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Document 62015CJ0478

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 21 de setembro de 2016.
Peter Radgen e Lilian Radgen contra Finanzamt Ettlingen.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Baden-Württemberg.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas — Igualdade de tratamento — Imposto sobre o rendimento — Isenção dos rendimentos provenientes do exercício de uma atividade de docência exercida a título secundário ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público com sede num Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado ao qual se aplica o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 — Legislação de um Estado‑Membro que exclui desta isenção os rendimentos provenientes de tal atividade exercida ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público com sede na Suíça.
Processo C-478/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:705

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

21 de setembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas — Igualdade de tratamento — Imposto sobre o rendimento — Isenção dos rendimentos provenientes do exercício de uma atividade de docência exercida a título secundário ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público com sede num Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado ao qual se aplica o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 — Legislação de um Estado‑Membro que exclui desta isenção os rendimentos provenientes de tal atividade exercida ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público com sede na Suíça»

No processo C‑478/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht Baden‑Württemberg (Tribunal Tributário de Bade‑Vurtemberga, Alemanha), por decisão de 15 de julho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de setembro de 2015, no processo

Peter Radgen,

Lilian Radgen

contra

Finanzamt Ettlingen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, C. G. Fernlund (relator) e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e W. Roels, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo em 21 de junho de 1999 (JO 2002, L 114, p. 6, a seguir «Acordo sobre a livre circulação de pessoas»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Peter Radgen e a sua mulher, Lilian Radgen (a seguir, em conjunto, «cônjuges Radgen»), nacionais e residentes alemães, ao Finanzamt Ettlingen (Serviço de Finanças de Ettlingen, Alemanha, a seguir «Administração Tributária»), a respeito da recusa de esta Administração tomar em consideração, para efeitos dos rendimentos isentos do imposto sobre o rendimento relativos ao exercício fiscal de 2009, rendimentos auferidos por P. Radgen no âmbito de uma atividade de docência por si exercida a título secundário num estabelecimento de direito público estabelecido na Suíça.

Quadro jurídico

Direito da União

3

A Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, assinaram, em 21 de junho de 1999, sete acordos, entre os quais figura o Acordo sobre a livre circulação de pessoas. Estes acordos foram aprovados em nome da Comunidade pela Decisão 2002/309/CE, Euratom do Conselho e da Comissão no que se refere ao Acordo relativo à Cooperação Científica e Tecnológica, de 4 de abril de 2002, relativa à celebração de sete acordos com a Confederação Suíça (JO 2002, L 114, p. 1), e entraram em vigor em 1 de junho de 2002.

4

Nos termos do preâmbulo do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, as partes contratantes estão «decidid[a]s a realizar entre si a livre circulação de pessoas, com base nas disposições em aplicação na Comunidade Europeia».

5

O artigo 1.o deste acordo dispõe:

«O presente [a]cordo tem por objetivo, a favor dos nacionais dos Estados‑Membros da Comunidade Europeia e da Suíça:

a)

Conceder um direito de entrada, de residência, de acesso a uma atividade económica assalariada e de estabelecimento enquanto independente, bem como o direito de residir no território das Partes Contratantes;

[...]

d)

Conceder as mesmas condições de vida, de emprego e de trabalho que as concedidas aos nacionais.»

6

O artigo 2.o do referido acordo, intitulado «Não discriminação», prevê:

«Os nacionais de uma Parte Contratante que permaneçam legalmente no território de uma outra Parte Contratante não serão discriminados devido à sua nacionalidade, em conformidade com a aplicação das disposições dos [a]nexos I, II e III do presente [a]cordo.»

7

Nos termos do artigo 4.o do mesmo acordo, intitulado «Direito de residência e de acesso a uma atividade económica»:

«O direito de residência e de acesso a uma atividade económica é garantido […] de acordo com as disposições do [a]nexo I.»

