarmacêuticos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação e, em segundo lugar, uma avaliação global do risco para a saúde baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional (v., por analogia, Acórdãos de 8 de julho de 2010, Afton Chemical, C‑343/09, EU:C:2010:419, n.o 60, e de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços, C‑77/09, EU:C:2010:803, n.o 75).

47

Por conseguinte, uma vez que o objetivo do Regulamento n.o 1107/2009, como prevê o seu artigo 1.o, n.os 1 e 2, é estabelecer as normas que regem a autorização dos produtos fitofarmacêuticos e a aprovação das substâncias ativas que esses produtos contêm, com vista à sua colocação no mercado, o legislador da União devia instituir um quadro normativo que permita às autoridades competentes, quando decidem sobre essa autorização e sobre essa aprovação, dispor de elementos suficientes para apreciar de forma satisfatória, em conformidade com os requisitos recordados nos n.os 43 e 46 do presente acórdão, os riscos para a saúde decorrentes da utilização dessas substâncias ativas e desses produtos fitofarmacêuticos.

48

Convém ainda recordar que a validade de uma disposição do direito da União é apreciada em função das características próprias dessa disposição e não pode depender das circunstâncias particulares de um determinado caso concreto (Acórdão de 29 de maio de 2018, Liga van Moskeeën en Islamitische Organisaties Provincie Antwerpen e o., C‑426/16, EU:C:2018:335, n.o 72).

49

Daqui decorre que as críticas formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio relativamente à tramitação do processo que conduziu à aprovação do glifosato não podem, consideradas isoladamente, permitir declarar a ilegalidade das regras gerais que regem esse processo.

50

Importa, além disso, precisar que, devido à necessidade de ponderação de alguns dos objetivos e princípios, bem como à complexidade da aplicação dos critérios pertinentes, a fiscalização jurisdicional deve necessariamente limitar‑se à questão de saber se o legislador da União, ao adotar o Regulamento n.o 1107/2009, cometeu um erro manifesto de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Associazione Italia Nostra Onlus, C‑444/15, EU:C:2016:978, n.o 46).

51

Por conseguinte, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio considera que as próprias regras gerais previstas no referido regulamento não cumprem, em si mesmas, as exigências decorrentes do princípio da precaução, há que analisar as suas críticas a fim de determinar se o mesmo está viciado por um erro manifesto de apreciação.

Quanto à identificação das substâncias ativas de um produto fitofarmacêutico

52

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o Regulamento n.o 1107/2009 não define com precisão o conceito de «substância ativa». Por essa razão, questiona‑se sobre a compatibilidade com o princípio da precaução da possibilidade de o requerente orientar a instrução do pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico escolhendo discricionariamente o componente desse produto que deve ser qualificado de «substância ativa».

53

A este respeito, é certo que o artigo 3.o do referido regulamento, que tem por objeto definir uma série de conceitos para efeitos do mesmo regulamento, não inclui uma definição do termo «substância ativa».

54

Não obstante, por um lado, decorre do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 que as substâncias, incluindo os microrganismos, que exercem uma ação geral ou específica sobre os organismos prejudiciais ou sobre os vegetais, partes de vegetais ou produtos vegetais, devem ser consideradas substâncias ativas, na aceção do mesmo regulamento.

55

Por outro lado, decorre do artigo 33.o do referido regulamento que cabe ao requerente que pretenda colocar um produto fitofarmacêutico no mercado apresentar um pedido de autorização com as informações necessárias para a tramitação desse pedido. Em especial, o artigo 33.o, n.o 3, alínea b), do mesmo regulamento prevê que o pedido de autorização do referido produto deve nomeadamente ser acompanhado, para cada substância ativa contida nesse produto, de um processo completo e de um processo resumo relativo a cada ponto dos requisitos em matéria de dados aplicáveis à substância ativa.

56

Aliás, em conformidade com o artigo 78.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1107/2009, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.o 4, do mesmo regulamento, os requisitos que devem preencher os processos a submeter com vista à aprovação de substâncias ativas foram detalhados, em último lugar, pelo Regulamento (UE) n.o 283/2013 da Comissão, de 1 de março de 2013, que estabelece os requisitos em matéria de dados aplicáveis às substâncias ativas, em conformidade com o Regulamento n.o 1107/2009 (JO 2013, L 93, p. 1), o qual fixa, em especial, as exigências, definidas na secção 1 da parte A do anexo do referido regulamento, para efeitos da identificação dessas substâncias ativas. Resulta dessas exigências que as informações prestadas devem ser suficientes para identificar com precisão cada substância ativa e definir as suas especificações e natureza.

