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Document 62015CC0321

Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 5 de julho de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:516

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 5 de julho de 2016 ( 1 )

Processo C‑321/15

ArcelorMittal Rodange e Schifflange SA

contra

Grão Ducado do Luxemburgo

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional), Luxemburgo]

«Meio ambiente — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Diretiva 2003/87/CE — Artigos 3.o, alínea a), 11.o e 12. — Cessação da atividade de uma instalação — Incumprimento da obrigação de comunicar alterações numa instalação — Erro de atribuição — Anulação do registo — Restituição das licenças não utilizadas — Ausência de indemnização — Expropriação»

1. 

O comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa estabelecido pela Diretiva 2003/87/CE ( 2 ) constitui a pedra angular da iniciativa da União para reduzir a presença deste tipo de gases na atmosfera, aos quais se atribui, em larga medida, o aquecimento global do planeta. Conferir um valor económico a estas licenças e estabelece‑las como um instrumento de troca de um verdadeiro mercado, constitui um incentivo para reduzir as emissões de gases poluentes. A fiabilidade e a solvência deste mercado exigem um mecanismo rigoroso e preciso para a atribuição e distribuição das licenças de emissão, para o qual é fundamental a ação coordenada entre a União e os Estados‑Membros.

2. 

A natureza jurídica das licenças de emissão tem sido objeto de um amplo debate doutrinal. Na ausência da sua definição pelo direito da União, alguns Estados‑Membros optaram por configurá‑las como autorizações administrativas, enquanto outros as classificam como bens suscetíveis de ser objeto do direito de propriedade.

3. 

A Administração luxemburguesa, que tinha atribuído, por erro, a uma empresa certas licenças de emissão para um período determinado, ordenou‑lhe que procedesse à sua restituição. No contexto do litígio subsequente, discute‑se nos tribunais nacionais se a atuação da Administração equivale a um ato de expropriação sujeito, portanto, a indeminização.

4. 

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a compatibilidade da Diretiva 2003/87 com a norma nacional que impõe, nas circunstâncias do caso, a restituição das licenças de emissão. Pergunta, para além disso, se tais licenças podem ser consideradas como «bens», para os efeitos da garantia constitucional do direito de propriedade.

5. 

Proporei ao Tribunal de Justiça uma interpretação do regime de comércio de licenças de emissão que o torna compatível com a lei nacional em causa. Defenderei, também, que não pode ser encontrada no direito da União a resposta à questão de se saber se aquelas licenças são «bens» ou meras «autorizações administrativas», e que bastará determinar se a sua atribuição e a ordem relativa à sua restituição estão em conformidade com a Diretiva 2003/87.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

1. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

6.

Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, da Carta, «[t]odas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral».

2. Diretiva 2003/87

7.

Segundo o seu artigo 1.o, a Diretiva 2003/87 «cria um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade […] a fim de promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes».

8.

O artigo 3.o contém as seguintes definições:

«a)

“Licença de emissão”, a licença de emitir uma tonelada de equivalente dióxido de carbono durante um determinado período, que só é válido para efeitos do cumprimento da presente diretiva e que é transferível em conformidade com as suas disposições; […]

e)

“Instalação”, a unidade técnica fixa onde se realizam uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I e quaisquer outras atividades diretamente associadas que tenham uma relação técnica com as atividades realizadas nesse local e que possam ter influência nas emissões e na poluição;

f)

“Operador”, qualquer pessoa que explore ou controle uma instalação ou, caso a legislação nacional o preveja, em quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico da instalação;

[…]»

9.

Nos termos do artigo 7.o, «[o] operador deve informar a autoridade competente de quaisquer modificações previstas na natureza ou no funcionamento da instalação ou de qualquer ampliação que possam exigir a atualização do título de emissão de gases com efeito de estufa. Se for o caso, a autoridade competente deve atualizar o título. Em caso de alteração da identidade do operador da instalação, a autoridade competente deve atualizar o título a fim de introduzir o nome e o endereço do novo operador».

10.

O artigo 9.o, sob a epígrafe «Plano nacional de atribuição de licenças de emissão» (a seguir «PNA»), prevê:

«1.   Para cada período referido nos n.os 1 e 2 do artigo 11.o, cada Estado‑Membro deve elaborar um plano nacional estabelecendo a quantidade total de licenças de emissão que tenciona atribuir nesse período e de que modo tenciona atribuí‑la. O plano deve basear‑se em critérios objetivos e transparentes, incluindo os enumerados no anexo III, e ter em devida conta as observações do público. […]

[…]

3.   No prazo de três meses a contar da data de notificação de um [PNA] por um Estado‑Membro nos termos do n.o 1, a Comissão pode rejeitar esse [PNA] ou qualquer dos seus elementos, com base na sua incompatibilidade com os critérios enumerados no anexo III ou no artigo 10.o O Estado‑Membro só pode tomar uma decisão, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 11.o, se as alterações propostas tiverem sido aceites pela Comissão. As decisões de rejeição da Comissão devem ser justificadas.»

11.

Nos termos do artigo 10.o, «[o]s Estados‑Membros devem atribuir gratuitamente, pelo menos, 95% das licenças de emissão para o período de três anos com início em 1 de janeiro de 2005. Os Estados‑Membros devem atribuir gratuitamente pelo menos 90% das licenças de emissão para o período de cinco anos com início em 1 de janeiro de 2008».

12.

O artigo 11.o da Diretiva 2003/87 dispõe:

«[…]

2.   Para o período de cinco anos com início em 1 de janeiro de 2008, e para cada período de cinco anos subsequente, cada Estado‑Membro deve determinar a quantidade total de licenças de emissão que atribuirá nesse período e dar início ao processo de atribuição dessas licenças aos operadores das instalações. Essa decisão deve ser tomada pelo menos 12 meses antes do início do período em causa, devendo basear‑se no respetivo [PNA] elaborado nos termos do artigo 9.o e em conformidade com o artigo 10.o, tendo em devida conta as observações do público.

[…]

4.   A autoridade competente deve conceder uma parte da quantidade total de licenças de emissão para cada ano dos períodos referidos nos n.os 1 e 2, até 28 de fevereiro do ano em questão.»

13.

O artigo 12.o determina:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar a possibilidade de transferência de licenças de emissão entre:

a)

Pessoas no interior da Comunidade;

b)

Pessoas no interior da Comunidade e pessoas de países terceiros nos quais essas licenças de emissão sejam reconhecidas nos termos do artigo 25.o, sem outras restrições que não sejam as estabelecidas na presente diretiva ou aprovadas nos termos da mesma.

[…]

3.   Os Estados‑Membros devem assegurar a devolução pelo operador de cada instalação, até 30 de abril de cada ano, de um número de licenças de emissão equivalente ao total das emissões provenientes dessa instalação durante o ano civil anterior, tal como verificadas nos termos do artigo 15.o, e a sua consequente anulação.

[…]»

14.

Nos termos do artigo 13.o:

«1.   As licenças são válidas para as emissões verificadas durante o período referido no n.o 1 ou no n.o 2 do artigo 11.o relativamente ao qual foram concedidas.

2.   Quatro meses após o início do primeiro período de cinco anos referido no n.o 2 do artigo 11.o, as licenças de emissão que tenham caducado e não tenham sido devolvidas e anuladas em conformidade com o n.o 3 do artigo 12.o são anuladas pela autoridade competente.

Os Estados‑Membros podem conceder às pessoas licenças de emissão para o período em curso, a fim de substituir licenças na sua posse que tenham sido anuladas nos termos do primeiro parágrafo. […]»

15.

Segundo o artigo 14.o:

«1.   A Comissão deve adotar, até 30 de setembro de 2003, […] orientações para a monitorização e a comunicação de informações relativas às emissões, resultantes das atividades enumeradas no anexo I, de gases com efeito de estufa especificados em relação a essas atividades. […].

