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Document 62016CJ0622

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de novembro de 2018.
Scuola Elementare Maria Montessori Srl contra Comissão Europeia, Comissão Europeia contra Scuola Elementare Maria Montessori Srl e Comissão Europeia contra Pietro Ferracci.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Decisão que declara impossível a recuperação de um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno — Decisão que declara a inexistência de auxílio de Estado — Recursos de anulação interpostos por concorrentes de beneficiários de auxílios de Estado — Admissibilidade — Ato regulamentar que não necessita de medidas de execução — Afetação direta — Conceito de “impossibilidade absoluta” de recuperar um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno — Conceito de “auxílio de Estado” — Conceitos de “empresa” e de “atividade económica”.
Processos apensos C-622/16 P a C-624/16 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:873

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de novembro de 2018 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Decisão que declara impossível a recuperação de um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno — Decisão que declara a inexistência de auxílio de Estado — Recursos de anulação interpostos por concorrentes de beneficiários de auxílios de Estado — Admissibilidade — Ato regulamentar que não necessita de medidas de execução — Afetação direta — Conceito de “impossibilidade absoluta” de recuperar um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno — Conceito de “auxílio de Estado” — Conceitos de “empresa” e de “atividade económica”»

Nos processos apensos C‑622/16 P a C‑624/16 P,

que têm por objeto três recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 25 de novembro de 2016,

Scuola Elementare Maria Montessori Srl, estabelecida em Roma (Itália), representada por E. Gambaro e F. Mazzocchi, avvocati,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por D. Grespan, P. Stancanelli e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. De Bellis e S. Fiorentino, avvocati dello Stato,

interveniente em primeira instância (C‑622/16 P),

Comissão Europeia, representada por P. Stancanelli, D. Grespan e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Scuola Elementare Maria Montessori Srl, estabelecida em Roma, representada por E. Gambaro e F. Mazzocchi, avvocati,

recorrente em primeira instância,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. De Bellis e S. Fiorentino, avvocati dello Stato,

interveniente em primeira instância (C‑623/16 P),

e

Comissão Europeia, representada por P. Stancanelli, D. Grespan e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Pietro Ferracci, residente em San Cesareo (Itália),

recorrente em primeira instância,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. De Bellis e S. Fiorentino, avvocati dello Stato,

interveniente em primeira instância (C‑624/16 P),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal, T. von Danwitz (relator) e C. Toader, presidentes de secção, D. Šváby, M. Berger, C. G. Fernlund e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 6 de fevereiro de 2018,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

Com os seus recursos nos processos C‑622/16 P e C‑623/16 P, a Scuola Elementare Maria Montessori Srl e a Comissão Europeia pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), através do qual este negou provimento ao recurso interposto pela Scuola Elementare Maria Montessori com vista à anulação da Decisão 2013/284/UE da Comissão, de 19 de dezembro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.20829 [C 26/2010, ex NN 43/2010 (ex CP 71/2006)] Regime relativo à isenção do imposto municipal sobre imóveis (ICI) concedida a imóveis utilizados por entidades não comerciais para fins específicos a que a Itália deu execução (JO 2013, L 166, p. 24, a seguir «decisão controvertida»).

2

Com o seu recurso no processo C‑624/16 P, a Comissão pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2016, Ferracci/Comissão (T‑219/13, EU:T:2016:485), através do qual este negou provimento ao recurso interposto por Pietro Ferracci com vista à anulação da decisão controvertida.

Quadro jurídico

3

O artigo 1.o, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), define o conceito de «regime de auxílios» como «qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido».

4

O artigo 14.o, n.o 1, deste regulamento enuncia:

«Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, adiante designada “decisão de recuperação”. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário.»

Antecedentes dos litígios

5

Para efeitos do presente processo, os antecedentes dos litígios tal como resultam dos n.os 1 a 20 dos Acórdãos do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), e de 15 de setembro de 2016, Ferracci/Comissão (T‑219/13, EU:T:2016:485) (a seguir, conjuntamente, «acórdãos recorridos»), podem ser resumidos como segue.

6

P. Ferracci é proprietário de um estabelecimento turístico‑hoteleiro «Bed & Breakfast» composto por dois quartos. A Scuola Elementare Maria Montessori é um estabelecimento de ensino privado. Nos anos de 2006 e 2007, apresentaram denúncias à Comissão, sustentando que, por um lado, a alteração do âmbito de aplicação do regime nacional relativo ao Imposta comunale sugli immobili (Imposto Municipal sobre Imóveis, a seguir «ICI»), decidida pela República Italiana, e, por outro, o artigo 149.o, n.o 4, do Testo unico delle imposte sui redditi (Texto único dos impostos sobre os rendimentos, a seguir «TUIR») constituíam auxílios de Estado incompatíveis com o mercado interno.

7

Em substância, a alteração do âmbito de aplicação do ICI pretendia estabelecer que a isenção do ICI, de que beneficiavam, desde 1992, as entidades não comerciais que exerciam, nos imóveis que lhes pertenciam, exclusivamente atividades assistenciais, previdenciais, sanitárias, didáticas, de hospedagem, culturais, recreativas e desportivas, assim como a atividades religiosas e de culto, devia ser compreendida no sentido de que também se aplicava às referidas atividades, «independentemente da sua natureza eventualmente comercial». O artigo 149.o, n.o 4, do TUIR isentava, em substância, as instituições religiosas reconhecidas como pessoas coletivas de direito civil e os clubes de desporto amador da aplicação dos critérios previstos nessa disposição, relativamente a todas as outras entidades, para determinar a perda da qualidade de entidade não comercial.

8

Em 12 de outubro de 2010, a Comissão decidiu dar início ao procedimento formal de investigação na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativo, por um lado, à isenção do ICI e, por outro, ao artigo 149.o, n.o 4, do TUIR.

9

Em 15 de fevereiro de 2012, as autoridades italianas indicaram à Comissão a sua intenção de adotar uma nova regulamentação em matéria de imposto municipal sobre os imóveis e anunciaram que a isenção do ICI seria substituída, a partir de 1 de janeiro de 2012, pela isenção prevista no novo regime relativo ao Imposta municipale unica (Imposto Municipal Único, a seguir «IMU»). Esta regulamentação foi adotada em 19 de novembro de 2012.

10

Em 19 de dezembro de 2012, a Comissão adotou a decisão controvertida, na qual começou por constatar que a isenção concedida, no regime do ICI, às entidades não comerciais que exerciam atividades específicas nos imóveis que lhes pertenciam constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno a que a República Italiana tinha dado ilegalmente execução, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Em seguida, a Comissão entendeu que, tendo em conta as particularidades do presente processo, era absolutamente impossível à República Italiana recuperar os auxílios ilegais, pelo que não lhe ordenou que o fizesse na decisão controvertida. Por último, a Comissão considerou que nem o artigo 149.o, n.o 4, do TUIR nem a isenção prevista no novo regime do IMU constituíam auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

Recursos no Tribunal Geral e acórdãos recorridos

11

Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de abril de 2013, P. Ferracci e a Scuola Elementare Maria Montessori interpuseram, cada um deles, um recurso de anulação da decisão controvertida na parte em que a Comissão concluiu, por um lado, que era impossível às autoridades italianas recuperarem os auxílios considerados ilegais e incompatíveis com o mercado interno (a seguir «primeira parte da decisão controvertida») e, por outro, que nem o artigo 149.o, n.o 4, do TUIR (a seguir «segunda parte da decisão controvertida») nem o novo regime do IMU (a seguir «terceira parte da decisão controvertida») constituíam auxílios de Estado.

