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Document 62017CJ0487

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 28 de março de 2019.
Processos penais contra Alfonso Verlezza e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Corte suprema di cassazione.
Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2008/98/CE e Decisão 2000/532/CE — Resíduos — Classificação como resíduos perigosos — Resíduos a que podem ser atribuídos códigos correspondentes tanto a resíduos perigosos como a resíduos não perigosos.
Processos apensos C-487/17 a C-489/17.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:270

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

28 de março de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2008/98/CE e Decisão 2000/532/CE — Resíduos — Classificação como resíduos perigosos — Resíduos a que podem ser atribuídos códigos correspondentes tanto a resíduos perigosos como a resíduos não perigosos»

Nos processos apensos C‑487/17 a C‑489/17,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisões de 21 de julho de 2017, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 10 de agosto de 2017, nos processos

Alfonso Verlezza,

Riccardo Traversa,

Irene Cocco,

Francesco Rando,

Carmelina Scaglione,

Francesco Rizzi,

Antonio Giuliano,

Enrico Giuliano,

Refecta Srl,

E. Giovi Srl,

Vetreco Srl,

SE.IN Srl (C‑487/17),

Carmelina Scaglione (C‑488/17),

MAD Srl (C‑489/17),

sendo intervenientes:

Procuratore della Repubblica presso il Tribunale di Roma,

Procuratore generale della Repubblica presso la Corte suprema di cassazione,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Décima Secção, F. Biltgen (relator) e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de setembro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A. Verlezza, por V. Spigarelli, avvocato,

em representação de F. Rando, por F. Giampietro, avvocato,

em representação de E. e A. Giuliano, por L. Imperato, avvocato,

em representação da E. Giovi Srl, por F. Pugliese e L. Giampietro, avvocatesse,

em representação da Vetreco Srl, por G. Sciacchitano, avvocato,

em representação da MAD Srl, por R. Mastroianni, F. Lettera e M. Pizzutelli, avvocati,

em representação do Procuratore della Repubblica presso il Tribunale di Roma, por G. Pignatone e A. Galanti, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Palatiello, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, F. Thiran e E. Sanfrutos Cano, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de novembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 2, e do anexo III da Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO 2008, L 312, p. 3), conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 1357/2014 da Comissão, de 18 de dezembro de 2014 (JO 2014, L 365, p. 89; retificação no JO 2017, L 42, p. 43) (a seguir «Diretiva 2008/98»), bem como do anexo, rubrica intitulada «Avaliação e classificação», ponto 2, da Decisão 2000/532/CE da Comissão, de 3 de maio de 2000, que substitui a Decisão 94/3/CE, que estabelece uma lista de resíduos em conformidade com a alínea a) do artigo 1.o da Diretiva 75/442/CEE do Conselho, relativa aos resíduos, e a Decisão 94/904/CE do Conselho, que estabelece uma lista de resíduos perigosos em conformidade com n.o 4 do artigo 1.o da Diretiva 91/689/CEE do Conselho, relativa aos resíduos perigosos (JO 2000, L 226, p. 3), conforme alterada pela Decisão 2014/955/UE da Comissão, de 18 de dezembro de 2014 (JO 2014, L 370, p. 44) (a seguir «Decisão 2000/532»).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de processos penais instaurados contra Alfonso Verlezza, Riccardo Traversa, Irene Cocco, Francesco Rando, Carmelina Scaglione, Francesco Rizzi, Antonio Giuliano e Enrico Giuliano, Refecta Srl, E. Giovi Srl, Vetreco Srl, SE.IN Srl (processo C‑487/17), Carmelina Scaglione (processo C‑488/17) e MAD Srl (processo C‑489/17) por ilícitos penais relativos, nomeadamente, a um tráfico ilícito de resíduos.

Quadro jurídico

Direito da União

3

A Diretiva 2008/98 prevê, no seu considerando 14:

«A classificação dos resíduos como resíduos perigosos deverá basear‑se, nomeadamente, na legislação comunitária sobre produtos químicos, em especial no que respeita à classificação das preparações como perigosas, incluindo os valores‑limite de concentração utilizados para esse efeito. Os resíduos perigosos deverão ser regulados por via de especificações rigorosas, a fim de prevenir ou limitar, tanto quanto possível, os potenciais efeitos negativos para o ambiente e para a saúde humana advenientes de uma gestão inapropriada. Além disso, é necessário manter o sistema que permitiu a classificação dos resíduos e dos resíduos perigosos de acordo com a lista dos tipos de resíduos estabelecida em último lugar pela Decisão 2000/532 […], a fim de promover uma classificação harmonizada dos resíduos e assegurar uma identificação harmonizada dos resíduos perigosos na Comunidade.»