57

Daí resulta que o requerente, na apresentação do seu pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, está obrigado a indicar todas as substâncias utilizadas na composição desse produto que respeitem os critérios estabelecidos no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009, de modo que, contrariamente ao que considera o órgão jurisdicional de reenvio, não dispõe da faculdade de escolher de forma discricionária que componente desse produto deve ser considerado substância ativa para efeitos da análise do referido pedido.

58

Além disso, não é evidente que os critérios estabelecidos nesta disposição sejam insuficientes para permitir uma determinação objetiva das substâncias em causa e garantir que as substâncias que efetivamente desempenham uma função na ação dos produtos fitofarmacêuticos são efetivamente tidas em conta na avaliação dos riscos decorrentes da utilização desses produtos.

59

Deve acrescentar‑se que é da responsabilidade das autoridades competentes dos Estados‑Membros garantir que o requerente cumpriu a obrigação de identificar as substâncias ativas contidas no produto fitofarmacêutico objeto de um pedido de autorização, a fim de poderem verificar se o referido produto cumpre os requisitos estabelecidos no artigo 29.o do referido regulamento, que exige, nomeadamente, no seu n.o 1, alínea a), que todas essas substâncias ativas tenham sido aprovadas.

60

Em qualquer caso, o titular de uma autorização relativa a um produto fitofarmacêutico, que não tenha mencionado, no seu pedido de autorização, todas as substâncias ativas que este contém, expõe‑se, nos termos do artigo 44.o, n.o 3, alíneas a) e b), do referido regulamento, a que essa autorização lhe seja retirada.

61

Em face do exposto, não há que considerar que as opções do legislador da União no que respeita às obrigações do requerente relativas à identificação das substâncias ativas que entram na composição do produto fitofarmacêutico objeto do seu pedido de autorização estão viciadas por um erro manifesto de apreciação.

Quanto à consideração dos efeitos cumulativos dos componentes de um produto fitofarmacêutico

62

O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre a conformidade com o princípio da precaução da alegada falta de tomada em consideração e de análise específica dos efeitos da acumulação de várias substâncias ativas contidas num produto fitofarmacêutico.

63

A este respeito, é importante salientar que o Regulamento n.o 1107/2009 prevê tanto um procedimento de aprovação de substâncias ativas, regulado pelo seu capítulo II, como um procedimento de autorização de produtos fitofarmacêuticos, regulado pelo seu capítulo III.

64

Estes dois procedimentos estão estreitamente ligados, nomeadamente na medida em que a autorização de um produto fitofarmacêutico pressupõe, nos termos do artigo 29.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento, que as suas substâncias ativas já tenham sido aprovadas.

65

O legislador da União exigiu que os potenciais efeitos da acumulação dos vários componentes de um produto fitofarmacêutico sejam tomados em consideração tanto no processo de aprovação de substâncias ativas como no processo de autorização de produtos fitofarmacêuticos.

66

Com efeito, em conformidade com os artigos 11.o, n.o 2, e 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, o Estado‑Membro em que é apresentado um pedido de aprovação de uma substância ativa ou de autorização de um produto fitofarmacêutico deve efetuar uma avaliação independente, objetiva e transparente desse pedido à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais.

67

No processo de aprovação de uma substância ativa, essa avaliação destina‑se, em conformidade com o artigo 4.o, n.os 1 a 3 e 5, do referido regulamento, a verificar, em especial, se uma ou várias utilizações representativas de, pelo menos, um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância e os resíduos desse produto têm efeitos nocivos imediatos ou diferidos na saúde humana.

68

Para além de essa avaliação não poder, pela sua natureza, ser efetuada de forma objetiva se não tiver em conta os efeitos da possível acumulação dos vários componentes de um produto fitofarmacêutico, cumpre, a acrescer, salientar que o artigo 4.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento prevê explicitamente que a eventual existência de um efeito nocivo desse produto ou dos seus resíduos na saúde humana ou animal deve ser apreciada «tendo em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos», o que implica, como observou a advogada‑geral no n.o 58 das suas conclusões, tomar em consideração os efeitos induzidos pela interação entre uma determinada substância ativa e, designadamente, os outros componentes do produto.