2.   Os Estados‑Membros devem assegurar a vigilância das emissões em conformidade com as orientações.

3.   Os Estados‑Membros devem assegurar que o operador de cada instalação comunique à autoridade competente, em conformidade com as orientações, após o termo de cada ano civil, as informações relativas às emissões da instalação no ano em causa.»

16.

O artigo 15.o dispõe:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que os relatórios apresentados pelos operadores, nos termos n.o 3 do artigo 14.o, sejam verificados em conformidade com os critérios estabelecidos no anexo V e que as autoridades competentes sejam informadas dos resultados da verificação.

Os Estados‑Membros devem assegurar, até 31 de março de cada ano, que os operadores cujos relatórios não tiverem sido considerados satisfatórios, em conformidade com os critérios estabelecidos no anexo V, no que se refere às emissões do ano anterior, não possam transferir licenças de emissão enquanto os respetivos relatórios não forem considerados satisfatórios.»

17.

Nos termos do artigo 19.o:

«1.   Os Estados‑Membros devem tomar disposições para a criação e manutenção de um registo de dados a fim de assegurar uma contabilidade precisa da concessão, detenção, transferência e anulação de licenças de emissão. Os Estados‑Membros podem gerir os seus registos de dados num sistema consolidado, conjuntamente com outro ou outros Estados‑Membros.

2.   Qualquer pessoa pode ser titular de licenças de emissão. O registo de dados deve ser acessível ao público e ter contas separadas onde sejam registadas as licenças de emissão atribuídas ou cedidas a cada pessoa ou por ela transferidas para outrem.

[…]»

3. Regulamento (CE) n.o 2216/2004 ( 3 )

18.

O artigo 34.o‑A do Regulamento n.o 2216/2004 dispõe:

«1.   Se um titular de conta ou um administrador de registo atuando em nome de um titular de conta iniciar de forma não intencional ou por erro uma operação nos termos dos artigos 52.o, 53.o, 58.o ou do n.o 2 do artigo 62.o, poderá propor ao seu administrador de registo respetivo que este proceda a uma anulação manual da operação, mediante pedido escrito […] a enviar no prazo de cinco dias úteis a contar da finalização da operação ou, se posterior, da entrada em vigor do presente regulamento. O pedido deve incluir uma declaração que indique que a operação foi iniciada por erro ou de forma não intencional.

2.   O administrador de registo pode informar o administrador central do pedido e da sua intenção de proceder a uma intervenção manual específica na sua base de dados de modo a anular a operação, no prazo de 30 dias a contar da sua decisão de anulação da operação mas nunca mais de 60 dias após a finalização da operação ou, se posterior, a entrada em vigor do presente regulamento.

[…]

2 A.   Se o administrador de um registo tiver iniciado, de forma não intencional ou por erro, uma atribuição ao abrigo do artigo 46.o o que tenha resultado na atribuição de licenças a uma instalação que já não estava em funcionamento no momento da operação de atribuição, a autoridade competente pode comunicar o seu pedido ao administrador central para proceder a uma intervenção manual a fim de reverter a operação nos prazos previstos no n.o 2.

[…]»

B – Direito nacional

19.

Nos termos do artigo 16.o da Constituição do Luxemburgo, «[o] direito à propriedade é garantido a todos e a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização, nos casos e de acordo com as modalidades previstos na lei».

20.

A Diretiva 2003/87 foi transposta para o direito luxemburguês através da Lei alterada de 23 de dezembro de 2004, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (a seguir «Lei de 2004»).

21.

O artigo 12.o da Lei de 2004 dispõe:

«[…]

2.   Para o período de cinco anos com início em 1 de janeiro de 2008, e para cada período de cinco anos subsequente, o Ministro determina a quantidade total de licenças de emissão a atribuir durante esse período e dá início ao processo de atribuição dessas licenças ao operador de cada instalação. O Ministro toma esta decisão pelo menos 12 meses antes do início do período em causa, devendo basear‑se no plano nacional de atribuição de licenças de emissão elaborado nos termos do artigo 10.o

[…]

4.   O Ministro concede uma parte da quantidade total de licenças de emissão para cada um dos anos dos períodos referidos nos n.os 1 e 2 até 28 de fevereiro do ano em questão.»

22.

Em conformidade com o artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004, «[q]ualquer cessação total ou parcial da exploração de uma instalação deve ser imediatamente notificada ao Ministro. O Ministro decide sobre a restituição total ou parcial das licenças de emissão não utilizadas».

23.

Em aplicação do artigo 19.o da Diretiva 2003/87, o Luxemburgo elaborou o seu PNA relativo ao período 2008‑2012, que foi aprovado por duas decisões da Comissão, de 29 de novembro de 2006 e 13 de julho de 2007. O PNA prevê que, em caso de cessação ou suspensão da atividade de uma instalação, não sejam atribuídas licenças de emissão para o ano seguinte.

II – Matéria de facto

24.

A 2 de fevereiro de 2008, o Ministro do Ambiente do Luxemburgo atribuiu à ArcelorMittal Rodange e Schifflange SA (a seguir «ArcelorMittal»), a título gratuito para a sua unidade siderúrgica de Schifflange, um total de 405365 quotas ( 4 ) de emissão de gases com efeito de estufa, correspondentes ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2012.

25.

A 19 de outubro de 2011, a assembleia geral da ArcelorMittal decidiu suspender a atividade da siderurgia. Esta decisão não foi notificada à Administração luxemburguesa.

26.

A 22 de fevereiro de 2012, a ArcelorMittal recebeu as licenças de emissão que lhe haviam sido atribuídas para o ano de 2012.

27.

A 19 de março de 2012, a assembleia geral da ArcelorMittal decidiu prolongar a cessação da atividade da siderurgia por um período indeterminado.

28.

A 23 de abril de 2012, a ArcelorMittal solicitou à Administração luxemburguesa a suspensão dos controlos ambientais, devido à inatividade da unidade siderúrgica por um período indefinido.

29.

Como entre a data desta solicitação (23 de abril de 2012) e a data de receção das licenças de emissão atribuídas (22 de fevereiro de 2012) tinham decorrido 61 dias, as autoridades nacionais não puderam apresentar ao administrador central do registo de transações o pedido de anulação da atribuição das referidas licenças de emissão ( 5 ).

30.

A 21 de dezembro de 2012, o Ministro Delegado do Desenvolvimento Sustentável e das Infraestruturas (a seguir «Ministro») comunicou a sua decisão de: a) modificar retroativamente o PNA relativamente aos anos 2008‑2011 e b) exigir a restituição das licenças de emissão atribuídas para o ano de 2012 ( 6 ).

31.

Por despacho de 6 de junho de 2013, o Ministro solicitou à ArcelorMittal a devolução de 80922 licenças de emissão de gases com efeito de estufa, até 31 de julho de 2013.

32.

A ArcelorMittal interpôs recurso do referido despacho no Tribunal Administratif (Tribunal Administrativo, Luxemburgo).

33.

Por decisão de 17 de dezembro de 2014, o Tribunal Administratif (Tribunal Administrativo), submeteu à Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) uma questão relativa à inconstitucionalidade do artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004, na medida em que a referida disposição permite exigir, sem indemnização, a restituição total ou parcial das licenças de emissão atribuídas e não utilizadas.

34.

No âmbito do processo de inconstitucionalidade, a Cour constitutionnelle submeteu ao Tribunal de Justiça a presente questão prejudicial.

III – Questão prejudicial

35.