12

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de julho de 2013, a Comissão suscitou exceções de inadmissibilidade que o Tribunal Geral decidiu conhecer juntamente com a apreciação do mérito da causa por Despachos de 29 de outubro de 2014.

13

Nos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral declarou os dois recursos admissíveis nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE, por considerar que a decisão controvertida constituía um ato regulamentar que dizia diretamente respeito a P. Ferracci e à Scuola Elementare Maria Montessori e não necessitava de medidas de execução a respeito deles. Quanto ao mérito, o Tribunal Geral negou provimento aos dois recursos.

Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes nos presentes recursos

14

Com o seu recurso no processo C‑622/16 P, a Scuola Elementare Maria Montessori pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o Acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), e, por conseguinte, anular a decisão controvertida na medida em que a Comissão decidiu não ordenar a recuperação do auxílio concedido mediante a isenção do ICI e considerou que as medidas relativas à isenção do IMU não estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE;

em quaisquer circunstâncias, anular o referido acórdão nas partes relativas aos fundamentos do presente recurso que o Tribunal de Justiça julgue procedentes e admissíveis; e

condenar a Comissão nas despesas do processo em ambas as instâncias.

15

A Comissão, apoiada pela República Italiana, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso na íntegra; e

condenar a recorrente nas despesas tanto do presente processo como do processo em primeira instância.

16

Com os seus recursos nos processos C‑623/16 P e C‑624/16 P, a Comissão, apoiada pela República Italiana, pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular os acórdãos recorridos na medida em que declaram admissíveis os recursos em primeira instância, com base no artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE;

declarar os recursos em primeira instância inadmissíveis com base no artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo e terceiro membros de frase, TFUE e, consequentemente, negar‑lhes provimento na íntegra; e

condenar P. Ferracci e a Scuola Elementare Maria Montessori no pagamento das despesas efetuadas pela Comissão tanto no processo no Tribunal Geral como no presente processo.

17

A Scuola Elementare Maria Montessori conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso interposto pela Comissão no processo C‑623/16 P e confirmar o Acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), na medida em que declarou admissível o recurso que tinha interposto contra a decisão controvertida; e

condenar a Comissão nas despesas no presente processo.

18

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de abril de 2017, os processos C‑622/16 P a C‑624/16 P foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

Quanto aos recursos da Comissão nos processos C‑623/16 P e C‑624/16 P

19

Nos seus recursos nos processos C‑623/16 P e C‑624/16 P, a Comissão, apoiada pela República Italiana, invoca um fundamento único, subdividido em três partes, através do qual alega que o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente cada um dos três requisitos cumulativos do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE.

Quanto à primeira parte

Argumentos das partes

20

A Comissão sustenta que a qualificação da decisão controvertida como ato regulamentar enferma de erros de direito. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral tinha considerado, incorretamente, que qualquer ato não legislativo de alcance geral era necessariamente um ato regulamentar. Em segundo lugar, o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao inferir o caráter regulamentar da decisão controvertida a partir do alcance geral das medidas nacionais objeto dessa decisão. Em terceiro lugar e em todo caso, o Tribunal Geral não deveria ter considerado que cada uma das três partes da decisão controvertida tinha alcance geral.

21

A Scuola Elementare Maria Montessori contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

22

Em primeiro lugar, cabe recordar que o Tratado de Lisboa aditou ao artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE um terceiro membro de frase, que flexibilizou os requisitos de admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por pessoas singulares e coletivas. Com efeito, esse membro de frase, que não sujeita a admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por pessoas singulares e coletivas ao requisito de afetação individual, abre essa via de recurso relativamente aos «atos regulamentares» que não necessitem de medidas de execução e digam diretamente respeito ao recorrente (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 57).

23

Quanto ao conceito de «atos regulamentares», o Tribunal de Justiça já declarou que tem um alcance mais limitado do que o conceito de «atos», utilizado no artigo 263.o, quarto parágrafo, primeiro e segundo membros de frase, TFUE, e visa atos de alcance geral, com exceção dos atos legislativos (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 58 a 61).

24

A este respeito, tal como sublinhou o advogado‑geral no n.o 26 das suas conclusões, a interpretação defendida pela Comissão segundo a qual existem atos não legislativos de alcance geral, como a decisão controvertida, que não se enquadram no conceito de «ato regulamentar», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE, não pode ser acolhida. Com efeito, esta interpretação não encontra nenhum fundamento no enunciado, na génese ou na finalidade desta disposição.

25

Desde logo, o enunciado da referida disposição refere‑se, de uma forma geral, aos «atos regulamentares» e não contém nenhuma indicação de que essa referência apenas vise certos tipos ou subcategorias desses atos.

26

Seguidamente, no que respeita à génese da mesma disposição, decorre dos trabalhos preparatórios do artigo III‑365, n.o 4, do Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, cujo conteúdo foi reproduzido em termos idênticos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, que o aditamento do terceiro membro de frase a esta disposição se destinava a alargar os requisitos de admissibilidade dos recursos de anulação às pessoas singulares e coletivas, e que apenas os atos de alcance geral relativamente aos quais se devia manter uma abordagem restritiva eram atos legislativos [v., designadamente, Secretariado da Convenção Europeia, Relatório final do Círculo de Discussão sobre o Funcionamento do Tribunal de Justiça, de 25 de março de 2003 (CONV 636/03, n.o 22), e nota de transmissão do Praesidium à Convenção, de 12 de maio de 2003 (CONV 734/03, p. 20)].

27

Por último, o objetivo do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE consiste, como decorre dos n.os 22, 23 e 26 do presente acórdão, em flexibilizar os requisitos de admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por pessoas singulares e coletivas contra todos os atos de alcance geral, com exceção dos atos legislativos. Ora, subtrair do âmbito de aplicação desta disposição certos tipos ou subcategorias de atos não legislativos de alcance geral iria contrariar este objetivo.

28

Consequentemente, deve considerar‑se que o conceito de «ato regulamentar», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE, abrange todos os atos não legislativos de alcance geral. Uma vez que a decisão controvertida não constitui um ato legislativo, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao limitar‑se a apreciar se as três partes dessa decisão revestem alcance geral a fim de determinar o caráter regulamentar das mesmas.