4

O artigo 3.o da Diretiva 2008/98 contém, nomeadamente, as seguintes definições:

«1)

“Resíduos”, quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou obrigação de se desfazer;

2)

“Resíduos perigosos”, os resíduos que apresentem uma ou mais das características de perigosidade enumeradas no anexo III;

[…]

6)

“Detentor de resíduos”, o produtor dos resíduos ou a pessoa singular ou coletiva que tem os resíduos na sua posse;

7)

“Comerciante”, qualquer empresa que intervenha a título principal na compra e subsequente venda de resíduos, incluindo os comerciantes que não tomem fisicamente posse dos resíduos;

8)

“Corretor”, qualquer empresa que organize a valorização ou eliminação de resíduos por conta de outrem, incluindo os corretores que não tomem fisicamente posse dos resíduos;

9)

“Gestão de resíduos”, a recolha, o transporte, a valorização e a eliminação de resíduos, incluindo a supervisão destas operações, a manutenção dos locais de eliminação após encerramento e as medidas tomadas na qualidade de comerciante ou corretor;

10)

“Recolha”, a coleta de resíduos, incluindo a triagem e o armazenamento preliminares dos resíduos para fins de transporte para uma instalação de tratamento de resíduos;

[…]»

5

O artigo 4.o, n.o 2, terceiro parágrafo, desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros tomam em conta os princípios gerais de proteção do ambiente da precaução e da sustentabilidade, a exequibilidade técnica e a viabilidade económica e a proteção dos recursos, bem como os impactos globais em termos ambientais, de saúde humana e sociais, nos termos dos artigos 1.o e 13.o»

6

O artigo 7.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Lista de resíduos», prevê:

«1.   As medidas que têm por objeto alterar elementos não essenciais da presente diretiva, relativas à atualização da lista de resíduos estabelecida pela Decisão 2000/532/CE, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2 do artigo 39.o A lista de resíduos inclui os resíduos perigosos e toma em consideração a origem e composição dos resíduos e, se necessário, os valores‑limite de concentração das substâncias perigosas. A lista de resíduos é vinculativa no que diz respeito à identificação dos resíduos que devem ser considerados resíduos perigosos. A inclusão de uma substância ou objeto na lista não significa que essa substância ou objeto constitua um resíduo em todas as circunstâncias. Uma substância ou objeto só é considerado resíduo quando corresponder à definição do ponto 1 do artigo 3.o

2.   Os Estados‑Membros podem considerar perigosos os resíduos que, apesar de não figurarem nessa qualidade na lista de resíduos, apresentem uma ou mais das características enumeradas no anexo III. Os Estados‑Membros notificam sem demora desses casos a Comissão, registam‑nos no relatório previsto no n.o 1 do artigo 37.o e fornecem‑lhe todas as informações relevantes. Em função das notificações recebidas, a lista é reexaminada para que seja tomada uma decisão sobre a sua adaptação.

3.   Caso disponham de provas de que um resíduo específico inscrito na lista como resíduo perigoso não apresenta nenhuma das características enumeradas no anexo III, os Estados‑Membros podem considerar esse resíduo como resíduo não perigoso. Os Estados‑Membros notificam sem demora desses casos a Comissão e apresentam‑lhe as provas necessárias. Em função das notificações recebidas, a lista é reexaminada para que seja tomada uma decisão sobre a sua adaptação.

4.   A reclassificação dos resíduos perigosos em resíduos não perigosos não pode ser obtida por diluição ou mistura de resíduos de que resulte uma redução da concentração inicial em substâncias perigosas para valores inferiores aos limiares que definem o caráter perigoso de um resíduo.

[…]

6.   Os Estados‑Membros podem considerar um resíduo como resíduo não perigoso em conformidade com a lista de resíduos referida no n.o 1.

[…]»

7

O anexo III da Diretiva 2008/98 estabelece a lista das diferentes características dos resíduos que os tornam perigosos. No que diz respeito aos «métodos de ensaio», o referido anexo prevê:

«Os métodos a utilizar são descritos no Regulamento (CE) n.o 440/2008 da Comissão[, de 30 de maio de 2008, que estabelece métodos de ensaio nos termos do Regulamento (CE) n.o 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) (JO 2008, L 142, p. 1),] e noutras notas pertinentes do [Comité Europeu de Normalização (CEN)], ou outros métodos de ensaio e orientações reconhecidos a nível internacional.»

8

Nos termos do anexo da Decisão n.o 2000/532, na rubrica intitulada «Avaliação e classificação»:

«1. Avaliação das características de perigosidade de resíduos

Na avaliação das características de perigosidade de resíduos, aplicam‑se os critérios estabelecidos no anexo III da Diretiva 2008/98/CE. Relativamente às características de perigosidade CP 4, CP 6 e CP 8, aplicam‑se os limites mínimos de concentração estabelecidos no anexo III da Diretiva 2008/98/CE para que cada substância seja considerada na avaliação. Se o teor de uma substância num resíduo for inferior ao limite mínimo de concentração estabelecido para que a substância seja considerada na avaliação, a substância em causa não é tida em conta no cálculo de limiares. Se uma característica de perigosidade de um resíduo for avaliada por meio de um ensaio e também recorrendo às concentrações de substâncias perigosas como se indica no anexo III da Diretiva 2008/98/CE, prevalecem os resultados do primeiro.

2. Atribuição a resíduos da classificação de “perigosos”

Os resíduos assinalados com um asterisco (*) na lista de resíduos são considerados “resíduos perigosos” nos termos da Diretiva [2008/98], a menos que se lhes aplique o artigo 20.o da mesma.