8

O artigo 11.o, n.o 1, do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, intitulado «Recursos», concede às pessoas abrangidas por este acordo o direito de interpor recurso junto das autoridades competentes da aplicação das suas disposições.

9

Em conformidade com o artigo 15.o do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, os anexos e protocolos deste último fazem dele parte integrante.

10

O artigo 16.o, n.o 2, deste acordo, intitulado «Referência ao direito comunitário», tem a seguinte redação:

«Na medida em que a aplicação do presente [a]cordo implique conceitos de direito comunitário, ter‑se‑á em conta a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias anterior à data da sua assinatura. A partir desta data, a Suíça será informada da evolução dessa jurisprudência. Com vista a assegurar o bom funcionamento do [a]cordo, o Comité Misto determinará, a pedido de uma das Partes Contratantes, as implicações dessa jurisprudência.»

11

O artigo 21.o do referido acordo, intitulado «Relação com os Acordos bilaterais em matéria de dupla tributação», dispõe:

«1.   As disposições dos Acordos bilaterais entre a Suíça e os Estados‑Membros da Comunidade Europeia em matéria de dupla tributação não são afetadas pelas disposições do presente [a]cordo. Em especial, as disposições do presente [a]cordo o não devem afetar a definição de trabalhador fronteiriço nos termos dos Acordos de dupla tributação.

2.   Nenhuma disposição do presente [a]cordo pode ser interpretada de forma a impedir as Partes Contratantes de estabelecerem uma distinção, na aplicação das disposições pertinentes da sua legislação fiscal, entre contribuintes que não se encontrem em situações comparáveis, em especial no que se refere ao seu local de residência.

[...]»

12

O anexo I do mesmo acordo é consagrado à livre circulação de pessoas e o seu capítulo II contém as disposições respeitantes aos trabalhadores assalariados.

13

O artigo 6.o, n.o 1, deste anexo, intitulado «Regulamentação da residência», dispõe que «[o] trabalhador assalariado nacional de uma Parte Contratante (adiante designado trabalhador assalariado) que ocupar um emprego durante um período igual ou superior a um ano ao serviço de um empregador do Estado de acolhimento recebe uma autorização de residência com uma duração de pelo menos cinco anos, a contar da data da sua emissão [...]». O n.o 2 deste artigo regula a questão da autorização de residência concedida aos trabalhadores assalariados que ocupem um emprego durante um período inferior a um ano. Os n.os 3 a 7 do mesmo artigo contêm, quanto a eles, disposições processuais relativas ao direito de residência dos trabalhadores assalariados.

14

Em conformidade com o disposto no artigo 7.o, n.o 1, do referido anexo, «[o] trabalhador fronteiriço assalariado é um nacional de uma Parte Contratante que tem a sua residência no território de [uma] Parte Contratante e que exerce uma atividade assalariada no território da outra Parte Contratante, regressando, em princípio, diariamente ao seu domicílio, ou pelo menos uma vez por semana».

15

O artigo 9.o, n.os 1 e 2, do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, intitulado «Igualdade de tratamento», dispõe:

«1.   Um trabalhador assalariado nacional de uma Parte Contratante não pode, no território da outra Parte Contratante, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais assalariados no que respeita às condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.   O trabalhador assalariado e os seus familiares referidos no artigo 3.o do presente [a]nexo beneficiam das mesmas vantagens fiscais e sociais que os trabalhadores assalariados nacionais e os seus familiares.»

16

O capítulo III do anexo I deste acordo, intitulado «Independentes», contém disposições relativas aos trabalhadores independentes.

Direito alemão

17

Em conformidade com o disposto no § 1, n.o 1, da Einkommensteuergesetz (Lei do imposto sobre os rendimentos, BGBl. 2002 I, p. 4212), na sua versão resultante da Lei fiscal anual, de 19 de dezembro de 2008, relativa ao ano tributário de 2009 (BGBl. 2009 I, p. 2794) (a seguir «EStG»), as pessoas singulares que tenham o seu domicílio ou a sua residência habitual no território nacional estão sujeitas ao imposto sobre o rendimento de forma ilimitada.

