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Document 62017CJ0137

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 26 de setembro de 2018.
Processo penal contra Van Gennip BVBA e o.
Reenvio prejudicial — Diretivas 2006/123/CE, 2007/23/CE e 2013/29/UE — Colocação no mercado de artigos de pirotecnia — Livre circulação de artigos de pirotecnia conformes com as exigências destas diretivas — Legislação nacional que prevê restrições ao armazenamento e à venda dos referidos artigos — Sanções penais — Regime de dupla autorização — Diretiva 98/34/CE — Conceito de “regra técnica”.
Processo C-137/17.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:771

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

26 de setembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretivas 2006/123/CE, 2007/23/CE e 2013/29/UE — Colocação no mercado de artigos de pirotecnia — Livre circulação de artigos de pirotecnia conformes com as exigências destas diretivas — Legislação nacional que prevê restrições ao armazenamento e à venda dos referidos artigos — Sanções penais — Regime de dupla autorização — Diretiva 98/34/CE — Conceito de “regra técnica”»

No processo C‑137/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen (Tribunal de Primeira Instância de Antuérpia, Bélgica), por decisão de 17 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de março de 2017, no processo penal contra

Van Gennip BVBA,

Antonius Johannes Maria ten Velde,

Original BVBA,

Antonius Cornelius Ignatius Maria van der Schoot,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet, M. Berger (relatora) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de fevereiro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Van Gennip BVBA e da Original BVBA, por B. Deltour, advocaat,

em representação de Antonius Johannes Maria ten Velde e de Antonius Cornelius Ignatius Maria van der Schoot, por J. Surmont, advocaat,

em representação do Governo belga, por P. Cottin e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistido por J.‑F. de Bock e J. Moens, advocaten,

em representação do Governo helénico, por T. Papadopoulou, M. Vergou e K. Georgiadis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por E. Manhaeve e K. Mifsud‑Bonnici, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 34.o a 36.o TFUE, do artigo 10.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), do artigo 6.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2007/23/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de maio de 2007, relativa à colocação no mercado de artigos de pirotecnia (JO 2007, L 154, p. 1), bem como do artigo 4.o, n.os 1 e 2, e do artigo 45.o da Diretiva 2013/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à disponibilização no mercado de artigos de pirotecnia (JO 2013, L 178, p. 27).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra duas pessoas coletivas, a saber, a Van Gennip BVBA e a Original BVBA, bem como contra duas pessoas singulares, a saber, Antonius Johannes Maria ten Velde e Antonius Cornelius Ignatius Maria van der Schoot, respeitante à violação, por estas pessoas, da legislação nacional relativa, nomeadamente, ao armazenamento e à venda de artigos de pirotecnia.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 98/34/CE

3

O artigo 1.o da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18), prevê:

«Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

1)

“Produto”: qualquer produto de fabrico industrial e qualquer produto agrícola, incluindo produtos da pesca.

2)

“Serviço”: qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

[…]

3)

“Especificação técnica”: a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à denominação de venda, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como aos processos de avaliação da conformidade.

[…]

4)

“Outra exigência”: uma exigência, distinta de uma especificação técnica, imposta a um produto por motivos de defesa, nomeadamente dos consumidores, ou do ambiente, e que vise o seu ciclo de vida após a colocação no mercado, como sejam condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação, sempre que essas condições possam influenciar significativamente a composição ou a natureza do produto ou a sua comercialização.

5)

“Regra relativa aos serviços”: um requisito de natureza geral relativo ao acesso às atividades de serviços referidas no n.o 2 do presente artigo e ao seu exercício, nomeadamente as disposições relativas ao prestador de serviços, aos serviços e ao destinatário de serviços, com exclusão das regras que não visem especificamente os serviços definidos nessa mesma disposição.

[…]

11)

“regra técnica”: uma especificação técnica, outro requisito ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como, sob reserva das disposições referidas no artigo 10.o, qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços.

[…]

A presente diretiva não se aplica às medidas que os Estados‑Membros considerem necessárias, no âmbito do Tratado, para assegurar a proteção das pessoas, e em especial dos trabalhadores, durante a utilização dos produtos, desde que essas medidas não afetem esses produtos.»

4

Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva:

«Sob reserva do disposto no artigo 10.o, os Estados‑Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.

[…]»

Diretiva 2006/123

5

O considerando 76 da Diretiva 2006/123 tem a seguinte redação:

«A presente diretiva não se refere à aplicação dos artigos [34.o a 36.o TFUE] relativos à livre circulação de mercadorias. As restrições proibidas nos termos das disposições em matéria de liberdade de prestação de serviços referem‑se aos requisitos aplicáveis ao acesso às atividades de serviços ou ao seu exercício e não aos aplicáveis aos bens propriamente ditos.»

6

O artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva enuncia:

«A presente diretiva não afeta as regras dos Estados‑Membros em matéria de direito penal. Todavia, os Estados‑Membros não podem restringir a liberdade de prestação de serviços mediante a aplicação de disposições de direito penal que regulamentem ou afetem especificamente o acesso ou o exercício de uma atividade de prestação de serviços, contornando as regras estabelecidas na presente diretiva.»

7

Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva:

«1.   A presente diretiva é aplicável aos serviços fornecidos pelos prestadores estabelecidos num Estado‑Membro.

2.   A presente diretiva não se aplica às seguintes atividades:

a)

Serviços de interesse geral sem caráter económico;

b)

Serviços financeiros […]

c)

Serviços e redes de comunicações eletrónicas, bem como os recursos e serviços conexos, no que se refere às matérias regidas pelas Diretivas 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE, 2002/22/CE e 2002/58/CE;

d)

Serviços no domínio dos transportes […]

e)

Serviços de agências de trabalho temporário;

f)

Serviços de cuidados de saúde […]

g)

Serviços audiovisuais […]

h)

Atividades de jogo a dinheiro que impliquem uma aposta com valor monetário em jogos de fortuna ou azar […]

i)

Atividades relacionadas com o exercício da autoridade pública, como previsto no artigo [51.o TFUE];

j)

Serviços sociais no setor da habitação, da assistência à infância e serviços dispensados às famílias e às pessoas permanente ou temporariamente necessitadas, prestados pelo Estado, por prestadores mandatados pelo Estado ou por instituições de solidariedade social reconhecidas pelo Estado enquanto tais;

k)

Serviços de segurança privada;

l)

Serviços prestados por notários e oficiais de justiça, nomeados por ato oficial do Governo.