Foi apresentada, a 29 de junho de 2015, a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 13.o, n.o 6, da Lei alterada de 23 de dezembro de 2004, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, na medida em que permite que o Ministro competente exija a devolução, sem indemnização total ou parcial, das licenças de emissão concedidas em conformidade com o artigo 12.o, n.os 2 e 4, da mesma lei, mas que não foram utilizadas, é compatível com a Diretiva 2003/[87]/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho, e, em especial com a economia do regime de comércio de licenças de emissão nela previsto, estendendo‑se esta questão à questão da existência efetiva, ou inclusivamente, em caso de resposta afirmativa, à questão da qualificação da devolução de licenças de emissão concedidas, mas que não foram utilizadas, bem como à questão da eventual qualificação de bens de tais licenças de emissão?»

36.

Segundo a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional), para decidir se o artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 é compatível com o artigo 16.o da Constituição luxemburguesa, há que proceder à qualificação jurídica das licenças de emissão atribuídas e não utilizadas, assim como da devolução exigida pelo legislador nacional, o que permitirá determinar se foram objeto, enquanto bens, de uma expropriação na aceção daquele artigo.

37.

A fim de dar uma resposta útil ao Tribunal Administratif (Tribunal Administrativo), a Cour Constitutionnelle (Tribunal Constitucional) considera que se deve determinar previamente se a Lei de 2004, cuja constitucionalidade se discute, é conforme com o direito da União, nomeadamente com a Diretiva 2003/87, que ela transpõe.

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e alegações das partes

38.

A ArcelorMittal, o Governo luxemburguês e a Comissão intervieram no processo e apresentaram alegações escritas. Nenhum deles requereu a realização de audiência pública.

39.

A ArcelorMittal defende que as licenças de emissão devem ser consideradas como bens e não autorizações administrativas. Tal decorre do facto de se tratarem, segundo a Diretiva 2003/87, de instrumentos livremente transmissíveis e negociáveis, identificáveis e disponíveis em quantidades limitadas. Partindo desta premissa, para a ArcelorMittal, as licenças de emissão passam a ser propriedade do seu titular desde a sua emissão e inscrição no registo. A restituição prevista no artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 produziria os efeitos de uma expropriação contrária ao artigo 17.o da Carta, violando também a Diretiva 2003/87, na medida em que: a) a única restituição de licenças autorizada pela referida diretiva seria a prevista no seu artigo 12.o, n.o 3 e b) a restituição «coerciva» das licenças não utilizadas impediria que os titulares as mantenham em reserva para posterior comercialização.

40.

Para o Governo luxemburguês, as licenças de emissão foram atribuídas à ArcelorMittal para o ano de 2012 apenas porque esta empresa não informou as autoridades competentes, em momento oportuno, da suspensão das suas atividades na unidade de Schifflange, em finais de 2011. Ainda que admitindo que a Diretiva 2003/87 não permite exigir a restituição das licenças já atribuídas pelo simples facto de que o titular tenha optado mais tarde por reduzir as suas atividades, o Governo luxemburguês considera que as autoridades nacionais podem reagir perante uma situação em que as licenças tenham sido atribuídas indevidamente. A Diretiva 2003/87 não se opõe ao artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004, se for interpretado no sentido de que pode ser exigida a restituição das licenças de emissão atribuídas definitivamente e registadas, quando a cessação, total ou parcial, das atividades de uma instalação, tenha sido decidida antes da atribuição dessas licenças para o ano em curso.

41.

No que se refere à segunda parte da pergunta, o Governo luxemburguês considera que a qualificação jurídica das licenças de emissão, para os efeitos do artigo 16.o da Constituição luxemburguesa, implica interpretar o direito nacional e não o direito da União, pelo que a sua resposta escaparia à competência do Tribunal de Justiça.

42.

À semelhança do Governo luxemburguês, a Comissão considera que a Lei de 2004 é conforme com a Diretiva 2003/87. O PNA do Luxemburgo —aprovado pela Comissão— determina que, para cada ano do período 2008‑2012, a atribuição de licenças de emissão está subordinada ao facto de que a instalação se encontre em funcionamento. Esta regra baseia‑se no artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 e, segundo a Comissão, não seria contrária à Diretiva 2003/87. Se o artigo 11.o, n.o 4, desta diretiva prevê que a atribuição de licenças tem de ser efetuada até 28 de fevereiro de cada ano do período em causa, é precisamente para ter em conta a eventualidade de uma cessação de atividades posterior à atribuição. Além disso, o respeito das condições de atribuição das licenças constituiria a razão de ser do dever, imposto ao titular, de informar a autoridade competente acerca das modificações que tenham tido lugar no que se refere à natureza, ao funcionamento ou à extensão da instalação.

43.

A Comissão defende que o artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87 não se opõe a que um Estado‑Membro possa exigir a restituição das licenças de emissão, numa situação como a do artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004. É certo que a referida disposição da diretiva prevê que as licenças restituídas são as que correspondem às emissões verificadas; no entanto, o termo «restituição» utilizado pela diretiva não tem o mesmo significado que o da disposição nacional. Assim, ao passo que a lei nacional se refere às licenças não utilizadas, o artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87 visa as licenças que são devolvidas para a sua anulação que foram, portanto, necessariamente utilizadas.

44.

No que se refere à segunda parte da questão prejudicial, à semelhança do Governo luxemburguês a Comissão considera que: o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a compatibilidade da obrigação de restituição com o artigo 16.o da Constituição luxemburguesa. Contudo, e apesar de que, na sua opinião, a restituição das licenças não utilizadas que a Lei de 2004 reconhece não constituir um pressuposto de aplicação do direito da União, a Comissão sugere ao Tribunal de Justiça que aproveite este reenvio para precisar a natureza jurídica das licenças de emissão.

V – Apreciação

45.

A dúvida exposta pela Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) divide‑se em duas questões que devem ser respondidas separadamente. A primeira diz respeito à compatibilidade do artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 com a Diretiva 2003/87. A segunda, em caso de resposta afirmativa à primeira, diz respeito à «qualificação» das licenças de emissão.

A – Primeira questão prejudicial

46.

A Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) pergunta, em primeiro lugar, se o artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 é compatível com a Diretiva 2003/87, e mais especificamente «com a economia do regime de comércio de licenças de emissão previsto na referida diretiva».

47.

O órgão jursidicional de reenvio não identifica expressamente as disposições concretas da Diretiva 2003/87 cuja compatibilidade com o artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 lhe suscita dúvidas. No entanto, como esta disposição habilita o Ministro a pronunciar‑se «sobre a devolução total ou parcial das licenças de emissão não utilizadas» no caso de cessação total ou parcial da instalação para as quais foram atribuídas, deve entender‑se que as normas da Diretiva 2003/87 em causa são, basicamente, as que regulam o regime de atribuição, transferência, devolução e anulação das licenças de emissão (artigos 9.o, 11.o e 12.o da Diretiva 2003/87) e as suas condições de validade (artigos 13.o da referida diretiva).

48.

Ainda que não seja necessário proceder a uma análise integral do comércio de licenças de emissão ( 7 ), não me parece supérfluo fazer um resumo das razões que subjazem à sua criação e dos objetivos que prossegue. No espírito do sistema existe uma lógica económica que explica o valor das licenças e que está, também, na origem do debate acerca da sua natureza jurídica ( 8 ).

1. O comércio de licenças de emissão como instrumento de mercado na luta contra a poluição

49.

No Protocolo de Quioto ( 9 ), a União e os Estados‑Membros comprometeram‑se a reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa em 8%, entre 2008 e 2012, relativamente aos níveis de 1990. Com esse objetivo, foi adotado, em outubro de 2003, o regime de comércio de licenças de emissão, concebido como um sistema «cap‑and‑trade», nos termos do qual é atribuído a cada Estado‑Membro um limite máximo (cap) de emissões de gases com efeito de estufa ( 10 ), a ser distribuído entre as instalações nacionais geradoras das emissões. A distribuição é efetuada mediante a atribuição das chamadas «licenças de emissão» ( 11 ), definidas pelo artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 2003/87 como licenças «de emitir uma tonelada de equivalente dióxido de carbono durante um determinado período».

