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Document 62015CJ0185

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de outubro de 2016.
Marjan Kostanjevec contra F&S Leasing GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vrhovno sodišče.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.° 44/2001 — Artigo 6.°, ponto 3 — Conceito de ‘pedido reconvencional’ — Pedido baseado num enriquecimento sem causa — Pagamento de um montante devido nos termos de uma decisão anulada — Aplicação no tempo.
Processo C-185/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:763

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de outubro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 6.o, ponto 3 — Conceito de ‘pedido reconvencional’ — Pedido baseado num enriquecimento sem causa — Pagamento de um montante devido nos termos de uma decisão anulada — Aplicação no tempo»

No processo C‑185/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vrhovno sodišče (Tribunal Supremo, Eslovénia), por decisão de 15 de janeiro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de abril de 2015, no processo

Marjan Kostanjevec

contra

F&S Leasing GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Vilaras, J. Malenovský, M. Safjan (relator) e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da F&S Leasing GmbH, por M. Rihtar e B. Potočan, odvetnika,

em representação do Governo esloveno, por T. Mihelič Žitko, na qualidade de agente,

em representação do Governo espanhol, por J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e M. Žebre, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 2 de junho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 5.°, ponto 1, 6.°, ponto 3, e 15.°, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Marjan Kostanjevec, residente na Eslovénia, à F&S Leasing GmbH (a seguir «F&S»), com sede social na Áustria, a propósito da não execução de um contrato de locação financeira.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Resulta do considerando 2 do Regulamento n.o 44/2001 que este tem por objetivo, no interesse do bom funcionamento do mercado interno, aplicar «disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento».

4

Os considerandos 11 a 13 e 15 deste regulamento enunciam:

«(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

(12)

O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.

(13)

No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.

[...]

(15)

O funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes. [...]»

5

As regras de competência estabelecidas pelo referido regulamento figuram no seu capítulo II. Este capítulo abrange, nomeadamente, as secções 1, 2 e 4, sob a epígrafe «Disposições gerais», «Competências especiais» e «Competência em matéria de contratos celebrados por consumidores», respetivamente.

6

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que pertence à secção 1 do referido capítulo, tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

7

O artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, que figura igualmente nesta secção, dispõe:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

8

Nos termos do artigo 5.o do referido regulamento, incluído na secção 2 do mesmo capítulo II:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)

Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)

Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

[...]»

9

Nos termos do artigo 6.o, ponto 3, do mesmo regulamento, igualmente incluído nesta secção 2, uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode também ser demandada «[s]e se tratar de um pedido reconvencional que derive do contrato ou do facto em que se fundamenta a ação principal, perante o tribunal onde esta última foi instaurada».

10

O artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, que consta da secção 4 desse mesmo capítulo II, prevê:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o:

[...]

c)

Em todos os outros casos, quando o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou dirige essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado‑Membro, e o dito contrato seja abrangido por essa atividade.»

11

O artigo 16.o deste regulamento dispõe:

«1.   O consumidor pode intentar uma ação contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante o tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio.

2.   A outra parte no contrato só pode intentar uma ação contra o consumidor perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliado o consumidor.

3.   O disposto no presente artigo não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional perante o tribunal em que tiver sido instaurada a ação principal, nos termos da presente secção.»

12

O artigo 30.o do referido regulamento está redigido da seguinte forma:

«Para efeitos da presente secção, considera‑se que a ação está submetida à apreciação do tribunal:

1)

Na data em que é apresentado ao tribunal o ato que determina o início da instância ou um ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ao requerido; ou

2)

Se o ato tiver de ser citado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado ao tribunal.»

13

Nos termos do artigo 66.o do mesmo regulamento, que faz parte do respetivo capítulo VI, sob a epígrafe «Disposições transitórias»:

«1.   As disposições do presente regulamento só são aplicáveis às ações judiciais intentadas e aos atos autênticos exarados posteriormente à entrada em vigor do presente regulamento.

2.   Todavia, se as ações no Estado‑Membro de origem tiverem sido intentadas antes da entrada em vigor do presente regulamento, as decisões proferidas após essa data são reconhecidas e executadas, em conformidade com o disposto no capítulo III:

a)

Se as ações no Estado‑Membro tiverem sido intentadas após a entrada em vigor das Convenções de Bruxelas ou de Lugano quer no Estado‑Membro de origem quer no Estado‑Membro requerido;

b)

Em todos os outros casos, se a competência se baseou em regras correspondentes às previstas no capítulo II ou numa convenção celebrada entre o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido e que estava em vigor quando as ações foram intentadas.»