3.   A presente diretiva não se aplica em matéria de fiscalidade.»

8

O artigo 4.o, ponto 1, da Diretiva 2006/123 define o conceito de «serviço» como «qualquer atividade económica não assalariada prestada geralmente mediante remuneração, referida no artigo [57.o TFUE]».

9

O capítulo III desta diretiva, intitulado «Liberdade de estabelecimento dos prestadores», contém, na sua secção I, intitulada «Autorizações», especialmente, o artigo 10.o, que, sob a epígrafe «Condições de concessão da autorização», prevê:

«1.   Os regimes de autorização devem basear‑se em critérios que obstem a que as autoridades competentes exerçam o seu poder de apreciação de forma arbitrária.

2.   Os critérios referidos no n.o 1 devem ser:

a)

Não discriminatórios;

b)

Justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)

Proporcionados em relação a esse objetivo de interesse geral;

d)

Claros e inequívocos;

e)

Objetivos;

f)

Previamente publicados;

g)

Transparentes e acessíveis.

[…]

7.   O presente artigo não põe em causa a repartição das competências locais ou regionais das autoridades do Estado‑Membro que concedem as autorizações.»

Diretiva 2007/23

10

Os considerandos 2, 4, 10, 11, 13, 16 e 22 da Diretiva 2007/23 enunciam:

«(2)

Essas disposições, suscetíveis de levantar obstáculos ao comércio na Comunidade, deverão ser harmonizadas para garantir a livre circulação de artigos de pirotecnia no mercado interno, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde e segurança humanas, a defesa dos consumidores e a proteção dos utilizadores profissionais finais.

[…]

(4)

A Diretiva 96/82/CE do Conselho, de 9 de dezembro de 1996, relativa ao controlo dos perigos associados a acidentes graves que envolvem substâncias perigosas [(JO 1997, L 10, p. 13),] prescreve requisitos de segurança para os estabelecimentos onde existam explosivos, incluindo substâncias pirotécnicas.

[…]

(10)

A utilização de artigos de pirotecnia e, em particular, de fogos de artifício, obedece a costumes e tradições culturais consideravelmente divergentes nos respetivos Estados‑Membros. Assim, é necessário permitir aos Estados‑Membros que tomem medidas nacionais para limitar a utilização ou a venda de certas categorias de fogos de artifício ao grande público, por razões de ordem pública ou de segurança pública.

(11)

É adequado fixar requisitos essenciais de segurança para os artigos de pirotecnia, tendo em vista a defesa dos consumidores e a prevenção de acidentes.

[…]

(13)

Se os requisitos essenciais de segurança forem satisfeitos, os Estados‑Membros não deverão poder proibir, restringir ou entravar a livre circulação de artigos de pirotecnia. A presente diretiva deverá aplicar‑se sem prejuízo da legislação nacional sobre a concessão de licenças pelos Estados‑Membros aos fabricantes, aos distribuidores e aos importadores.

[…]

(16)

De acordo com a nova abordagem em matéria de harmonização e de normalização técnicas, os artigos de pirotecnia fabricados em conformidade com as normas harmonizadas deverão beneficiar da presunção de conformidade com os requisitos essenciais de segurança previstos na presente diretiva.

[…]

(22)

Os Estados‑Membros deverão estabelecer regras sobre as sanções aplicáveis às infrações ao disposto na legislação nacional aprovada em execução da presente diretiva e assegurar a aplicação dessas regras. As sanções deverão ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

11

O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«1.   A presente diretiva define regras para a realização da livre circulação de artigos de pirotecnia no mercado interno, garantindo simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e da segurança pública e a defesa e a segurança dos consumidores, e tendo em conta os aspetos relevantes relacionados com a proteção ambiental.

2.   A presente diretiva estabelece os requisitos essenciais de segurança que os artigos de pirotecnia devem satisfazer tendo em vista a sua colocação no mercado.

[…]»

12

O artigo 2.o da referida diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

1)

“Artigo de pirotecnia”, qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas;

[…]

8)

“Distribuidor”, qualquer pessoa singular ou coletiva da cadeia da oferta que disponibilize um artigo de pirotecnia no mercado no âmbito da sua atividade profissional;

[…]»

13

O artigo 6.o da Diretiva 2007/23, sob a epígrafe «Livre circulação», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros não podem proibir, restringir ou entravar a colocação no mercado de artigos de pirotecnia que satisfaçam os requisitos da presente diretiva.

2.   As disposições da presente diretiva não podem excluir as medidas adotadas por um Estado‑Membro, justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de proteção ambiental, destinadas a proibir ou restringir a posse, a utilização e/ou a venda ao grande público de fogos de artifício das categorias 2 e 3, de artigos de pirotecnia para teatro e de outros artigos de pirotecnia.

[…]»

14

O artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas adequadas para assegurar que os artigos de pirotecnia só possam ser colocados no mercado se não comprometerem a saúde e a segurança das pessoas quando convenientemente armazenados e utilizados para o fim a que se destinam.»

15

Nos termos do artigo 20.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros devem estabelecer regras sobre as sanções aplicáveis às infrações ao disposto na legislação nacional aprovada em execução da presente diretiva e assegurar a sua aplicação. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

Diretiva 2013/29

16

O artigo 4.o da Diretiva 2013/29, sob a epígrafe «Livre circulação», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros não podem proibir, restringir ou entravar a disponibilização no mercado de artigos de pirotecnia que satisfaçam os requisitos da presente diretiva.

2.   A presente diretiva não exclui a adoção, por um Estado‑Membro, de medidas justificadas por razões de ordem pública, de segurança ou de saúde pública, ou de proteção ambiental, destinadas a proibir ou restringir a posse, a utilização e/ou a venda ao grande público de fogos de artifício das categorias F2 e F3, de artigos de pirotecnia para teatro e de outros artigos de pirotecnia.

[…]»

17

O artigo 45.o desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros devem estabelecer regras sobre as sanções aplicáveis às infrações dos operadores económicos ao disposto na legislação nacional aprovada em execução da presente diretiva e tomar as medidas necessárias para assegurar a sua execução. Essas regras podem incluir sanções penais para infrações graves.

Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

18

O artigo 48.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva dispõe:

«A Diretiva 2007/23[…], com as alterações que lhe foram introduzidas pelo ato constante do anexo IV, parte A, da presente diretiva, é revogada com efeitos a partir de 1 de julho de 2015, sem prejuízo das obrigações dos Estados‑Membros relativas aos prazos de transposição para o direito nacional e às datas de aplicação da diretiva, indicados no anexo IV, parte B.»

