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Document 62016CC0017

Conclusões do advogado-geral P. Mengozzi apresentadas em 21 de dezembro de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:1001

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 21 de dezembro de 2016 ( 1 )

Processo C‑17/16

Oussama El Dakkak

Intercontinental SARL

contra

Administration des douanes et droits indirects

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (França)]

«Reenvio prejudicial — Controlo das somas em dinheiro líquido que entram ou saem da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1889/2005 — Artigo 3.o, n.o 1 — Alcance do dever de declaração — Zona de trânsito internacional do aeroporto de um Estado‑Membro»

I – Introdução

1.

O presente processo tem por objeto um pedido de decisão prejudicial submetido pela Cour de cassation (França), relativo à interpretação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1889/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativo ao controlo das somas em dinheiro líquido que entram ou saem da Comunidade ( 2 ), e do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 562/2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) ( 3 ).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Oussama El Dakkak e a Intercontinental SARL à Administration des douanes et droits indirects (Administração Aduaneira e dos Impostos Indiretos) (França), a propósito dos seus pedidos de indemnização pelos prejuízos que sofreram na sequência da apreensão, por esta administração, de somas em dinheiro líquido transportadas por O. El Dakkak na sua passagem pelo aeroporto de Roissy‑Charles‑de‑Gaulle (França), com o fundamento de este ter omitido a declaração destas somas.

3.

A questão central do presente processo consiste em saber se o dever, imposto pelo artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005, a «[q]ualquer pessoa singular que entra ou sai da [União Europeia] com uma soma de dinheiro líquido igual ou superior a 10000 euros», de declarar a soma transportada às autoridades competentes do Estado‑Membro de entrada ou de saída, também se aplica aos passageiros de um voo proveniente de um país terceiro que, depois do desembarque, permanecem na zona de trânsito internacional do aeroporto de um Estado‑Membro, antes de embarcarem num voo com destino a outro país terceiro.

II – Litígio no processo principal e questão prejudicial

4.

A Intercontinental encarregou O. El Dakkak de transportar dólares dos Estados‑Unidos (USD) de Cotonu (Benim) para Beirute (Líbano) por avião, com escala no aeroporto de Roissy‑Charles‑de‑Gaulle ( 4 ).

5.

Em 9 de dezembro de 2010, por ocasião da sua escala neste aeroporto, O. El Dakkak foi controlado por agentes aduaneiros na manga de embarque do voo para Beirute. Decorre dos autos que, aquando deste controlo, O. El Dakkak declarou transportar dinheiro e apresentou uma declaração realizada junto dos serviços aduaneiros do Benim. Os agentes aduaneiros convidaram‑no a acompanhá‑los, e a contagem do dinheiro revelou que transportava a soma de 1607650 USD, para além de mais 3900 euros ( 5 ).

6.

O. El Dakkak foi colocado em detenção aduaneira e posteriormente apresentado a um juiz de instrução por incumprimento do dever de declaração previsto no artigo 464.o do Code des douanes (Código Aduaneiro) ( 6 ) e por branqueamento e fraude. As somas que transportava foram apreendidas com base no ponto II do artigo 465.o do Code des douanes ( 7 ), e posteriormente seladas pela Administration des douanes et droits indirects.

7.

Por acórdão de 11 de maio de 2011, a secção de instrução da cour d’appel de Paris (França) anulou o processo na íntegra devido a uma irregularidade e ordenou a restituição dos valores selados. Decorre dos autos que esta anulação foi declarada devido ao facto de O. El Dakkak ter sido mantido, durante um período de 7h45, à disposição dos agentes aduaneiros, sem qualquer base legal, apesar de este tempo de detenção não ser necessário, de este procedimento inicial ter sido irregular e de a sua anulação ter provocado a anulação de todos os atos posteriores que estavam, necessariamente, na sua dependência.

8.

Por carta de 2 de abril de 2012, a administração competente informou O. El Dakkak de que iria proceder à transferência bancária dos euros e do montante em euros dos dólares dos Estados‑Unidos apreendidos, bem como de uma parte proporcional da redução concedida nas despesas de tratamento.

9.

O. El Dakkak e a Intercontinental propuseram ações de indemnização no tribunal d’instance d’Aulnay‑sous‑Bois (França) e, posteriormente, na cour d’appel de Paris, alegando que a Administration des douanes et droits indirects não tinha fundamento para invocar um incumprimento do dever de declaração por parte de O. El Dakkak, visto que este não tinha esse dever.

10.

Decorre dos autos que, perante a cour d’appel de Paris, O. El Dakkak sustentou que apenas estão sujeitas ao dever de declaração previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005, e nas disposições do direito francês que o transpõem, as pessoas que atravessam as fronteiras externas da União. Invocando a redação do artigo 4.odo Regulamento n.o 562/2006, O. El Dakkak alegou que tal travessia apenas ocorre quando a pessoa se apresenta e transpõe um ponto de passagem de fronteira e que, uma vez que o ponto de passagem de fronteira declarado pela França relativamente ao aeroporto de Roissy‑Charles‑de‑Gaulle se situa na saída da zona de trânsito internacional, quem permanecer nesta zona não transpõe este ponto de passagem de fronteira e não entra, portanto, no território da União.

11.

Tendo a cour d’appel de Paris, por acórdão de 25 de março de 2014, negado provimento, quanto a este ponto, ao seu recurso, O. El Dakkak apresentou um recurso de cassação.

12.

