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Document 62014TJ0561

Acórdão do Tribunal Geral (Segunda Secção alargada) de 23 de abril de 2018.
European Citizens' Initiative One of Us e o. contra Comissão Europeia.
Direito institucional — Iniciativa cidadania europeia — Política de investigação — Saúde pública — Cooperação para o desenvolvimento — Financiamento pela União das atividades que implicam a destruição de embriões humanos — Comunicação da Comissão nos termos do artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (UE) n.° 211/2011 — Recurso de anulação — Capacidade judiciária — Ato impugnável — Inadmissibilidade parcial — Fiscalização jurisdicional — Dever de fundamentação — Erro manifesto de apreciação.
Processo T-561/14.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2018:210

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

23 de abril de 2018 ( *1 )

«Direito institucional — Iniciativa cidadania europeia — Política de investigação — Saúde pública — Cooperação para o desenvolvimento — Financiamento pela União das atividades que implicam a destruição de embriões humanos — Comunicação da Comissão nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento (UE) n.o 211/2011 — Recurso de anulação — Capacidade judiciária — Ato impugnável — Inadmissibilidade parcial — Fiscalização jurisdicional — Dever de fundamentação — Erro manifesto de apreciação»

No processo T‑561/14,

European Citizens’ Initiative One of Us, e os restantes recorrentes cujos nomes figuram em anexo ( 1 ), representados inicialmente por C. da Hougue e, em seguida, por J. Paillot, advogados, e, por último, por P. Diamond, barrister,

recorrentes,

apoiadas por:

República da Polónia, representada por M. Szwarc, A. Miłkowska e B. Majczyna, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Laitenberger e H. Krämer, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado inicialmente por U. Rösslein e E. Waldherr e, em seguida, por Rösslein e R. Crowe, na qualidade de agentes,

e pelo

Conselho da União Europeia, representado por E. Rebasti e K. Michoel, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado a obter a anulação da Comunicação COM(2014) 355 final da Comissão, de 28 de maio de 2014, relativa à iniciativa de cidadania europeia «Um de nós»,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada),

composto por: M. Prek, presidente, E. Buttigieg (relator), F. Schalin, B. Berke e M. J. Costeira, juízes,

secretário: L. Grzegorczyk, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de maio de 2017,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

Processo relativo à iniciativa de cidadania europeia intitulada «Uno di noi»

1

Em 11 de maio de 2012, a Comissão Europeia, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, relativo à iniciativa de cidadania (JO 2011, L 65, p. 1), registou a proposta de iniciativa de cidadania europeia (a seguir «ICE») intitulada «Uno di noi» (Um de nós) sob a referência ECI(2012) 000005 (a seguir «ICE controvertida»).

2

O objeto da ICE controvertida era, tal como descrito no registo disponibilizado em linha pela Comissão para este efeito, «[a] proteção jurídica da dignidade, do direito à vida e à integridade de todo o ser humano desde a conceção em domínios de competência da [União Europeia] onde essa proteção se revela de importância especial».

3

Os objetivos da ICE controvertida eram descritos nos seguintes termos no registo acima referido:

«O embrião humano merece o respeito pela sua dignidade e integridade. Assim é afirmado no Acórdão do TJUE no caso Brüstle que define o embrião humano como o início do desenvolvimento do ser humano. Para garantir a coerência entre as áreas da sua competência em que a vida do embrião humano está em causa, a UE deve introduzir uma proibição e pôr fim ao financiamento das atividades que pressupõem a destruição de embriões humanos, em particular no que respeita à investigação, ajuda ao desenvolvimento e saúde pública.»

4

As disposições dos Tratados que eram consideradas pertinentes pelos organizadores da ICE controvertida eram os artigos 2.° e 17.° TUE, bem como o artigo 4.o, n.os 3 e 4, TFUE e os artigos 168.°, 180.°, 182.°, 209.°, 210.° e 322.° TFUE.

5

No âmbito da ICE controvertida, três alterações de atos da União Europeia eram propostas.

6

Em primeiro lugar, era proposto inserir no Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1), um artigo que dispusesse que «[n]enhum [fundo da União Europeia] dev[ia] ser [atribuído a] atividades que destru[íssem] embriões humanos ou que exig[ísse]m a sua destruição».

7

Em segundo lugar, era proposto inserir uma alínea d), no artigo 16.o, n.o 3, da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Horizonte 2020 — Programa‑Quadro de Investigação e Inovação (2014‑2020) [COM(2011) 809 final], que excluísse qualquer financiamento ao abrigo deste programa‑quadro as «atividades de investigação que destru[ísse]m embriões humanos, incluindo as destinadas a obter células estaminais, e pesquisas que envolvam o uso de células estaminais embrionárias humanas nas suas etapas de produção».