19

Nos termos do artigo 49.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2013/29:

«A presente diretiva entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia

Direito belga

20

O artigo 5.o da wet betreffende ontplofbare en voor de deflagratie vatbare stoffen en mengsels en de daarmede geladen tuigen (Lei relativa às substâncias e misturas explosivas e suscetíveis de deflagrar, incluindo os dispositivos que as contêm), de 28 de maio de 1956 (Belgisch Staatsblad, de 9 de junho de 1956, p. 3990), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei de 28 de maio de 1956»), dispõe:

«As infrações às disposições adotadas ao abrigo do artigo 1.o são puníveis com pena de prisão de quinze dias a dois anos e com pena de multa de cem francos a mil francos, ou com apenas uma destas penas.»

21

O artigo 200.o do Koninklijk besluit houdende algemeen reglement betreffende het fabriceren, opslaan, onder zich houden, verkopen, vervoeren en gebruiken van springstoffen (Decreto Real que aprova o regulamento geral relativo ao fabrico, armazenamento, posse, venda, transporte e utilização de explosivos), de 23 de setembro de 1958 (Belgisch Staatsblad, de 22 de dezembro de 1958, p. 9075), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto Real de 23 de setembro de 1958»), enuncia:

«Os explosivos, em quantidades superiores às que cada pessoa pode ter na sua posse nos termos do artigo 265.o, só podem ser conservados em armazéns ou depósitos devidamente autorizados.»

22

O artigo 257.o deste decreto real prevê:

«A venda de qualquer explosivo, em quantidades superiores às que qualquer particular pode ter na sua posse e indicadas no artigo 265.o, apenas pode ser realizada se estiverem preenchidos os seguintes requisitos:

1.o

o comprador está na posse de uma autorização de transporte prevista no artigo 72.o;

2.o

o comprador está na posse de uma autorização para armazenar ou deter temporariamente estes produtos;

3.o

o comprador comprova que exerce uma atividade profissional no setor dos explosivos, como fabricante, negociante ou utilizador de explosivos.

O requisito previsto no ponto 2 apenas se aplica quando as mercadorias compradas são destinadas ao armazenamento ou [à] detenção temporária no território belga.

O vendedor verifica e arquiva todos os documentos entregues pelos compradores para comprovar o respeito das obrigações previstas no primeiro parágrafo. Estes documentos são, durante pelo menos três anos, mantidos à disposição dos agentes da Direção‑Geral da Qualidade e Segurança do Serviço Público Federal da Economia, PME, Classes Médias e Energia e das autoridades policiais e judiciárias, nos locais onde se realizam as vendas.»

23

Nos termos do artigo 260.o do referido decreto real:

«Os retalhistas devem ser sempre titulares de uma autorização de armazenamento; não podem deter ou vender explosivos, por mínima que seja a sua quantidade, que não sejam os referidos no artigo 261.o

O armazenamento efetuar‑se‑á e será mantido em conformidade com o disposto no artigo 251.o»

24

O artigo 261.o do Decreto Real de 23 de setembro de 1958 dispõe:

«A natureza e as quantidades de explosivos que podem ser conservados pelos retalhistas são determinadas, em cada caso específico, pela licença, conforme o nível de segurança apresentado por cada armazém.

Estes produtos não podem ser detidos em quantidades superiores às seguintes:

[…]

2.o

fogos de artifício e artifícios de sinalização que contenham até cinquenta quilogramas de substâncias pirotécnicas;

[…]»

25

O artigo 265.o deste decreto real indica:

«Nenhuma autorização é necessária para deter:

[…]

7.o

uma quantidade de fogos de artifício e de artifícios de sinalização que contenham até [um] quilograma de substâncias pirotécnicas.»

26

O artigo 300.o do referido decreto real prevê:

«As infrações às disposições do presente regulamento, com exceção do artigo 295.o, aos diplomas adotados em execução destas disposições, bem como ao disposto nas licenças, são puníveis com as penas previstas pela Lei de 28 de maio de 1956.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

27

A Original, sociedade com sede social em Olen (Bélgica), exerce atividades de importador, de comerciante grossista e retalhista e de distribuidor de artigos de pirotecnia. Para o efeito, dispõe de dois pontos de venda em Baerle‑Duc (Bélgica), município situado parcialmente na província do Brabante do Norte (Países Baixos), parte do qual está inserida no município de Baarle‑Nassau (Países Baixos). Estes pontos de venda são explorados pela Van Gennip, sociedade com sede social em Baerle‑Duc. A. ten Velde e A. van der Schoot, dois cidadãos neerlandeses, são os responsáveis pelos referidos pontos de venda.

28

A. ten Velde e A. van der Schoot, bem como a Van Gennip e a Original, são arguidos num processo penal, com base no Decreto Real de 23 de setembro de 1958 e da Lei de 28 de maio de 1956, por terem, em primeiro lugar, armazenado artigos de pirotecnia cuja quantidade de substâncias pirotécnicas excedia o peso máximo constante das autorizações que lhes foram concedidas pelas autoridades belgas, em segundo lugar, armazenado artigos de pirotecnia em sítios não autorizados e, em terceiro lugar, vendido produtos de pirotecnia a pessoas que não tinham a devida autorização.

29

Decorre da decisão de reenvio, em primeiro lugar, que A. ten Velde e A. Van der Schoot consideram que a criminalização das infrações, conforme prevista na legislação belga, é contrária ao artigo 45.o da Diretiva 2013/29, na medida em que este artigo reserva as sanções penais para as infrações graves. Ora, nenhum dos factos que lhes são imputados constitui uma infração dessa natureza. O openbaar ministerie (Ministério Público, Bélgica) sustenta, em contrapartida, que esta diretiva deixa aos Estados‑Membros a possibilidade de imporem quer sanções administrativas quer sanções penais, ou ambos os tipos de sanções conjuntamente.

30

Além disso, os arguidos e o Ministério Público discordam quanto à questão de saber se a obrigação de dispor, por um lado, de uma autorização federal em matéria de explosivos e, por outro, de uma licença ambiental regional está em conformidade com as Diretivas 2007/23 e 2013/29, bem como com a Diretiva 2006/123.

31

Por último, A. van der Schoot considera que a legislação nacional, que proíbe a venda de produtos explosivos com mais de um quilograma (kg) de substâncias pirotécnicas a particulares que não disponham da devida autorização, é contrária às Diretivas 2007/23 e 2013/29.