Foi nestas circunstâncias que a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 3.°, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1889/2005, de 26 de outubro de 2005, e 4.°, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 562/2006, de 15 de março de 2006, ser interpretados no sentido de que um nacional de um Estado terceiro que se encontre numa zona de trânsito internacional de um aeroporto não está sujeito ao dever de declaração que resulta do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1889/2005, de 26 de outubro de 2005, ou, pelo contrário, no sentido de que esse nacional está sujeito a esse dever por ter atravessado uma fronteira externa [da União] num dos pontos de passagem de fronteira previstos no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 562/2006, de 15 de março de 2006?»

III – Análise

13.

Através da sua questão prejudicial, a Cour de cassation pretende, no essencial, saber se um passageiro que permaneça na zona de trânsito internacional do aeroporto de um Estado‑Membro – a saber, na zona que se estende desde os pontos de embarque e de desembarque até aos postos onde são feitos os controlos de migração e aduaneiros –, depois de ter desembarcado de um voo proveniente de um país terceiro e até embarcar num voo com destino a outro país terceiro, transpôs uma fronteira externa da União na aceção do Regulamento n.o 562/2006 e está, por conseguinte, sujeito ao dever de declaração previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005.

14.

O órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que o conceito de «entrada na União» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005 deve ser interpretado à luz do conceito de «passagem das fronteiras», nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 562/2006.

15.

Tal como o Governo francês, entendo que esta premissa é errada.

16.

O Regulamento n.o 562/2006 foi adotado com base no artigo 62.o do Tratado CE e, designadamente, dos seus n.os 1 e 2, alínea a), que permitia ao Conselho da União Europeia adotar medidas destinadas, por um lado, a assegurar a ausência de controlos de pessoas na passagem das fronteiras internas da União e, por outro, a fixar as normas e processos a seguir para a realização dos controlos de pessoas na passagem das fronteiras externas dos Estados‑Membros. O Regulamento n.o 1889/2005 foi, por sua vez, adotado com base no artigo 95.o CE, respeitante às medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, que tenham por objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, e no artigo 135.o CE, em matéria de cooperação aduaneira.

17.

Embora contribuam para a realização do mesmo objetivo estabelecido no artigo 14.o CE, a saber, a criação de um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada, estes dois atos têm, em conformidade com as respetivas bases jurídicas, dois objetos e duas finalidades diferentes, já que o primeiro define um regime comum em matéria de passagem de pessoas nas fronteiras, destinado a consolidar e a desenvolver o acervo de Schengen ( 8 ), e o segundo cria um sistema de controlo do dinheiro líquido que entra e sai da União, com vista a completar a Diretiva 91/308, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ( 9 ).

18.

Por conseguinte, não há que interpretar os conceitos que constam do Regulamento n.o 1889/2005 à luz dos conceitos contemplados no Regulamento n.o 562/2006. Assim sendo, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre a interpretação do conceito de «passagem das fronteiras» na aceção do Regulamento n.o 562/2006 no âmbito do presente processo.

19.

Deste modo, importa reformular a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, no sentido de que este pretende, no essencial, saber se o dever de declaração previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005 também se aplica aos nacionais de um país terceiro nas circunstâncias do processo principal, e interpretar o conceito de «entrada na União» na aceção desta disposição com base nos seus termos, na sua sistemática e no seu espírito, bem como no sistema e nas finalidades do ato no qual a referida disposição se insere.

20.

Tendo unicamente em conta o sentido comum dos termos empregues nesta disposição, o referido conceito parece designar o facto de uma pessoa singular se deslocar de um território que não faz parte do espaço da União para um território que faz parte desta.

21.

Uma vez que, para efeitos do presente processo, o espaço da União deve considerar‑se delimitado pelo âmbito de aplicação territorial dos Tratados, tal como definido nos artigos 52.° TUE e 355.° TFUE ( 10 ), uma tal deslocação ocorre sempre que uma pessoa transpõe, no sentido físico do termo, a fronteira geográfica de um Estado‑Membro, acedendo a um território pertencente a este ao qual se aplicam os Tratados. Com base nesta interpretação, deve considerar‑se que uma pessoa que, como O. El Dakkak, depois de ter desembarcado de uma aeronave proveniente de um país terceiro, entra na zona de trânsito internacional de um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro (tal como referido acima) e ali permanece antes de embarcar num voo com destino a um país terceiro, entrou na União na aceção da disposição em causa, ainda que não tenha transposto um ponto de controlo fronteiriço.

22.

No entanto, o conceito de «entrada na União» também pode designar um conceito jurídico distinto da passagem de uma fronteira geográfica. Tal como salientado pelo advogado‑geral N. Fennelly no n.o 24 das suas conclusões no processo Comissão/Conselho (C‑170/96, EU:C:1998:43), importa, com efeito, distinguir dois aspetos da transposição de uma fronteira. O primeiro é o da entrada no território de um país na aceção física, sem que exista necessariamente passagem de um ponto de controlo fronteiriço; o segundo é o da entrada no território na aceção legal da travessia de um ponto de controlo fronteiriço.

23.

Assim, poder‑se‑ia considerar que uma pessoa que tenha transposto a fronteira geográfica de um Estado‑Membro apenas entra na União quando recebe uma autorização para este efeito no momento da passagem de um ponto de controlo fronteiriço. Seguindo esta interpretação, não poderia considerar‑se que uma pessoa que se encontra na situação de O. El Dakkak entrou na União na aceção da disposição em causa.

24.

Qual destas duas interpretações deve ser seguida?