50.

Uma vez que as emissões efetuadas sem licenças de emissão são punidas ( 12 ), e considerando que se pretende reduzir de forma progressiva o limite máximo das autorizadas ( 13 ), o mecanismo constitui um incentivo para que as instalações reduzam as suas atividades poluidoras.

51.

Como recordou o Tribunal de Justiça, «[e]mbora o objetivo último do regime de comércio de licenças de emissão seja a proteção do ambiente através de uma redução das emissões de gases com efeito de estufa, esse regime não reduz, por si só, essas emissões, antes encorajando e fornecendo incentivos para que se encontrem formas de alcançar uma redução das referidas emissões para um nível preciso ao menor custo possível» ( 14 ). O benefício ambiental depende «do rigor com que se determina a quantidade total de licenças de emissão concedidas, que equivale ao limite global de emissões autorizado pelo referido regime» ( 15 ).

52.

As licenças de emissão, para além de se tornarem cada vez mais escassas, deixarão progressivamente de ser gratuitas ( 16 ), de modo que, para cobrir o conjunto das emissões reais de uma instalação, é necessário recorrer a licenças de emissão próprias que não foram utilizadas em anos anteriores, ou adquirir licenças de emissão adicionais, disponibilizadas por outros titulares. Reside aqui a dimensão comercial (trade) do sistema, uma vez que as licenças de emissão são «transferíveis», como estabelece o artigo 3.o, alínea a), da Diretiva 2003/87, o que, dada a sua escassez, lhes confere valor económico.

53.

O valor económico das licenças de emissão constitui um estímulo notável para a redução de emissões ( 17 ), uma vez que, por um lado, a instalação que as consegue reduzir pode vender as licenças que lhe sobrem; por outro lado, aqueles que, num primeiro momento, prefiram comprar licenças de emissão adicionais para satisfazer as suas necessidades, acabarão por considerar ser mais rentável, em função do progressivo encarecimento das licenças ( 18 ), proceder ao investimento em tecnologias de maior eficácia ambiental ou à migração para fontes de energia que libertem menos gases poluentes.

54.

Como recordava a Comissão no Livro Verde sobre a transação de direitos de emissão de gases com efeito de estufa na União Europeia ( 19 ), embora no ano de 2000 não existissem aplicações importantes do sistema de cotas transacionáveis no âmbito da política ambiental da União, este conceito não era totalmente desconhecido. Existiam já exemplos de mecanismos de direitos parcialmente transferíveis, como os contingentes estabelecidos no contexto do Protocolo de Montreal ( 20 ) para as substâncias que empobrecem a camada de ozono e as cotas das políticas de pesca ( 21 ) e do setor do leite e dos produtos lácteos ( 22 ) da União. A experiência de instrumentos de política ambiental baseados no mercado, escassa até então ( 23 ) (razão pela qual o sistema da Diretiva 2003/87 foi inicialmente tido como uma experiência arriscada) foi‑se alargando, acabando por se tornar, em poucos anos de funcionamento, no «porta‑estandarte» das políticas da União no domínio climático ( 24 ).

55.

Neste contexto torna‑se particularmente evidente a importância do procedimento de atribuição das licenças de emissão, convertidas assim na «moeda» de um mercado de dimensões consideráveis. Dedicar‑me‑ei a este procedimento no ponto seguinte, expondo as condições segundo as quais, nos termos da Diretiva 2003/87, se processa a atribuição das licenças, se torna possível a sua transferência e se torna obrigatória a sua restituição ou a sua anulação.

2. O regime das licenças de emissão na Diretiva 2003/87

56.

A atribuição de licenças de emissão deve ser efetuada com base num plano (o PNA), elaborado por cada Estado‑Membro para cada um dos períodos contemplados inicialmente na Diretiva 2003/87 (2005 a 2007 e 2008 a 2012). No PNA deve ser estabelecida a quantidade total de licenças que o Estado‑Membro tenciona atribuir nesse período e de que modo tenciona atribuí‑la.

57.

O PNA, que deve basear‑se em critérios objetivos e transparentes e ter em conta as observações do público (artigo 9.o, n.o 1), deve ser notificado à Comissão e aos restantes Estados‑Membros até ao início do período correspondente (ibidem) ( 25 ). A Comissão pode rejeitá‑lo, total ou parcialmente, de forma fundamentada, num prazo de três meses a partir da data da sua notificação, com base na sua incompatibilidade com os critérios enumerados no anexo III da própria Diretiva ou com as disposições do seu artigo 10.o, quanto à percentagem de licenças de emissão que devem ser atribuídas de forma gratuita (artigo 9.o, n.o 3).

58.

Os pedidos de títulos de emissão devem ser dirigidos à autoridade competente estabelecida pelo Estado‑Membro e devem incluir uma descrição da instalação e das suas atividades, das matérias‑primas cuja utilização seja suscetível de provocar emissões de gases com efeito de estufa, das fontes de emissões de gases existentes na instalação e das medidas previstas para a monitorizar e comunicar informações sobre as emissões (artigo 5.o da Diretiva 2003/87).

59.

Mediante prova de que o operador é capaz de monitorizar e comunicar as emissões, a autoridade competente emite o «título de emissão de gases com efeito de estufa, pelo qual é permitida a emissão de gases» dessa natureza, «de uma parte ou da totalidade de uma instalação» (artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87). O referido título de emissão deve incluir, entre outros elementos, «[a] obrigação de devolver licenças de emissão equivalentes ao total das emissões da instalação em cada ano civil, […] no prazo de quatro meses a contar do termo do ano em causa», devidamente verificadas [artigo 6.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 2003/87].

60.

Em qualquer caso, o operador titular da licença fica obrigado a informar a autoridade competente de quaisquer modificações que possam tornar imprescindível a sua atualização, incluindo a alteração da identidade do operador da instalação (artigo 7.o da Diretiva 2003/87).

61.

As licenças de emissão, válidas para as emissões verificadas durante o período relativamente ao qual tenham sido concedidas (artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87), devem poder ser objeto de transferência na União e entre pessoas no interior da União e países terceiros nos quais sejam reconhecidas (artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87).

62.

A Diretiva 2003/87 prevê a anulação das licenças de emissão: a) quando o seu titular as devolve em número equivalente às emissões verificadas (artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87) b) quando as licenças tenham caducado (por não terem sido utilizadas durante o período para o qual foram concedidas) e não tenham sido devolvidas. Na primeira hipótese, a anulação tem lugar após a devolução; na segunda, quatro meses após o início do período 2008‑2012 ou dos períodos subsequentes (artigo 13.o da Diretiva 2003/87).

63.

É de extrema importância para o mercado estabelecido pela Diretiva 2003/87 que os seus operadores tenham plena confiança relativamente às licenças de emissão em curso, tanto em cada Estado‑Membro como em relação aos restantes Estados da União. Por imperativo do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2003/87, estes «devem assegurar o reconhecimento das licenças de emissão concedidas pela autoridade competente dos outros Estados‑Membros para efeitos do cumprimento dos deveres dos operadores» quanto à devolução das licenças de emissão utilizadas.

64.

Daí que o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87 obrigue os Estados‑Membros a tomar as «disposições para a criação e manutenção de um registo de dados a fim de assegurar uma contabilidade precisa da concessão, detenção, transferência e anulação de licenças de emissão» ( 26 ). Com o mesmo objetivo, o artigo 20.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87 estabelece que a Comissão deve designar «um administrador central, que manterá um diário independente de operações no qual devem ser registadas a concessão, a transferência e a anulação de licenças de emissão» ( 27 ).