No caso dos resíduos aos quais se possam atribuir códigos de resíduos perigosos e códigos de resíduos não perigosos, aplica‑se o seguinte:

só se justifica a inclusão de um resíduo na lista harmonizada de resíduos, assinalado como “perigoso” e com uma menção específica ou geral a “substâncias perigosas”, se o resíduo em causa contiver substâncias perigosas que lhe confiram uma ou mais das características de perigosidade CP 1 a CP 8 e/ou CP 10 a CP 15 indicadas no anexo III da Diretiva [2008/98]. A avaliação da característica de perigosidade CP 9, “infeccioso”, é efetuada de acordo com a legislação ou os documentos de referência correspondentes de cada Estado‑Membro,

pode avaliar‑se uma característica de perigosidade com base na concentração das substâncias presentes no resíduo, como se indica no anexo III da Diretiva [2008/98], ou, salvo indicação em contrário no Regulamento (CE) n.o 1272/2008, mediante a realização de um ensaio em conformidade com o [Regulamento n.o 440/2008] ou com outros métodos ou orientações reconhecidos internacionalmente, tendo em atenção o artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 1272/2008 no que respeita aos ensaios em pessoas e em animais,

[…]»

9

O Regulamento n.o 1357/2014 prevê, no seu considerando 2:

«A Diretiva 2008/98/CE declara que a classificação dos resíduos como resíduos perigosos deveria basear‑se, nomeadamente, na legislação da União Europeia sobre produtos químicos, em especial no que respeita à classificação das preparações como perigosas, incluindo os valores‑limite de concentração utilizados para esse efeito. Por outro lado, é necessário manter o sistema que permitiu a classificação dos resíduos e dos resíduos perigosos de acordo com a lista dos tipos de resíduos estabelecida em último lugar pela Decisão 2000/532 […], a fim de promover uma classificação harmonizada dos resíduos e assegurar uma identificação harmonizada dos resíduos perigosos na União.»

Direito italiano

10

Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, as disposições fundamentais em matéria de resíduos constam atualmente do Decreto Legislativo n.o 152, de 3 de abril de 2006 (suplemento ordinário ao GURI n.o 88, de 14 de abril de 2006, a seguir «Decreto Legislativo n.o 152/2006»). Em especial, o artigo 184.o deste decreto regula a classificação dos resíduos, distinguindo, de acordo com a sua origem, os resíduos urbanos dos resíduos especiais, os quais podem, por sua vez, ser catalogados, em função da sua perigosidade, em resíduos perigosos e resíduos não perigosos. Este artigo 184.o foi objeto de várias alterações.

11

Na origem, o referido artigo previa, no seu n.o 4, a elaboração, através da adoção de um decreto interministerial, de uma lista de resíduos em conformidade com diversas disposições do direito da União, nomeadamente a Decisão 2000/532, precisando que, até à adoção desse decreto, seriam aplicáveis as disposições previstas por uma diretiva do ministro do Ambiente e da Proteção do Território de 9 de abril de 2002, diretiva que figura no anexo D do Decreto Legislativo n.o 152/2006. Além disso, esse mesmo artigo qualificava de perigosos os resíduos não domésticos expressamente identificados, para o efeito, por um asterisco na lista referida nesse anexo D.

12

A Lei n.o 116, de 11 de agosto de 2014 (suplemento ordinário ao GURI n.o 192, de 20 de agosto de 2014, a seguir «Lei n.o 116/2014»), que converteu em lei, com alterações, o Decreto‑Lei n.o 91, de 24 de junho de 2014, alterou o preâmbulo do anexo D do Decreto Legislativo n.o 152/2006 através da introdução das seguintes disposições:

«1. A classificação dos resíduos é efetuada pelo produtor, o qual lhes atribui o código LER [Lista Europeia dos Resíduos] adequado, em aplicação das disposições constantes da Decisão [2000/532].

2. Se um resíduo for classificado, mediante um código LER, como resíduo perigoso “absoluto”, é perigoso sem qualquer outra precisão. As características de perigosidade, definidas na P 1 a P 15, que o resíduo apresenta devem ser determinadas para efeitos da gestão deste resíduo.

3. Se um resíduo for classificado, mediante um código LER, como resíduo não perigoso “absoluto”, não é perigoso sem outra precisão.

4. Se um resíduo for classificado mediante códigos espelho, um que é perigoso e um não perigoso, para determinar se o resíduo é perigoso ou não há que determinar as características de perigosidade que esse resíduo apresenta. As investigações a desenvolver para determinar as características de perigosidade de um resíduo são as seguintes: a) identificar os compostos presentes no resíduo através: da ficha informativa do produtor; do conhecimento do processo químico; da amostragem e da análise do resíduo; b) determinar os perigos associados a esses compostos através: da regulamentação europeia em matéria de etiquetagem das substâncias e das preparações perigosas; de fontes de informação europeias e internacionais; da ficha de segurança dos produtos dos quais deriva o resíduo; c) determinar se as concentrações dos compostos contidos no resíduo implicam que este apresente características de perigosidade através de uma comparação das concentrações determinadas na análise química com o limite máximo das indicações de risco específicas dos componentes ou através de testes efetuados para verificar se o resíduo apresenta características de perigosidade.

5. Se os componentes de um resíduo forem determinados pelas análises químicas de modo não específico, e se não forem conhecidos os compostos específicos que o constituem, deve, para individualizar as características de perigosidade do resíduo, tomar‑se como referência os compostos mais perigosos, em aplicação do princípio da precaução.