8

Em terceiro lugar, era proposto acrescentar um n.o 5 ao artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o1905/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, que institui um instrumento de financiamento da cooperação para o desenvolvimento (JO 2006, L 378, p. 41), com a seguinte redação:

«A assistência da União nos termos do presente regulamento não deve ser usada para financiar o aborto, direta ou indiretamente, através do financiamento de organizações que se dedicam a realizar ou a promover o aborto. Nenhuma referência é feita no presente regulamento à saúde sexual e reprodutiva, saúde, direitos, serviços, provisões, educação e informação na Conferência Internacional sobre População e do Desenvolvimento, os seus princípios e programa de ação, a Agenda do Cairo e os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, em particular o número 5 sobre a saúde e mortalidade materna, pode ser interpretada como uma base jurídica para a utilização dos fundos da União Europeia para financiar o aborto, direta ou indiretamente.»

9

Em 28 de fevereiro de 2014, em conformidade com o artigo 9.o do Regulamento n.o 211/2011, os organizadores da ICE controvertida apresentaram a iniciativa à Comissão.

10

Em 9 de abril de 2014, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, representantes da Comissão receberam os organizadores da ICE controvertida.

11

Em 10 de abril de 2014, em conformidade com o artigo 11.o do Regulamento n.o 211/2011, foi concedida aos organizadores da ICE controvertida a possibilidade da apresentarem numa audição pública organizada no Parlamento Europeu.

12

Em 28 de maio de 2014, a Comissão adotou a comunicação COM(2014) 355 final, relativa à ICE controvertida (a seguir «comunicação impugnada»), com fundamento no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011. Nesta comunicação, a Comissão tomou posição no sentido de não levar a cabo nenhuma ação na sequência da ICE controvertida.

Conteúdo da comunicação impugnada

13

A comunicação impugnada estava dividida em quatro partes.

14

No ponto 1, intitulado «Introdução», a Comissão apresentava, designadamente, o objeto e os objetivos da ICE controvertida e as três alterações legislativas propostas.

15

O ponto 2 da comunicação impugnada era intitulado «Ponto da situação».

16

No ponto 2.1 da comunicação impugnada, intitulado «Dignidade humana na legislação da UE», a Comissão apresentava, designadamente, a legislação da União relativa à proteção da dignidade humana e precisava que todos os instrumentos legislativos da União e todas as despesas desta deviam estar em conformidade com os Tratados e com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e respeitar, consequentemente, a dignidade humana, o direito à vida e o direito à integridade da pessoa. O mesmo devia igualmente aplicar‑se à legislação e às despesas da União relativas à investigação sobre células estaminais embrionárias humanas (a seguir «CSEH») e à cooperação para o desenvolvimento neste domínio. A Comissão indicava igualmente que, no Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), citado pelos organizadores no âmbito da descrição dos objetivos da ICE controvertida, o Tribunal de Justiça tinha precisado que «a [D]iretiva [98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 1998, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas (JO 1998, L 213, p. 13),] não t[inha] por objeto regulamentar a utilização dos embriões humanos no âmbito de investigações científicas» e que o «seu objeto se limit[ava] à patenteabilidade das invenções biotecnológicas». A Comissão notava que a questão de saber se este tipo de investigação podia ser levado a cabo e financiado não era abordada.

17

O ponto 2.2 da comunicação impugnada era intitulado «Investigação sobre [CSEH]». Neste ponto, a Comissão explicava o estado da investigação sobre as células estaminais (ponto 2.2.1) e as competências e ações dos Estados‑Membros e da União neste domínio (pontos 2.2.2 e 2.2.3).

18

No que diz respeito às competências da União, a Comissão apresentava o programa da União para a investigação e a inovação Horizonte 2020, estabelecido pelo Regulamento (UE) n.o 1291/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que cria o Horizonte 2020 — Programa‑Quadro de Investigação e Inovação (2014‑2020) e que revoga a Decisão n.o 1982/2006/CE (JO 2013, L 347, p. 104), e explicava que este programa funcionava num quadro ético estrito que incluía um sistema de «tripla segurança» composto pelos elementos seguintes. Primeiramente, a legislação nacional devia ser respeitada: os projetos da União deviam obedecer às leis do país no qual a investigação era levada a cabo. Em segundo lugar, todos os projetos deviam ser cientificamente validados com base num exame pelos pares e deviam ser objeto de um exame ético rigoroso. Em terceiro lugar, os fundos da União não podiam ser utilizados para o isolamento de novas linhagens de células estaminais, nem para investigações que implicassem a destruição de embriões humanos, incluindo para o aprovisionamento em células estaminais.

19

O ponto 2.3 da comunicação impugnada era intitulado «Cooperação para o desenvolvimento» e, após um ponto introdutório sobre o estado da saúde materno‑infantil nos países em desenvolvimento (ponto 2.3.1), apresentava a competência e as atividades dos Estados‑Membros (ponto 2.3.2) e da União (ponto 2.3.3) no domínio da saúde materno‑infantil.