29

A este respeito, cabe recordar, em segundo lugar, que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um ato tem alcance geral se se aplicar a situações determinadas objetivamente e se produzir os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas visadas de forma geral e abstrata (Acórdãos de 11 de julho de 1968, Zuckerfabrik Watenstedt/Conselho, 6/68, EU:C:1968:43, p. 605; de 15 de janeiro de 2002, Libéros/Comissão, C‑171/00 P, EU:C:2002:17, n.o 28 e jurisprudência aí referida; e de 17 de março de 2011, AJD Tuna, C‑221/09, EU:C:2011:153, n.o 51 e jurisprudência aí referida).

30

O artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999 define o conceito de «regime de auxílios» no sentido de que abrange «qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido».

31

Quanto ao artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo membro de frase, TFUE, o Tribunal de Justiça tem repetidamente declarado, no domínio dos auxílios de Estado, que as decisões da Comissão que têm por objeto autorizar ou proibir um regime de auxílios nacional são de alcance geral. Esse alcance geral decorre do facto de tais decisões se aplicarem a situações determinadas objetivamente e comportarem efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstrato (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 31; de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.o 53 e jurisprudência aí referida; e de 28 de junho de 2018, Lowell Financial Services/Comissão, C‑219/16 P, não publicado, EU:C:2018:508, n.o 42 e jurisprudência aí referida).

32

Como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 48 e 49 das suas conclusões, esta jurisprudência é transponível para o artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE. Com efeito, a questão de saber se um ato reveste ou não alcance geral diz respeito a uma qualidade objetiva desse ato, a qual não pode variar em função dos diferentes membros de frase do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Além disso, uma interpretação segundo a qual um ato pudesse, ao mesmo tempo, revestir alcance geral no âmbito do artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo membro de frase, TFUE e ser desprovido desse alcance no âmbito do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE seria contrária ao objetivo que justificou o aditamento desta ultima disposição, que é flexibilizar os requisitos de admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por pessoas singulares e coletivas.

33

Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar que a segunda e terceira partes da decisão controvertida têm alcance geral.

34

Em terceiro lugar, no que respeita à primeira parte da decisão controvertida, é verdade que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma injunção de recuperação diz individualmente respeito a todos os beneficiários do regime em causa, na medida em que, desde o momento da adoção dessa injunção, ficam expostos ao risco de os auxílios que receberam virem a ser recuperados e fazem, portanto, parte de um círculo restrito (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão, C‑15/98 e C‑105/99, EU:C:2000:570, n.os 33 a 35; de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, EU:C:2004:240, n.o 39; e de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 56).

35

Todavia, ao contrário do que sustenta a Comissão, não se pode inferir desta jurisprudência que a primeira parte da decisão controvertida é desprovida de alcance geral e, portanto, de caráter regulamentar.

36

Com efeito, decorre da referida jurisprudência que a circunstância de essa parte da decisão controvertida dizer individualmente respeito ao círculo restrito de beneficiários do regime de auxílios em causa não obsta a que se considere que essa parte reveste alcance geral na medida em que se aplica a situações determinadas objetivamente e produz os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas visadas de forma geral e abstrata.

37

Ora, esta é a situação do caso em apreço.

38

Com efeito, visto que, através da primeira parte da decisão controvertida, a Comissão considerou que não tinha de ordenar a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo da isenção do ICI, apesar do seu caráter ilegal e incompatível com o mercado interno, essa decisão faz perdurar os efeitos anticoncorrenciais da medida geral e abstrata constituída pela referida isenção em relação a um número indeterminado de concorrentes dos beneficiários dos auxílios concedidos ao abrigo dessa medida. Por conseguinte, a referida decisão aplica‑se a situações determinadas objetivamente e produz os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas visadas de forma geral e abstrata.

39

Conclui‑se que o Tribunal Geral teve razão ao considerar que a primeira parte da decisão controvertida tem alcance geral. Portanto, a primeira parte do fundamento único dos recursos da Comissão deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte

Argumentos das partes

40

A Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao inferir a afetação direta de P. Ferracci e da Scuola Elementare Maria Montessori do simples facto de que poderiam potencialmente encontrar‑se numa relação de concorrência com os beneficiários das medidas nacionais em causa. A abordagem seguida pelo Tribunal Geral não é conforme com a do Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284), e de 17 de setembro de 2015, Confederazione Cooperative Italiane e o./Anicav e o. (C‑455/13 P, C‑457/13 P e C‑460/13 P, não publicado, EU:C:2015:616). Segundo a Comissão, a fim de demonstrar a sua afetação direta, um recorrente deve provar que o ato impugnado produz efeitos suficientemente concretos na sua situação.

41

A Scuola Elementare Maria Montessori contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

42

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a condição segundo a qual uma pessoa singular ou coletiva deve ser diretamente afetada pela decisão objeto do recurso, tal como prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos, a saber, que a medida contestada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Acórdãos de 5 de maio de 1998, Glencore Grain/Comissão, C‑404/96 P, EU:C:1998:196, n.o 41 e jurisprudência aí referida; de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 66; e Despacho de 19 de julho de 2017, Lysoform Dr. Hans Rosemann e Ecolab Deutschland/ECHA, C‑666/16 P, não publicado, EU:C:2017:569, n.o 42).

43

No que diz especificamente respeito às regras relativas aos auxílios de Estado, cabe sublinhar que as mesmas têm por objetivo preservar a concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de junho de 2006, Air Liquide Industries Belgium, C‑393/04 e C‑41/05, EU:C:2006:403, n.o 27 e jurisprudência aí referida, e de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 60). Assim, neste domínio, o facto de uma decisão da Comissão deixar intactos todos os efeitos de medidas nacionais que, de acordo com a denúncia dirigida a essa instituição pelo recorrente, eram incompatíveis com aquele objetivo e o colocavam numa situação concorrencial desvantajosa permite concluir que essa decisão afeta diretamente a sua situação jurídica, em particular o seu direito, decorrente das disposições do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado, de não sofrer uma concorrência falseada pelas medidas nacionais em causa (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Conselho, 169/84, EU:C:1986:42, n.o 30).

44

No caso vertente, o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 42 do Acórdão de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), e no n.o 45 do Acórdão de 15 de setembro de 2016, Ferracci/Comissão (T‑219/13, EU:T:2016:485), que o primeiro dos dois critérios evocados no n.o 42 do presente acórdão estava satisfeito, uma vez que os serviços oferecidos, respetivamente, por P. Ferracci e pela Scuola Elementare Maria Montessori eram idênticos aos oferecidos pelos beneficiários das medidas nacionais apreciadas na decisão controvertida e que, portanto, os primeiros «pod[eriam] ter uma relação de concorrência» com os segundos.

45

Como sustenta, acertadamente, a Comissão, este raciocínio está ferido de um erro de direito.