6. Quando as substâncias presentes num resíduo não forem conhecidas ou não forem determinadas segundo as modalidades estabelecidas nos números anteriores ou quando as características de perigosidade não possam ser determinadas, o resíduo é classificado como perigoso.

7. Em todo o caso, a classificação deve ser efetuada antes de o resíduo deixar do local de produção.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

13

Os pedidos de decisão prejudicial foram apresentados no âmbito de três processos penais instaurados contra cerca de trinta arguidos, acusados da prática de ilícitos penais relacionados com o tratamento de resíduos perigosos.

14

Resulta das decisões de reenvio que os referidos arguidos, nas respetivas qualidades de gerentes de aterros, de sociedades de recolha e de produção de resíduos, bem como de sociedades encarregadas de efetuar as análises químicas dos resíduos, são suspeitos de terem realizado, em violação do artigo 260.o do Decreto Legislativo n.o 152/2006, um tráfico ilícito de resíduos. É‑lhes imputado o facto de, relativamente a resíduos a que podiam ser atribuídos quer entradas/códigos correspondentes a resíduos perigosos quer correspondentes a resíduos não perigosos (a seguir «código espelho»), terem tratado estes resíduos como resíduos não perigosos. Com base em análises químicas não exaustivas e parciais, os arguidos atribuíram aos referidos resíduos códigos que correspondem a resíduos não perigosos e, seguidamente, processaram‑nos em aterros para resíduos não perigosos.

15

Neste contexto, o Giudice per le indagini preliminari del Tribunale di Roma (juiz de instrução criminal junto do Tribunal de Roma, Itália) ordenou diversas apreensões relativas aos aterros onde os resíduos em causa foram tratados e aos capitais pertencentes aos proprietários desses aterros e, nesse contexto, nomeou um depositário judicial que encarregou, durante seis meses, da gestão dos referidos aterros e dos locais de recolha e de produção de resíduos.

16

Chamado a pronunciar‑se em vários recursos interpostos pelos arguidos contra as referidas apreensões, o Tribunale di Roma (Tribunal de Roma) decidiu, em três despachos distintos, anular essas mesmas medidas.

17

O Procuratore della Repubblica presso il Tribunale di Roma (Procurador da República do Tribunal de Roma, Itália) interpôs três recursos contra os referidos despachos na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália).

18

Segundo esse órgão jurisdicional, os processos principais dizem respeito à determinação dos critérios a aplicar aquando da avaliação das características de perigosidade apresentadas por resíduos a que podem ser atribuídos códigos espelho. A este respeito, o referido órgão jurisdicional esclarece que a determinação dos referidos critérios representa uma questão que tem interessado a jurisprudência e a doutrina nacionais nos últimos dez anos e que foram adotadas duas soluções distintas quanto à interpretação a dar às disposições pertinentes tanto do direito nacional como do direito da União.

19

Assim, por um lado, segundo a tese dita de «segurança» ou de «perigosidade presumida», inspirada no princípio da precaução, perante resíduos aos quais podem ser atribuídos códigos espelho, o seu detentor é obrigado a elidir uma presunção de perigosidade desses resíduos, sendo, portanto, obrigado a efetuar análises destinadas a verificar a ausência de qualquer substância perigosa nos resíduos em causa.

20

Por outro lado, em conformidade com a tese dita da «probabilidade», inspirada no princípio do desenvolvimento sustentável e baseada na versão em língua italiana do anexo da Decisão 2000/532, rubrica intitulada «Avaliação e classificação», n.o 2, o detentor de resíduos a que podem ser atribuídos códigos espelho dispõe de um poder de apreciação quando procede à determinação prévia do caráter perigoso dos resíduos em questão através de análises adequadas. Assim, o detentor dos referidos resíduos pode limitar as suas análises às substâncias que, com um elevado nível de probabilidade, possam estar contidas nos produtos que estão na base do processo de produção do resíduo em causa.

21

Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender as instâncias e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, formuladas em termos idênticos nos processos C‑487/17 a C‑489/17:

«1)

O anexo da Decisão [2000/532] e o [anexo III da Diretiva 2008/98] devem ou não ser interpretados, no que respeita à classificação dos resíduos com [códigos] espelho, no sentido de que quem gera o resíduo, quando não é conhecida a sua composição, deve proceder à sua caracterização prévia e, nesse caso, com que limites?

2)

A pesquisa de substâncias perigosas deve ser efetuada com base em metodologias uniformes predeterminadas?

3)

A pesquisa de substâncias perigosas deve basear‑se numa verificação rigorosa e representativa que tenha em consideração a composição dos resíduos, caso esta já seja conhecida ou identificada na fase de caracterização, ou pode ser efetuada segundo critérios probabilísticos considerando que se deve razoavelmente esperar que estejam presentes no resíduo?

4)

Em caso de dúvida ou de impossibilidade de determinar com segurança se estão ou não presentes substâncias perigosas no resíduo, este deve ou não, em qualquer caso, ser classificado e tratado como resíduo perigoso em aplicação do princípio da precaução?»

22

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2017, os processos C‑487/17 e C‑489/17 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

23

Francesco Rando, a Vetreco e o Procuratore generale della Repubblica presso la Corte suprema di cassazione (Procurador‑Geral da República junto do Supremo Tribunal de Cassação, Itália) consideram que os pedidos de decisão prejudicial são inadmissíveis e devem ser declarados como tal.