18

O § 3, ponto 26, da EStG prevê que estão isentos de imposto até ao montante global de 2100 euros por ano os rendimentos provenientes de atividades exercidas a título secundário na qualidade de docente, de formador, de educador, de monitor ou de outras atividades comparáveis exercidas a título secundário ao serviço ou por conta de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida num Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado ao qual se aplica o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»).

Litígio no processo principal e questão prejudicial

19

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os cônjuges Radgen são cidadãos alemães que residem na Alemanha. São tributados em conjunto para efeitos do imposto sobre o rendimento neste Estado‑Membro. Resulta também destes autos que P. Radgen está sujeito no referido Estado‑Membro ao imposto sobre o rendimento de forma ilimitada.

20

Durante o ano de 2009, P. Radgen exerceu uma atividade de docência a título secundário num estabelecimento de direito público na Suíça. O exercício desta atividade foi objeto de um contrato de trabalho entre P. Radgen e esse estabelecimento. Para lecionar as aulas, P. Radgen deslocava‑se a Zurique, na Suíça, e regressava em seguida à Alemanha. Recebeu, a título da referida atividade, o montante de 4095 francos suíços (CHF) (cerca de 2702 euros). Os cônjuges Radgen consideraram que a isenção prevista no § 3, ponto 26, da EStG era aplicável a esta retribuição.

21

No seu aviso de liquidação do imposto sobre o rendimento relativo ao ano de 2009, a Administração Tributária sujeitou este montante ao imposto sobre o rendimento, depois de ter deduzido do montante devido a título deste imposto o montante recebido pela Administração Tributária suíça, que ascende a 121,44 euros.

22

Os cônjuges Radgen apresentaram uma reclamação contra este aviso de liquidação. A Administração Tributária julgou a reclamação improcedente por considerar que a recusa em conceder a isenção prevista no § 3, ponto 26, da EStG não constitui um obstáculo ao Acordo sobre a livre circulação de pessoas.

23

Os cônjuges Radgen interpuseram recurso no órgão jurisdicional de reenvio, o Finanzgericht Baden‑Württemberg (Tribunal Tributário de Bade‑Vurtemberga, Alemanha). Qualificando P. Radgen de «trabalhador fronteiriço assalariado», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se os princípios consagrados no acórdão de 18 de dezembro de 2007, Jundt (C‑281/06, EU:C:2007:816), também se podem aplicar no âmbito deste acordo.

24

Neste contexto, aquele órgão jurisdicional salienta, que, do ponto de vista do direito fiscal alemão, é irrelevante que a atividade para a qual é pedida a isenção seja exercida na qualidade de trabalhador independente ou assalariado. Além disso, o referido órgão jurisdicional considera que embora o acórdão de 18 de dezembro de 2007, Jundt (C‑281/06, EU:C:2007:816), seja posterior à assinatura do referido acordo, este último acórdão se limita a precisar o estado do direito já existente antes da assinatura daquele acordo.

25

Foi nestas condições que o Finanzgericht Baden‑Würtemberg (Tribunal Tributário de Bade‑Vurtemberga) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições do Acordo [sobre a livre circulação de pessoas], em especial o seu preâmbulo e os artigos 1.°, 2.°, 4.°, 11.°, 16.° e 21.°, bem como o [a]nexo 1, artigos 7.°, 9.° e 15.°, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro nos termos da qual é recusada a dedução do valor da isenção aplicável a uma atividade docente exercida a título de atividade secundária por um cidadão sujeito a tributação global nesse Estado‑Membro, pelo facto de não exercer essa atividade ao serviço ou por conta de uma pessoa coletiva de direito público com sede num Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado ao qual se aplica o Acordo [EEE], mas ao serviço ou por conta de uma pessoa coletiva de direito público sediada no território da Confederação Suíça?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

26

Em primeiro lugar, o Governo alemão e a Comissão Europeia consideram que a interpretação do artigo 11.o do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, relativo aos recursos, e a interpretação do artigo 15.o do anexo I deste acordo, relativo ao trabalhador independente, não são pertinentes para a resolução do litígio que se encontra pendente no órgão jurisdicional de reenvio.