Direito esloveno

14

O artigo 183.o do Zakon o pravdnem postopku (Código de Processo Civil), relativo ao pedido reconvencional, prevê:

«O demandado pode deduzir um pedido reconvencional até ao fim da tramitação do processo principal perante o mesmo órgão jurisdicional:

1)

se o pedido reconvencional estiver relacionado com o pedido principal ou

2)

se o pedido principal e o pedido reconvencional puderem ser conciliados ou

3)

se o pedido reconvencional exigir a constatação de um direito ou de uma relação jurídica cuja existência ou inexistência influencie, na totalidade ou em parte, a decisão sobre o pedido principal.

Não é admissível o pedido reconvencional quando outro tribunal for competente para decidir quanto ao mérito do pedido reconvencional ou quando ao pedido reconvencional corresponda uma forma de processo diferente.

O pedido reconvencional pode ser deduzido mesmo que deva ser julgado pelo mesmo tribunal com uma composição diferente.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

A F&S, que tem a sua sede social na Áustria, celebrou, em 14 de janeiro de 1994, um contrato de locação financeira com M. Kostanjevec. Na sequência da falta de pagamento das prestações mensais vencidas nos termos desse contrato, a F&S exigiu‑lhe, em 26 de outubro de 1995, o pagamento do montante de 16692,22 euros, no âmbito de um processo de injunção baseado num título executivo. Em conformidade com a legislação nacional, a oposição que M. Kostanjevec deduziu contra esse processo de injunção motivou o recurso para o Okrožno sodišče v Ptuju (Tribunal Regional de Ptuj, Eslovénia) e deu origem a um processo judicial com base no referido processo de injunção.

16

Por decisão de 28 de abril de 2004, este último órgão jurisdicional condenou M. Kostanjevec no pagamento do montante de 16692,22 euros, acrescido de juros convencionais e das despesas do processo.

17

Por sentença do Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor, Eslovénia), de 11 de abril de 2006, que negou provimento ao recurso interposto por M. Kostanjevec, a sentença do tribunal de primeira instância de 28 de abril de 2004 transitou em julgado e tornou‑se executória.

18

M. Kostanjevec interpôs recurso de «Revision» deste acórdão no órgão jurisdicional de reenvio, o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia). Antes de este órgão jurisdicional se pronunciar sobre este recurso, a F&S e M. Kostanjevec celebraram, em 31 de julho de 2006, uma transação extrajudicial, na qual acordaram que este último pagaria, o mais tardar até 30 de agosto de 2006, o montante em causa no processo principal, ou seja, 16692,22 euros, e as despesas de processo e de execução.

19

Por despacho de 9 de julho de 2008, o órgão jurisdicional de reenvio anulou a decisão de 28 de abril de 2004 do Okrožno sodišče v Ptuju (Tribunal Regional de Ptuj) e o acórdão de 11 de abril de 2006 do Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor) e remeteu o processo ao órgão jurisdicional de primeira instância para ali ser novamente julgado.

20

Na sequência dessa remessa, M. Kostanjevec apresentou no Okrožno sodišče v Ptuju (Tribunal Regional de Ptuj) um pedido reconvencional através do qual pediu que a F&S lhe reembolsasse o montante de 18678,45 euros, correspondente ao montante que pagou, em 30 de agosto de 2006, a título de execução da transação celebrada com essa sociedade em 31 de julho de 2006, acrescido dos juros de mora.

21

Chamado novamente a pronunciar‑se, o Okrožno sodišče v Ptuju (Tribunal Regional de Ptuj), através de decisão de 4 de novembro de 2009, julgou improcedente o pedido de pagamento da F&S e julgou procedente o pedido reconvencional de M. Kostanjevec, com fundamento no facto de este último não ter obtido a coisa que constituía o objeto do contrato de locação financeira, de tal forma que a F&S não tinha cumprido a sua obrigação contratual de entrega dessa coisa.

22

A F&S interpôs recurso desta decisão para o Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor), que declarou, por acórdão de 31 de março de 2010, que o pedido reconvencional de M. Kostanjevec era inadmissível, uma vez que «os pedidos formulados eram de tal maneira dependentes entre si que se excluíam mutuamente». Contudo, este órgão jurisdicional considerou que os tribunais eslovenos eram competentes, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 44/2001.

23

Este último acórdão, nos termos do qual a decisão de primeira instância transitou em julgado, foi, novamente, objeto de um recurso de «Revision» perante o órgão jurisdicional de reenvio, quanto à questão da competência dos órgãos jurisdicionais eslovenos para decidir sobre o pedido reconvencional. A F&S considera que não estão preenchidos os requisitos necessários para um pedido reconvencional nem para aplicar as disposições relativas aos litígios em matéria de contratos celebrados pelos consumidores, dado que o litígio em causa no processo principal não deriva de um contrato de locação financeira nem de um contrato celebrado por um consumidor, dizendo respeito, pelo contrário, a uma ação baseada num enriquecimento sem causa.