25.

Militam a favor da primeira, para além da redação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005, a ausência, neste regulamento, de uma exclusão expressa das zonas de trânsito aeroportuário do âmbito de aplicação do dever de declaração previsto neste artigo.

26.

Ora, as zonas de trânsito internacional dos aeroportos fazem parte do território do Estado no qual estão situadas e, mesmo supondo que são dotadas de um estatuto jurídico especial, não são zonas «sem lei», já que estão sob o controlo jurídico e administrativo do referido Estado. A este propósito, pode ser interessante notar que, em matéria de imigração, a República francesa, através de uma ficção jurídica, reconhece às denominadas «zonas de espera» ( 11 ), que incluem as zonas de trânsito internacional dos aeroportos, um certo estatuto de extraterritorialidade ( 12 ). Isto não impede, no entanto, como foi referido pela Cour de cassation, que uma pessoa que tenha sido colocada numa destas zonas se encontre de facto em território francês e que lhe sejam aplicáveis as disposições do direito francês ( 13 ).

27.

O caráter não extraterritorial das zonas de trânsito internacional, como recorda o Governo francês nas suas observações escritas, foi aliás salientado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no processo que deu origem ao acórdão de 25 de junho de 1996, Amuur c. França (ECLI:CE:ECHR:1996:0625JUD001977692, n.o 52), no qual este Tribunal tinha sido chamado a pronunciar‑se sobre a questão da compatibilidade com o artigo 5.oda Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, da «manutenção» na «zona de espera» do aeroporto Roissy‑Charles‑de‑Gaulle de um determinado número de requerentes de asilo somalis. Por outro lado, também o Governo francês se pronuncia no presente processo a favor do caráter não extraterritorial das referidas zonas de trânsito, sublinhando que a zona de trânsito internacional do aeroporto de Roissy‑Charles‑de‑Gaulle faz parte do território francês e está sujeita ao direito francês e ao direito da União.

28.

Os trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 1889/2005 apenas fornecem escassas indicações para interpretar o âmbito de aplicação do dever de declaração previsto no artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento.

29.

A proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à prevenção do branqueamento de capitais através da cooperação aduaneira (a seguir «proposta de regulamento») ( 14 ), inicialmente baseada apenas no artigo 135.o CE, previa, no seu artigo 1.o, que o dever de declaração se aplica a qualquer pessoa física que entre ou saia do «território aduaneiro da Comunidade» ( 15 ), incluindo as partes deste território em que se não aplica a Diretiva 91/308, da qual o Regulamento n.o 1889/2005 é, como veremos detalhadamente mais adiante, o complemento. De acordo com o artigo 2.o da proposta de regulamento, entende‑se por «território aduaneiro da Comunidade», para efeitos desta proposta, o território dos Estados‑Membros referido no n.o 1 do artigo 3.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho ( 16 ).

30.

Ora, a referência ao território aduaneiro da União permite considerar que a Comissão visava principalmente o aspeto geográfico da passagem das fronteiras externas e que, pelo menos inicialmente, a proposta de regulamento tinha como finalidade abranger também as situações de passagem da pessoa em causa pela zona de trânsito internacional de um aeroporto situado num Estado‑Membro. No seu relatório ao Conselho que acompanhava a proposta de regulamento ( 17 ), a Comissão esclarecia, por outro lado, que, no território aduaneiro da União, bem como nas partes do território em que não se aplica a Diretiva 91/308/CE, «o movimento de dinheiro líquido implica em princípio a obrigação de declaração».

31.

No entanto, durante o processo de aprovação do Regulamento n.o 1889/2005, o Conselho adaptou, através de uma alteração, a cobertura geográfica deste ato. O Conselho referiu, designadamente, nas suas explicações que acompanham a sua proposta de alteração, que, «por uma questão de transparência para os viajantes e a fim de facilitar a aplicação do regulamento por parte das autoridades competentes, o controlo dos movimentos de dinheiro líquido deverá ser efetuado no momento em que uma pessoa singular entre ou saia do território da Comunidade» ( 18 ).

32.

Embora se compreendam os motivos associados à transparência que guiaram o Conselho ‐ sendo o conceito de «entrada na Comunidade», com a sua remissão imediata para o artigo 299.o CE, aplicável à data, mais fácil de compreender do que o conceito de «território aduaneiro da Comunidade», o qual deve ser lido, além disso, à luz das precisões introduzidas no artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, da proposta de regulamento ‐ é bastante mais difícil identificar as dificuldades de aplicação que, segundo o Conselho, teriam enfrentado as «autoridades competentes» se o texto da Comissão tivesse sido adotado sem alterações. Com efeito, uma vez que os controlos previstos na proposta de regulamento devem ser efetuados principalmente pelas autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros, que se presume estarem familiarizadas com os conceitos do direito aduaneiro da União, parece lógico considerar que o Conselho não se referia à tarefa de identificação dos territórios abrangidos pela obrigação de declaração. Estaria o Conselho a pensar nas dificuldades que estas autoridades poderiam encontrar para garantir o controlo dos passageiros em trânsito, que também deveriam considerar‑se abrangidos pelo dever de declaração com base na proposta de regulamento? Os trabalhos preparatórios não permitem afirmá-lo – nem tão‑pouco excluí-lo – mas, se fosse esse o caso, poder‑se‑ia logicamente esperar que o texto final do Regulamento n.o 1889/2005 previsse uma exclusão expressa de tais passageiros do dever de declaração, o que, no entanto, não se verifica.