27

A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (acórdão de 7 de abril de 2016, KA Finanz, C‑483/14, EU:C:2016:205, n.o 41 e jurisprudência referida).

28

No presente caso, por um lado, resulta do artigo 11.o do Acordo sobre a livre circulação de pessoas que este artigo garante às pessoas abrangidas por este acordo um direito de interpor recurso respeitante à aplicação das disposições do referido acordo junto das autoridades competentes. Ora, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que esse direito tenha sido recusado aos cônjuges Radgen.

29

Por outro lado, é facto assente que a atividade exercida por P. Radgen na Suíça é uma atividade assalariada. Na medida em que o artigo 15.o do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas se aplica aos trabalhadores independentes, ou seja, às pessoas que exercem uma atividade não assalariada, P. Radgen não está abrangido pelo âmbito de aplicação deste artigo.

30

Nestas condições, é manifesto que a interpretação do artigo 11.o do Acordo sobre a livre circulação de pessoas e a interpretação do artigo 15.o do anexo I desse acordo são desprovidas de pertinência para a resolução do litígio que se encontra pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, a questão prejudicial, na parte em que incide sobre a interpretação destas disposições, é inadmissível.

31

Em segundo lugar, o Governo alemão considera que P. Radgen não pode ser qualificado de «trabalhador fronteiriço assalariado», na aceção do artigo 7.o do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas. Em contrapartida, este governo não alega que, no que respeita ao exercício da atividade assalariada em causa, P. Radgen não exerceu o seu direito à livre circulação.

32

Conforme resulta do n.o 27 do presente acórdão, cabe ao juiz nacional definir o quadro regulamentar e factual do litígio que lhe foi submetido. Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio qualificou, sem equívoco, P. Radgen de «trabalhador fronteiriço assalariado», na aceção do artigo 7.o do anexo I do referido acordo, importa, para o Tribunal de Justiça, basear‑se na premissa de que P. Radgen reveste essa qualidade.

33

Seja como for, uma vez que é facto assente que M. Radgen exerceu o seu direito à livre circulação para exercer uma atividade assalariada no território de outra parte contratante do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, concretamente a Confederação Suíça, não se afigura que a interpretação solicitada das disposições deste acordo, relativas à igualdade de tratamento dos trabalhadores assalariados, seja de natureza hipotética, pelo que a questão prejudicial, na parte em que incide sobre essa interpretação, é admissível.

34

Com efeito, o Acordo sobre a livre circulação de pessoas só distingue os trabalhadores fronteiriços assalariados num único artigo, no caso concreto no artigo 7.o do seu anexo I, e com um objetivo específico, a saber, para fixar, conforme resulta deste artigo 7.o, lido em conjugação com o artigo 6.o deste anexo, modalidades mais favoráveis a seu respeito em matéria de direito de residência do que as fixadas para outros trabalhadores assalariados abrangidos pelo âmbito de aplicação deste acordo (v., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2008, Stamm e Hauser, C‑13/08, EU:C:2008:774, n.o 39).

Quanto ao mérito

35

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio visa, em substância, saber se as disposições do Acordo sobre a livre circulação de pessoas relativas à igualdade de tratamento dos trabalhadores assalariados devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não reconhece a um cidadão residente sujeito de forma ilimitada ao imposto sobre o rendimento, que exerceu o seu direito à livre circulação para exercer a título secundário uma atividade assalariada como docente ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida na Suíça, o direito a beneficiar da isenção do imposto respeitante ao rendimento proveniente dessa atividade assalariada, sendo que essa isenção teria sido concedida se a referida atividade tivesse sido exercida ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida nesse Estado‑Membro, noutro Estado‑Membro ou noutro Estado ao qual o Acordo EEE se aplique.