69

Este requisito aplica‑se igualmente à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (a seguir «Autoridade») quando, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009, aprova conclusões em que, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, especifica se a substância ativa é suscetível de cumprir os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o deste regulamento.

70

Importa ainda sublinhar que, em conformidade com o artigo 13.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1107/2009, o projeto de relatório de avaliação elaborado pelo Estado‑Membro relator, bem como as conclusões da Autoridade, devem ser tidos em conta pela Comissão no relatório de revisão destinado a preparar, sendo caso disso, a adoção de um regulamento de aprovação da substância ativa em causa.

71

No que diz respeito ao procedimento de autorização de um produto fitofarmacêutico, é igualmente necessário ter em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos dos componentes desse produto, uma vez que, nos termos do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009, um dos requisitos exigíveis para que um produto fitofarmacêutico seja autorizado é que o mesmo cumpra, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, os requisitos constantes do artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento.

72

Este requisito é, além disso, especificado no artigo 29.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1107/2009, do qual resulta que, por força dos princípios uniformes de avaliação e de autorização dos produtos fitofarmacêuticos que os Estados‑Membros devem aplicar, deve ser tida em conta nessa avaliação a interação entre as substâncias ativas, os protetores de fitotoxicidade, os agentes sinérgicos e os coformulantes.

73

Resulta, aliás, dos pontos 1.2 e 1.3 do anexo do Regulamento (UE) n.o 284/2013 da Comissão, de 1 de março de 2013, que estabelece os requisitos em matéria de dados aplicáveis aos produtos fitofarmacêuticos, em conformidade com o Regulamento n.o 1107/2009 (JO 2013, L 93, p. 85), que, para efeitos da autorização dos produtos fitofarmacêuticos, devem ser incluídas quaisquer informações sobre os efeitos potencialmente nocivos do produto fitofarmacêutico para a saúde humana ou animal ou para o ambiente, bem como os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos e previstos decorrentes dessa interação.

74

A necessária consideração dos efeitos de todos os componentes de um produto fitofarmacêutico é igualmente reforçada pelas regras enunciadas nos artigos 25.o e 27.o do Regulamento n.o 1107/2009, das quais resulta que a colocação no mercado de protetores de fitotoxicidade, agentes sinérgicos e coformulantes contidos nesse produto deve igualmente ser sujeita a avaliações destinadas a apreciar a sua eventual nocividade.

75

Resulta do exposto que, contrariamente à premissa em que se baseia a dúvida do órgão jurisdicional de reenvio exposta no n.o 62 do presente acórdão, os procedimentos conducentes à autorização de um produto fitofarmacêutico devem obrigatoriamente incluir uma avaliação não só dos efeitos específicos das substâncias ativas contidas nesse produto mas também dos efeitos cumulativos dessas substâncias e dos seus efeitos cumulativos com outros componentes do referido produto.

76

Por conseguinte, não há que considerar que o Regulamento n.o 1107/2009 está viciado por um erro manifesto de apreciação na medida em que não prevê suficientemente a consideração dos efeitos cumulativos dos diferentes componentes de um produto fitofarmacêutico antes de ser autorizada a sua colocação no mercado.

Quanto à fiabilidade dos testes, estudos e análises tomados em consideração para a autorização de um produto fitofarmacêutico

77

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se sobre se o facto de os testes, estudos e análises necessários para os procedimentos de aprovação de uma substância ativa e de autorização de um produto fitofarmacêutico serem apresentados pelo requerente, sem contra‑análise independente, é contrário ao princípio da precaução, na medida em que tais testes, estudos e análises podem ser tendenciosos.

78

É certo que decorre dos artigos 7.o, n.o 1, e 8.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1107/2009 que os testes, estudos e análises necessários para a aprovação de uma substância ativa devem ser apresentados pelo requerente. O mesmo ocorre no processo de autorização de um produto fitofarmacêutico, em conformidade com o artigo 33.o, n.o 3, alíneas a) e b), do referido regulamento, conjugado com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento.

79

Estas regras constituem o corolário do princípio, enunciado nos artigos 7.o, n.o 1, e 29.o, n.o 2, do referido regulamento, segundo o qual cabe ao requerente provar que a substância ativa ou o produto fitofarmacêutico objeto de um pedido de aprovação ou autorização cumpre os requisitos estabelecidos para o efeito pelo referido regulamento.