46

Com efeito, embora não caiba ao juiz da União, na fase do exame da admissibilidade, pronunciar‑se definitivamente sobre a existência de uma relação de concorrência entre um recorrente e os beneficiários das medidas nacionais apreciadas numa decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, como a decisão controvertida (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, EU:C:1986:42, n.o 28, e de 20 de dezembro de 2017, Binca Seafoods/Comissão, C‑268/16 P, EU:C:2017:1001, n.o 59), a afetação direta desse recorrente não pode, contudo, ser inferida da simples potencialidade de uma relação de concorrência, como a que foi constatada nos acórdãos recorridos.

47

Com efeito, na medida em que o requisito relativo à afetação direta exige que o ato impugnado produza diretamente efeitos na situação jurídica do recorrente, o juiz da União está obrigado a verificar se este último expôs de forma pertinente as razões pelas quais a decisão da Comissão pode colocá‑lo numa situação concorrencial desvantajosa e, portanto, produzir efeitos na sua situação jurídica.

48

Todavia, importa recordar que, se os fundamentos de uma decisão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas o dispositivo da mesma estiver justificado por outros fundamentos de direito, essa violação não é suscetível de provocar a anulação dessa decisão e há que proceder a uma substituição de fundamentos (Acórdão de 26 de julho de 2017, Conselho/LTTE, C‑599/14 P, EU:C:2017:583, n.o 75 e jurisprudência aí referida).

49

É o que acontece no caso em apreço.

50

Com efeito, decorre das petições iniciais apresentadas por P. Ferracci e pela Scuola Elementare Maria Montessori no Tribunal Geral que estes alegavam, apoiando‑se em provas e sem serem contrariados neste aspeto pela Comissão, que os seus estabelecimentos respetivos se situavam na proximidade imediata de entidades eclesiásticas ou religiosas que exerciam atividades idênticas às suas e que, portanto, estavam ativas no mesmo mercado de serviços e no mesmo âmbito territorial. Na medida em que essas entidades eram, a priori, elegíveis para as medidas nacionais apreciadas na decisão controvertida, deve considerar‑se que P. Ferracci e a Scuola Elementare Maria Montessori justificaram de forma pertinente que a decisão controvertida podia colocá‑los numa situação concorrencial desvantajosa e que, portanto, essa decisão afetava diretamente a sua situação jurídica, em particular o seu direito de não sofrer nesse mercado uma concorrência falseada pelas medidas em causa.

51

Contrariamente ao que sustenta a Comissão, esta conclusão não é posta em causa pelos Acórdãos de 18 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284), e de 17 de setembro de 2015, Confederazione Cooperative Italiane e o./Anicav e o. (C‑455/13 P, C‑457/13 P e C‑460/13 P, não publicado, EU:C:2015:616). Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado nesses acórdãos que o simples facto de disposições adotadas no âmbito da política agrícola comum colocarem um recorrente numa situação concorrencial desvantajosa não permite, por si só, concluir que essas disposições afetam esse recorrente na sua situação jurídica, essa jurisprudência não é transponível a recursos interpostos por concorrentes de beneficiários de auxílios de Estado.

52

Com efeito, os processos citados no número anterior não diziam respeito a regras relativas aos auxílios de Estado, que têm precisamente por objetivo preservar a concorrência, como foi recordado do n.o 43 do presente acórdão.

53

Consequentemente, os recursos de P. Ferracci e da Scuola Elementare Maria Montessori satisfaziam o primeiro dos dois critérios visados no n.o 42 do presente acórdão.

54

Quanto ao segundo desses critérios, o Tribunal Geral considerou, no n.o 45 do Acórdão de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), e no n.o 48 do Acórdão de 15 de setembro de 2016, Ferracci/Comissão (T‑219/13, EU:T:2016:485), que tanto a primeira parte como a segunda e terceira partes da decisão controvertida produzem os seus efeitos jurídicos de forma puramente automática, ao abrigo unicamente da regulamentação da União e sem aplicação de mais regras intermediárias. Ora, como sublinhou o advogado‑geral, em substância, no n.o 52 das suas conclusões, esta consideração, que não é contestada pela Comissão no âmbito dos presentes recursos, não enferma de nenhum erro de direito.

55

Conclui‑se que o Tribunal Geral teve razão ao considerar que P. Ferracci e a Scuola Elementare Maria Montessori eram diretamente afetados pela decisão controvertida. Por conseguinte, a segunda parte do fundamento único dos recursos da Comissão deve ser julgada improcedente.

Quanto à terceira parte

Argumentos das partes

56

A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que os atos nacionais que executam as medidas objeto da decisão controvertida não constituíam medidas de execução em relação a P. Ferracci e à Scuola Elementare Maria Montessori. A este respeito, o Tribunal Geral tinha, erradamente, rejeitado o seu argumento segundo o qual ambos poderiam ter solicitado o tratamento fiscal vantajoso reservado aos seus concorrentes e proposto uma ação perante o juiz nacional contra uma recusa da Administração, impugnando a validade da decisão controvertida nessa ocasião. Segundo a Comissão, a abordagem seguida pelo Tribunal Geral não é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça desenvolvida a partir do Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão (C‑274/12 P, EU:C:2013:852).

57

A Scuola Elementare Maria Montessori contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

58

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a expressão «que não necessitam de medidas de execução», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE, deve ser interpretada à luz do objetivo desta disposição, que consiste, como resulta da sua génese, em evitar que um particular seja obrigado a violar a lei para poder recorrer ao juiz. Ora, quando um ato regulamentar produz diretamente os seus efeitos na situação jurídica de uma pessoa singular ou coletiva sem necessitar de medidas de execução, esta última poderia ficar desprovida de proteção jurisdicional efetiva se não dispusesse de uma via direta de recuso para o juiz da União a fim de pôr em causa a legalidade desse ato regulamentar. Com efeito, na falta de medidas de execução, uma pessoa singular ou coletiva, ainda que diretamente afetada pelo ato em causa, só estaria em condições de obter uma fiscalização jurisdicional desse ato após ter violado as disposições do referido ato, invocando a ilegalidade das mesmas no âmbito dos processos iniciados contra ela nos órgãos jurisdicionais nacionais (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 27, e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

59

Em contrapartida, quando um ato regulamentar necessita de medidas de execução, a fiscalização jurisdicional da observância do ordenamento jurídico da União está assegurada independentemente da questão de saber se as referidas medidas emanam da União ou dos Estados‑Membros. As pessoas singulares ou coletivas que não possam, devido aos requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, impugnar diretamente perante o juiz da União um ato regulamentar da União estão protegidas da aplicação de tal ato no que lhes diz respeito pela faculdade de impugnarem as medidas de execução de que o referido ato necessita (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 28, e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

60

Quando a execução desses atos incumbe às instituições, aos órgãos ou aos organismos da União, as pessoas singulares ou coletivas podem interpor recurso direto, perante os órgãos jurisdicionais da União, dos atos de aplicação, nas condições referidas no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e invocar, em aplicação do artigo 277.o TFUE, como fundamento desse recurso a ilegalidade do ato de base em causa. Quando essa execução incumbe aos Estados‑Membros, essas pessoas podem invocar a invalidade do ato de base em causa nos órgãos jurisdicionais nacionais e levá‑los, com fundamento no artigo 267.o TFUE, a interrogar o Tribunal de Justiça através de questões prejudiciais (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 29, e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 37 e jurisprudência aí referida).