36

Conforme resulta do preâmbulo, dos artigos 1.° e 16.°, n.o 2, do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, este tem por objetivo realizar, a favor dos nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia e da Confederação Suíça, a livre circulação de pessoas nos territórios das partes contratantes deste acordo apoiando‑se nas disposições aplicáveis na União, cujos conceitos devem ser interpretados em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 19 de novembro de 2015, Bukovansky, C‑241/14, EU:C:2015:766, n.o 40).

37

Neste contexto, há que salientar que este objetivo compreende, nos termos do artigo 1.o, alíneas a) e d), do referido acordo, o objetivo e conceder a esses nacionais, entre outros, um direito de entrada, de residência, de acesso a uma atividade económica assalariada, bem como condições de vida, de emprego e de trabalho iguais às que são concedidas aos nacionais.

38

Assim, o artigo 4.o do Acordo sobre a livre circulação de pessoas garante o direito de acesso a uma atividade económica em conformidade com as disposições ao anexo I deste acordo, contendo o capítulo II deste anexo disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores assalariados e, em especial, as relativas ao princípio da igualdade de tratamento.

39

Neste contexto, há que recordar que o artigo 9.o do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, intitulado «Igualdade de Tratamento», garante a aplicação do princípio da não discriminação enunciado no artigo 2.o deste acordo no âmbito da livre circulação de trabalhadores (acórdão de 19 de novembro de 2015, Bukovansky, C‑241/14, EU:C:2015:766, n.o 47).

40

Este artigo 9.o enuncia no seu n.o 2 uma regra específica que se destina a que o trabalhador assalariado e os membros da sua família beneficiem das mesmas vantagens fiscais e sociais de que gozam os trabalhadores assalariados nacionais e os membros da sua família. Em matéria de vantagens fiscais, o Tribunal de Justiça já declarou que o princípio da igualdade de tratamento, previsto nesta disposição, pode igualmente ser invocado por um trabalhador nacional de uma parte contratante que tenha exercido o seu direito à livre circulação, relativamente ao seu Estado de origem (acórdão de 19 de novembro de 2015, Bukovansky, C‑241/14, EU:C:2015:766, n.o 36 e jurisprudência referida).

41

No que diz respeito ao processo principal, conforme se indicou no n.o 33 do presente acórdão, é facto assente que P. Radgen exerceu o seu direito à livre circulação quando exerceu uma atividade assalariada no território da Confederação Suíça. Daqui resulta que está abrangido pelo âmbito de aplicação do capítulo II do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas pelo que, por conseguinte, pode invocar o artigo 9.o do capítulo II deste anexo perante o seu Estado de origem.

42

Há assim que verificar se P. Radgen sofreu uma desvantagem fiscal relativamente a outros nacionais residentes alemães que exerçam uma atividade assalariada análoga à sua e que, contrariamente a P. Radgen, exercem essa atividade ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida no território nacional, noutro Estado‑Membro da União ou noutro Estado ao qual o Acordo EEE se aplique.

43

No presente caso, basta constatar que a legislação nacional em causa no processo principal, ao recusar aos contribuintes residentes alemães que exerçam a título secundário uma atividade como docente ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida na Suíça o direito a beneficiarem da isenção de imposto sobre o rendimento relativo ao rendimento proveniente dessa atividade assalariada, ao passo que essa isenção teria sido concedida se a referida atividade tivesse sido exercida ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida no território nacional, noutro Estado‑Membro da União ou noutro Estado ao qual o Acordo EEE se aplique, conduz a uma diferença de tratamento fiscal entre os contribuintes residentes alemães em razão da origem dos seus rendimentos.