20

A Comissão indicava que as atividades de cooperação para o desenvolvimento conduzidas pelos Estados‑Membros eram guiadas pelos objetivos do «Desenvolvimento do Milénio» (a seguir «ODM») e pelo programa de ação da Conferência Internacional sobre a População e Desenvolvimento (a seguir «CIPD»). A Comissão precisava que o programa de ação da CIPD qualificava os abortos praticados em condições inadequadas de segurança como um importante problema de saúde pública e apelava para que fosse dada a maior prioridade à prevenção dos casos de gravidez não desejada. Em caso algum o aborto devia ser promovido como método de planeamento familiar e a assistência ligada ao aborto deveria processar‑se no contexto jurídico de cada país. A CIPD sublinhava que, quando não fosse contrário à lei, o aborto devia ser praticado em condições adequadas de segurança. A Comissão precisava, além disso, que os ODM se tinham tornado uma referência para a política de desenvolvimento mundial. O objetivo n.o 4 consistia em reduzir em dois terços a taxa de mortalidade das crianças com menos de cinco anos, ao passo que o objetivo n.o 5 consistia em reduzir em três quartos a mortalidade materna entre 1990 e 2015 e alcançar o objetivo de acesso universal à saúde reprodutiva.

21

Quanto à competência e às atividades da União, a Comissão apresentava as disposições do Tratado FUE relativas à Cooperação para o Desenvolvimento e os principais instrumentos destinados ao financiamento dessa cooperação. A Comissão identificava igualmente as prioridades do financiamento, pela União, para o desenvolvimento no setor da saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, e precisava os controlos efetuados da utilização dos fundos de desenvolvimento da União.

22

O ponto 3 da comunicação impugnada era intitulado «Avaliação dos pedidos de iniciativa de cidadania europeia».

23

No ponto 3.1 da comunicação impugnada, intitulado «Observações gerais», a Comissão recordava os objetivos da ICE controvertida e abordava o seu pedido relativo à alteração ao Regulamento n.o 1605/2002. A este propósito, a Comissão observava que, em conformidade com o artigo 87.o do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho (JO 2012, L 298, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»), todas as despesas da União deviam estar em conformidade com os Tratados e com a Carta dos Direitos Fundamentais. Por conseguinte, segundo a Comissão, o Regulamento Financeiro já garantia que todas as despesas da União, nomeadamente nos domínios da investigação, da cooperação para o desenvolvimento e da saúde pública, respeitavam a dignidade humana, o direito à vida e o direito à integridade do ser humano. A Comissão acrescentava que o objetivo do Regulamento Financeiro era estabelecer regras financeiras formuladas não para um domínio político específico da União, mas em termos gerais, e relativas, nomeadamente, à elaboração e à execução do orçamento da União.

24

No ponto 3.2 da comunicação impugnada, intitulado «Investigação sobre [CSEH]», a Comissão abordava a segunda proposta de alteração legislativa feita pela ICE controvertida. A este propósito, a Comissão precisava a legislação relativa ao Programa‑Quadro Horizonte 2020 continha disposições pormenorizadas que regem o apoio financeiro da União à investigação sobre as CSEH. A Comissão precisava também que esta legislação era recente e que os dois colegisladores da União, o Parlamento e o Conselho da União Europeia, tinham tido em conta os aspetos éticos, o valor acrescentado ao nível da União e os potenciais benefícios para a saúde decorrentes de todos os tipos de investigação sobre células estaminais. A Comissão recordava igualmente a existência do «triplo sistema de segurança» (v. n.o 18, supra). A Comissão concluía, neste ponto, que as disposições do Programa‑Quadro Horizonte 2020 relativas a investigação sobre as CSEH já contemplavam importantes pedidos dos organizadores, nomeadamente de que a União não financiasse a destruição de embriões humanos e de que fossem efetuados controlos adequados. A Comissão considerava, no entanto, que não podia satisfazer o pedido dos organizadores de que a União não financiasse investigação subsequente para o estabelecimento de linhagens de CSEH. A este propósito, a Comissão explicava que tinha formulado a sua proposta relativa ao programa Horizonte 2020 tendo em conta as considerações de ordem ética, os potenciais benefícios para a saúde e o valor acrescentado do apoio a nível da União para todos os tipos de investigação sobre células estaminais e que os colegisladores da União tinham adotado esta proposta com base num acordo obtido democraticamente durante as negociações interinstitucionais.

25

No ponto 3.3 da comunicação impugnada, intitulado «Cooperação para o desenvolvimento», a Comissão abordava a terceira proposta de alteração legislativa feita pela ICE controvertida. Observava, em primeiro lugar, que o objetivo subjacente da ICE controvertida era a redução do número de abortos praticados nos países em desenvolvimento. A este propósito, a Comissão precisava que o apoio da União para o setor da saúde consistia quer na prestação de assistência integrada aos serviços, a qual incluía serviços de saúde sexual, reprodutiva, materna, neonatal e infantil em toda a cadeia de cuidados de saúde, ou a prestação de apoio orçamental para ajudar os países a melhorar a prestação dos seus próprios serviços nacionais de saúde. Segundo a Comissão, este apoio dado pela União contribuía de forma substancial para a redução do número de abortos, uma vez que melhorava o acesso a serviços seguros e eficazes, entre os quais figurava um planeamento familiar de qualidade, uma vasta gama de métodos contracetivos, a contraceção de emergência e uma educação sexual global. A Comissão indicava que a União, ao conceder o seu apoio, respeitava plenamente as decisões soberanas dos países parceiros quanto aos serviços de saúde que seriam prestados e às modalidades da sua prestação, desde que esses serviços estejam em conformidade com os princípios convencionados em matéria de direitos humanos. A Comissão precisava que não era favorável à afetação do apoio apenas a determinados serviços, uma vez que isso dificultaria o caráter exaustivo e o caráter eficaz do apoio às estratégias nacionais em matéria de saúde.