80

Esta obrigação contribui para o respeito do princípio da precaução ao garantir que a inexistência de nocividade das substâncias ativas e dos produtos fitofarmacêuticos não se presume.

81

Além disso, não se pode considerar que o quadro normativo definido pelo Regulamento n.o 1107/2009 permite que o requerente apresente testes, estudos e análises parciais a fim de obter, com base nos mesmos, a aprovação de uma substância ativa ou a autorização de um produto fitofarmacêutico.

82

A este respeito, é importante salientar, em primeiro lugar, que o legislador da União pretendeu regulamentar a qualidade dos ensaios, estudos e análises apresentados em apoio de um pedido baseado nesse regulamento.

83

Assim, o artigo 8.o, n.o 1, do referido regulamento exige designadamente que o processo resumo apresentado pelo requerente contenha, para cada ponto dos requisitos em matéria de dados aplicáveis às substâncias ativas e aos produtos fitofarmacêuticos, os resumos e os resultados de testes e estudos, bem como o nome do seu proprietário e da pessoa que realizou os testes e os estudos.

84

Do mesmo modo, no que respeita ao processo de aprovação das substâncias ativas, o ponto 3.5. do anexo II do mesmo regulamento exige que os métodos de análise da substância ativa e dos seus resíduos sejam validados e que se demonstre que são suficientes para alcançar vários objetivos.

85

No que diz respeito ao processo de autorização dos produtos fitofarmacêuticos, o artigo 29.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 prevê que o cumprimento de um certo número de requisitos, incluindo o relativo à inexistência de nocividade do produto em causa, seja assegurado por «testes e análises oficiais ou oficialmente reconhecidos», o que exclui necessariamente que possam ser aceites testes ou análises que não deem garantias suficientes de imparcialidade, objetividade ou transparência.

86

Por outro lado, embora, quanto ao resto, o Regulamento n.o 1107/2009 não estabeleça diretamente padrões que enquadrem de maneira precisa as modalidades segundo as quais são realizados os testes, estudos e análises apresentados pelo requerente, o artigo 8.o, n.o 4, do referido regulamento prevê a adoção de regras relativas aos requisitos em matéria de dados aplicáveis às substâncias ativas e aos produtos fitofarmacêuticos, tendo em conta o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos.

87

Tais padrões foram adotados e figuram no ponto 3 do anexo do Regulamento n.o 283/2013 e no ponto 3 do anexo do Regulamento n.o 284/2013.

88

Em segundo lugar, importa recordar, conforme exposto nos n.os 66 e 69 do presente acórdão, que o Estado‑Membro destinatário de um pedido deve proceder a uma avaliação independente, objetiva e transparente do mesmo à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, enquanto a Autoridade deve pronunciar‑se tendo em conta o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos.

89

Contribui para o cumprimento destes requisitos o artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1107/2009, que exige ao requerente que junte ao processo a documentação científica acessível, determinada pela Autoridade, validada pela comunidade científica e publicada nos últimos dez anos, relativa aos efeitos nocivos da substância ativa e dos seus metabolitos relevantes na saúde, no ambiente e nas espécies não visadas.

90

Além disso, o ponto 1.2. do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 exige que a avaliação de uma substância ativa pela Autoridade e pelo Estado‑Membro relator se baseie em princípios científicos e no aconselhamento de peritos.

91

Resulta daqui, por um lado, que, para garantir que o requerente demonstre a inexistência de efeitos nocivos de um produto fitofarmacêutico, imposta pelos artigos 4.o, n.o 3, alínea b), e 29.o, n.o 1, alínea e), do referido regulamento, as autoridades competentes não podem basear‑se em testes, análises e estudos relativamente aos quais o requerente não tenha apresentado provas de que foram realizados por uma instituição fiável com base em métodos conformes aos princípios científicos admitidos.

92

Se as referidas autoridades considerarem que as informações prestadas a este respeito pelo requerente são insuficientes, cumpre‑lhes solicitar‑lhe, nos termos do artigo 11.o, n.o 3, do artigo 12.o, n.o 3, e do artigo 37.o, n.o 1, do referido regulamento, a prestação de informações adicionais.