65.

A preocupação relativamente à exatidão da quantidade e das circunstâncias das licenças de emissão responde à aspiração da União de melhorar o funcionamento do mercado, evitando as distorções que resultariam de qualquer incerteza acerca da validade e da vigência das licenças, tendo em conta o seu papel como moeda de troca do próprio mercado. Para além disso, acima do interesse puramente económico ou comercial em manter a sua fiabilidade e a sua solvência, está o propósito que o próprio mercado serve, isto é, o seu papel como um instrumento para combater a poluição. A correspondência entre as emissões reais e as autorizadas através das licenças de emissão constitui, por esse motivo, uma prioridade irrenunciável do conjunto do sistema.

3. As disposições da legislação luxemburguesa e a sua compatibilidade com a Diretiva 2003/87

66.

A Diretiva 2003/87 foi transposta para o direito luxemburguês pela Lei de 2004. Para o que aqui importa, o artigo 12.o, n.o 2, desta Lei atribuiu ao Ministro a competência para determinar a quantidade total de licenças de emissão que devem ser atribuídas para o período 2008‑2012 e para dar início ao processo de atribuição. Ambas as medidas devem ser adotadas com base no PNA pelo menos doze meses antes do início daquele período ( 28 ).

67.

Relativamente à concessão das licenças de emissão atribuíveis para cada ano do período quinquenal, o artigo 12.o, n.o 4, da Lei de 2004 dispõe — novamente em conformidade com o disposto no artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/87 — que uma parte da quantidade total deve ser atribuída, o mais tardar, até 28 de fevereiro do ano em questão.

68.

Em conformidade com o disposto na Diretiva 2003/87 e na Lei de 2004, o Luxemburgo elaborou o seu PNA para o período 2008‑2012 em tempo útil tendo obtido a necessária aprovação da Comissão. Esse PNA estabelece que, em caso de cessação ou suspensão da atividade de uma instalação, não serão atribuídas licenças de emissão para o ano seguinte.

69.

Como prevê o artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004, a cessação total ou parcial da exploração de uma instalação deve ser imediatamente comunicada ao Ministro. Esta exigência encontra correspondência, mais uma vez, no artigo 7.o da Diretiva 2003/87, em virtude do qual a autoridade competente deve ser informada de quaisquer modificações que possam exigir a atualização do título de emissão.

70.

Até aqui, parece‑me que a legislação nacional está em plena conformidade com a Diretiva 2003/87. Em particular, é em conformidade com ela que, como prevê o PNA, em caso de cessação ou suspensão da atividade de uma instalação, não lhe serão atribuídas licenças de emissão para o ano seguinte. Como a Comissão, considero que os Estados‑Membros respeitam a Diretiva 2003/87 quando submetem a atribuição daquelas licenças ao requisito de que a instalação titular da licença esteja em funcionamento. Além disso, um requisito dessa natureza deve considerar‑se implícito na Diretiva 2003/87. Se a lógica do sistema é assegurar a equivalência entre as emissões autorizadas e as emissões efetivamente produzidas, o volume das primeiras deve ser calculado a partir das previsões sobre as segundas, e este dado deve ser deduzido do conjunto das instalações presumivelmente ativas durante o período para o qual as licenças devem ser atribuídas.

71.

Contudo, a eventual incompatibilidade entre a legislação luxemburguesa e a Diretiva 2003/87, a que se refere a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional), centra‑se na solução adotada pelo legislador nacional para a situação em que, comunicada a cessação total ou parcial da exploração de uma instalação, existam licenças de emissão não utilizadas. Essa é a situação contemplada, em abstrato, no artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 e que deu lugar, em concreto, ao processo principal.

72.

Não se trata, portanto, de examinar se é ou não compatível com a Diretiva 2003/87 o facto de que, segundo o legislador nacional, as instalações a que se concedam licenças de emissão devam manter‑se em atividade. Na minha opinião, repito, trata‑se de uma condição inquestionável do ponto de vista da Diretiva 2003/87 e, que é mesmo implicitamente, exigida por ela. A questão que se coloca é, antes a de saber, se, uma vez atribuídas licenças de emissão a uma instalação cuja cessação de atividade só depois é verificada, a administração competente pode ordenar a sua restituição, enquanto licenças não utilizadas.

73.

Não se trata, portanto, do caso de um pedido de licenças de emissão rejeitado por se referir a instalações inativas, mas antes do caso de licenças efetivamente atribuídas a uma siderurgia que, por não se encontrar em atividade, não deveriam ter‑lhe sido atribuídas. De forma ainda mais clara, a atribuição indevida resulta de um erro acerca da situação da fábrica siderúrgica de que era titular ArcelorMittal; erro imputável a esta sociedade, que não cumpriu a sua obrigação de informar a autoridade competente da cessação da sua produção.

74.

Num caso como o descrito, o artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 dispõe que «[o] Ministro decide sobre a devolução total ou parcial das licenças de emissão não utilizadas». O problema reduz‑se, assim, a determinar em que condições o Ministro pode decidir sobre a devolução dessas licenças e, mais concretamente, se a decisão adotada (o Ministro optou por pedir à ArcelorMittal a devolução das licenças de emissão não utilizadas, já que não era possível, ratione temporis, anular a atribuição no registo efetuado pelo administrador central do sistema) estava em conformidade com a Diretiva 2003/87.

75.

Considero que a decisão adotada pelo Ministro em aplicação da Lei de 2004 não viola a Diretiva 2003/87. Tendo a ArcelorMittal suspendido a atividade da siderurgia de Schifflange a 19 de outubro de 2011, era sua obrigação, por força do artigo 7.o da referida diretiva e do artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004, informar a autoridade competente dessa circunstância. Se o tivesse feito, e segundo o PNA luxemburguês, não lhe teriam sido atribuídas licenças de emissão (correspondentes a essa instalação) para o ano de 2012. No entanto, essas licenças foram‑lhe atribuídas a 22 de fevereiro de 2012, uma vez que a autoridade competente não tinha conhecimento da cessação de atividade até que, a 23 de abril de 2012, a ArcelorMittal solicitou a suspensão dos controlos ambientais, pelo facto de a atividade da fábrica siderúrgica ter cessado.

76.

Se esta cessação tivesse sido comunicada oportunamente, a autoridade competente teria podido evitar o erro de atribuir licenças que eram manifestamente indevidas. E se, uma vez cometido o erro, tivesse tido conhecimento da cessação antes de decorridos sessenta dias de calendário, teria podido solicitar ao administrador central a anulação «da operação» ( 29 ), uma vez que essa é a solução prevista no artigo 34.o‑A, n.o 2‑A, do Regulamento n.o 2216/2004 para estes casos.

77.

Não vejo incompatibilidade entre a Diretiva 2003/87 e o artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 se o Ministro, quando tenha conhecimento tardio da cessação da exploração de uma instalação, solicita ao administrador central que anule a «operação» em virtude da qual lhe foram atribuídas as licenças de emissão. Quid se essa anulação fosse impossível, por se terem esgotado os prazos estabelecidos na legislação reguladora do registo? Novamente, à semelhança da Comissão, entendo que nessas circunstâncias o Ministro pode exigir a restituição das licenças erroneamente atribuídas.

78.