44

Esta diferença de tratamento é suscetível de dissuadir os contribuintes residentes alemães de exercerem o seu direito à livre circulação através do desempenho de uma atividade assalariada como docente no território suíço embora continuem a residir no seu Estado de residência e, por conseguinte, constitui uma desigualdade de tratamento que, em princípio, contraria o artigo 9.o, n.o 2, do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas.

45

No entanto, há igualmente que ter em consideração, em primeiro lugar, o artigo 21.o, n.o 2, deste acordo, que permite que seja aplicado um tratamento diferenciado, em matéria fiscal, aos contribuintes que não se encontrem numa situação comparável, especialmente no que se refere ao seu local de residência.

46

Em segundo lugar, quando contribuintes se encontrem numa situação comparável, decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa à liberdade de circulação garantida pelo Tratado que uma diferença de tratamento pode ainda ser justificada por razões imperiosas de interesse geral. Nessa hipótese, é ainda necessário que essa diferença seja adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e que não exceda o que é necessário para o alcançar (v., entre outros, acórdãos de 31 de março de 1993, Kraus, C‑19/92, EU:C:1993:125, n.o 32 e jurisprudência referida, e de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais, C‑325/08, EU:C:2010:143, n.o 38 e jurisprudência referida).

47

Constituindo o princípio da igualdade de tratamento um conceito de direito da União (acórdão de 6 de outubro de 2011, Graf e Engel, C‑506/10, EU:C:2011:643, n.o 26), para determinar a existência de uma eventual desigualdade de tratamento no âmbito do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, há que referir‑se, como resulta do n.o 36 do presente acórdão, por analogia, aos princípios consagrados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça visada no número anterior do presente acórdão.

48

No presente caso, há que constatar que não foi alegado que contribuintes residentes alemães que exercem a título secundário uma atividade assalariada como docente no território suíço não se encontram, no que respeita ao imposto sobre o rendimento, numa situação comparável à dos contribuintes residentes alemães aos quais é concedida a isenção em causa no processo principal.

49

A justificação para uma desigualdade de tratamento só pode, assim, decorrer de razões imperiosas de interesse geral. No entanto, é ainda necessário, nesta hipótese, que esta seja adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e que não exceda o que é necessário para o alcançar.

50

A este respeito, há que salientar que, no seu acórdão de 18 de dezembro de 2007, Jundt (C‑281/06, EU:C:2007:816), o Tribunal de Justiça, relativamente a pessoas singulares que exerceram a sua liberdade de circulação ao exercerem a título secundário uma atividade como docente a título independente numa universidade estabelecida noutro Estado‑Membro, embora tenham continuado a residir no seu Estado de residência, foi levado a analisar se a diferença de tratamento proibida, entre estas pessoas e as que exercem essa atividade no território nacional, resultante do § 3, ponto 26, da EStG, se podia justificar por razões imperiosas de interesse geral.

51

O Tribunal de Justiça, nos n.os 63 e 64 do acórdão de 18 de dezembro de 2007, Jundt (C‑281/06, EU:C:2007:816), considerou que essa diferença de tratamento não pode ser justificada pela razão de interesse geral relacionada com a promoção do ensino, da investigação e do desenvolvimento, uma vez que essa diferença atenta contra a liberdade dos docentes que exerçam a respetiva atividade a título secundário de escolher o lugar das suas prestações de serviços no interior da União sem que tenha sido demonstrado que, para atingir o alegado objetivo de promoção do ensino, seja necessário reservar o benefício da isenção fiscal em causa unicamente aos contribuintes que exerçam uma atividade semelhante nas universidades estabelecidas em território nacional.

52

Uma justificação baseada numa razão imperiosa de interesse geral relacionada com a necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal alemão, quando não exista uma relação direta, do ponto de vista do regime fiscal, entre a isenção fiscal das compensações pelas despesas profissionais pagas por universidades nacionais e uma compensação desse benefício através de uma determinada imposição fiscal, foi também afastada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 69 a 71 desse acórdão.