24

Segundo F. Rando, as questões prejudiciais não têm relevância, uma vez que se baseiam na aplicação da Lei n.o 116/2014. Ora, esta última constitui uma «regra técnica» que deveria ter sido previamente notificada à Comissão. Não tendo havido essa notificação, a referida lei não poderia aplicar‑se aos particulares.

25

A Vetreco alega que as questões prejudiciais não são indispensáveis para a resolução dos litígios nos processos principais, uma vez que a jurisprudência italiana definiu os critérios em conformidade com os quais os resíduos suscetíveis de corresponder a códigos espelho devem ser classificados. O órgão jurisdicional de reenvio deve, portanto, limitar‑se a apreciar os factos e a aplicar a sua jurisprudência sem ser necessário submeter questões ao Tribunal de Justiça.

26

O Procurador‑Geral da República junto do Supremo Tribunal de Cassação alega, em primeiro lugar, que as questões submetidas não identificam precisamente as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada, dado que só a primeira delas contém uma referência genérica à Decisão 2000/532 e à Diretiva 2008/98. Em seguida, essas questões também não preenchem os critérios da autossuficiência, uma vez que não são compreensíveis por si só. Por último, as decisões de reenvio não contêm nenhuma explicação quanto à classificação ilegal alegadamente efetuada nos anos de 2013 a 2015, e o órgão jurisdicional de reenvio não explicou o nexo lógico e argumentativo entre, por um lado, a única dúvida de interpretação enunciada na fundamentação destas decisões, a respeito dos termos «só se justifica» e «aos quais se possam atribuir» que figuram no anexo da Decisão 2000/532, na rubrica intitulada «Avaliação e classificação», n.o 2, e, por outro, as questões prejudiciais que visam elementos não abordados nessa fundamentação.

27

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o processo previsto no artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais. Daqui decorre que compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, a quem o litígio é submetido e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, face às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estar em condições de proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, Acórdãos de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 24, e de 7 de julho de 2011, Agafiţei e o., C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 25).

28

Por conseguinte, quando as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objeto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça deve, em princípio, decidir (v., nomeadamente, Acórdãos de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 25, e de 7 de julho de 2011, Agafiţei e o., C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 26).

29

Todavia, a recusa de decisão sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., nomeadamente, Acórdãos de 11 de julho de 2006, Chacón Navas, C‑13/05, EU:C:2006:456, n.o 33; de 7 julho de 2011, Agafiţei e o., C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 27, e de 2 de março de 2017, Pérez Retamero, C‑97/16, EU:C:2017:158, n.o 22).

30

No caso em apreço, há que observar, antes de mais, que, embora seja verdade que a descrição do quadro factual e regulamentar contida nos pedidos de decisão prejudicial é sucinta, não é menos verdade que esta descrição cumpre os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e, por conseguinte, permite a este último compreender tanto os factos como o quadro jurídico em que ocorreram os litígios nos processos principais.

31

Em seguida, há que acrescentar que, como resulta dos n.os 18 a 20 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio explicou as razões que o levaram a solicitar a interpretação das disposições do direito da União objeto das questões prejudiciais.

32

Por último, importa recordar que, segundo o artigo 10.o da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18), os Estados‑Membros não estão sujeitos à obrigação de notificar o projeto de regra técnica à Comissão nem de a informar de que cumpriram as obrigações que para si decorrem das diretivas da União.

33

No caso apreço, é pacífico que, ao adotar as disposições da Lei n.o 116/2014, a República italiana cumpriu as obrigações que decorrem das diretivas em matéria de classificação de resíduos, nomeadamente a Diretiva 2008/98. Por conseguinte, admitindo que a Lei n.o 116/2014 está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/34, a não notificação destas disposições pelo Estado‑Membro não configura uma formalidade essencial que determine a inaplicabilidade das regras técnicas em causa aos particulares. Esta não notificação não afeta a sua oponibilidade aos particulares e, portanto, não tem, enquanto tal, nenhum efeito na admissibilidade das questões prejudiciais.

34

Tendo em conta estas considerações, há que declarar que os pedidos de decisão prejudicial contêm os elementos de facto e de direito necessários para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

35

Por conseguinte, os pedidos de decisão prejudicial são admissíveis.

Quanto ao mérito

Quanto às três primeiras questões

36

Com as suas questões primeira a terceira, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo III da Diretiva 2008/98 e o anexo da Decisão 2000/532 devem ser interpretados no sentido de que o detentor de um resíduo suscetível de ser classificado mediante códigos espelho, mas cuja composição não é desde logo conhecida, deve, com vista a essa classificação, determinar a referida composição e averiguar se o resíduo em questão contém uma ou várias substâncias perigosas, a fim de estabelecer se esse resíduo apresenta características de perigosidade, bem como, em caso afirmativo, com que grau de determinação e segundo que métodos.

37

A título preliminar, importa precisar que, partindo da premissa de que os resíduos em causa nos processos principais, que resultam do tratamento mecânico de resíduos municipais, são suscetíveis de ser abrangidos por códigos espelho, o órgão jurisdicional de reenvio circunscreveu claramente o objeto das suas questões prejudiciais, pelo que, contrariamente ao que alegaram algumas partes nos processos principais, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre a questão de saber se a qualificação efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio é correta ou não.