61

O Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que, para apreciar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução, há que ter em conta a posição da pessoa que invoca o direito de recurso nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE. É irrelevante, portanto, saber se o ato em causa necessita de medidas de execução em relação a terceiros. Além disso, no âmbito dessa apreciação, deve ter‑se exclusivamente em conta o objeto do recurso (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.os 30 e 31; de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 50 e 51; e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.os 38, 39 e jurisprudência aí referida).

62

No caso vertente, na medida em que os recursos de P. Ferracci e da Scuola Elementare Maria Montessori se destinavam à anulação da primeira parte da decisão controvertida, deve considerar‑se, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 69 das suas conclusões, que a materialização dos efeitos jurídicos da decisão de não ordenar a recuperação dos auxílios considerados ilegais e incompatíveis com o mercado interno, objeto dessa primeira parte, não necessitava de nenhuma medida de execução a respeito deles suscetível de ser objeto de uma fiscalização jurisdicional pelo juiz da União ou pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Por conseguinte, o Tribunal Geral teve razão em concluir que a referida parte da decisão controvertida não necessita de medidas de execução, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE, em relação a P. Ferracci e à Scuola Elementare Maria Montessori. Aliás, a Comissão não apresenta nenhum argumento específico para pôr em causa esta conclusão.

63

Quanto à segunda e terceira partes da decisão controvertida, nas quais a Comissão considerou que o artigo 149.o, n.o 4, do TUIR e a isenção prevista pelo regime do IMU não constituem auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, é verdade que o Tribunal de Justiça já declarou várias vezes que, em relação aos beneficiários de um regime de auxílios, as disposições nacionais que instauram esse regime e os atos que as executam, como por exemplo um aviso de liquidação fiscal, constituem medidas de execução de uma decisão que declara o regime incompatível com o mercado interno ou que declara esse mesmo regime compatível com esse mercado sob reserva do respeito de compromissos assumidos pelo Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.os 35 e 36; de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 52 e 53; e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão, C‑133/12 P, EU:C:2014:105, n.os 39 e 40).

64

Esta jurisprudência explica‑se pelo facto de que, na medida em que preencha os requisitos previstos em direito interno para ser elegível para esse regime, o beneficiário de um regime de auxílios pode pedir às autoridades nacionais que lhe concedam o auxílio tal como teria sido concedido por uma decisão incondicional que declarasse o referido regime compatível com o mercado interno, e impugnar o ato que indefira esse pedido nos órgãos jurisdicionais nacionais, invocando a invalidade da decisão da Comissão que declara o referido regime incompatível com o mercado interno ou compatível com esse mercado sob reserva do respeito de compromissos assumidos pelo Estado‑Membro em causa, a fim de levar esses órgãos jurisdicionais a interrogar o Tribunal de Justiça, através de questões prejudiciais, acerca da validade dessa decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.os 36 e 59, e Despacho de 15 de janeiro de 2015, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria e Telefónica/Comissão, C‑587/13 P e C‑588/13 P, não publicado, EU:C:2015:18, n.os 49 e 65).

65

A referida jurisprudência não é, porém, transponível para a situação dos concorrentes dos beneficiários de uma medida nacional que não tenha sido considerada um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, como P. Ferracci e a Scuola Elementare Maria Montessori. Com efeito, a situação desse concorrente distingue‑se da dos beneficiários de auxílios visados por essa mesma jurisprudência uma vez que esse concorrente não preenche os requisitos previstos pela medida nacional em causa a fim de ser elegível para o respetivo benefício.

66

Nestas condições, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, seria artificial obrigar esse concorrente a pedir às autoridades nacionais que lhe atribuíssem esse benefício e a impugnar o ato de indeferimento desse pedido num órgão jurisdicional nacional a fim de levar este último a interrogar o Tribunal de Justiça acerca da validade da decisão da Comissão relativa à referida medida.

67

Por conseguinte, o Tribunal Geral teve razão ao declarar que a decisão controvertida não necessitava, nem na sua primeira nem na sua segunda e terceira partes, de medidas de execução em relação a P. Ferracci e à Scuola Elementare Maria Montessori.

68

Por conseguinte, a terceira parte do fundamento único dos recursos da Comissão deve ser julgada improcedente e, por conseguinte, há que negar provimento a estes recursos na sua íntegra.

Quanto ao recurso da Scuola Elementare Maria Montessori no processo C‑622/16 P

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

69

O primeiro fundamento da Scuola Elementare Maria Montessori, no qual esta acusa o Tribunal Geral de ter declarado válida a primeira parte da decisão controvertida, subdivide‑se em quatro partes. Na primeira parte, a Scuola Elementare Maria Montessori alega que o Tribunal Geral violou o artigo 108.o TFUE, o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 e o artigo 4.o, n.o 3, TUE, ao reconhecer à Comissão o direito de declarar uma impossibilidade absoluta de proceder à recuperação de auxílios ilegais logo na fase do procedimento formal de investigação, e não apenas ao nível da execução de uma injunção de recuperação. A impossibilidade absoluta de recuperar auxílios ilegais não constitui um princípio geral de direito na aceção do artigo 14.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento n.o 659/1999.

70

Com a segunda e terceira partes, a Scuola Elementare Maria Montessori sustenta que o Tribunal Geral interpretou erradamente o conceito de «impossibilidade absoluta» ao declarar válida a primeira parte da decisão controvertida, na medida em que a Comissão inferiu a impossibilidade de recuperar os auxílios ilegais em causa da mera circunstância de não poder obter as informações necessárias para a recuperação desses auxílios a partir das bases de dados cadastrais e fiscais italianas. Esta circunstância constituía uma dificuldade puramente interna que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não permitia concluir pela impossibilidade absoluta de recuperar os referidos auxílios.

71

Além disso, o Tribunal Geral violou a repartição do ónus da prova ao julgar improcedentes os argumentos da Scuola Elementare Maria Montessori relativas à existência de modalidades alternativas que teriam permitido a recuperação dos auxílios em questão. Segundo a Scuola Elementare Maria Montessori, não lhe incumbia demonstrar a possibilidade de recuperar esses auxílios, mas cabia à República Italiana cooperar lealmente com a Comissão indicando as modalidades alternativas que permitiam uma recuperação, nem que fosse parcial, desses auxílios.

72

Na quarta parte do fundamento, a Scuola Elementare Maria Montessori acusa o Tribunal Geral de ter desvirtuado os elementos de prova ao declarar que era impossível obter a partir das bases de dados cadastrais e fiscais italianas as informações necessárias à recuperação dos auxílios em questão.

73

A Comissão, apoiada pela República Italiana, contrapõe, no que respeita à primeira parte, que a inexistência de uma ordem de recuperação na decisão controvertida é conforme com o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, que proíbe a Comissão de ordenar a recuperação de um auxílio ilegal quando esta recuperação é contrária a um princípio geral de direito da União. De acordo com o princípio geral de direito segundo o qual «ninguém está obrigado ao impossível», a Comissão não pode impor uma obrigação cuja execução é, de forma objetiva e absoluta, impossível de realizar.