32

Nestas circunstâncias, o rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen (Tribunal de Primeira Instância de Antuérpia, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

As infrações seguintes são qualificáveis de “infrações graves”, na aceção do artigo 45.o da Diretiva 2013/29:

a)

a venda de artigos pirotécnicos num total de 2,666 kg […] de [substâncias pirotécnicas], que constitui uma infração aos artigos 265.o, n.o 7, e 257.o [do Decreto Real de 23 de setembro de 1958], [que proíbem] a venda de artigos pirotécnicos [que contenham mais de] 1 kg de [composição pirotécnica], se o consumidor não dispuser de uma licença administrativa que lhe permita possuir [artigos pirotécnicos que contenham tal quantidade superior];

b)

a ultrapassagem do limite fixo de armazenamento e a inobservância dos locais de armazenamento previstos numa licença federal de fogos de artifício, quando já existia uma licença regional ambiental para o armazenamento das quantidades efetivamente mais elevadas em causa, nos locais em questão;

c)

o armazenamento temporário, de duração muito curta, de quantidades limitadas de artigos pirotécnicos em diversos locais não especificamente licenciados no perímetro de um comércio retalhista em artigos pirotécnicos que dispõe quer de uma licença federal de fogos de artifício quer de uma licença regional ambiental?

2)

O princípio da livre circulação [de] artigos de pirotecnia, consagrado no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2007/23 (atual artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva 2013/29), eventualmente lido em conjugação com o artigo 10.o da Diretiva 2006/123,] opõe‑se a uma legislação nacional que sujeita os locais de armazenamento de artigos pirotécnicos conformes à [Diretiva 2007/23], associados ao mercado retalhista, ao duplo requisito de disporem, por um lado, de uma licença emitida no âmbito da legislação relativa ao fabrico, armazenamento, posse, venda, transporte e utilização de explosivos e, por outro, de uma licença emitida no âmbito da legislação relativa às licenças ambientais para instalações nocivas, quando ambos os regimes de licenciamento prosseguem, na realidade, o mesmo objetivo (a prevenção dos riscos de segurança) e um destes regimes de licenciamento (neste caso, o dos explosivos) pressupõe um limite máximo (muito) baixo para o armazenamento de fogos de artifício (num total de 50 kg de substâncias pirotécnicas — isto é, a substância ativa)?

3)

O princípio da livre circulação [de] artigos de pirotecnia, consagrado no artigo 4.o, n.o [2], da Diretiva 2013/29, e no artigo 6.o, n.o [2, da Diretiva 2007/23 (eventualmente lidos em conjugação com os artigos 34.o a 36.o TFUE)], e em conjugação com o princípio da proporcionalidade, opõe‑se a uma legislação nacional que proíbe a posse ou a utilização pelos consumidores assim como a venda a consumidores de fogos de artifício (das categorias 2 e 3 da Diretiva 2007/23) que contêm mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

33

Importa salientar que, nas suas observações escritas, A. en Velde e A. van der Schoot sustentaram que uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe a posse ou a utilização pelos consumidores e a venda a estes de fogos de artifício com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas constitui uma regra técnica e, mais precisamente, uma «outra exigência», na aceção do artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 98/34. Em seu entender, uma vez que não foi notificada, pelo Reino da Bélgica, à Comissão, esta legislação é ilegal e inaplicável.

34

Na audiência no Tribunal de Justiça, o Governo belga alegou que a referida legislação constitui uma medida necessária «para assegurar a proteção das pessoas, e em especial dos trabalhadores, durante a utilização dos produtos», na aceção do artigo 1.o, último parágrafo, da Diretiva 98/34, e que esta diretiva não é, portanto, aplicável ao processo principal.

35

A este respeito, por um lado, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, embora a legislação nacional em causa no processo principal vise efetivamente proteger a segurança pública, esta, em contrapartida, não incide na utilização dos artigos de pirotecnia, mas na sua venda. Portanto, esta legislação não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o, último parágrafo, da Diretiva 98/34.

36

Por outro lado, fica por determinar se a legislação nacional em causa no processo principal constitui uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 e se está, enquanto tal, sujeita à obrigação de notificação à Comissão, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva.

37

A este respeito, importa recordar que o conceito de «regra técnica» abrange quatro categorias de medidas, a saber, em primeiro lugar, a «especificação técnica» na aceção do artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 98/34, em segundo lugar, a «outra exigência» tal como definida no artigo 1.o, ponto 4, desta diretiva, em terceiro lugar, a «regra relativa aos serviços» prevista no artigo 1.o, ponto 5, da referida diretiva e, em quarto lugar, «qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços», na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da mesma diretiva (Acórdão de 13 de outubro de 2016, M. e S., C‑303/15, EU:C:2016:771, n.o 18 e jurisprudência referida).

38

Em primeiro lugar, no que respeita ao conceito de «especificação técnica», importa recordar que este pressupõe que a medida nacional se refira necessariamente ao produto ou à sua embalagem enquanto tais e, por conseguinte, que fixe uma das características exigidas de um produto, tais como as dimensões, a denominação de venda, a etiquetagem ou a marcação (Acórdão de 10 de julho de 2014, Ivansson e o., C‑307/13, EU:C:2014:2058, n.o 19 e jurisprudência referida). Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 74 das suas conclusões, a legislação belga não se refere aos artigos de pirotecnia ou à sua embalagem enquanto tais, de modo que esta legislação não fixa uma das características exigidas desses produtos. Portanto, a referida legislação não constitui uma «especificação técnica», na aceção do artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 98/34.

39

Em segundo lugar, no que se refere à categoria «outras exigências», há que observar que, para poder ser qualificada de «outra exigência», na aceção do artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34, uma medida nacional deve constituir uma «condição» que pode influenciar significativamente a composição, a natureza ou a comercialização do produto em causa (Acórdão de 13 de outubro de 2016, M. e S., C‑303/15, EU:C:2016:771, n.o 20 e jurisprudência referida).

40

A este respeito, há que salientar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 76 das suas conclusões, que a legislação belga faz depender a venda de artigos de pirotecnia com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas da obtenção de uma autorização pelo comprador. Portanto, a autorização exigida constitui uma condição imposta não em relação ao produto em causa, mas sim em relação aos compradores potenciais, bem como, indiretamente, aos operadores económicos que vendem artigos de pirotecnia (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de abril de 2005, Lindberg, C‑267/03, EU:C:2005:246, n.o 87, e de 13 de outubro de 2016, M. e S., C‑303/15, EU:C:2016:771, n.o 29).