33.

A alteração da cobertura geográfica da proposta de regulamento respondia, além disso, à preocupação do Conselho em garantir uma aplicação geográfica paralela à da Diretiva 91/308/CEE e do futuro regulamento.

34.

Estes dois atos mantêm, na verdade, uma relação estreita.

35.

A adoção do Regulamento n.o 1889/2005 foi decidida com base nos resultados contidos no relatório «Moneypenny» ( 19 ), destinado a avaliar o impacto dos movimentos transfronteiriços de dinheiro líquido na eficácia dos controlos efetuados em conformidade com a Diretiva 91/308/CEE. Decorre, designadamente, do segundo considerando deste regulamento, bem como do seu artigo 1.o, n.o 1, que este tem como objetivo completar as disposições da referida diretiva, através do estabelecimento de normas harmonizadas para o controlo de dinheiro líquido que entre ou saia da União ( 20 ).

36.

Ora, da relação entre estes dois atos podem ser deduzidos elementos que podem ajudar a determinar o alcance do dever de declaração previsto no artigo 3.o do Regulamento n.o 1889/2005.

37.

A Diretiva 91/308/CEE, baseada nos artigos 57.°, n.o 2, primeiro e terceiro períodos e 100.°‑A do Tratado CEE, impunha aos estabelecimentos de crédito, às instituições financeiras e a determinadas pessoas singulares ou coletivas, obrigações que incluíam os controlos das transações efetuadas pelos prestadores de serviços, quando as mesmas fossem de montante superior a 15000 euros. O seu principal objetivo era o de evitar a exploração do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de fundos com origem criminosa, que poderia comprometer a estabilidade e a fiabilidade do sistema e promover o desenvolvimento do crime organizado em geral e do tráfico de estupefacientes em particular ( 21 ). A diretiva destinava‑se a coordenar a ação dos Estados‑Membros neste domínio, para prevenir o risco de adoção de medidas nacionais incompatíveis com os objetivos do mercado interno, bem como para assegurar uma maior eficácia na luta contra o branqueamento de capitais, que se inscreve geralmente num contexto internacional ( 22 ).

38.

As medidas que esta diretiva estabelecia, tal como as atualmente previstas na Diretiva 2015/849 ( 23 ) e, antes desta, na Diretiva 2005/60/CE ( 24 ), inserem‑se num contexto de cooperação internacional ( 25 ).

39.

A este respeito, importa recordar que, no acórdão de 25 de abril de 2013, Jyske Bank Gibraltar (C‑212/11, EU:C:2013:270), o Tribunal de Justiça observou que, embora a Diretiva 2005/60, que substituiu a Diretiva 91/308, visasse igualmente assegurar o bom funcionamento do mercado interno, tinha, porém, por objetivo principal a prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, como resultava, designadamente, do facto de ter sido adotada, tal como a Diretiva 91/308, num contexto internacional, para aplicar e tornar obrigatórias na União as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) ( 26 ).

40.

Ora, o Regulamento n.o 1889/2005, destinado a completar a Diretiva 91/308, partilha deste mesmo objetivo. Além disso, tal como esta diretiva, o referido regulamento foi adotado, conforme decorre do seu quarto considerando, para implementar uma recomendação do GAFI, a Recomendação Especial IX, de 22 de outubro de 2004, sobre os transportadores de valores, que se tornou, depois da revisão de 2012, na recomendação 32 ( 27 ).

41.

De acordo com esta recomendação, «[o]s países deveriam dispor de medidas para detetar os movimentos físicos transfronteiriços de divisas e de títulos ao portador, incluindo um sistema de declaração e/ou de comunicação» e «deveriam assegurar que as respetivas autoridades competentes têm autoridade legal para bloquear ou reter divisas ou títulos ao portador que se suspeite estarem relacionados com o financiamento do terrorismo, o branqueamento de capitais ou infrações subjacentes, ou que sejam objeto de declaração ou de comunicação falsa» ( 28 ).

42.

Numa nota interpretativa da referida recomendação, refere‑se que esta foi elaborada com o objetivo de «garantir que os terroristas e outras pessoas que tenham praticado crimes não possam financiar as suas atividades ou branquear o produto proveniente das suas atividades criminosas através do transporte físico transfronteiriço de divisas e de outros instrumentos negociáveis ao portador» ( 29 ). Nesta mesma nota, a expressão «transporte físico transfronteiriço» é definida como «todas as entradas ou saídas físicas de divisas ou de instrumentos negociáveis ao portador de um país para outro» ( 30 )

43.

A recomendação em causa parece, assim, referir‑se a um conceito amplo de «entrada» e de «saída» que sugere que o sistema de declaração ou de comunicação que esta recomendação preconiza deve ser aplicado a partir do momento em que as divisas ou os instrumentos negociáveis ao portador transpõem uma fronteira geográfica nacional. No entanto, a documentação do GAFI não parece fornecer nenhuma indicação expressa sobre a questão em análise. As modalidades de controlo dos movimentos transfronteiriços de dinheiro nas zonas de trânsito internacional dos aeroportos também não são abordadas no documento «International Best Practices: Detecting and preventing the illicit cross‑border transportation of cash and bearer negotiable instruments» de 2010, que pretende fornecer um resumo das dificuldades encontradas pelos Estados‑Membros na aplicação da Recomendação Especial IX, ilustrando ao mesmo tempo as possíveis soluções ( 31 ).

44.