26

O ponto 4 da comunicação impugnada era intitulado «Conclusões» e constituía, em substância, um resumo dos desenvolvimentos anteriores.

27

No ponto 4.1 da comunicação impugnada, intitulado «Generalidades», a Comissão concluía que não via necessidade de propor alterações ao Regulamento Financeiro.

28

No ponto 4.2 da comunicação impugnada, intitulado «Investigação sobre [CSEH]», a Comissão expressava a opinião de que as disposições do programa Horizonte 2020 já contemplam uma série de importantes pedidos dos organizadores, nomeadamente de que a União não financiasse a destruição de embriões humanos e de que fossem efetuados controlos adequados. A Comissão considerava, todavia, que não era possível satisfazer o pedido dos organizadores no sentido de que a União não financiasse investigação posterior para o estabelecimento de linhagens de CSEH.

29

No ponto 4.3 da comunicação impugnada, intitulado «Cooperação para o desenvolvimento», a Comissão concluía que a proibição de financiamento do aborto praticado nos países em desenvolvimento restringiria a capacidade da União para alcançar os objetivos fixados nos ODM, especialmente no que diz respeito à saúde materna, e no programa de ação da CIPD, objetivos recentemente confirmados à escala quer internacional quer europeia.

30

No ponto 4.3, quinto parágrafo, da comunicação impugnada, a Comissão precisava que, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011, essa comunicação seria notificada aos organizadores da ICE controvertida, ao Parlamento Europeu e ao Conselho e que a mesma seria tornada pública.

Tramitação processual e pedidos das partes

31

Os recorrentes são a entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» e as sete pessoas singulares que são os organizadores da ICE controvertida e que constituem o seu comité dos cidadãos na aceção do artigo 2.o, n.o 3, e do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 211/2011.

32

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de julho de 2014, os recorrentes interpuseram o presente recurso. O recurso tinha por objeto não só a anulação da comunicação impugnada, mas igualmente, a título subsidiário, a anulação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011. Designava como recorridos o Parlamento, o Conselho e a Comissão.

33

Em 29 de janeiro de 2015, a Comissão apresentou a sua resposta.

34

Por requerimentos separados, apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 6 e 9 de fevereiro de 2015, o Parlamento e o Conselho deduziram uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991. Concluíam pedindo que o recurso fosse julgado inadmissível na parte em que lhes dizia respeito.

35

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 6 e 9 de fevereiro de 2015, o Parlamento e o Conselho pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão caso o recurso fosse julgado inadmissível na parte que lhes dizia respeito.

36

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de março de 2015, a International Planned Parenthood Federation pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão, do Parlamento e do Conselho.

37

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de abril de 2015, a Marie Stopes International pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão, do Parlamento e do Conselho.

38

Em 14 de abril de 2015, os recorrentes apresentaram uma réplica na qual apresentavam igualmente as suas observações sobre as exceções de inadmissibilidade suscitadas.

39

Em 4 de junho de 2015, a Comissão apresentou uma tréplica.

40

Por Despacho de 26 de novembro de 2015, One of Us e o./Comissão (T‑561/14, não publicado, EU:T:2015:917), a Primeira Secção do Tribunal Geral julgou o recurso inadmissível na parte em que era dirigido contra o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, pelo que o Parlamento e o Conselho deixaram de poder ser considerados recorridos na instância.

41

Por decisão de 30 de novembro de 2015, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral deferiu os pedidos de intervenção apresentados pelo Parlamento e pelo Conselho, precisando que os seus direitos eram os previstos no artigo 116.o, n.o 6, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991.

42

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de janeiro de 2016, a República da Polónia pediu para intervir em apoio dos pedidos dos recorrentes.

43

Por Despacho de 16 de março de 2016, One of Us e o./Comissão (T‑561/14, EU:T:2016:173), o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral indeferiu os pedidos de intervenção da International Planned Parenthood Federation e da Marie Stopes International. Por outro lado, concluiu que os recorrentes tinham feito um uso inadequado dos pedidos de intervenção apresentados por estas entidades, incorrendo, assim, num abuso de processo, e teve em conta esse abuso quando da repartição das despesas ao abrigo do artigo 135.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

44

Por decisão de 17 de março de 2016, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção apresentado pela República da Polónia, precisando que os seus direitos eram os previstos no artigo 116.o, n.o 6, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991.