41

Daqui resulta que não se pode considerar que a legislação em causa no processo principal constitui uma «outra exigência», na aceção do artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34.

42

Em terceiro lugar, no que respeita à categoria «regras relativas aos serviços», importa recordar que, nos termos do artigo 1.o, ponto 5, da Diretiva 98/34, tal regra é qualquer requisito de natureza geral relativo ao acesso às atividades de serviços referidas no artigo 1.o, n.o 2, dessa diretiva, que designam «qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços» (Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Ince, C‑336/14, EU:C:2016:72, n.o 74).

43

No caso vertente, importa referir, como sustentou o advogado‑geral no n.o 73 das suas conclusões, que a legislação em causa no processo principal não é relativa aos serviços da sociedade de informação, na aceção do artigo 1.o, ponto 2, da Diretiva 98/34. Portanto, esta legislação não pode estar abrangida pela categoria «regra relativa aos serviços» da sociedade de informação, na aceção do artigo 1.o, ponto 5, dessa diretiva.

44

Em quarto lugar, no que se refere à categoria das proibições referidas no artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34, basta constatar que a legislação em causa no processo principal também não pode estar abrangida por esta categoria uma vez que, como esclareceu o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, esta legislação não proíbe a comercialização de artigos de pirotecnia com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas, mas subordina esta comercialização à condição de o comprador possuir uma autorização.

45

Tendo em conta as considerações precedentes, há que considerar que a legislação em causa no processo principal não está abrangida pelo conceito de «regra técnica», na aceção da Diretiva 98/34, sujeita à obrigação de notificação nos termos do artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva, cuja violação é sancionada pela inaplicabilidade de tal regra.

Quanto à terceira questão

46

Com a sua terceira questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da livre circulação de artigos de pirotecnia, tal como previsto, nomeadamente, no artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2007/23 e no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2013/29, lidos, eventualmente, em conjugação com os artigos 34.o a 36.o TFUE, conjugado com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe a posse ou utilização pelos consumidores e a venda a estes de fogos de artifício com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas.

47

Para responder a esta questão, importa sublinhar, desde logo, que resulta da decisão de reenvio que A. van der Schoot é acusado de ter vendido os fogos de artifício das categorias 2 e 3, na aceção da Diretiva 2007/23, com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas, a um particular que não tinha a autorização necessária para o efeito. Tendo estes factos ocorrido em 23 de dezembro de 2012 e, por conseguinte, como resulta dos artigos 48.o e 49.o da Diretiva 2013/29, anteriormente à adoção e à entrada em vigor desta, a Diretiva 2007/23 é aplicável ratione temporis ao processo principal.

48

Em seguida, há que recordar que resulta do considerando 2 e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2007/23 que esta tem por objetivo principal impedir os obstáculos às trocas comerciais intracomunitárias que decorrem das divergências das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que regem a colocação no mercado dos artigos de pirotecnia que a diretiva define e, portanto, assegurar a livre circulação no mercado interno dos referidos artigos, garantindo simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e da segurança pública e um nível elevado de proteção e segurança dos consumidores e dos utilizadores profissionais (Acórdão de 27 de outubro de 2016, Comissão/Alemanha, C‑220/15, EU:C:2016:815, n.o 40).

49

No que respeita à livre circulação de artigos de pirotecnia, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2007/23 prevê que os Estados‑Membros não podem proibir, restringir ou entravar a comercialização dos artigos de pirotecnia em toda a União Europeia, a não ser que as medidas que adotarem sejam abrangidas pelas exceções previstas no artigo 6.o, n.o 2, da referida diretiva ou pela fiscalização do mercado prevista no artigo 14.o, n.o 6, da mesma diretiva (Acórdão de 27 de outubro de 2016, Comissão/Alemanha, C‑220/15, EU:C:2016:815, n.o 43).

50

No caso vertente, na medida em que a terceira questão tem por objeto a interpretação dos artigos 34.o a 36.o TFUE e do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2007/23, há que declarar que esta última disposição permite que os Estados‑Membros adotem medidas nacionais destinadas a limitar, por razões de ordem pública, de segurança pública ou ainda de proteção ambiental, a utilização ou a venda a particulares de certas categorias de fogos de artifício. A faculdade de que dispõem os Estados‑Membros decorre, como resulta do considerando 10 desta diretiva, do facto de a utilização de artigos de pirotecnia e, em particular, de fogos de artifício obedecer a costumes e tradições culturais consideravelmente divergentes nos respetivos Estados‑Membros.

51

Uma vez que a questão da limitação da utilização e venda de certas categorias de fogos de artifício está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2007/23, em particular do seu artigo 6.o, n.o 2, não há que proceder à interpretação dos artigos 34.o a 36.o TFUE.

52

Por último, é pacífico que uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe a venda de fogos de artifício com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas a consumidores que não disponham da autorização requerida para o efeito restringe a livre circulação desses fogos de artifício. Ora, como foi esclarecido no n.o 49 do presente acórdão, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2007/23, a restrição à livre circulação de artigos de pirotecnia conformes com as exigências formuladas por esta diretiva é, em princípio, proibida.

53

No entanto, e como foi recordado no n.o 50 do presente acórdão, tal restrição pode ser justificada, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, dessa diretiva, por razões de ordem pública, de segurança pública, ou ainda de proteção ambiental.

54

A este respeito, o Governo belga alegou na audiência que a legislação nacional em causa no processo principal visa proteger a ordem pública e a segurança pública e que não pode ser considerada manifestamente desproporcionada.

55

No que respeita ao princípio da proporcionalidade, embora caiba em última análise ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, no âmbito de uma apreciação global de todas as circunstâncias de direito e de facto relevantes, se essa legislação nacional é adequada para garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não excede o necessário para os alcançar, o Tribunal de Justiça, chamado a dar uma resposta útil àquele órgão jurisdicional, é, contudo, competente para lhe dar indicações, baseadas nos autos ao seu dispor e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, suscetíveis de permitir a esse órgão jurisdicional decidir o litígio lhe foi submetido.