Assim sendo, e tal como defende o Governo francês, o contexto de cooperação internacional da luta contra o branqueamento de capitais e a criminalidade transfronteiriça no qual se inscreve o Regulamento n.o 1889/2005 pugna por uma interpretação lata do conceito de entrada na União na aceção do artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, e contra uma limitação do âmbito de aplicação do dever de declaração previsto neste artigo unicamente aos movimentos transfronteiriços de dinheiro destinado a entrar no circuito financeiro da União.

45.

É, efetivamente, inegável que a extensão do dever de declaração aos passageiros em trânsito aeroportuário contribui para a prossecução dos objetivos supramencionados ao nível internacional, na medida em que tal obrigação constitui não só uma medida dissuasiva como também, conjugada com os controlos que lhe estão associados, uma medida de deteção de movimentos suspeitos ( 32 ).

46.

Importa, nesta fase, avaliar se a Convenção sobre Aviação Civil Internacional, assinada em Chicago (Estados Unidos) em 7 de dezembro de 1944 ( 33 ), se opõe a uma tal interpretação ampla.

47.

A União não é parte nesta Convenção e, tal como foi esclarecido no acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 57 a 71), não está vinculada por esta.

48.

No entanto, a referida Convenção foi ratificada por todos os Estados‑Membros da União e deve, assim, ser tida em conta na interpretação das disposições do direito da União ( 34 ). O mesmo se aplica aos anexos a esta Convenção, que contêm normas e práticas recomendadas (Standards and Recommended Practices – SARP) ( 35 ) adotadas pelo Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) ( 36 ) segundo o artigo 54.o, alínea l) ( 37 ), da referida Convenção, que vinculam, de forma mais ou menos obrigatória, os Estados contratantes ( 38 ).

49.

De acordo com o artigo 22.o da Convenção de Chicago, «[o]s Estados contratantes acordam em adotar [...] todas as medidas possíveis tendentes a facilitar e acelerar a navegação das aeronaves entre os territórios dos Estados contratantes e a evitar demoras desnecessárias às aeronaves, tripulações, passageiros e carga, especialmente no que diz respeito à aplicação das leis relativas à imigração, quarentena, alfândegas e despachos». O artigo 23.o desta Convenção esclarece que, cada Estado contratante se compromete, «na medida do possível, a estabelecer regulamentos alfandegários e de imigração aplicáveis à navegação aérea internacional de harmonia com as diretrizes que venham a ser estabelecidas ou recomendadas, sempre que for oportuno, ao abrigo desta Convenção».

50.

O anexo 9 à Convenção de Chicago (Normas e práticas recomendadas ‑ Facilitação; a seguir «anexo 9») ( 39 ) foi adotado com vista, designadamente, a definir as obrigações dos Estados contratantes decorrentes dos artigos supracitados da referida Convenção. Este anexo tem por objetivo alcançar uma gestão eficaz dos processos de controlo nas fronteiras, procurando um equilíbrio adequado entre segurança e simplificação dos procedimentos.

51.

Tal como recordou o Governo francês, de acordo com o capítulo 3, alínea L, n.o 3.57, do referido anexo, os Estados contratantes devem garantir, designadamente através da criação de zonas de trânsito direto, que os passageiros e as suas bagagens que chegam de um outro Estado e prosseguem viagem até um Estado terceiro, no mesmo voo ou noutro voo com partida do mesmo aeroporto e no mesmo dia, sejam autorizados a permanecer temporariamente no aeroporto de chegada sem serem sujeitos às formalidades de controlo fronteiriço de entrada no Estado de trânsito. A «zona de trânsito direto» é definida no capítulo I, alínea A, como uma zona especial criada num aeroporto internacional ou nas suas imediações, colocada sob vigilância ou controlo direto dos poderes públicos competentes, onde os passageiros podem permanecer durante o trânsito ou a transferência sem terem de requerer a entrada no Estado em causa.

52.

Ora, decorre da própria redação da norma prevista no n.o 3.57 acima mencionado que esta se refere às formalidades relativas aos controlos de imigração tendentes a verificar se a pessoa possui documentos que lhe permitem entrar no território do Estado contratante. Isto é, aliás, confirmado pela norma imediatamente a seguir (n.o 3.58 do capítulo 3, alínea L), que obriga os Estados contratantes a limitarem ao mínimo a exigência de vistos de trânsito direto para os passageiros que permanecem na zona de trânsito direto ( 40 ).

53.

Evidentemente, de forma mais geral, o anexo 9 visa reduzir ao máximo as formalidades e os controlos aos quais estão sujeitos os passageiros em trânsito, ao passo que a existência de um dever de declaração não só exige, em princípio, que tomem diligências ativas, como também a verificação do cumprimento deste dever pode exigir que as autoridades competentes submetam as pessoas, as suas bagagens e os meios de transporte utilizados a medidas de controlo, tal como previsto no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005.

54.

No entanto, por um lado, tal como o salientou o Governo francês nas suas observações escritas, de acordo com o capítulo 3, alínea B, n.o 1.5, do anexo 9, as disposições deste não impedem a aplicação da legislação nacional no que respeita à realização de controlos considerados «necessários» ( 41 ) e, por outro lado, a política de facilitação adotada no âmbito da OACI também visa coordenar os objetivos do anexo 9 com outros objetivos, designadamente a luta contra o tráfico internacional de estupefacientes ‐ que figura entre os objetivos prosseguidos pelas medidas instauradas pelo Regulamento n.o 1889/2005 ‐ com vista a encontrar um justo equilíbrio entre as exigências de segurança e as de simplificação.