É certo que a Diretiva 2003/87 se refere apenas à «devolução» das licenças de emissão correspondentes às emissões realizadas [artigo 6.o, n.o 2, alínea e), e artigo 12.o, n.o 3, da referida diretiva]. A conceção do sistema não parece compatível, em princípio, com a modificação posterior da quantidade total das licenças atribuídas ou das licenças atribuídas a cada instalação ( 30 ). No entanto, a situação descrita neste caso é a da restituição de uma licença de emissão que nunca devia ter sido concedida, uma vez que se verificou o incumprimento das condições do PNA no quadro da Diretiva 2003/87. Não se trata, portanto, de um reajuste para corrigir um mero erro de cálculo na determinação da quantidade de licenças de emissão (este é o caso a que se refere a Comissão na sua comunicação COM(2006) 725 final) ( 31 ), mas de aplicar as regras de funcionamento do sistema para evitar a distorção do mercado das licenças de emissão e facilitar, imediatamente, o objetivo de proteção ambiental prosseguido pelo mercado.

79.

Em suma, creio que a Diretiva 2003/87 não se opõe à Lei de 2004 na medida em que esta obriga a restituir as licenças de emissão atribuídas indevidamente em consequência do incumprimento, por parte do operador da instalação beneficiária da licença, do seu dever de informar a autoridade competente, no momento da cessação da atividade da fábrica. A ordem de restituição é legítima se, tendo em consideração a sequência temporal, já não for possível pedir a anulação da atribuição ao administrador central, uma vez decorrido o prazo previsto na legislação do registo de operações, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar.

B – Segunda questão prejudicial

1. Considerações preliminares sobre a sua admissibilidade

80.

A segunda questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio versa sobre a natureza ou a qualificação jurídica das licenças de emissão. É de particular importância para a Cour constitutionnelle (Tribunal Constucional), uma vez que da sua resposta pode depender a possibilidade de a ordem de restituição ser considerada, segundo o direito luxemburguês, como uma expropriação.

81.

Tanto a Comissão como o Governo luxemburguês colocam objeções à viabilidade desta segunda questão. A Comissão defende que a obrigação de restituição resulta de uma regra estabelecida pelo Luxemburgo no exercício do poder de aprovar o seu PNA, não se tratando de uma obrigação imposta pelo direito da União nem, portanto, um pressuposto de aplicação deste direito.

82.

Na mesma linha, o Governo luxemburguês considera que a questão não implica interpretar a Diretiva 2003/87, mas o direito nacional; trata‑se, concretamente, de uma questão de direito nacional (constitucional) submetida perante a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) e que só esta pode resolver no âmbito da sua competência jurisdicional. No seu entender, a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) deve limitar o seu exame à conformidade das leis luxemburguesas com a Constituição nacional, sem possibilidade, portanto, de se pronunciar sobre a compatibilidade daquelas com a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais nem com a Carta, tarefa para a qual são apenas competentes os órgãos jurisdicionais ordinários.

83.

A Comissão admite que, apesar de o direito da União não ser aplicável ao objeto da questão, o Tribunal de Justiça poderia explicar quais são as caraterísticas das licenças de emissão no âmbito daquele direito, «com o objetivo de permitir ao órgão jurisdicional de reenvio extrair as suas próprias conclusões» ( 32 ). O Governo luxemburguês, pelo contrário, é perentório na sua recusa em aceitar a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a segunda questão, ao ponto de nem sequer ter apresentado alegações a seu respeito.

84.

A objeção do Governo luxemburguês está relacionada com a (eventual) incompetência do Tribunal de Justiça, devido à ausência de conexão entre o objeto da questão e o direito da União. Mas prende‑se também com caráter prévio, com a (novamente, eventual) incompetência da Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) para resolver o litígio, que ultrapassa os limites da sua jurisdição.

2. Sobre a competência do órgão jurisdicional de reenvio para submeter a questão

85.

A legitimidade da Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) para proceder a um reenvio prejudicial ao abrigo do artigo 267.o TFUE deriva da sua indiscutível condição de órgão jurisdicional. Assente esta premissa, e perante a posição defendida pelo Governo luxemburguês, a Cour constitutionnelle considerou pertinente dirigir‑se ao Tribunal de Justiça, por entender que, para se pronunciar sobre a conformidade do artigo 13.o, n.o 6, da Lei de 2004 com o artigo 16.o da Constituição —isto é, para se pronunciar sobre uma questão de caráter indiscutivelmente constitucional — há antes de mais que determinar a natureza jurídica das licenças de emissão, em conformidade com o direito da União.

86.

Na minha opinião, quando a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) afirma que, para determinar o conteúdo de uma disposição interna (neste caso, o artigo 16.o da Constituição do Luxemburgo, tomado como critério de validade da Lei de 2004), precisa de resolver as suas dúvidas relativamente à qualificação de «bens» das licenças de emissão segundo o direito da União, pode —e deve, nos termos do artigo 267.o TFUE— dirigir ao Tribunal de Justiça o reenvio prejudicial. Se é ou não imprescindível recorrer a disposições normativas alheias ao texto da Constituição, suscita um problema de direito interno em que o Tribunal de Justiça não pode interferir. A este cabe apenas verificar o caráter jurisdicional do tribunal remitente e dar resposta às suas questões, partindo do princípio de que compete ao juiz nacional —que conhece o litígio a quo e deve assumir a responsabilidade de a resolver— apreciar, à luz das suas circunstâncias concretas, tanto a necessidade do reenvio, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça ( 33 ).

3. Sobre a competência do Tribunal de Justiça

87.

Como é sabido, o acima exposto não é suficiente para que o Tribunal de Justiça deva responder ao que se lhe pergunta. Além disso, é imprescindível que a questão verse sobre a interpretação de uma norma de direito da União relevante para dirimir o litígio no processo principal ( 34 ).

88.

Tanto o Governo luxemburguês como a Comissão concordam quanto ao facto de que no presente caso não se verifica essa circunstância, mas não compartilho da sua opinião.

89.

De acordo com o que expus ao sugerir a resposta à primeira questão prejudicial, as regras das licenças de emissão da Diretiva 2003/87 conduzem, num caso como este, à restituição das licenças atribuídas erroneamente.

90.

É certo, no entanto, que o direito da União não determina de forma inequívoca a natureza jurídica das licenças de emissão, e que, em virtude do princípio da subsidiariedade, cabe aos Estados‑Membros defini‑la. As soluções adotadas são muito heterogéneas: desde a sua caraterização como autorizações administrativas (cotas outorgadas, licenças, autorizações, concessões), até à sua qualificação como bens suscetíveis de apropriação (em plena propriedade, ou mediante direitos de utilização ou outros atípicos iura in re) ou como simples instrumentos financeiros, em quase todos os casos com várias reservas e precauções ( 35 ).

91.

No entanto, antes de proceder à qualificação jurídica das licenças de emissão (seja como bens, autorizações administrativas ou instrumentos financeiros, inter alia), deve esclarecer‑se uma questão prévia: a da validade da sua constituição como «licenças de emissão» na aceção da Diretiva 2003/87.

92.

Assim, independentemente da natureza jurídica que lhes seja conferida pelas respetivas legislações nacionais, as licenças de emissão só podem ser concedidas ou atribuídas em conformidade com as normas da União. No caso em apreço, o problema colocado perante os órgãos jurisdicionais nacionais versa, como foi já referido, sobre a restituição de licenças de emissão, exigida ao comprovar‑se a sua atribuição indevida. Uma vez que, para decidir sobre a pertinência da restituição é necessário recorrer à Diretiva 2003/87, encontramo‑nos perante um caso de aplicação do direito da União e, portanto, no âmbito da competência do Tribunal de Justiça.

93.

Por outras palavras, antes de determinar se no ordenamento jurídico luxemburguês as licenças de emissão são bens ou autorizações administrativas —o que compete ao juiz nacional em aplicação das suas normas próprias— há que verificar se, no caso em apreço, se o próprio objeto da qualificação jurídica a efetuar foi constituído. Esta verificação deve ser feita em conformidade com o direito da União, segundo a interpretação que dele faça o Tribunal de Justiça.

4. Quanto ao mérito

94.