45

Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz‑relator foi afetado à Segunda Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

46

Com base em proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção), no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, fez, em 28 de novembro de 2016, uma pergunta escrita às partes no processo principal, a que estas responderam no prazo fixado para o efeito.

47

Mediante proposta da Segunda Secção, o Tribunal Geral, em 14 de dezembro de 2016, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, decidiu remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

48

Mediante proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção alargada) decidiu, em 11 de janeiro de 2017, abrir a fase oral do processo.

49

Por decisão de 9 de março de 2017, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de adiamento da audiência apresentado pelos recorrentes.

50

Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal Geral na audiência de 16 de maio de 2017.

51

Os recorrentes, apoiados pela República da Polónia, concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a comunicação impugnada;

condenar a Comissão nas despesas,

52

A Comissão, apoiada pelo Parlamento e pelo Conselho, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

julgar o recurso inadmissível e, de qualquer modo, negar‑lhe provimento;

condenar os recorrentes nas despesas.

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Quanto à admissibilidade do recurso na parte em que é interposto pela entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us»

53

A título preliminar, importa recordar que a questão da legitimidade ativa do recorrente para bem como acesso deste às vias de recurso pode ser examinada oficiosamente pelo juiz da União, na medida em que diz respeito a um fundamento de inadmissibilidade de ordem pública (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2007, Au Lys de França/Comissão, T‑458/04, não publicado, EU:T:2007:195, n.o 33 e jurisprudência referida).

54

No caso vertente, a questão que importa examinar oficiosamente é a de saber se a entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» pode intentar perante o juiz da União uma ação judicial a fim de pedir, com base no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, a anulação da comunicação impugnada.

55

As partes principais tiveram possibilidade de apresentar observações sobre esta problemática no âmbito das suas respostas à pergunta feita pelo Tribunal Geral (v. n.o 46, supra). Esta problemática foi igualmente objeto de debate na audiência.

56

Os recorrentes sustentaram, em substância, que o recurso era admissível na medida em que era interposto pela European Citizens’ Initiative One of Us e invocaram, em apoio desta tese, o Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59). A título subsidiário, sustentaram que o recurso era, de qualquer modo, admissível, na medida em que era interposto pelas sete pessoas singulares que eram os organizadores da ICE controvertida e que constituíam o comité dos cidadãos desta.

57

A Comissão sustentou que a entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» não dispunha de capacidade para intentar ações judiciais perante o juiz da União, uma vez que apenas as sete pessoas singulares mencionadas supra dispõem dessa capacidade.

58

Resulta da própria redação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE que apenas as pessoas singulares e as entidades dotadas de personalidade jurídica podem interpor recurso de anulação ao abrigo desta disposição.

59

No entanto, foi reconhecido que, em certos casos particulares, uma entidade que não dispusesse de personalidade jurídica segundo o direito de um Estado‑Membro ou de um Estado terceiro podia, no entanto, ser considerada uma «pessoa coletiva» na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e interpor recurso de anulação com fundamento nessa disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de outubro de 1982, Groupement des Agences de voyages/Comissão, 135/81, EU:C:1982:371, n.os 9 a 12, e de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.os 109 a 112). É nomeadamente esse o caso quando, nos seus atos ou comportamentos, a União e as suas instituições tratam a entidade em questão como sendo um sujeito distinto que pode ser titular de direitos que lhe são próprios ou estar sujeito a obrigações ou a restrições.

60

Antes de mais, no caso vertente, não resulta dos autos que a entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» dispõe de personalidade jurídica por força do direito de um Estado‑Membro ou de um Estado terceiro. A este propósito, refira‑se que, em resposta ao pedido da Secretaria do Tribunal Geral acerca da prova da existência jurídica desta entidade, os recorrentes forneceram unicamente uma impressão do registo oficial das iniciativas de cidadania europeias, postas em linha pela Comissão, mencionado a ICE controvertida.

61

Seguidamente, não resulta do Regulamento n.o 211/2011 que este confere personalidade jurídica a uma ICE tratando‑a como um sujeito distinto. As únicas pessoas que, designadamente, participam no processo na Comissão (designadamente, artigos 3.° a 6.° e 8.° a 11.° do Regulamento n.o 211/2011), responsabilizadas em razão dos danos por elas causadas quando da organização de uma ICE (artigo 13.o do Regulamento n.o 211/2011), são sujeitas a sanções em caso de infração ao Regulamento n.o 211/2011 (artigo 14.o do Regulamento n.o 211/2011), são informadas das razões da recusa de registo de uma proposta de ICE e das vias de recurso judiciais e extrajudiciais de que dispõem (artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 211/2011) e recebem notificação da comunicação da Comissão, prevista no artigo 10.o do Regulamento n.o 211/2011, são os organizadores da ICE em causa, a saber, as pessoas singulares reunidas no âmbito de um comité de cidadãos.