74

No que respeita à segunda e terceira partes do fundamento, a Comissão alega que uma impossibilidade de recuperar auxílios ilegais também pode resultar da regulamentação nacional em causa. A argumentação relativa à existência de modalidades alternativas que poderiam ter permitido a recuperação dos auxílios em questão põe em causa apreciações factuais, não suscetíveis de ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça. O ónus da prova da existência desses métodos incumbe, em conformidade com os princípios gerais, à Scuola Elementare Maria Montessori, que invocou essa existência.

75

Quanto à quarta parte do fundamento, o argumento relativo à desvirtuação dos elementos de prova é inadmissível e, em qualquer caso, improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

76

Quanto à primeira parte do primeiro fundamento de recurso, importa recordar que, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeira frase, do Regulamento n.o 659/1999, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário.

77

A este respeito, é jurisprudência constante que a adoção de uma injunção de recuperação de auxílios ilegais constitui a sequência lógica e normal da declaração da sua ilegalidade. O principal objetivo dessa injunção consiste, com efeito, em eliminar a distorção de concorrência provocada pela vantagem concorrencial obtida com o auxílio ilegal (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, EU:C:2005:774, n.o 113 e jurisprudência aí referida; de 1 de outubro de 2015, Electrabel e Dunamenti Erőmű/Comissão, C‑357/14 P, EU:C:2015:642, n.o 111 e jurisprudência aí referida; e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.o 116).

78

Todavia, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento n.o 659/1999, a Comissão não exige a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral do direito da União.

79

Como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 107 e 110 das suas conclusões, o princípio segundo o qual «ninguém está obrigado ao impossível» faz parte dos princípios gerais de direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2016, Daimler, C‑179/15, EU:C:2016:134, n.o 42).

80

Embora decorra de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o único meio de defesa suscetível de ser invocado por um Estado‑Membro contra uma ação por incumprimento proposta pela Comissão com fundamento no artigo 108.o, n.o 2, TFUE é a impossibilidade absoluta de executar corretamente a decisão dessa instituição que ordena a recuperação do auxílio em causa (v., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 1986, Comissão/Bélgica, 52/84, EU:C:1986:3, n.o 14; de 1 de junho de 2006, Comissão/Itália, C‑207/05, não publicado, EU:C:2006:366, n.o 45; e de 9 de novembro de 2017, Comissão/Grécia, C‑481/16, não publicado, EU:C:2017:845, n.o 28 e jurisprudência aí referida), essa jurisprudência diz, porém, unicamente respeito aos meios de defesa suscetíveis de ser invocados pelo referido Estado‑Membro contra uma injunção de recuperação adotada pela Comissão, e não à questão de saber se uma impossibilidade absoluta de recuperar os auxílios em causa pode ou não ser declarada logo na fase do procedimento formal de investigação.

81

Além disso, e sobretudo, a argumentação da Scuola Elementare Maria Montessori segundo a qual uma impossibilidade absoluta de recuperar auxílios ilegais só pode ser declarada após a adoção de uma injunção de recuperação contraria os próprios termos do artigo 14.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento n.o 659/1999, dos quais resulta que a Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito da União.

82

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a Comissão não pode adotar, sob pena de invalidade, uma injunção de recuperação cuja execução seja, desde o início, objetiva e absolutamente impossível de realizar (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 1999, Bélgica/Comissão, C‑75/97, EU:C:1999:311, n.o 86).

83

Na medida em que a Scuola Elementare Maria Montessori baseia igualmente a primeira parte do primeiro fundamento do seu recurso no princípio da cooperação leal, cabe recordar que, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE, este princípio se aplica durante todo o procedimento relativo ao exame de uma medida a título das disposições do direito da União em matéria de auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de novembro de 2011, Conselho e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 147 e jurisprudência aí referida, e de 21 de dezembro de 2016, Club Hotel Loutraki e o./Comissão, C‑131/15 P, EU:C:2016:989, n.o 34).

84

Assim, na hipótese de, como acontece no caso vertente, o Estado‑Membro em causa já invocar uma impossibilidade absoluta de recuperação na fase do procedimento formal de investigação, o princípio de cooperação leal obriga esse Estado‑Membro, logo nessa fase, a submeter à apreciação da Comissão as razões subjacentes a essa alegação e a Comissão a examinar minuciosamente essas razões. Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a Scuola Elementare Maria Montessori, este princípio não obriga a Comissão a acompanhar todas as decisões que declaram auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado comum de uma injunção de recuperação, mas obriga‑a a tomar em consideração os argumentos que lhe tenham sido submetidos pelo Estado‑Membro em causa relacionados com a existência de uma impossibilidade absoluta de recuperação.

85

Conclui‑se que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

86

Quanto à quarta parte deste fundamento, importa recordar que um recorrente deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Por outro lado, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.os 152 e 153, e de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

87

No caso vertente, a Scuola Elementare Maria Montessori refere unicamente, no âmbito desta quarta parte do fundamento, a resposta da Comissão de 17 de setembro de 2015 a uma questão colocada pelo Tribunal Geral a título de uma medida de organização do processo, citada no n.o 100 do Acórdão de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), na qual a Comissão expôs as disposições da legislação italiana relativas às bases de dados fiscais.

88

Ora, cabe salientar, por um lado, que a Scuola Elementare Maria Montessori não contesta de modo algum a apresentação do conteúdo material desse elemento de prova, tal como figura nos n.os 101 e 102 daquele acórdão, mas limita‑se a pôr em causa a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral com base nesse elemento. Por outro lado, a Scuola Elementare Maria Montessori não demonstra em que medida a apreciação do Tribunal Geral, segundo a qual as bases de dados fiscais italianas não permitiam identificar retroativamente o tipo de atividades exercidas pelas entidades beneficiárias da isenção do ICI relativamente aos seus bens imobiliários nem calcular o montante das isenções obtidas de forma ilegal, é manifestamente errada.

89

Por conseguinte, a quarta parte do primeiro fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

90

Quanto à segunda e terceira partes do presente fundamento, que convém examinar conjuntamente, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça em matéria de ações por incumprimento propostas por violação de uma decisão que ordena a recuperação de auxílios ilegais, um Estado‑Membro que depare com dificuldades imprevistas e imprevisíveis ou tome consciência de consequências não previstas pela Comissão deve submeter estes problemas à apreciação desta última, propondo modificações adequadas à decisão em causa. Neste caso, o Estado‑Membro e a Comissão devem, por força do princípio da cooperação leal, colaborar de boa‑fé com vista a superar as dificuldades, respeitando plenamente as disposições do Tratado FUE, nomeadamente as relativas aos auxílios (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑499/99, EU:C:2002:408, n.o 24, e de 22 de dezembro de 2010, Comissão/Itália, C‑304/09, EU:C:2010:812, n.o 37 e jurisprudência aí referida).