38

Nos termos do artigo 3.o, ponto 2, da Diretiva 2008/98, constituem resíduos perigosos «os resíduos que apresentem uma ou mais das características de perigosidade enumeradas no anexo III» desta diretiva. Há que notar, como salientou o advogado‑geral no n.o 33 das conclusões, que esta diretiva sujeita a gestão de resíduos perigosos a requisitos específicos de rastreio, embalagem e rotulagem, de proibição de mistura com outros resíduos perigosos ou com outros resíduos, substâncias ou matérias, bem como ao facto de os resíduos perigosos só poderem ser tratados em instalações especificamente designadas que tenham obtido uma autorização especial.

39

Como resulta do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98, para saber se um resíduo está incluído na lista de resíduos estabelecida pela Decisão 2000/532, que é obrigatória no que diz respeito à determinação dos resíduos que devem ser considerados resíduos perigosos, há que ter em consideração a «origem e a composição dos resíduos e, se necessário, os valores‑limite de concentração das substâncias perigosas», uma vez que estas permitem verificar se um resíduo apresenta uma ou várias das características de perigosidade enumeradas no anexo III desta diretiva.

40

Por conseguinte, quando a composição de um resíduo a que poderiam ser atribuídos códigos espelho não é desde logo conhecida, cabe ao seu detentor, enquanto responsável pela sua gestão, recolher as informações suscetíveis de lhe permitir adquirir um conhecimento suficiente sobre a referida composição e, assim, atribuir ao referido resíduo o código adequado.

41

Com efeito, se não obtiver essas informações, o detentor de tal resíduo corre o risco de violar as suas obrigações enquanto responsável pela sua gestão, se se verificar, em seguida, que esse resíduo foi tratado como resíduo não perigoso quando apresentava uma ou várias das características de perigosidade enumeradas no anexo III da Diretiva 2008/98.

42

Importa observar que, como o advogado‑geral salientou no n.o 52 das conclusões, existem vários métodos para obter as informações necessárias sobre a composição dos resíduos, permitindo assim identificar a eventual presença de substâncias perigosas e de uma ou várias das características de perigosidade enumeradas no anexo III da Diretiva 2008/98.

43

Além dos métodos indicados na rubrica intitulada «Métodos de ensaio» do referido anexo, o detentor dos resíduos pode, designadamente, referir‑se:

às informações relativas ao processo de fabrico ou ao processo químico «gerador de resíduos», bem como aos intermediários e às substâncias que entram nesses processos, incluindo os pareceres de peritos;

às informações prestadas pelo produtor inicial da substância ou do objeto antes da sua eliminação, nomeadamente as fichas de segurança, os rótulos do produto ou as fichas do produto;

às bases de dados das análises de resíduos nos Estados‑Membros; e

à amostragem e à análise química dos resíduos.

44

No que respeita à amostragem e à análise química, há que precisar, como salientou o advogado‑geral no n.o 69 das conclusões, que esses métodos devem oferecer garantias de eficácia e de representatividade.

45

Importa salientar que a análise química de um resíduo deve, por certo, permitir ao seu detentor adquirir um conhecimento suficiente sobre a composição deste resíduo a fim de verificar se o mesmo apresenta uma ou várias das características de perigosidade enumeradas no anexo III da Diretiva 2008/98. Todavia, nenhuma das disposições da regulamentação da União em questão pode ser interpretada no sentido de que o objeto dessa análise consiste em verificar a ausência de qualquer substância perigosa no resíduo em causa, pelo que o seu detentor está obrigado a elidir uma presunção de perigosidade desse resíduo.

46

Com efeito, importa recordar, por um lado, que, no que respeita às obrigações decorrentes do artigo 4.o da Diretiva 2008/98, resulta claramente do n.o 2 desse artigo que os Estados‑Membros devem, quando aplicam a hierarquia dos resíduos prevista nesta diretiva, tomar as medidas adequadas para incentivar as soluções que produzam o melhor resultado global no plano ambiental (Acórdão de 15 de outubro de 2014, Comissão/República Italiana, C‑323/13, não publicado, EU:C:2014:2290, n.o 36). Ao fazê‑lo, o referido artigo prevê que os Estados‑Membros têm em conta a exequibilidade técnica e a viabilidade económica, pelo que as disposições da referida diretiva não podem ser interpretadas no sentido de que impõem ao detentor de um resíduo obrigações que não sejam razoáveis, tanto do ponto de vista técnico como económico, em matéria de gestão de resíduos. Por um lado, em conformidade com o anexo da Decisão 2000/532, rubrica intitulada «Avaliação e classificação», ponto 2, primeiro travessão, a classificação de um resíduo ao qual se possa atribuir códigos espelho como «resíduo perigoso» só é justificada se o resíduo em causa contiver substâncias perigosas que lhe confiram uma ou mais das características de perigosidade enumeradas no anexo III da Diretiva 2008/98. Daqui resulta que o detentor de um resíduo, ao mesmo tempo que não está obrigado a verificar a ausência de toda e qualquer substância perigosa no resíduo em causa, tem, no entanto, a obrigação de procurar as que possam aí razoavelmente encontrar‑se, não dispondo, por conseguinte, de nenhum poder de apreciação a esse respeito.