62

Por último, não resulta de nenhum ato nem de nenhum comportamento da Comissão que esta tenha tratado a entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» como sendo um sujeito distinto. De resto, os recorrentes não invocaram nenhuma circunstância destinada a demonstrar a existência desse tratamento.

63

Impõe‑se, portanto, concluir que a entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» não dispõe da capacidade para intentar ações judiciais perante o juiz da União.

64

Esta conclusão não é posta em causa pelo Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59), invocado pelos recorrentes. Com efeito, basta constatar que o recorrente nesse processo era o comité dos cidadãos (Bürgerausschuss) da ICE em causa, composto por sete pessoas singulares identificadas na petição, e não esta ICE.

65

Tendo em conta as considerações precedentes há que declarar inadmissível o recurso, na parte em que foi interposto pela entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us», sem prejuízo da admissibilidade do recurso na parte em que foi igualmente interposto pelas sete pessoas singulares que constituem o comité dos cidadãos da ICE controvertida.

Quanto ao caráter impugnável da comunicação impugnada na aceção do artigo 263.o TFUE

66

Sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.o do Regulamento de Processo de 2 maio de 1991, a Comissão alega que o recurso é inadmissível, pelo facto de a comunicação impugnada não constituir um ato suscetível de recurso de anulação por força do artigo 263.o TFUE.

67

Os recorrentes contestam a tese da Comissão.

68

Recorde‑se que podem ser objeto de um recurso de anulação baseado no artigo 263.o TFUE todos os atos adotados pelas instituições da União, independentemente da sua natureza ou da sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos que podem afetar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9; de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 16; e de 20 de setembro de 2016, Mallis e o./Comissão e BCE, C‑105/15 P a C‑109/15 P, EU:C:2016:702, n.o 51).

69

A Comissão sustenta que a comunicação impugnada não constitui — dada a sua forma e a sua natureza — um ato destinado a produzir efeitos jurídicos vinculativos e, menos ainda, a produzir efeitos suscetíveis de afetar os interesses dos recorrentes modificando a sua situação jurídica de forma caracterizada. Com efeito, a comunicação impugnada não enuncia obrigações, ainda menos obrigações que incumbam aos recorrentes, e também não regulamenta o seu estatuto jurídico ou as suas competências. Trata‑se antes de um ato da Comissão que traduz a sua intenção de seguir uma certa linha de conduta e que não pode ser considerada como destinada a produzir efeitos de direito. Em apoio da sua argumentação, a Comissão invoca os Acórdãos de 6 de abril de 2000, Espanha/Comissão (C‑443/97, EU:C:2000:190), e de 20 de maio de 2010, Alemanha/Comissão (T‑258/06, EU:T:2010:214).

70

Como resulta da jurisprudência do juiz da União, para determinar se um ato produz efeitos jurídicos, deve ter‑se em conta, designadamente, o seu objeto, o seu conteúdo, a sua substância, bem como o contexto factual e jurídico em que esse ato foi adotado (Despacho de 8 de março de 2012, Octapharma Pharmazeutika/EMA, T‑573/10, não publicado, EU:T:2012:114, n.o 30; v., igualmente, neste sentido, Despacho de 13 de junho de 1991, Sunzest/Comissão, C‑50/90, EU:C:1991:253, n.os 12 e 13, e Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.o 58).

71

O recurso de anulação tem por objeto, no caso vertente, a comunicação impugnada, através da qual a Comissão tomou a posição definitiva de não apresentar nenhuma proposta ao ato jurídico em resposta à ICE controvertida. No âmbito desta ICE, três alterações de atos da União eram propostas e o seu conteúdo era definido de modo preciso. Importa, por conseguinte, determinar se essa comunicação constitui um ato impugnável na aceção da jurisprudência referida nos n.os 68 e 70, supra.

72

Resulta do artigo 11.o°, n.o 4, TUE e do considerando 1 do Regulamento n.o 211/2011 que é conferido aos cidadãos da União, em número de, pelo menos, um milhão, nacionais de um número significativo de Estados‑Membros, o direito de se dirigirem diretamente à Comissão a fim de lhe apresentar um pedido convidando‑a a apresentar uma proposta de ato jurídico para efeitos da aplicação dos Tratados, semelhante ao direito conferido ao Parlamento, pelo artigo 225.o TFUE, e ao Conselho, pelo artigo 241.o TFUE. Conforme referido no considerando 1 do Regulamento n.o 211/2011, este direito destina‑se a reforçar a cidadania europeia e a melhorar o funcionamento democrático da União através de uma participação dos cidadãos na vida democrática da União (v. Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão, T‑646/13, EU:T:2017:59, n.o 18 e jurisprudência referida). Este direito conferido aos cidadãos da União é regulado pelo Regulamento n.o 211/2011.