91

Todavia, o requisito de uma impossibilidade absoluta de execução não está preenchido quando o Estado‑Membro demandado se limite a comunicar à Comissão dificuldades internas, de natureza jurídica, política ou prática e imputáveis ao próprio facto ou às omissões das autoridades nacionais, sem efetuar uma verdadeira diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão formas alternativas de execução dessa decisão que tivessem permitido superar as dificuldades (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de novembro de 2008, Comissão/França, C‑214/07, EU:C:2008:619, n.o 50, e de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França, C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.o 66 e jurisprudência aí referida).

92

Esta jurisprudência é aplicável, mutatis mutandis, à apreciação, num procedimento formal de investigação, da existência de uma impossibilidade absoluta de recuperar auxílios ilegais. Assim, um Estado‑Membro que se depare, no decurso deste procedimento, com dificuldades de recuperar os auxílios em causa deve submeter esses problemas à apreciação da Comissão e colaborar lealmente com esta instituição a fim de os superar, nomeadamente propondo formas alternativas que permitam recuperar, nem que seja apenas parcialmente, esses auxílios. Em todas as circunstâncias, a Comissão está obrigada a examinar minuciosamente as dificuldades invocadas e as modalidades alternativas de recuperação propostas. Só quando a Comissão conclua, no termo desse exame minucioso, que não existem modalidades alternativas que permitam a recuperação, nem que seja parcial, dos auxílios ilegais em causa é que a execução dessa recuperação pode ser considerada, de forma objetiva e absoluta, impossível de realizar.

93

No caso vertente, decorre dos n.os 76 e 85 do Acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), que a Comissão se contentou, na primeira parte da decisão controvertida, a inferir a impossibilidade absoluta de recuperar os auxílios ilegais em causa da simples circunstância de ser impossível obter as informações necessárias para a sua recuperação a partir das bases de dados cadastrais e fiscais italianas, não tendo examinado a eventual existência de modalidades alternativas que permitissem uma recuperação, nem que fosse parcial, desses auxílios.

94

Ora, ao confirmar essa decisão neste ponto, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

95

Com efeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 116 e 117 das suas conclusões, deve considerar‑se que a circunstância de as informações necessárias à recuperação dos auxílios ilegais em causa não poderem ser obtidas a partir das bases de dados cadastrais e fiscais italianas faz parte de dificuldades internas imputáveis à própria atuação ou às omissões das autoridades nacionais. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça citada no n.o 91 do presente acórdão, essas dificuldades não bastam para se concluir pela existência de uma impossibilidade absoluta de recuperação.

96

Como resulta dos n.os 90 a 92 do presente acórdão, a recuperação de auxílios ilegais só pode ser considerada, de forma objetiva e absoluta, impossível de realizar quando a Comissão conclua, no termo de um exame minucioso, que estão preenchidos dois requisitos cumulativos, a saber, por um lado, a realidade das dificuldades invocadas pelo Estado‑Membro em causa e, por outro, a inexistência de modalidades alternativas de recuperação. Ora, como foi sublinhado no n.o 93 do presente acórdão, o Tribunal Geral confirmou a primeira parte da decisão controvertida apesar de a Comissão não ter procedido, nessa decisão, a um exame minucioso destinado a apreciar se o segundo desses requisitos estava preenchido.

97

Assim, o erro de direito de que enferma o Acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), coincide com aquele que Tribunal Geral também cometeu quando, nos n.os 86 e 104 a 110 desse acórdão, julgou improcedente o argumento aduzido pela Scuola Elementare Maria Montessori segundo o qual a Comissão deveria ter examinado a existência de modalidades alternativas que permitissem uma recuperação, nem que fosse parcial, dos auxílios em causa, com o fundamento de que a Scuola Elementare Maria Montessori não tinha conseguido demonstrar a existência dessas modalidades.

98

Com efeito, na medida em que, regra geral, o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 obriga a Comissão a adotar uma medida de injunção de recuperação de um auxílio ilegal e só lhe permite não o fazer a título excecional, incumbia à Comissão demonstrar, na decisão controvertida, que as condições que a autorizam a não adotar uma medida dessa natureza estavam satisfeitas, e não à Scuola Elementare Maria Montessori provar perante o Tribunal Geral a existência de modalidades alternativas que permitissem uma recuperação, nem que fosse parcial, dos auxílios em questão. Assim, o Tribunal Geral não podia contentar‑se em concluir que a Scuola Elementare Maria Montessori não tinha conseguido demonstrar perante ele a existência dessas modalidades alternativas.

99

Consequentemente, há que julgar procedentes a segunda e terceira partes do primeiro fundamento de recurso, e improcedente o restante deste fundamento.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

100

A Scuola Elementare Maria Montessori alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao declarar que a isenção do IMU objeto da terceira parte da decisão controvertida não constituía um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, com o fundamento de que essa isenção não era aplicável a atividades económicas. A este respeito, sustenta que o Tribunal Geral ignorou a jurisprudência do Tribunal de Justiça ao rejeitar o seu argumento relativo ao caráter oneroso das atividades abrangidas pela referida isenção com o fundamento de que apenas se aplicava às atividades didáticas prestadas a título gratuito ou em contrapartida de um montante simbólico. Ao definir como «simbólico» um montante que cobre uma fração do custo efetivo do serviço, a legislação italiana permite que a isenção em causa seja concedida a operadores que financiam os seus serviços didáticos principalmente através da contrapartida que recebem dos alunos ou dos seus pais.

101

Além disso, a Scuola Elementare Maria Montessori critica o Tribunal Geral por ter declardo que a inaplicabilidade da isenção do IMU a atividades económicas é igualmente assegurada pelo facto de essa isenção cobrir unicamente atividades que não estão, pela sua natureza, em concorrência com as atividades de outros operadores que prosseguem um fim lucrativo. Com efeito, esse facto é irrelevante quanto às atividades didáticas, porquanto, pela sua natureza, estão em concorrência com as atividades exercidas por outros operadores do mercado.

102

A Comissão e a República Italiana contestam esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

103

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito da concorrência da União e, em particular, a proibição que consta do artigo 107.o, n.o 1, TFUE visam as atividades das empresas. Neste contexto, o conceito de «empresa» abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e da sua forma de financiamento (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, EU:C:2006:8, n.o 107, e de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.os 39, 41 e jurisprudência aí referida).

104

Constitui uma atividade económica, nomeadamente, qualquer atividade que consista na oferta de serviços num determinado mercado, isto é, de prestações realizadas normalmente mediante remuneração. A este respeito, a característica essencial da remuneração reside no facto de esta constituir a contrapartida económica da prestação em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2007, Schwarz e Gootjes‑Schwarz, C‑76/05, EU:C:2007:492, n.os 37 e 38, e de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.os 45 e 47).