55.

Um dever de declaração como o previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005, alargado aos passageiros que permanecem na «zona de trânsito direto», tal como definida no anexo 9, não parece, assim, incompatível com a norma do n.o 3.57 deste anexo, desde que as formalidades associadas ao cumprimento deste dever e os controlos tendentes a verificar o seu cumprimento impliquem o menor transtorno possível para os passageiros em trânsito e não sejam suscetíveis de atrasar indevidamente o tráfego aéreo.

56.

À luz de todas as considerações que precedem, considero, com base numa interpretação literal da letra do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005, bem como nos objetivos prosseguidos por este ato, e tendo em conta o facto de as situações de trânsito aeroportuário não serem expressamente excluídas do âmbito de aplicação do dever de declaração previsto no referido artigo, que este dever também se aplica aos passageiros que permanecem na zona de trânsito internacional de um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ao qual se aplicam os Tratados, em conformidade com os artigos 52.° UE e 355.° TFUE, depois de terem desembarcado de um voo proveniente de um país terceiro e antes de embarcarem num voo com destino a um país terceiro, sem transporem um ponto de controlo fronteiriço, com vista a serem autorizados a entrar nesse Estado‑Membro.

IV – Conclusão

57.

Com base em todas as considerações que precedem, sugiro que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial que lhe foi submetida pela Cour de cassation (França):

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1889/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativo ao controlo das somas em dinheiro líquido que entram ou saem da Comunidade, deve ser interpretado no sentido de que o dever de qualquer pessoa singular que entra ou sai da União Europeia com, pelo menos, 10000 euros em dinheiro líquido declarar a soma transportada às autoridades competentes do Estado‑Membro através do qual entra ou sai da União também se aplica aos passageiros que permanecem na zona de trânsito internacional de um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ao qual se aplicam os Tratados, em conformidade com os artigos 52.° TUE e 355.° TFUE, depois de terem desembarcado de um voo proveniente de um país terceiro e antes de embarcarem num voo com destino a um país terceiro, sem transporem um ponto de controlo fronteiriço, com vista a serem autorizados a entrar no referido Estado‑Membro.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2005, L 309, p. 9.

( 3 ) JO 2006, L 105, p. 1. Este regulamento foi revogado e substituído, com efeitos a partir de 11 de abril de 2016, pelo Regulamento (UE) n.o 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77 p. 1).

( 4 ) Decorre dos autos que a transferência de dinheiro serviria para pagar a um fornecedor da Intercontinental, especializado no comércio de veículos automóveis.

( 5 ) A Administration des douanes et droits indirects, nas suas observações no recurso de cassação de O. El Dakkak, bem como o Governo francês, nas suas observações escritas submetidas ao Tribunal de Justiça, referem que a declaração realizada por O. El Dakkak no Benim abrangia apenas a soma de 983000 USD.

( 6 ) Este artigo, na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, tinha a seguinte redação: «As pessoas singulares que transferem, para um Estado‑Membro da União Europeia ou a partir de um Estado‑Membro da União Europeia, somas, títulos ou valores, sem ser por intermédio de uma instituição de crédito ou de um organismo ou serviço como os mencionados no artigo L. 518‑1 do Code monétaire et financier (Código Monetário e Financeiro), devem declará‑los nos termos definidos». De acordo com o artigo R152‑6, I, primeiro parágrafo, «[a] declaração prevista no artigo 3.o do Regulamento [...] n.o 1889/2005 [...] e a declaração das somas, títulos ou valores transferidos para um Estado‑Membro da União Europeia ou provenientes de um tal Estado, [...] é feita por escrito pelas pessoas singulares, por sua conta ou por conta de outrem, junto da administração aduaneira, o mais tardar até ao momento da entrada ou saída da União Europeia ou da transferência para um Estado‑Membro da União Europeia ou proveniente de um tal Estado».

( 7 ) O artigo 465.o, I, do Code des douanes, na sua versão aplicável aos factos do processo principal, estabelecia que «[o] incumprimento dos deveres de declaração previstos no artigo 464.o e no Regulamento [...] n.o 1889/2005 [...] é punido com uma multa equivalente a um quarto da soma sobre a qual incidiu a infração ou a tentativa de infração». De acordo com o ponto II deste artigo, «[e]m caso de verificação da infração mencionada no ponto I pelos agentes aduaneiros, estes apreendem a totalidade da soma sobre a qual incidiu a infração ou a tentativa de infração, durante um período de três meses, renovável [...], até ao limite de seis meses no total».

( 8 ) V., designadamente, terceiro, quarto e quinto considerandos do Regulamento n.o 562/2006.

( 9 ) JO L 166, p. 77. Esta diretiva foi revogada pela Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (JO L 309, p. 15), por sua vez substituída pela Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, e que revoga a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da Comissão (JO 2015, L 141, p. 73).

( 10 ) Como o Tribunal de Justiça precisou no acórdão de 15 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑132/14 a C‑136/14, EU:C:2015:813, n.os 75 a 77) o âmbito de aplicação territorial de um ato de direto derivado deve ser determinado, na falta de indicação nesse ato, em função dos artigos 52.o TUE e 355.o TFUE.