53

Por último, o Tribunal de Justiça precisou, nos n.os 83 a 88 do referido acórdão, por um lado, que a isenção fiscal prevista no § 3, ponto 26, da EStG não é uma medida que verse sobre o conteúdo do ensino ou sobre a organização do sistema educativo, mas uma medida fiscal de natureza geral que confere um benefício fiscal quando um particular se consagra a atividades em benefício da coletividade. Por outro lado, os Estados‑Membros devem, em todo o caso, aquando do exercício da competência e da responsabilidade de que dispõem para organizar o seu sistema educativo, respeitar as disposições do Tratado relativas à liberdade de circulação. Daqui resulta que ainda que uma legislação nacional constitua uma medida relacionada com essa organização, esta continua a ser incompatível com o Tratado, uma vez que afeta a escolha dos docentes que exercem a sua atividade a título secundário no que respeita ao local das suas prestações de serviços.

54

Estas considerações são transponíveis para uma situação como a que está em causa no processo principal. Com efeito, o facto de a atividade em causa ser exercida a título independente, como no processo que deu origem ao acórdão de 18 de dezembro de 2007, Jundt (C‑281/06, EU:C:2007:816), ou a título assalariado, como sucede no processo principal, não é determinante. Em contrapartida, tanto num caso como no outro, a legislação fiscal em causa, no caso vertente, o § 3, ponto 26, da EStG, é suscetível de afetar a escolha dos contribuintes residentes que exerçam a título secundário uma atividade como docente no que respeita ao local do exercício dessa atividade.

55

As referidas considerações são também conformes com o objetivo constante do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, como resulta do seu preâmbulo, de realizar a favor dos nacionais da União Europeia e dos da Confederação Suíça a livre circulação de pessoas nos territórios das partes contratantes deste acordo, baseando‑se nas disposições que estão em aplicação na União.

56

Daqui resulta que uma legislação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a concessão de uma isenção aos contribuintes residentes que exerceram o seu direito à livre circulação quando exerceram a título secundário uma atividade assalariada como docente ao serviço de uma pessoa coletiva estabelecida no território suíço, em razão do local do exercício dessa atividade, estabelece uma desigualdade de tratamento não justificada e, por conseguinte, é contrária ao artigo 9.o, n.o 2, do anexo I do Acordo sobre a livre circulação de pessoas.

57

Nestas condições, há que responder à questão submetida que as disposições do Acordo sobre a livre circulação de pessoas relativas à igualdade de tratamento dos trabalhadores assalariados devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não reconhece a um cidadão residente sujeito de forma ilimitada ao imposto sobre o rendimento, que exerceu o seu direito à livre circulação para exercer a título secundário uma atividade assalariada como docente ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida na Suíça, o direito a beneficiar da isenção do imposto respeitante ao rendimento proveniente dessa atividade assalariada, sendo que essa isenção teria sido concedida se a referida atividade tivesse sido exercida ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida nesse Estado‑Membro, noutro Estado‑Membro da União ou noutro Estado ao qual o Acordo EEE se aplique.

Quanto às despesas

58

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

As disposições do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo em 21 de junho de 1999, relativas à igualdade de tratamento dos trabalhadores assalariados, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não reconhece a um cidadão residente sujeito de forma ilimitada ao imposto sobre o rendimento, que exerceu o seu direito à livre circulação para exercer a título secundário uma atividade assalariada como docente ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida na Suíça, o direito a beneficiar da isenção do imposto respeitante ao rendimento proveniente dessa atividade assalariada, sendo que essa isenção teria sido concedida se a referida atividade tivesse sido exercida ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público estabelecida nesse Estado‑Membro, noutro Estado‑Membro da União Europeia ou noutro Estado ao qual o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, se aplique.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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