93

Por outro lado, no âmbito da avaliação que devem efetuar, uma vez que, como referido no n.o 88 do presente acórdão, essa avaliação deve ser, em especial, independente e objetiva, as mesmas autoridades estão obrigadas a ter em conta os elementos pertinentes distintos dos testes, análises e estudos apresentados pelo requerente e que os contradigam. Tal posição é conforme ao princípio da precaução.

94

Nesta perspetiva, incumbe às autoridades competentes, em especial, tomar em consideração os dados científicos disponíveis mais fiáveis e os resultados mais recentes da investigação internacional e não atribuir em todos os casos uma importância preponderante aos estudos facultados pelo requerente.

95

No caso de as autoridades competentes chegarem à conclusão de que, à luz de todas as informações de que dispõem, o requerente não demonstrou suficientemente que estão preenchidos os requisitos a que está sujeita a aprovação ou autorização solicitada, devem indeferir o pedido, sem que seja necessário, para chegar a essa conclusão, emitir um segundo parecer.

96

Em terceiro lugar, há que observar que várias disposições do Regulamento n.o 1107/2009 contribuem para garantir que a avaliação efetuada pelas autoridades competentes se possa apoiar em elementos distintos dos testes, análises e estudos apresentados pelo requerente.

97

Assim, decorre do artigo 11.o, n.o 1, e do artigo 12.o, n.o 1, do referido regulamento que, antes da aprovação de uma substância ativa, o Estado‑Membro relator elabora um projeto de relatório de avaliação que é transmitido aos outros Estados‑Membros e à Autoridade.

98

Além disso, com vista à aprovação das suas conclusões, a Autoridade pode, em conformidade com o artigo 12.o, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento, organizar uma consulta de peritos e solicitar à Comissão que consulte um laboratório comunitário de referência, podendo obrigar‑se o requerente a fornecer amostras e normas analíticas. As referidas conclusões são, além disso, comunicadas aos Estados‑Membros.

99

Em quarto lugar, resulta do artigo 21.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 1107/2009 que a Comissão pode rever a aprovação de uma substância ativa em qualquer altura, nomeadamente se, à luz dos novos conhecimentos científicos e técnicos, existirem razões para crer que a substância deixou de cumprir os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o do referido regulamento. Do mesmo modo, resulta do artigo 44.o, n.os 1 e 3, desse regulamento que a autorização de um produto fitofarmacêutico pode ser revista e depois alterada ou mesmo revogada se, nomeadamente, a evolução dos conhecimentos científicos e técnicos mostrar que o referido produto não cumpre ou deixou de cumprir os requisitos de uma autorização de colocação no mercado previstos no artigo 29.o do mesmo regulamento, incluindo a inexistência de efeitos nocivos imediatos ou diferidos na saúde humana.

100

Tendo em conta todos estes elementos, não se afigura que o Regulamento n.o 1107/2009 esteja viciado por um erro manifesto de apreciação na medida em que prevê que os testes, estudos e análises necessários para os procedimentos de aprovação de uma substância ativa e de autorização de um produto fitofarmacêutico sejam apresentados pelo requerente, sem exigir de forma sistemática a realização de uma contra‑análise independente.

Quanto à publicação do processo do pedido de autorização

101

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade com o princípio da precaução da confidencialidade de que beneficia o processo apresentado pelo requerente no âmbito dos processos instituídos pelo Regulamento n.o 1107/2009.

102

A este respeito, embora não se possa excluir que o reforço da transparência destes processos seja suscetível de conduzir a uma ainda melhor avaliação dos riscos para a saúde resultantes da utilização de um produto fitofarmacêutico, ao permitir ao público interessado que apresente argumentos contra a concessão da aprovação ou autorização solicitada pelo requerente, deve, em qualquer caso, notar‑se que o referido regulamento permite, em grande medida, o acesso do público ao processo apresentado pelo requerente.

103

Com efeito, em primeiro lugar, no que respeita ao procedimento de aprovação de uma substância ativa, o artigo 10.o do referido regulamento estabelece o princípio de que a Autoridade deve disponibilizar imediatamente ao público o processo resumo referido no artigo 8.o, n.o 1, do mesmo regulamento, o qual deve incluir designadamente os resumos e resultados dos testes e estudos apresentados pelo requerente.