A criação das licenças de emissão —primeiro— e a sua configuração como bens ou como autorizações administrativas —depois— representam dois processos diferenciados, inseridos em âmbitos normativos distintos: o direito da União, no que se refere ao primeiro; os direitos nacionais, relativamente ao segundo.

95.

Se, num Estado‑Membro, as licenças de emissão se configuram como bens suscetíveis de apropriação (direito de propriedade ou direitos afins) pelos seus titulares, a sua privação pelo poder público poderia, eventualmente, constituir uma situação de expropriação, se assim o decidirem os respetivos órgãos jurisdicionais. Pelo contrário, no caso de serem qualificadas como meras licenças ou autorizações administrativas, a sua revogação implicaria, certamente, um tratamento diferente: novamente o previsto no direito nacional, interpretado pelos tribunais do Estado‑Membro.

96.

O litígio submetido à Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) diz respeito à origem da licença de emissão, no âmbito da Diretiva 2003/87. Diz assim respeito a um momento anterior ao da qualificação jurídica desse direito, uma vez constituído como tal. Nesta fase, não pode ainda falar‑se, em sentido estrito, de um bem suscetível de apropriação nem de uma autorização administrativa válida, pelo que a restituição das licenças de emissão indevidamente atribuídas não pode ser considerada nem como uma expropriação, nem como a revogação irregular de um ato administrativo. Simplesmente porque, no contexto normativo da União —que é o ordenamento onde deve ser encontrada a resposta a dar àquela restituição— a licença de emissão não é necessariamente nem um bem, nem uma autorização, mas apenas o pressuposto de algo que poderá ser, depois, uma coisa ou outra (ou até algo diferente), em cada Estado‑Membro.

97.

A restituição de uma licença de emissão não utilizada, baseada no facto de que a sua atribuição é o resultado de um erro, induzido pelo seu titular e não reparável por via de anulação do registo (isto é, a restituição objeto do processo principal), é uma consequência derivada da Diretiva 2003/87. Assim se garante o correto funcionamento do sistema de comércio de licenças de emissão arbitrado pela União como instrumento chave da sua política de proteção do meio ambiente. Entendo, por isso, que o artigo 17.o da Carta não se aplica, uma vez que a restituição, nestas circunstâncias, não implica a expropriação de um bem já integrado no património do titular, mas a revogação do ato de atribuição da licença de emissão, devido ao incumprimento dos requisitos que essa atribuição devia respeitar em conformidade com a Diretiva 2003/87.

98.

Consequentemente, sugiro como resposta à segunda questão prejudicial, que as licenças de emissão atribuídas em violação da Diretiva 2003/87 não podem ser qualificadas como bens incorporados no património dos seus titulares, à luz das garantias inerentes ao direito fundamental de propriedade reconhecido pelo artigo 17.o da Carta.

VI – Conclusão

99.

Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional), Luxemburgo, nos seguintes termos:

«1)

A Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho, não se opõe a uma legislação nacional, como a aplicável no processo principal, que impõe a obrigação de restituir as licenças de emissão atribuídas com base num erro, induzido pelo operador da instalação, quando não seja já possível solicitar ao administrador central do registo a anulação dessa atribuição, o que cabe ao órgão jurisdicional determinar.

2)

As licenças de emissão atribuídas em violação das condições estabelecidas na Diretiva 2003/87 não podem ser qualificadas como bens incorporados no património dos seus titulares, à luz das garantias inerentes ao direito fundamental de propriedade reconhecido pelo artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 275, p. 32). O litígio principal diz respeito ao segundo período do regime de comércio de licenças de emissão, pelo que a versão aplicável da Diretiva 2003/87 é a anterior à sua alteração pela Diretiva 2009/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 (JO 2009, L 140, p. 63).

( 3 ) Regulamento da Comissão, de 21 de dezembro de 2004, relativo a um sistema de registos normalizado e protegido, em conformidade com a Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão n.o 280/2004/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2004, L 386, p. 1), alterado pelo Regulamento (CE) n.o 916/2007 da Comissão, de 31 de julho de 2007 (JO 2007, L 200, p. 5), e pelo Regulamento (UE) n.o 920/2010 da Comissão, de 7 de outubro de 2010 (JO 2011, L 270, p. 1).

( 4 ) A expressão «cotas» corresponde à utilizada pela Administração e os tribunais luxemburgueses. V. a nota 11.

( 5 ) Segundo o artigo 34.o‑A, n.o 2, do Regulamento n.o 2216/2004, disposição introduzida pelo Regulamento n.o 916/2007, o pedido em causa deve ser entregue «nunca mais de 60 dias após a finalização da operação.»

( 6 ) A conta na qual se ordenou à ArcelorMittal que procedesse à restituição das licenças de emissão não era a prevista para a restituição de licenças de emissão para efeitos da sua anulação, mas sim uma conta diferente aberta em nome da administração.

( 7 ) Para uma perspetiva global sobre este assunto, v. Pâques, M.: «La directive 2003/87/CE et le système d’échange de quotas d’émission de gaz à effet de serre dans la Communauté européenne», Revue trimestrielle de droit européen 40 (2), 2004, pp. 249 a 282.

( 8 ) Uma exposição atualizada das diferentes posições da doutrina, v. Rotoullié, J.C.: L’utilisation de la technique de marché en droit de l’environnement. L’exemple du système européen d’échange des quotas d’émission de gaz à effet de serre, Thèse de doctorat, Université Panthéon Assas, 2015, pp. 136 a 153.

( 9 ) Aprovado pela Decisão 2002/358/CE do Conselho, de 25 de abril de 2002, relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Protocolo de Quioto da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas e ao cumprimento conjunto dos respetivos compromissos (JO 2002, L 130, p. 1). Sobre os antecedentes e o processo de negociação do Protocolo de Quioto, assim como sobre o seu funcionamento, v. Freestone, D.: «The International Climate Change Legal and Institutional Framework: An Overview», en Freestone, D. e Streck, C.: Legal Aspects of Carbon Trading, Oxford University Press, Nueva York, 2009, pp. 3 a 32.

( 10 ) Os gases desse tipo encontram‑se indicados no anexo II da Diretiva 2003/87 são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), os hidrofluorocarbonetos (HFC), os perfluorocarbonetos (PFC) e o hexafluoreto de enxofre (SF6). O sistema cobre as emissões das centrais elétricas, de um vasto espetro de setores industriais com consumo intensivo de energia e das companhias aéreas comerciais (Comissão Europeia: El régimen de comercio de derechos de emisión de la UE (ETS), outubro 2013, em: http://ec.europa.eu/clima/publications/docs/factsheet_ets_es.pdf).

( 11 ) Não estando certo de que se trate da sua causa ou do seu efeito, o facto é que a heterogeneidade das soluções nacionais relativamente à natureza jurídica das licenças de emissão tem correspondência com a diversidade das designações utilizadas nas diferentes versões linguísticas da Diretiva 2003/87 para a elas fazer referência. Enquanto, por exemplo, nas versões espanhola e neerlandesa são utilizadas, respetivamente, as expressões «derechos de emisión» e «emissierecht», a italiana e a francesa utilizam as expressões «quotta di emissioni» e «quota», a inglesa prefere o termo «allowance», a alemã o termo «Zertifikat» e a portuguesa opta, por fim, por «licença de emissão».

( 12 ) O artigo 16.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87 fixa uma multa por emissões excedentárias de 100 euros por cada tonelada de equivalente dióxido de carbono emitido pela instalação relativamente à qual o operador não tenha devolvido licenças de emissão.