73

O Regulamento n.o 211/2011 fixa os procedimentos e as condições exigidas para a apresentação dessa ICE. No seu considerando 8, precisa que uma estrutura caracterizada por um mínimo de organização se impõe e, para este fim, prevê a criação de um comité de cidadãos composto por pessoas singulares (os organizadores) proveniente de, pelo menos, sete Estados‑Membros diferentes, que está encarregado da elaboração da ICE e da sua apresentação à Comissão. O Regulamento n.o 211/2011 prevê, no seu artigo 4.o, que a proposta de ICE deve ser registada junto da Comissão e que esse registo se efetua na condição de que esta constate que um certo número das condições, fixadas na disposição suprarreferida esteja preenchido. É unicamente na sequência desse registo que a recolha das declarações de apoio a uma proposta de ICE junto de, pelo menos, um milhão de signatários, proveniente de, pelo menos, um quarto da totalidade dos Estados‑Membros, pode ser iniciada. Esta recolha deve ser efetuada no âmbito de procedimentos e condições definidos, de maneira detalhada, nos artigos 5.° a 8.° do Regulamento n.o 211/2011. O artigo 9.o do Regulamento n.o 211/2011 prevê a possibilidade de os organizadores, desde que seja respeitado o conjunto dos procedimentos e condições por este previstas, apresentarem a ICE à Comissão.

74

O artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, que constitui a base legal da comunicação impugnada, dispõe que a Comissão deve apresentar, no prazo de três meses a contar da apresentação da ICE em conformidade com o artigo 9.o do regulamento supramencionado, através de uma comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não essas medidas. O artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011 prevê que a comunicação supramencionada deve ser notificada aos organizadores, ao Parlamento e ao Conselho, e divulgada ao público.

75

O artigo 11.o° do Regulamento n.o 211/2011 prevê, designadamente, que, no prazo de três meses previsto no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento, deve ser dada aos organizadores a oportunidade de apresentarem a ICE numa audição pública no Parlamento.

76

Tendo em conta que o mecanismo da ICE tem por objetivo convidar a Comissão, no âmbito das suas atribuições, a submeter uma proposta de ato (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2016, Costantini e o./Comissão, T‑44/14, EU:T:2016:223, n.o 31), resulta das disposições supramencionadas que a apresentação pela Comissão da comunicação prevista no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 constitui o culminar do procedimento relativo à ICE, na medida em que, através desta comunicação, a Comissão informa, designadamente, os organizadores da ICE da sua decisão quanto à questão de saber se a Comissão vai levar a cabo ou não uma ação em resposta a esta última. Por outro lado, não se contesta que a apresentação dessa comunicação constitui uma obrigação que recai sobre a Comissão.

77

No caso vertente, resulta dos autos que os recorrentes são os organizadores da ICE controvertida e que estão encarregados da sua elaboração e da sua apresentação à Comissão seguindo as etapas descritas nos artigos 4.° e 5.° a 9.° do Regulamento n.o 211/2011. De notar, igualmente, que a ICE controvertida recolheu o apoio de 1721626 signatários provenientes de 28 Estados‑Membros. Além disso, recorde‑se que a comunicação impugnada apresenta a posição definitiva da Comissão, uma vez que esta última decidiu não apresentar qualquer proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida e, a título mais geral, não levar a cabo nenhuma ação em resposta a esta. Além do mais, esta comunicação constitui o culminar do procedimento específico iniciado e conduzido pelos recorrentes com fundamento no Regulamento n.o 211/2011 e a sua adoção constitui uma obrigação para a Comissão. Tendo em conta estes elementos, impõe‑se concluir que a comunicação impugnada produz efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses dos recorrentes, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v., neste sentido, e por analogia, Acórdãos de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.os 52 e 58, e de 25 de junho de 1998, Lilly Industries/Comissão, T‑120/96, EU:T:1998:141, n.os 50 a 56).

78

Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação da Comissão.

79

Em primeiro lugar, na medida em que a comunicação impugnada encerra a posição definitiva da Comissão de não apresentar uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida e encerra o processo de ICE intentado e prosseguido pelos recorrentes por força do Regulamento n.o 211/2011, há que considerar que esta comunicação não tem a natureza e as características dos atos que estavam em causa nos Acórdãos de 6 abril de 2000, Espanha/Comissão (C‑443/97, EU:C:2000:190), e de 20 de maio de 2010, Alemanha/Comissão (T‑258/06, EU:T:2010:214), invocados pela Comissão (v. n.o 69, supra), atos que eram considerados pelo juiz da União como não sendo suscetíveis de recurso de anulação.

80

Com efeito, o Acórdão de 6 de abril de 2000, Espanha/Comissão (C‑443/97, EU:C:2000:190), dizia respeito a um recurso de anulação contra as orientações internas da Comissão relativas às correções financeiras líquidas no âmbito da aplicação do artigo 24.o do Regulamento (CEE) n.o 4253/88 do Conselho de 19 de dezembro de 1988 que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro (JO 1988, L 374, p. 1). O Tribunal de Justiça considerou, no n.o 34 deste acórdão, que essas orientações internas traduziam unicamente a intenção da Comissão de seguir uma certa linha de conduta no exercício da competência que lhe era atribuída pelo artigo 24.o do Regulamento n.o 4253/88 e que, por conseguinte, não se podia considerar que essas orientações visavam produzir efeitos de direito.