47

Esta interpretação é, como as partes nos processos principais alegaram na audiência, corroborada, de ora em diante, pela comunicação da Comissão de 9 de abril de 2018 que contém recomendações técnicas relativas à classificação dos resíduos (JO 2018, C 124, p. 1). Todavia, uma vez que essa comunicação é posterior aos factos em causa nos processos principais, o Tribunal de Justiça, considerando o caráter penal desses processos, entende que não há que ter em conta essa comunicação no âmbito das suas respostas às questões prejudiciais.

48

Por outro lado, esta interpretação é também conforme com o princípio da precaução, o qual constitui um dos fundamentos da política desenvolvida pela União no domínio do ambiente, uma vez que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma medida de proteção como a classificação de um resíduo como perigoso só se impõe quando, após uma avaliação dos riscos tão completa quanto possível tendo em conta as circunstâncias particulares do caso em apreço, haja elementos objetivos que mostrem que essa classificação se impõe (v., por analogia, Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 44, e de 13 de setembro de 2017, Fidenato e o., C‑111/16, EU:C:2017:676, n.o 51).

49

Quando o detentor de um resíduo tenha reunido as informações sobre a composição desse resíduo, incumbe‑lhe, em situações como as que estão em causa nos processos principais, proceder à avaliação das características de perigosidade do referido resíduo em conformidade com o anexo da Decisão 2000/532, rubrica intitulada «Avaliação e classificação», ponto 1, para poder classificá‑lo quer com base no cálculo das concentrações de substâncias perigosas presentes nesse mesmo resíduo e em função dos valores‑limite indicados, para cada substância, no anexo III da Diretiva 2008/98, quer com base num ensaio, quer com base nesses dois métodos. Neste último caso, esse mesmo n.o 1 prevê que «prevalecem os resultados do [ensaio]».

50

No que diz respeito ao cálculo da característica de perigosidade apresentada por um resíduo, resulta do anexo da Decisão 2000/532, rubrica intitulada «Avaliação e classificação», ponto 2, segundo travessão, que o grau de concentração de substâncias perigosas contidas nesse resíduo e suscetíveis de lhe atribuir características de perigosidade deve ser calculado segundo as indicações do anexo III da Diretiva 2008/98. Esta última contém, no que respeita às características de perigosidade CP 4 a CP 14, instruções precisas no que se refere à determinação das concentrações em questão e fixa, em quadros específicos quanto às diversas características de perigosidade, os limites de concentração a partir ou abaixo dos quais o resíduo em causa deve ser classificado como perigoso.

51

Quanto aos ensaios, importa, em primeiro lugar, salientar que a avaliação das características de perigosidade CP 1 a CP 3 deve, conforme resulta do anexo III da Diretiva 2008/98, ser feita com base nesse método, se tal for «adequado e proporcionado». Daqui resulta que, quando a avaliação da perigosidade de um resíduo possa ser feita com base em informações já obtidas para que o recurso a um ensaio não seja adequado nem proporcionado, o detentor desse resíduo pode proceder à classificação deste último sem recorrer a um ensaio.

52

Em segundo lugar, importa declarar que, embora seja verdade, como salientou o advogado‑geral no n.o 64 das conclusões, que, nesta fase, o legislador da União não harmonizou os métodos de análise e de ensaio, não deixa de ser verdade que tanto o anexo III da Diretiva 2008/98 como a Decisão 2000/532 remetem a este respeito, por um lado, para o Regulamento n.o 440/2008 e para as notas pertinentes do CEN e, por outro, para os métodos de ensaio e para as orientações reconhecidas a nível internacional.

53

Todavia, resulta da rubrica intitulada «Métodos de ensaio» do anexo III da Diretiva 2008/98 que essa remissão não exclui que os métodos de ensaio desenvolvidos a nível nacional possam ser igualmente tidos em conta desde que sejam internacionalmente reconhecidos.

54

Tendo em conta estas considerações, há que responder às questões primeira a terceira que o anexo III da Diretiva 2008/98 e o anexo da Decisão 2000/532 devem ser interpretados no sentido de que o detentor de um resíduo suscetível de ser classificado mediante códigos espelho, mas cuja composição não é desde logo conhecida, deve, com vista a esta classificação, determinar a referida composição e procurar as substâncias perigosas que nele podem razoavelmente ser encontradas para estabelecer se esse resíduo apresenta características de perigosidade, e pode, para o efeito, utilizar a amostragem, as análises químicas e os ensaios previstos no Regulamento n.o 440/2008 ou qualquer outra amostragem, análise química e ensaio internacionalmente reconhecidos.

Quanto à quarta questão

55

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da precaução deve ser interpretado no sentido de que, em caso de dúvida quanto às características de perigosidade de um resíduo suscetível de ser classificado mediante códigos espelho, ou em caso de impossibilidade de determinar com certeza a ausência de substâncias perigosas nesse resíduo, este último deve, em aplicação desse princípio, ser classificado como resíduo perigoso.

56

Para responder a esta questão, importa, antes de mais, recordar que o princípio da precaução constitui, segundo o artigo 191.o, n.o 2, TFUE, um dos fundamentos da política da União no domínio do ambiente.