56

Em primeiro lugar, no que se refere à aptidão da legislação nacional para proteger a ordem e a segurança públicas, há que recordar que os Estados‑Membros têm a liberdade de determinar, em conformidade com as suas necessidades nacionais, que podem variar de um Estado‑Membro para outro e de uma época para outra, as exigências de ordem pública e de segurança pública. Assim, os Estados‑Membros têm competência exclusiva para a manutenção da ordem pública e para a salvaguarda da segurança interna no seu território e dispõem de uma margem de apreciação para determinar, em função da particularidade dos contextos sociais e da importância que atribuem a um objetivo legítimo à luz do direito da União, as medidas suscetíveis de alcançar resultados concretos (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de junho de 1999, Heinonen, C‑394/97, EU:C:1999:308, n.o 43; de 14 de março de 2000, Église de scientologie, C‑54/99, EU:C:2000:124, n.o 17; e de 10 de julho de 2008, Jipa, C‑33/07, EU:C:2008:396, n.o 23).

57

A este respeito, importa acrescentar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o facto de se invocar a exceção de ordem e segurança públicas constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias, que deve ser objeto de interpretação estrita e cujo âmbito não pode ser unilateralmente determinado pelos Estados‑Membros sem fiscalização das instituições da União (v., por analogia, Acórdãos de 31 de janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C‑503/03, EU:C:2006:74, n.o 45; de 19 de junho de 2008, Comissão/Luxemburgo, C‑319/06, EU:C:2008:350, n.o 30; e de 13 de julho de 2017, E, C‑193/16, EU:C:2017:542, n.o 18 e jurisprudência referida).

58

O Tribunal de Justiça já esclareceu também que o conceito de ordem pública pressupõe, de qualquer modo, a existência, para além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para afetar um interesse fundamental da sociedade (v., por analogia, Acórdãos de 31 de janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C‑503/03, EU:C:2006:74, n.o 46; de 19 de junho de 2008, Comissão/Luxemburgo, C‑319/06, EU:C:2008:350, n.o 50; e de 17 de novembro de 2011, Aladzhov, C‑434/10, EU:C:2011:750, n.o 35).

59

No caso vertente, importa constatar, como salientou o advogado‑geral no n.o 88 das suas conclusões, que os artigos de pirotecnia são produtos intrinsecamente perigosos que podem, nomeadamente os artigos com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas, atentar contra a segurança das pessoas. O advogado‑geral indicou ainda, com razão, que estes artigos, pela sua própria natureza e em função das circunstâncias em que são utilizados, podem perturbar a ordem pública.

60

Portanto, o facto de subordinar a venda a particulares de artigos de pirotecnia, com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas, à obtenção, por esses particulares, de uma autorização é suscetível de prevenir os atentados à ordem e à segurança públicas na medida em que essa legislação nacional permite controlar e, se for caso disso, limitar a quantidade de substâncias pirotécnicas que está na posse de uma pessoa. Por conseguinte, a referida legislação nacional parece ser apropriada para proteger a ordem e a segurança públicas.

61

Em segundo lugar, no que se refere à questão de saber se a legislação nacional não excede o necessário para proteger os objetivos prosseguidos, importa recordar que o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2007/23 confere aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação quanto às medidas que podem adotar para garantir a ordem ou a segurança públicas, bem como a proteção do ambiente. Entre essas medidas, que podem incidir tanto sobre a posse como sobre a utilização e a venda de certos produtos de pirotecnia, figuram as medidas de proibição e as de restrição.

62

No caso vertente, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a legislação nacional em causa no processo principal não prevê uma proibição absoluta de venda dos produtos de pirotecnia, mas que apenas a sujeita à condição de o consumidor dispor de uma autorização prévia quando adquira fogos de artifício e de sinalização com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas.

63

Daqui decorre que essa legislação nacional restringe a venda de certos produtos de pirotecnia ao consumidor.

64

Por outro lado, como salientou o advogado‑geral no n.o 97 das suas conclusões, medidas menos restritivas, como o registo da compra de produtos com um determinado peso de substâncias pirotécnicas, não parecem ser tão eficazes para proteger os interesses fundamentais invocados pelo Governo belga. É certo que tal formalidade permite determinar a quantidade de substâncias pirotécnicas adquirida por um consumidor, mas não permite influenciar a quantidade que pode ser adquirida nem, por conseguinte, lutar de forma tão eficaz contra os atentados aos interesses fundamentais em causa. Por conseguinte, a legislação nacional em causa no processo principal não parece exceder o que é necessário para proteger a ordem e a segurança públicas.

65

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o princípio da livre circulação de artigos de pirotecnia, como previsto, nomeadamente, no artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2007/23, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe a posse ou a utilização pelos consumidores e a venda a estes de fogos de artifício com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas, na medida em que esta legislação seja apta a garantir a ordem e a segurança públicas e que não exceda o necessário para proteger esses interesses fundamentais, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda questão

66

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o princípio da livre circulação de artigos de pirotecnia, como previsto no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2007/23, lido, eventualmente, em conjugação com o artigo 10.o da Diretiva 2006/123, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina o armazenamento de artigos de pirotecnia conformes com a Diretiva 2007/23 e destinados ao comércio a retalho à obtenção de uma dupla autorização, a saber, uma autorização federal para os explosivos e uma licença ambiental regional, embora estes dois regimes de autorização prossigam o mesmo objetivo, no caso vertente, a prevenção de riscos para a segurança, e o primeiro desses regimes fixe um limite máximo muito baixo para o armazenamento de fogos de artifício.

67

A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que esclarecer, em primeiro lugar, que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não está abrangida pelo âmbito de aplicação ratione materiae da Diretiva 2007/23.

68

Com efeito, como observou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, resulta do considerando 4 desta diretiva e do seu artigo 14.o, n.o 1, que o armazenamento apenas está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva na medida em que as condições em que os artigos de pirotecnia estão armazenados não devem comprometer a sua conformidade com as exigências essenciais de segurança previstas na referida diretiva.

69

Ora, uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina o armazenamento de artigos de pirotecnia conformes com a Diretiva 2007/23 e destinados ao comércio a retalho à obtenção de uma dupla autorização não pode ter qualquer repercussão na conformidade desses artigos com tais exigências.

70

Importa, em segundo lugar, determinar se a legislação nacional em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação ratione materiae da Diretiva 2006/123.

71

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o seu artigo 2.o, n.o 1, a Diretiva 2006/123 é aplicável aos serviços fornecidos pelos prestadores estabelecidos num Estado‑Membro, com exceção das atividades e das matérias previstas no seu artigo 2.o, n.os 2 e 3.