105

Quanto às atividades didáticas, o Tribunal de Justiça já declarou que o ensino ministrado em estabelecimentos financiados essencialmente por fundos privados não provenientes do próprio prestador de serviços constitui um serviço, uma vez que o fim prosseguido por esses estabelecimentos consiste, efetivamente, em propor um serviço mediante remuneração (Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

106

No caso vertente, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 136 e 140 do Acórdão de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), que a isenção do IMU apenas se aplicava às atividades didáticas prestadas a título gratuito ou em contrapartida de um montante simbólico que cobrisse unicamente uma parte dos custos reais do serviço, não devendo esta parte estar relacionada com esses custos.

107

A este respeito, cabe recordar que, tratando‑se de uma interpretação do direito nacional efetuada pelo Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça só é competente, em sede de recurso, para verificar se houve uma desvirtuação desse direito, a qual deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

108

Ora, uma vez que a Scuola Elementare Maria Montessori não invoca nenhuma desvirtuação, há que declarar liminarmente inadmissível o seu argumento segundo o qual a legislação italiana permite conceder a isenção do IMU a atividades didáticas financiadas principalmente pelos alunos ou pelos seus pais.

109

Quanto ao argumento da Scuola Elementare Maria Montessori relativo ao facto de que o Tribunal Geral ignorou a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada nos 103 a 105 do presente acórdão, deve considerar‑se, como salientou o advogado‑geral nos n.os 142 a 144 das suas conclusões, que, visto ter declarado, no âmbito da sua interpretação do direito nacional em causa, que a isenção do IMU apenas se aplica às atividades didáticas prestadas a título gratuito ou em contrapartida de um montante simbólico que não esteja relacionado com os custos do referido serviço, o Tribunal Geral podia, sem estar a cometer um erro de direito, julgar improcedente a alegação da Scuola Elementare Maria Montessori relativa a que essa isenção se aplicava a atividades didáticas prestadas mediante remuneração.

110

Na medida em que a Scuola Elementare Maria Montessori critica, além disso, o Tribunal Geral por ter declarado que a inaplicabilidade da isenção do IMU a atividades económicas é igualmente assegurada pelo facto de essa isenção cobrir apenas atividades que, pela sua natureza, não estão em concorrência com as atividades de outros operadores que prosseguem fins lucrativos, a sua argumentação tem de ser rejeitada como inoperante, pois diz respeito a um fundamento aduzido a título exaustivo.

111

Conclui‑se que o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

112

Contudo, uma vez que a segunda e terceira partes do primeiro fundamento de recurso foram julgadas procedentes, há que anular o Acórdão de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), na medida em que o Tribunal Geral validou a primeira parte da decisão controvertida, e negar provimento ao referido recurso quanto ao restante.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral no processo T‑220/13

113

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

114

É o que acontece no caso em apreço.

115

A este respeito, basta sublinhar, como afirma, em substância, a Scuola Elementare Maria Montessori no âmbito do primeiro fundamento do seu recurso, que a primeira parte da decisão controvertida está viciada de um erro de direito pelos motivos enunciados nos n.os 90 a 99 do presente acórdão, na medida em que a Comissão concluiu pela impossibilidade absoluta de recuperar os auxílios ilegais concedidos ao abrigo do ICI sem ter examinado minuciosamente todas as condições exigidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para poder chegar a essa conclusão.

116

Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento do recurso da Scuola Elementare Maria Montessori e anular, nesta medida, a decisão controvertida.

Quanto às despesas

117

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

118

O artigo 138.o, n.o 3, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, prevê, além disso, que, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal de Justiça pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

119

Por último, em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio suportam as suas próprias despesas.

120

Nos casos em apreço, no que respeita ao recurso no processo C‑622/16 P, deve decidir‑se, tendo em conta as circunstâncias do caso vertente, que a Scuola Elementare Maria Montessori suporta metade das suas próprias despesas, e a Comissão, além das suas próprias despesas, suporta metade das despesas da Scuola Elementare Maria Montessori. No que respeita ao recurso no Tribunal Geral no processo T‑220/13, tendo em conta que apenas o primeiro fundamento suscitado pela Scuola Elementare Maria Montessori foi definitivamente julgado procedente, esta suporta dois terços das despesas da Comissão e das suas próprias despesas, e a Comissão suporta um terço das despesas da Scuola Elementare Maria Montessori e das suas próprias despesas.

121

No que respeita ao recurso no processo C‑623/16 P, uma vez que a Scuola Elementare Maria Montessori pediu a condenação da Comissão e que esta foi vencida nos seus fundamentos, há que condenar a Comissão nas despesas.

122

Quanto ao recurso no processo C‑624/16 P, uma vez que P. Ferracci não pediu a condenação da Comissão e que esta foi vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas suas próprias despesas.

123

A República Italiana suporta as suas próprias despesas nos processos C‑622/16 P a C‑624/16 P.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de setembro de 2016, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T‑220/13, não publicado, EU:T:2016:484), é anulado na parte em que negou provimento ao recurso interposto pela Scuola Elementare Maria Montessori Srl com vista à anulação da Decisão 2013/284/UE da Comissão, de 19 de dezembro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.20829 [C 26/2010, ex NN 43/2010 (ex CP 71/2006)] Regime relativo à isenção do imposto municipal sobre imóveis (ICI) concedida a imóveis utilizados por entidades não comerciais para fins específicos a que a Itália deu execução, na medida em que a Comissão Europeia não ordenou a recuperação dos auxílios ilegais concedidos ao abrigo da isenção do Imposta comunale sugli immobili (Imposto Municipal sobre Imóveis).

 

2)

É negado provimento ao recurso no processo C‑622/16 P quanto ao restante.

 

3)

A Decisão 2013/284 é anulada na parte em que a Comissão Europeia não ordenou a recuperação dos auxílios ilegais concedidos ao abrigo da isenção do Imposta comunale sugli immobili (Imposto Municipal sobre Imóveis).

 

4)

É negado provimento aos recursos C‑623/16 P e C‑624/16 P.

 

5)

A Scuola Elementare Maria Montessori Srl suporta metade das suas próprias despesas efetuadas no âmbito do recurso no processo C‑622/16 P, bem como dois terços das despesas da Comissão Europeia e das suas próprias despesas efetuadas no recurso no Tribunal Geral da União Europeia no processo T‑220/13.

 

6)

A Comissão Europeia suporta, no que respeita às suas próprias despesas, um terço das despesas efetuadas no recurso no Tribunal Geral da União Europeia no processo T‑220/13 e as despesas efetuadas nos recursos nos processos C‑622/16 P a C‑624/16 P e, no que respeita às despesas da Scuola Elementare Maria Montessori Srl, um terço das despesas efetuadas no recurso no Tribunal Geral da União Europeia no processo T‑220/13 e metade das despesas efetuadas no recurso no processo C‑622/16 P, bem como as despesas efetuadas no âmbito do processo C‑623/16 P.

 

7)

A República Italiana suporta as suas próprias despesas efetuadas nos processos C‑622/16 P a C‑624/16 P.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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