57

Em seguida, há que salientar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação correta do princípio da precaução pressupõe, em primeiro lugar, a identificação das consequências potencialmente negativas para o ambiente dos resíduos em causa e, em segundo lugar, uma avaliação global do risco para o ambiente baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de setembro de 2003, Monsanto Agricoltura Italia e o., C‑236/01, EU:C:2003:431, n.o 113; de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 92; e de 19 de janeiro de 2017, Queisser Pharma, C‑282/15, EU:C:2017:26, n.o 56).

58

O Tribunal de Justiça deduziu desse facto que, quando for impossível determinar com certeza a existência ou o alcance do risco alegado devido à natureza insuficiente, não conclusiva ou imprecisa dos resultados dos estudos levados a cabo, mas persista a probabilidade de um prejuízo real para o ambiente na hipótese de o risco se realizar, o princípio da precaução justifica a adoção de medidas restritivas, sem prejuízo de as mesmas deverem ser não discriminatórias e objetivas (v., neste sentido, Acórdão de 19 de janeiro de 2017, Queisser Pharma, C‑282/15, EU:C:2017:26, n.o 57 e jurisprudência referida).

59

Por último, importa declarar que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da Diretiva 2008/98, os Estados‑Membros tomam em conta não apenas os princípios gerais de proteção do ambiente da precaução e da sustentabilidade, mas também a exequibilidade técnica e a viabilidade económica e a proteção dos recursos, bem como os impactos globais em termos ambientais, de saúde humana e sociais. Daqui resulta que o legislador da União, no domínio específico da gestão dos resíduos, pretendeu ponderar, por um lado, o princípio da precaução e, por outro, a exequibilidade técnica e a viabilidade económica, de modo que os detentores de resíduos não são obrigados a verificar a ausência de qualquer substância perigosa no resíduo em causa, mas podem limitar‑se a procurar as substâncias que podem razoavelmente estar presentes nesse resíduo e avaliar as suas características de perigosidade com base em cálculos ou através de ensaios relacionados com essas substâncias.

60

Daqui resulta que uma medida de proteção como a da classificação de um resíduo suscetível de ser classificado mediante códigos espelho como resíduo perigoso se impõe quando, após uma avaliação dos riscos tão completa quanto possível, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso em apreço, o detentor desse resíduo esteja na impossibilidade prática de determinar a presença de substâncias perigosas ou de avaliar as características de perigosidade que esse resíduo apresenta (v., por analogia, Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 44, e de 13 de setembro de 2017, Fidenato e o., C‑111/16, EU:C:2017:676, n.o 51).

61

Como a Comissão alegou nas suas observações, essa impossibilidade prática não pode resultar do comportamento do próprio detentor do resíduo.

62

Tendo em conta estas considerações, há que responder à quarta questão que o princípio da precaução deve ser interpretado no sentido de que quando, após uma avaliação dos riscos tão completa quanto possível tendo em conta as circunstâncias particulares do caso concreto, o detentor de um resíduo suscetível de ser classificado mediante códigos espelho se vê na impossibilidade prática de determinar a presença de substâncias perigosas ou de avaliar as características de perigosidade apresentadas pelo referido resíduo, deve este último ser classificado como resíduo perigoso.

Quanto às despesas

63

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

1)

O anexo III da Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas, conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 1357/2014 da Comissão, de 18 de dezembro de 2014, bem como o anexo, rubrica intitulada «Avaliação e classificação», ponto 2, da Decisão 2000/532/CE da Comissão, de 3 de maio de 2000, que substitui a Decisão 94/3/CE, que estabelece uma lista de resíduos em conformidade com a alínea a) do artigo 1.o da Diretiva 75/442/CEE do Conselho, relativa aos resíduos, e a Decisão 94/904/CE do Conselho, que estabelece uma lista de resíduos perigosos em conformidade com n.o 4 do artigo 1.o da Diretiva 91/689/CEE do Conselho, relativa aos resíduos perigosos, conforme alterada pela Decisão 2014/955/UE da Comissão, de 18 de dezembro de 2014, devem ser interpretados no sentido de que o detentor de um resíduo suscetível de ser classificado mediante códigos espelho, mas cuja composição não é desde logo conhecida, deve, com vista a esta classificação, determinar a referida composição e procurar as substâncias perigosas que nele podem razoavelmente ser encontradas para estabelecer se esse resíduo apresenta características de perigosidade, e pode, para o efeito, utilizar a amostragem, as análises químicas e os ensaios previstos no Regulamento (CE) n.o 440/2008 da Comissão, de 30 de maio de 2008, que estabelece métodos de ensaio nos termos do Regulamento (CE) n.o 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), ou qualquer outra amostragem, análise química e ensaio internacionalmente reconhecidos.

 

2)

O princípio da precaução deve ser interpretado no sentido de que quando, após uma avaliação dos riscos tão completa quanto possível tendo em conta as circunstâncias particulares do caso concreto, o detentor de um resíduo suscetível de ser classificado quer em códigos correspondentes a resíduos perigosos, quer em códigos correspondentes a resíduos não perigosos, se vê na impossibilidade prática de determinar a presença de substâncias perigosas ou de avaliar as características de perigosidade apresentadas pelo referido resíduo, deve este último ser classificado como resíduo perigoso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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