24

Nestas condições, o Vrhovno sodišče (Tribunal Supremo) decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o conceito de ‘pedido reconvencional’, na aceção do artigo 6.o, [ponto] 3, do Regulamento n.o 44/2001, ser interpretado no sentido de que também abrange a ação apresentada como pedido reconvencional na aceção do direito nacional, uma vez que, no recurso de revista, foi anulada uma sentença que tinha transitado em julgado e se tornou executória, no âmbito de um processo relativo ao pedido principal da recorrida, tendo este mesmo processo sido remetido à primeira instância para reapreciação, mas o recorrente, no seu pedido reconvencional baseado no enriquecimento sem causa, pede a restituição do montante que foi obrigado a pagar por força da sentença anulada, proferida no âmbito do processo relativo ao pedido principal da recorrida?

2)

Deve o conceito de ‘matéria de contratos celebrados pelos consumidores’ do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 ser interpretado no sentido de que também abrange a situação em que o consumidor intenta a sua própria ação, mediante a qual apresenta um pedido baseado num enriquecimento sem causa, como um pedido reconvencional, na aceção do direito nacional, conexo com o pedido principal, que tem, contudo, como objeto um litígio relativo a um contrato celebrado por um consumidor em conformidade com a referida disposição do Regulamento n.o 44/2001, mediante o qual o recorrente‑consumidor reclama a restituição do montante que foi obrigado a pagar por força de uma sentença (posteriormente) anulada, proferida no âmbito de um processo relativo ao pedido principal da recorrida e, portanto, a restituição do montante derivado de um litígio em matéria de contratos celebrados pelos consumidores?

3)

Se, no caso acima descrito, não for possível basear a competência nas regras da competência relativas à reconvenção, nem nas regras da competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores:

a)

Deve o conceito de ‘matéria contratual’ do artigo 5.o, [ponto] 1, do Regulamento n.o 44/2001 ser interpretado no sentido de que também abrange a ação mediante a qual o recorrente formula um pedido baseado num enriquecimento sem causa, mas que é apresentada como um pedido reconvencional na aceção do direito nacional, conexo com o pedido principal da recorrida, que tem por objeto a relação contratual entre as partes, quando o objeto do pedido baseado num enriquecimento sem causa é a restituição do montante que o recorrente foi obrigado a pagar por força de uma sentença (posteriormente) anulada, proferida no âmbito de um processo relativo ao pedido principal da recorrida, e, portanto, a restituição do montante derivado de um litígio em matéria contratual?

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior:

b)

No caso acima descrito, deve examinar‑se a competência segundo o lugar do cumprimento na aceção do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 com base nas regras que regulam o cumprimento das obrigações decorrentes de um pedido baseado num enriquecimento sem causa?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

25

Nas suas observações escritas, a Comissão Europeia alega a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Recorda que, nos termos do artigo 66.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, as disposições deste último só são aplicáveis às ações judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor. Por conseguinte, no caso da República da Eslovénia, essas disposições só seriam aplicáveis no território desse Estado‑Membro após a sua adesão à União Europeia, ou seja, desde 1 de maio de 2004.

26

Segundo a Comissão, se o procedimento pendente no processo principal for considerado a continuação da ação intentada no seguimento do pedido de execução forçada da F&S de 26 de outubro de 1995, remonta manifestamente a uma data muito anterior à entrada em vigor do Regulamento n.o 44/2001 na Eslovénia. Esse regulamento só se pode aplicar, caso o pedido de M. Kostanjevec, tendente ao reembolso do montante que pagou a título da transação que celebrou com a F&S em 31 de julho de 2006 com base no acórdão que foi posteriormente anulado, constituísse, ele próprio, uma «ação judicial», na aceção do artigo 66.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001.

27

Ora, conforme salientou a advogada‑geral no n.o 34 das suas conclusões, um pedido de reembolso, apresentado no quadro de um novo exame de uma ação inicial em consequência da anulação da decisão proferida nesta ação e que adquiriu força de caso julgado, deve ser qualificado de «ação judicial», na aceção do artigo 66.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001.

28

Com efeito, embora as soluções adotadas pelo direito interno dos Estados‑Membros possam divergir no que respeita às modalidades de aplicação do princípio da autoridade do caso julgado, o facto de essa decisão ter passado, segundo as regras processuais nacionais pertinentes, a gozar de força de caso julgado é suficiente para considerar que um recurso posterior tendente a exercer judicialmente um direito baseado num enriquecimento sem causa contra a parte contrária está abrangido pelo conceito de «ação judicial», na aceção desta disposição.