( 13 ) A partir de 2013, o limite das emissões das centrais elétricas e outras instalações é reduzido para um valor anual de 1,74% (artigo 9.o da Diretiva 2003/87 conforme alterada pela Diretiva 2009/29), o que implica que em 2020 essas emissões deveriam ser 20% mais baixas do que em 1990. Neste sentido v., recentemente, acórdão de 28 de abril de 2016, Borealis Polyolefine e o. (C‑191/14, C‑192/14, C‑295/14, C‑389/14 e C‑391/14 a C‑393/14, EU:C:2016:311, n.o 81). No âmbito da navegação aérea opera‑se com valores diferentes.

( 14 ) Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o. (C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 31).

( 15 ) Ibidem.

( 16 ) Segundo o artigo 10.o da Diretiva 2003/87, para o período de três anos com início a 1 de janeiro de 2005, os Estados‑Membros deviam atribuir gratuitamente pelo menos 95% das licenças de emissão, reduzindo‑se esse valor para 90% relativamente ao período 2008‑2012. A partir do período com início em 2013, o principal método de atribuição é o leilão. Para uma breve descrição das diferentes fases do sistema relativo, v. em Comissão Europeia: The EU Emissions Trading System (UE ETS), citado, pp. 3 a 4. Importa salientar, a este respeito que, para o Tribunal de Justiça, «a atribuição de licenças de emissão a título gratuito, prevista no artigo 10.o da Diretiva 2003/87, não visava conceder subvenções aos produtores em causa, mas atenuar o impacto económico da introdução imediata e unilateral pela União Europeia de um mercado de licenças de emissão, ao evitar uma perda de competitividade de determinados setores de produção abrangidos por esta diretiva» (acórdão de 17 de outubro de 2013, Iberdrola e o., C‑566/11, C‑567/11, C‑580/11, C‑591/11, C‑620/11 e C‑640/11, EU:C:2013:660, n.o 39). O facto de que a pressão concorrencial foi insuficiente «para limitar o impacto do valor das licenças de emissão nos preços da eletricidade» teve como consequência que os produtores de eletricidade realizassem lucros aleatórios, situação que se procurava evitar, estabelecendo desde 2013 a atribuição das licenças de emissão com recurso a um mecanismo de venda em leilão integral (acórdão de 17 de outubro de 2013, Iberdrola e o., C‑566/11, C‑567/11, C‑580/11, C‑591/11, C‑620/11 e C‑640/11, EU:C:2013:660, n.o 40).

( 17 ) Como afirmou o Tribunal de Justiça no processo Arcelor Atlantique et Lorraine e o. (acórdão de 16 de dezembro de 2008, C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 32), a lógica económica subjacente ao regime consiste em garantir que as reduções sejam realizadas ao menor custo: «Nomeadamente, ao autorizar a venda das licenças de emissão atribuídas, esse regime visa incitar quem nele participa a emitir uma quantidade de gases com efeito de estufa inferior aos direitos de emissão que lhe tenham sido inicialmente atribuídos, para que ceda o excedente a outro participante que tenha produzido uma quantidade de emissões superior aos direitos de emissão que lhe tenham sido atribuídos». O Tribunal de Justiça pronunciou‑se no mesmo sentido no acórdão de 7 de abril de 2016, Holcim (Roménia)/Comissão (C‑556/14 P, EU:C:2016:207, n.o 65).

( 18 ) Dez anos após a sua entrada em vigor, a polémica sobre a eficácia do comércio de licenças de emissão não terminou, favorecida pelos seus preços reduzidos desde 2008. Para um resumo da controvérsia v. Schrödinger’s emissions trading system. Europe’s carbon‑trading system is better than thought, and could be better still, disponível em http://www.economist.com/node/21683960.

( 19 ) COM(2000) 87 final, n.o 3, in fine.

( 20 ) Cuja legislação era constituída, à época, pelo Regulamento (CEE) n.o 594/91 do Conselho, de 4 de março de 1991, relativo a substâncias que empobrecem a camada de ozono (JO 1991, L 67, p. 1), alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 3952/92 do Conselho, de 30 de dezembro de 1992 (JO 1992, L 405, p. 41), e pelo Regulamento (CE) n.o 3093/94 do Conselho, de 15 de dezembro de 1994, relativo a substâncias que empobrecem a camada de ozono (JO 1994, L 333, p. 1).

( 21 ) O quadro legal era agora constituído pelo Regulamento (CEE) n.o 3760/92 do Conselho, de 20 de dezembro de 1992, que institui um regime comunitário da pesca e da aquicultura (JO 1992, L 389, p. 1).

( 22 ) Os principais elementos legislativos da época eram o Regulamento (CEE) n.o 856/84 do Conselho, de 31 de março de 1984, que altera o Regulamento (CEE) n.o 804/68 que estabelece a organização comum de mercado no setor do leite e dos produtos lácteos (JO 1984, L 90, p. 10), o Regulamento (CEE) n.o 3950/92 do Conselho, de 28 de dezembro de 1992, que institui uma imposição suplementar no setor do leite e dos produtos lácteos (JO 1992, L 405, p. 1), e o Regulamento (CEE) n.o 536/93 da Comissão, de 9 de março de 1993, que estabelece as normas de execução da imposição suplementar no setor do leite e dos produtos lácteos (JO 1993, L 57, p. 12).

( 23 ) Reduzida ao US Clean Air Act de 1990 e ao Californian Regional Clean Act Incentives Market de 1994.

( 24 ) A expressão é de Pohlmann, M.: «The European Union Emissions Trading Scheme», em Freestone, D. e Streck, C.: Legal Aspects of Carbon Trading, citado, p. 339.

( 25 ) Até 31 de março de 2004 para os planos relativos ao período 2005‑2007, e pelo menos 18 meses antes do início do período de 2008‑2012 e do início dos períodos subsequentes.

( 26 ) O sublinhado é meu.

( 27 ) Com caráter geral, sobre este sistema de registo, v. Molina Hernández, C.: «El registro de derechos de emisión de los gases de efecto invernadero de la Unión Europea», em Revista de Derecho Comunitario Europeo, n.o 56, 2016, pp. 157 a 197.

( 28 ) A Lei de 2004 estava, assim, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 2003/87.

( 29 ) Segundo o artigo 2.o, alínea v), do Regulamento n.o 2216/2004, por operação entende‑se «a emissão, transferência, aquisição, devolução, anulação e substituição de licenças e a emissão, transferência, aquisição, anulação e retirada de URE, RCE, UQA e URM e o reporte de URE, RCE e UQA».

( 30 ) Na Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu relativa à avaliação dos [PNA] de licenças de emissão de gases com efeito de estufa no segundo período do regime de comércio comunitário de emissões [COM(2006) 725 final], n.o 2, ponto 2.1, explica‑se que esses «ajustamentos ulteriores são contrários ao conceito fundamental de limitação e transação (“cap‑and‑trade”), definido pela diretiva» e que a Comissão considera «não existir necessidade, no plano administrativo, nem qualquer outra justificação [para efetuar ajustamentos ulteriores]», sendo que «[p]ara uma atribuição antecipada de licenças, os Estados‑Membros devem utilizar os melhores dados disponíveis».

( 31 ) Nela se contempla como um dos casos em que, apesar de tudo, é admissível a adaptação ulterior ao encerramento de uma instalação durante o período em curso, situação em que «deixou de haver um operador para a atribuição das licenças» (ibidem).

( 32 ) N.o 49 das suas observações.

( 33 ) Neste sentido, v., entre outros, acórdão de 26 de junho de 2007, Ordre des barreux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, EU:C:2007:383, n.o 18).

( 34 ) Por exemplo, acórdão de 21 de dezembro de 2011, Cicala (C‑482/10, EU:C:2011:868, n.os 16 a 19).

( 35 ) Sobre este ponto v., La régulation des marchés du CO2 , Rapport de la mission confiée à Michel Prada, 2010, pp. 60 a 61, disponível em http://www.ladocumentationfrancaise.fr/rapports‑publics/104000201/

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