( 11 ) De acordo com o artigo L221‑1, primeiro parágrafo, do code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile (Código de entrada e permanência dos estrangeiros e do direito de asilo), «[o]s estrangeiros que cheguem a França por via [...] aérea e que, seja por não estarem autorizados a entrar no território francês, seja por solicitarem a sua admissão a título de asilo, podem ser mantidos numa zona de espera situada [...] num aeroporto, durante o tempo estritamente necessário para a sua partida e, se forem requerentes de asilo, para uma avaliação que visa determinar se o seu pedido não é manifestamente infundado».

( 12 ) O artigo L221‑2, primeiro parágrafo, do code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile refere que «[a] zona de espera é delimitada pela autoridade administrativa competente. Esta estende‑se desde os pontos de embarque e de desembarque até aos pontos onde são efetuados os controlos de pessoas».

( 13 ) Cour de cassation de 25 de março 2009, n.o 08‑14.125, no qual se declara, a propósito de um menor colocado na zona de espera do aeroporto de Paris‑Charles de Gaulle, «que a cour d’appel, que salientou que, desde a sua chegada ao território francês, o jovem X..., um menor não acompanhado, tinha sido interpelado no aeroporto de Roissy‑Charles‑de‑Gaulle, colocado em detenção por ter tentado subtrair‑se a um controlo policial, e posteriormente, no fim da sua detenção, colocado na zona de espera do aeroporto, deveria ter depreendido das suas próprias conclusões que o interessado se encontrava em território francês, pelo que o menor não acompanhado, de nacionalidade iraquiana, se encontrava necessariamente numa situação de perigo que impunha a aplicação, pelo juiz de menores, das medidas de proteção enunciadas nos artigos 375.° e seguintes do Code civil (Código Civil)». V. P. Klötgen, La frontière et le droit, esquisse d’une problématique, Scientia Juris, 2011, p. 45 e segs. A administração de tais «zonas de espera» não é, aliás, isenta de críticas por parte das associações de defesa dos direitos humanos (v. relatório da Anafé de 20 de janeiro de 2016, disponível no endereço http://www.anafe.org/spip.php?article317).

( 14 ) COM(2002) 328 final.

( 15 ) O artigo 1.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da proposta de regulamento tinha a seguinte redação: «Qualquer pessoa física que entre ou saia do território aduaneiro da Comunidade e transporte uma soma de dinheiro líquido igual ou superior a quinze mil euros tem o dever de o declarar, nos termos do presente regulamento».

( 16 ) Regulamento de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), revogado pelo Regulamento (CE) n.o 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) (JO 2008, L 145, p. 1). O décimo considerando da proposta de regulamento explicava que, «[n]o que respeita à delimitação geográfica do âmbito de aplicação, em conformidade com o disposto no Tratado, e, nomeadamente, nos n.os 3, 4 e 6, alínea c), do seu artigo 299.o, a Diretiva 91/308/CEE não se aplica a determinados Estados ou territórios europeus [...]» e que importava, assim, «estar atento ao risco de branqueamento que tais Estados e territórios comportam e prever, no que lhes respeita um regime específico». Assim, o artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, da proposta de regulamento previa que «[q]ualquer pessoa que entre ou saia das partes do território aduaneiro da Comunidade em que se não aplica a Diretiva 91/308/CEE e que transporte uma soma de dinheiro líquido igual ou superior a quinze mil euros está sujeita ao referido dever de o declarar».

( 17 ) Relatório de 25 de junho de 2002, COM(2002) 328 final, v. n.o 2, observação relativa ao artigo 1.o

( 18 ) Posição comum aprovada pelo Conselho tendo em vista a adoção do regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao controlo das somas de dinheiro líquido que entram ou saem da Comunidade, de 18 de janeiro de 2005, n.o 14843/04, n.o 3, alínea a).

( 19 ) Documento 9630/2/00 do Conselho, de 7 de setembro de 2000. A «Operação Moneypenny» foi lançada pelos serviços aduaneiros dos Estados‑Membros, no período de setembro de 1999 a fevereiro de 2000, com o objetivo de controlar os movimentos transfronteiriços de dinheiro líquido superiores a 10000 euros e de analisar se, devido à própria amplitude, tais movimentos eram suscetíveis de comprometer a eficácia dos controlos efetuados pelas instituições financeiras para lutar contra o branqueamento de capitais.

( 20 ) Existem outras referências à Diretiva 91/308/CEE, designadamente, nos quinto, nono e décimo primeiro considerandos, bem como nos artigos 5.° e 6.° do Regulamento n.o 1889/2005.

( 21 ) V., designadamente, primeiro, segundo e terceiro considerandos.

( 22 ) V., designadamente, segundo e sexto considerandos.

( 23 ) Citada na nota 9 das presentes conclusões.

( 24 ) Citada na nota 9 das presentes conclusões.

( 25 ) V., designadamente, sétimo considerando.

( 26 ) V. n.o 46. O GAFI é um organismo intergovernamental criado em 1989, que tem como missão elaborar normas e promover a aplicação eficaz de medidas legislativas, regulamentares e operacionais para lutar contra o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo, o financiamento da proliferação, bem como outras ameaças conexas à integridade do sistema financeiro internacional.

( 27 ) O texto desta recomendação pode ser encontrado no sítio Internet do GAFI http://www.fatf‑gafi.org/media/fatf/documents/reports/FATF%20Standards%20‑%20IX%20Special%20Recommendations%20and%20IN%20rc.pdf

( 28 ) A recomendação prossegue referindo que «[o]s países deveriam assegurar que dispõem de sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas aplicáveis às pessoas que apresentem declarações ou comunicações falsas. Nos casos em que as divisas ou os títulos ao portador estejam relacionados com o financiamento do terrorismo, o branqueamento de capitais ou infrações subjacentes, os países deveriam igualmente adotar medidas, nomeadamente legislativas, coerentes com a Recomendação 4, que permitam a confiscação de tais divisas ou títulos.»