29

Por outro lado, quanto à aplicabilidade ratione temporis do Regulamento n.o 44/2001 ao processo principal, resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que todas as questões submetidas a título prejudicial dizem respeito à ação judicial baseada num enriquecimento sem causa proposta por M. Kostanjevec durante o ano de 2008, de modo que essa ação é abrangida pelo âmbito de aplicação temporal do Regulamento n.o 44/2001.

30

Nestas condições, há que considerar admissível o pedido de decisão prejudicial.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

31

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o foro designado por esta disposição em matéria de pedido reconvencional é competente para conhecer desse pedido, que visa o reembolso, baseado num enriquecimento sem causa, de uma quantia correspondente ao montante acordado no âmbito de um acordo extrajudicial, quando esse pedido seja feito no decurso de uma nova ação judicial entre as mesmas partes, na sequência da anulação da decisão proferida na ação inicial entre estas e cuja execução deu lugar a esse acordo extrajudicial.

32

A este respeito, importa referir que, por um lado, no n.o 12 do acórdão de 13 de julho de 1995, Danværn Production (C‑341/93, EU:C:1995:239), o Tribunal de Justiça já interpretou o conceito de «pedido reconvencional», na aceção do artigo 6.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, como dizendo respeito, em substância, a um pedido distinto que visa obter a condenação do demandante e que se pode referir, sendo esse o caso, a um montante superior ao exigido pelo demandante e seguir os seus termos mesmo que o pedido do demandante seja julgado improcedente.

33

Conforme salientou a advogada‑geral no n.o 39 das suas conclusões, o pedido reconvencional deve, por conseguinte, poder ser separado da ação do recorrente e visar uma condenação distinta.

34

Nas circunstâncias do processo principal, o pedido de reembolso do pagamento efetuado em execução da decisão inicial, antes de esta ter sido anulada, constitui um pedido autónomo do locatário, que visa obter uma condenação distinta do locador a reembolsar o que lhe foi pago indevidamente. Por conseguinte, um pedido desse tipo não representa um simples fundamento de defesa contra a ação de pagamento da parte contrária.

35

Por outro lado, o artigo 6.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 requer, além disso, que o pedido reconvencional «derive do contrato ou do facto em que se fundamenta a ação principal».

36

Conforme salientou a advogada‑geral no n.o 43 das suas conclusões, esta expressão deve ser objeto de uma interpretação autónoma, tendo em consideração os objetivos do Regulamento n.o 44/2001.

37

A este respeito, há que salientar que é com uma preocupação de boa administração da justiça que o foro especial em matéria de pedido reconvencional permite às partes regularizar, dentro do mesmo processo e perante o mesmo juiz, todas as suas pretensões recíprocas com uma origem comum. Assim, evitam‑se vários processos e processos supérfluos.

38

Nas circunstâncias do processo principal, deve considerar‑se que o pedido reconvencional de reembolso, baseado num enriquecimento sem causa, deriva do contrato de locação financeira que esteve na origem da ação inicial do locador. Com efeito, o alegado enriquecimento no montante pago em execução do acórdão entretanto anulado não teria ocorrido sem o referido contrato.

39

Por conseguinte, há que considerar que, nessas circunstâncias, um pedido reconvencional de reembolso, nos termos de um enriquecimento sem causa, deriva, na aceção do artigo 6.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, do contrato de locação financeira celebrado entre as partes no processo principal.

40

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo o artigo 6.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o foro designado por esta disposição em matéria de pedido reconvencional é competente para conhecer desse pedido, que visa o reembolso, baseado num enriquecimento sem causa, de uma quantia correspondente ao montante acordado no âmbito de um acordo extrajudicial, quando esse pedido seja feito no decurso de uma nova ação judicial entre as mesmas partes, na sequência da anulação da decisão proferida na ação inicial entre estas e cuja execução deu lugar a esse acordo extrajudicial.

Quanto à segunda e terceira questões

41

Na medida em que, em conformidade com a resposta dada à primeira questão, o foro designado em matéria de pedido reconvencional pelo artigo 6.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 é competente em circunstâncias como as do processo principal, e que esta resposta permite ao juiz de reenvio determinar a competência judicial, não há que responder à segunda e terceira questões.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 6.o, ponto 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que o foro designado por esta disposição em matéria de pedido reconvencional é competente para conhecer desse pedido, que visa o reembolso, baseado num enriquecimento sem causa, de uma quantia correspondente ao montante acordado no âmbito de um acordo extrajudicial, quando esse pedido seja feito no decurso de uma nova ação judicial entre as mesmas partes, na sequência da anulação da decisão proferida na ação inicial entre estas e cuja execução deu lugar a esse acordo extrajudicial.

 

Assinaturas


( *1 ) * Língua do processo: esloveno.

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