104

Do mesmo modo, o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 prevê, nomeadamente, a colocação à disposição do público, pela Autoridade, do projeto de relatório de avaliação transmitido pelo Estado‑Membro relator. Ora, esse projeto de relatório de avaliação, cujo objetivo, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, do referido regulamento, consiste em avaliar se a substância ativa é suscetível de cumprir os critérios de aprovação do artigo 4.o do mesmo regulamento, inclui necessariamente uma análise do processo apresentado pelo requerente.

105

Em segundo lugar, o artigo 63.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 dispõe que as pessoas que requererem tratamento confidencial das informações por elas apresentadas nos termos do referido regulamento devem apresentar uma prova verificável de que a divulgação dessas informações pode prejudicar os seus interesses comerciais ou a proteção da sua privacidade e integridade, embora esse risco se presuma relativamente às informações enumeradas no artigo 63.o, n.o 2, do mesmo regulamento.

106

Em terceiro lugar, o artigo 63.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 especifica que esse artigo não prejudica a aplicação da Diretiva 2003/4, o que implica que os pedidos de acesso de terceiros às informações contidas em processos de pedido de autorização estão subordinados às disposições gerais da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Bayer CropScience e Stichting De Bijenstichting, C‑442/14, EU:C:2016:890, n.o 44).

107

Ora, decorre do penúltimo período do artigo 4.o, n.o 2, da referida diretiva que os Estados‑Membros não podem prever o indeferimento de um pedido de acesso a informações relativas a emissões para o ambiente por motivos relacionados com a proteção da confidencialidade das informações comerciais ou industriais.

108

Esta regra específica é designadamente aplicável, em grande medida, aos estudos destinados a avaliar o caráter nocivo da utilização de um produto fitofarmacêutico ou a presença de resíduos no ambiente após a aplicação desse produto (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Bayer CropScience e Stichting De Bijenstichting, C‑442/14, EU:C:2016:890, n.os 79, 87, 91 e 95).

109

Nestas circunstâncias, não se pode considerar que o regime estabelecido pelo legislador da União para garantir o acesso do público aos elementos dos processos de pedido pertinentes para avaliar os riscos resultantes da utilização de um produto fitofarmacêutico esteja viciado por um erro manifesto de apreciação.

Quanto à alegada dispensa de estudos de carcinogenicidade e de toxicidade para efeitos do procedimento de autorização

110

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o Regulamento n.o 1107/2009 exige unicamente ao requerente que efetue testes sumários do produto fitofarmacêutico objeto de um pedido de autorização e o dispensa da realização de testes de carcinogenicidade e de toxicidade a longo prazo. Por conseguinte, pergunta‑se sobre se este regime é compatível com o princípio da precaução.

111

A este respeito, cumpre observar que o referido regulamento não prevê pormenorizadamente a natureza dos testes, análises e estudos a que os produtos fitofarmacêuticos devem ser submetidos antes de poderem ser autorizados.

112

Com efeito, embora os pontos 3.6.3. e 3.6.4. do anexo II do referido regulamento enumerem explicitamente alguns dos testes a efetuar às substâncias ativas antes da sua aprovação, o mesmo regulamento não inclui disposições equivalentes para os produtos fitofarmacêuticos.

113

Contudo, não se pode concluir que o Regulamento n.o 1107/2009 dispensa o requerente da realização de testes de carcinogenicidade e toxicidade a longo prazo para o produto fitofarmacêutico objeto de um pedido de autorização.

114

Neste contexto, importa recordar que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, alínea b), e com o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do referido regulamento, tal produto só pode ser autorizado se se provar que não tem efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana, devendo essa prova, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do referido regulamento, ser apresentada pelo requerente.

115

Ora, não se pode considerar que um produto fitofarmacêutico cumpre esse requisito quando apresenta uma forma de carcinogenicidade ou toxicidade a longo prazo.

116

Incumbe, por conseguinte, às autoridades competentes, ao examinarem o pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, verificar se as informações apresentadas pelo requerente, entre as quais figuram, em primeiro plano, os testes, análises e estudos do produto, são suficientes para excluir, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, o risco de o referido produto apresentar tal carcinogenicidade ou toxicidade. Neste contexto, os «testes sumários» mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio não são suficientes para efetuar essa verificação.

117

Tendo em conta todas estas considerações, há que responder às questões submetidas que a análise das mesmas não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do Regulamento n.o 1107/2009.

Quanto às despesas

118

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

A análise das questões prejudiciais não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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