72

Ora, é pacífico que a legislação nacional em causa no processo principal não tem por objeto uma atividade prevista no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123 e não se enquadra na matéria de fiscalidade.

73

Além disso, em conformidade com o artigo 4.o, ponto 1, desta diretiva, para efeitos desta, entende‑se por «[s]erviço» qualquer atividade económica não assalariada prestada geralmente mediante remuneração, referida no artigo 57.o TFUE. Acresce que o considerando 76 da referida diretiva esclarece que as restrições proibidas nos termos das disposições em matéria de liberdade de prestação de serviços se referem aos requisitos aplicáveis ao acesso às atividades de serviços ou ao seu exercício e não aos aplicáveis aos bens propriamente ditos.

74

Como salientou o advogado‑geral no n.o 49 das suas conclusões, embora a legislação nacional incida formalmente sobre o armazenamento de artigos de pirotecnia e não sobre o acesso ou o exercício da atividade de comércio a retalho destes artigos ou ao seu exercício, o armazenamento dos artigos de pirotecnia destinados a ser vendidos constitui, para os «retalhistas», como os que estão em causa no processo principal, um pré‑requisito indispensável para o exercício desta atividade de comércio a retalho.

75

Com efeito, como sustentou o advogado‑geral no n.o 50 das suas conclusões, por um lado, esta legislação nacional visa os «retalhistas» e, por conseguinte, o armazenamento com vista à venda. Por outro lado, o facto de, no âmbito de uma atividade de venda a retalho, submeter a uma autorização a detenção de fogos de artifício cuja composição pirotécnica seja superior a uma determinada quantidade tem um efeito no acesso a esta atividade ou no seu exercício.

76

Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou que a atividade de venda a retalho de produtos constitui um «serviço», na aceção do artigo 4.o, ponto 1, da Diretiva 2006/123 (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.os 91 e 97).

77

Nestas condições, há que considerar que a legislação nacional em causa no processo principal, que subordina o armazenamento de artigos de pirotecnia destinados ao comércio a retalho à obtenção de uma dupla autorização, está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123.

78

Uma vez que, no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade dessa legislação com o artigo 10.o da Diretiva 2006/123, na medida em que essa legislação sujeita o armazenamento de artigos de pirotecnia conformes com a Diretiva 2007/23 e destinados ao comércio a retalho à obtenção de tal dupla autorização, por um lado, há que esclarecer que, como salientou o advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, a obrigação de dispor simultaneamente de uma autorização federal e de uma autorização regional não pode, por si só, constituir um motivo de incompatibilidade com a Diretiva 2006/123, na medida em que, nos termos do artigo 10.o, n.o 7, desta diretiva, este artigo não pode pôr em causa «a repartição das competências locais ou regionais das autoridades do Estado‑Membro que concedem as autorizações».

79

Por outro lado, há que determinar se as condições de concessão destes dois regimes de autorização cumprem os requisitos específicos estabelecidos no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123.

80

Por força dessa disposição, as condições de concessão de uma autorização devem ser não discriminatórias, justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral e proporcionadas em relação a esse objetivo, o que implica que devem ser adequadas a garantir a realização do referido objetivo e que não ultrapassem o que é necessário para o alcançar (v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2015, Trijber e Harmsen, C‑340/14 e C‑341/14, EU:C:2015:641, n.o 70). Acresce que esta disposição exige que tais condições de concessão sejam claras e inequívocas, objetivas, transparentes, acessíveis e tornadas públicas antecipadamente.

81

É jurisprudência constante que cabe, em última instância, ao órgão jurisdicional nacional, que é o único competente para apreciar os factos do litígio que lhe foi submetido, determinar se uma medida satisfaz os requisitos referidos no n.o 80 do presente acórdão. No entanto, o Tribunal de Justiça, chamado a dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio, tem competência para lhe fornecer indicações baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, suscetíveis de permitir que o órgão jurisdicional nacional se pronuncie (v. Acórdãos de 1 de outubro de 2015, Trijber e Harmsen, C‑340/14 e C‑341/14, EU:C:2015:641, n.o 55; de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o., C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 77; e de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 56 e jurisprudência referida).

82

No caso vertente, em primeiro lugar, resulta das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que as condições de concessão dos dois regimes de autorização em causa são justificadas por razões imperiosas de interesse geral, a saber, a proteção da saúde e da segurança públicas, no que se refere à autorização federal, e a proteção do ambiente, no que se refere à autorização regional.

83

Assim, como alegou o Governo belga na audiência, a segunda questão, na medida em que enuncia que os dois regimes de autorização em causa no processo principal prosseguem o mesmo objetivo, baseia‑se numa premissa errada.

84

Em segundo lugar, é pacífico que as condições de concessão destes regimes de autorização, devido à publicação das legislações federais e regionais, são tornadas públicas antecipadamente e são, por conseguinte, transparentes e acessíveis.

85

Em terceiro lugar, não se pode sustentar validamente que essas condições não cumprem o critério relativo à clareza e à inequivocidade, previsto no artigo 10.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123, pelo facto de os dois regimes de autorização se sobreporem. Com efeito, desde logo, esse critério refere‑se à necessidade de tornar as condições de autorização facilmente compreensíveis para todos, evitando qualquer ambiguidade na sua redação. Em seguida, como foi já indicado no n.o 82 do presente acórdão, estes dois regimes de autorização destinam‑se a proteger interesses públicos diferentes. Por último, na audiência, o Governo belga indicou que a obtenção de cada uma destas autorizações está sujeita a condições diferentes precisas.

86

Portanto, sem prejuízo da verificação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, as condições de concessão dos dois regimes de autorização em causa no processo principal parecem ser claras e inequívocas.

87

Em quarto lugar, os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não permitem verificar se as condições de concessão dos regimes de autorização em causa no processo principal são não discriminatórias, proporcionadas e objetivas. Como tal, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa verificação. No âmbito do controlo da proporcionalidade das condições impostas, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar, nomeadamente, se o limite de 50 kg de composição pirotécnica, previsto pelo regime de autorização federal, constitui um limiar apto a garantir a realização do objetivo prosseguido e não excede o necessário para o alcançar.

88

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 10.o da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina o armazenamento de artigos de pirotecnia conformes com a Diretiva 2007/23 e destinados à venda a retalho à obtenção de uma dupla autorização, a saber, uma autorização federal para os explosivos e uma licença ambiental regional, na medida em que estejam preenchidas todas as condições previstas no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à primeira questão

89

Com a sua primeira questão, que importa examinar em último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as infrações de que os arguidos no processo principal são acusados constituem «infrações graves», na aceção do artigo 45.o da Diretiva 2013/29, o que implica que podem ser punidas por sanções penais.