( 29 ) O texto da nota interpretativa à Recomendação Especial IX também pode ser encontrada no sítio Internet do GAFI, no endereço referido na nota 27 acima.

( 30 ) Sublinhado nosso. Num documento de 2009, intitulado «Méthodologie d’évaluation de la conformité aux 40 Recommandations et aux 9 recommandations spéciales du GAFI», é esclarecido que, no âmbito de uma abordagem supranacional da Recomendação Especial IX, o termo «transfronteiriço»«se refere aos movimentos nas fronteiras externas da jurisdição supranacional» (sublinhado nosso); o documento está disponível no sítiohttp://www.fatf-gafi.org/fr/themes/recommandationsgafi/documents/methodologiedevaluationdelaconformiteaux40recommandationsetaux9recommandationsspeciales.html#methodologiedevaluationdelaconformiteaux40recommandationsetaux9recommandationsspeciales.html?hf=10&b=0&s=desc(fatf_releasedate).

( 31 ) Este documento, que é anterior à revisão de 2012, pode ser consultado no sítiohttp://www.fatf‑gafi.org/publications/fatfrecommendations/documents/internationalbestpracticesdetectingandpreventingtheillicitcross‑bordertransportationofcashandbearernegotiableinstrumentssrix.html.

( 32 ) Saliento, no entanto, que, no seu relatório ao Parlamento e ao Conselho sobre a aplicação do Regulamento n.o 1889/2005 [COM (2010) 0429 final], a Comissão defendeu, com base numa análise custo‑benefício, a alteração do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005, de modo a uniformizar os procedimentos de controlo do dinheiro líquido com os procedimentos dos controlos das bagagens de passageiros, tal como previsto nos artigos 192.° a 194.° do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário [JO 1993, L 253, p. 1, revogado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 2016/481 da Comissão, de 1 de abril de 2016 (JO 2016, L 87, p. 24)]. Ora, tal uniformização, preconizada para remediar as dificuldades práticas nos controlos detetadas pelos Estados‑Membros no que se refere aos passageiros em trânsito, implica a exclusão de controlos sistemáticos nas zonas de trânsito internacional e, assim, a abolição do dever de declaração para os passageiros que permanecem nestas zonas (v. n.o 5 do relatório). No n.o 3.2.2. deste relatório, a Comissão esclarece que, «[p]ara os passageiros aéreos em trânsito, é difícil respeitar a obrigação de declaração do dinheiro líquido no primeiro ponto de entrada ou no último ponto de saída da UE, devido às diferenças existentes nas infraestruturas de trânsito nos aeroportos. Existem poucas ou diferentes instalações para declarar o dinheiro líquido nas zonas de trânsito e não há tempo suficiente entre os voos. Para as autoridades competentes dos Estados‑Membros, é também difícil assegurar controlos harmonizados dos passageiros em trânsito. O tempo insuficiente, a falta de instalações de controlo adequadas [...] e a separação dos circuitos das bagagens de mão e de porão entravam a realização destes controlos». Um «grupo específico de peritos em controlos de dinheiro líquido» pronunciou‑se, aliás, a favor de uma alteração do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1889/2005.

( 33 ) Recueil des traités des Nations unies, vol. 15, p. 295, que se pode consultar no seguinte endereço: http://www.icao.int/publications/pages/doc7300.aspx.

( 34 ) Acórdão de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 52).

( 35 ) A adoção destes atos está prevista no artigo 37.o da Convenção de Chicago.

( 36 ) A OACI foi criada em conformidade com os artigos 43.° e segs. da Convenção de Chicago.

( 37 ) Esta disposição especifica que as SARP são designadas como «anexos à presente Convenção»«para maior conveniência».

( 38 ) As normas são especificações cujo conteúdo reflete o que foi reconhecido como praticável e necessário para facilitar e melhorar determinados aspetos da navegação aérea internacional. O seu incumprimento deve ser comunicado pelos Estados contratantes nos termos do artigo 38.o da Convenção. As práticas recomendadas são, por outro lado, especificações cujo conteúdo reflete o que foi reconhecido como genericamente praticável e altamente desejável. Os Estados contratantes esforçam‑se por cumpri‑las em aplicação desta Convenção.

( 39 ) O texto deste anexo pode ser consultado em francês no sítio do Office fédérale de l’aviation suisse no seguinte endereço: https://www.bazl.admin.ch/bazl/fr/home/experts/reglementation‑et‑informations‑de‑base/bases‑legales‑et‑directives/annexes‑a‑la‑convention‑de‑l‑organisation‑internationale‑de‑l‑av.html.

( 40 ) A saber, vistos exigidos aos passageiros que chegam a bordo de um voo internacional e prosseguem a sua viagem até um Estado terceiro no mesmo voo ou noutro voo com partida do mesmo aeroporto e no mesmo dia. O Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos) (JO 2009, L 243, p. 8) prevê, para os nacionais de um determinado número de países terceiros, a obrigação de obterem tal visto, «não obstante o [...] anexo 9 da Convenção de Chicago».

( 41 ) Saliento, incidentalmente, que as práticas recomendadas relativas à imposição pelos Estados contratantes de restrições à importação ou à exportação de divisas estão contidas no capítulo 6, alínea F, n.os 6.47 e 6.48.

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