90

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os factos de que os arguidos no processo principal são acusados ocorreram entre 22 de novembro de 2010 e 27 de janeiro de 2013. Ora, uma vez que estes factos são anteriores à entrada em vigor da Diretiva 2013/29, esta não é aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal. Por esta razão, os referidos factos enquadram‑se no âmbito de aplicação da Diretiva 2007/23.

91

Além disso, duas das infrações referidas no contexto desta primeira questão são infrações às licenças emitidas ao abrigo da legislação belga que prevê um sistema de dupla autorização para o armazenamento dos artigos de pirotecnia destinados a venda. Como foi indicado nos n.os 67 e 77 do presente acórdão, essa legislação está abrangida não pelo âmbito de aplicação ratione materiae da Diretiva 2007/23, mas pelo da Diretiva 2006/123.

92

Portanto, no caso vertente, apenas a criminalização da infração que consiste na venda, a consumidores, de artigos de pirotecnia com mais de 1 kg de substâncias pirotécnicas sem que estes disponham da autorização necessária para o efeito foi adotada com base em disposições nacionais abrangidas pelo âmbito de aplicação tanto material como temporal da Diretiva 2007/23.

93

Contudo, há que recordar que, ainda que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação do artigo 45.o da Diretiva 2013/29, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado da sua questão (v., por analogia, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, MA.T.I. SUD e Duemme SGR, C‑523/16 e C‑536/16, EU:C:2018:122, n.o 41 e jurisprudência referida).

94

Nestas circunstâncias, importa interpretar a primeira questão como destinada a saber, por um lado, se o artigo 20.o da Diretiva 2007/23 deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros impor sanções penais e, por outro, se a Diretiva 2006/123 deve ser interpretada no sentido de que permite que os Estados‑Membros prevejam sanções penais em caso de violação de uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina o armazenamento de artigos de pirotecnia conformes com a Diretiva 2007/23 e destinados ao comércio a retalho à obtenção de uma dupla autorização.

95

No que respeita, em primeiro lugar, à interpretação do artigo 20.o da Diretiva 2007/23, importa recordar que este artigo não tipifica os crimes nem as sanções aplicáveis, limitando‑se a indicar que os Estados‑Membros têm a obrigação de prever essas sanções.

96

Como salientou o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões, visto que esse artigo não especifica a natureza das sanções que os Estados‑Membros podem adotar, mas prevê que estas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas, resulta da redação do mesmo artigo que os Estados‑Membros conservam a faculdade de determinar a natureza das sanções aplicáveis e, por conseguinte, podem estabelecer sanções penais aplicáveis às infrações ao disposto na legislação nacional adotada em execução da Diretiva 2007/23, desde que essas sanções sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

97

Daqui resulta, por um lado, que podem ser impostas sanções penais em caso de infração das disposições nacionais abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2007/23. Ora, como é indicado nos n.os 91 e 92 do presente acórdão, apenas a infração penal de venda de artigos de pirotecnia, conforme prevista na legislação nacional, está abrangida pelo âmbito de aplicação ratione materiae e ratione temporis da Diretiva 2007/23, uma vez que os crimes relativos ao armazenamento desses artigos com o propósito de os vender, conforme previstos pelo sistema de dupla autorização, são regidos pela Diretiva 2006/123.

98

Daqui resulta, por outro lado, que, embora o artigo 20.o da Diretiva 2007/23, ao contrário do artigo 45.o da Diretiva 2013/29, não preveja expressamente que os Estados‑Membros podem adotar sanções penais para infrações graves, essa disposição não exclui tal possibilidade. Por conseguinte, este artigo 45.o não pode ser considerado uma lex mitior.

99

Há que recordar que cabe igualmente ao órgão jurisdicional nacional verificar se as sanções são efetivas, proporcionadas e dissuasivas. No âmbito da apreciação do caráter proporcional dessas sanções, incumbe ao órgão jurisdicional nacional ter em conta a gravidade da infração (v., por analogia, Acórdão de 9 de fevereiro de 2012, Urbán, C‑210/10, EU:C:2012:64, n.os 41 e 44).

100

No que se refere, em segundo lugar, à interpretação da Diretiva 2006/123, há que salientar que, nos termos do artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva, esta não afeta as normas dos Estados‑Membros em matéria de direito penal, desde que estas não tenham o efeito de contornar as normas estabelecidas na referida diretiva.

101

Portanto, os Estados‑Membros podem estabelecer sanções penais em caso de violação de uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina o armazenamento de artigos de pirotecnia conformes com a Diretiva 2007/23 e destinados ao comércio a retalho à obtenção de uma dupla autorização, desde que as normas nacionais de direito penal não tenham por efeito contornar as da Diretiva 2006/123.

102

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 20.o da Diretiva 2007/23 e o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2006/123 devem ser interpretados no sentido de que os Estados‑Membros podem adotar sanções penais desde que, no que se refere à Diretiva 2007/23, estas sanções sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas e que, no que respeita à Diretiva 2006/123, as normas nacionais de direito penal não tenham por efeito contornar as normas desta mesma diretiva.

Quanto às despesas

103

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O princípio da livre circulação de artigos de pirotecnia, como previsto, nomeadamente, no artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2007/23/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de maio de 2007, relativa à colocação no mercado de artigos de pirotecnia, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe a posse ou a utilização pelos consumidores e a venda a estes de fogos de artifício com mais de 1 quilograma de substâncias pirotécnicas, na medida em que esta legislação seja apta a garantir a ordem e a segurança públicas e que não exceda o necessário para proteger esses interesses fundamentais, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O artigo 10.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina o armazenamento de artigos de pirotecnia conformes com a Diretiva 2007/23 e destinados à venda a retalho à obtenção de uma dupla autorização, a saber, uma autorização federal para os explosivos e uma licença ambiental regional, na medida em que estejam preenchidas todas as condições previstas no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

3)

O artigo 20.o da Diretiva 2007/23 e o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2006/123 devem ser interpretados no sentido de que os Estados‑Membros podem adotar sanções penais desde que, no que se refere à Diretiva 2007/23, estas sanções sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas e que, no que respeita à Diretiva 2006/123, as normas nacionais de direito penal não tenham por efeito contornar as normas desta mesma diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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