81

Ora, no caso vertente, na medida em que a comunicação impugnada apresenta as características descritas no n.o 77, supra, não é possível sustentar que a mesma não visa produzir efeitos de direito. Contrariamente ao ato em causa no Acórdão de 6 de abril de 2000, Espanha/Comissão (C‑443/97, EU:C:2000:190), a comunicação impugnada produz efeitos que ultrapassam a esfera interna da Comissão.

82

O Acórdão de 20 de maio de 2010, Alemanha/Comissão (T‑258/06, EU:T:2010:214), era relativo a um recurso de anulação contra a comunicação interpretativa da Comissão relativa ao direito da União aplicável à adjudicação de contratos não sujeitos ou parcialmente sujeitos às diretivas «contratos públicos». O Tribunal Geral salientou, no n.o 26 do acórdão, que esta comunicação se destinava a dar a conhecer a abordagem geral da Comissão quanto à aplicação do conjunto das normas fundamentais relativas à adjudicação dos contratos públicos, que resultavam diretamente das regras e dos princípios do Tratado CE, designadamente os princípios da não discriminação e da transparência, às adjudicações de contratos não sujeitas ou parcialmente sujeitas às diretivas «contratos públicos». Foi neste contexto que o Tribunal Geral prosseguiu ao considerar, no n.o 27 desse acórdão, que, para poder ser qualificado como ato impugnável, a comunicação em causa devia destinar‑se a produzir efeitos jurídicos novos em relação aos que comportava a aplicação dos princípios fundamentais do Tratado CE e que, para que isso pudesse ser verificado, era necessário examinar o seu conteúdo. Na sequência desse exame, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 162 do acórdão, que a comunicação em causa não incluía novas regras de adjudicação dos contratos públicos ao ir além das obrigações decorrentes do direito da União existente e que, por conseguinte, não se podia considerar que a mesma produzia efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar a situação jurídica do recorrente e dos intervenientes.

83

Ora, no caso vertente, não é possível sustentar que a comunicação impugnada constitua uma comunicação «interpretativa». Em contrapartida, as características descritas no n.o 77, supra, revelam que esta comunicação se destina a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses dos recorrentes, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica.

84

Em segundo lugar, a Comissão salientou que o artigo 11.o, n.o 4, TUE e o Regulamento n.o 211/2011 conferiam aos organizadores de uma ICE, quando muito, um direito de exigir a apresentação de uma proposta de ato jurídico. Uma vez que esta proposta é, em si, apenas preliminar e preparatória por natureza, o indeferimento de um pedido com vista à apresentação dessa proposta não pode ser considerado um ato destinado a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. Neste contexto, a Comissão alegou que, segundo a jurisprudência da União, um ato impugnado em que se indefere um pedido do recorrente não pode ser apreciado independentemente do ato explicitamente visado por esse pedido e que, consequentemente, o ato impugnado só constitui um ato impugnável se o ato visado pelo pedido pudesse ser igualmente objeto de um recurso de anulação interposto pelo recorrente.

85

Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, quando um ato da Comissão reveste caráter negativo, esse ato deve ser apreciado em função da natureza do pedido para o qual constitui uma resposta (v. Despacho de 14 de dezembro de 2005, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03, EU:T:2005:458, n.o 64 e jurisprudência referida). Em especial, uma recusa é um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação na aceção do artigo 263.o TFUE, desde que o ato que a instituição recuse adotar puder ser impugnado ao abrigo dessa disposição (Acórdão de 22 de outubro de 1996, Salt Union/Comissão, T‑330/94, EU:T:1996:154, n.o 32 e jurisprudência referida).

86

Ora, como foi já decidido, esta jurisprudência só é aplicável quando, como no caso vertente, a decisão da Comissão for tomada num processo definido precisamente por um regulamento da União, no âmbito do qual a Comissão é obrigada a pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um particular por força desse regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho 1998, Lilly Industries/Comissão, T‑120/96, EU:T:1998:141, n.os 62 e 63).

87

A argumentação da Comissão, apresentada no n.o 84, supra, deve, consequentemente, ser rejeitada.

88

Em terceiro lugar, em apoio da sua tese relativa ao caráter não impugnável da comunicação impugnada, a Comissão invocou, na audiência, o Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423), relativo ao caráter impugnável da decisão através da qual a Comissão das Petições do Parlamento pôs termo ao exame da petição apresentada pelo recorrente nesse processo.

89

No âmbito do Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423), o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 22 deste, que a decisão mediante a qual o Parlamento, tendo‑lhe sido submetida uma petição, considerava que esta não preenchia as condições enunciadas no artigo 227.o TFUE, devia poder ser objeto de fiscalização jurisdicional, uma vez que esta era suscetível de afetar o direito de petição do interessado. O mesmo sucede com a decisão pela qual o Parlamento, ignorando a própria essência do direito de petição, se recusa a tomar conhecimento ou a não tomar conhecimento de uma petição que lhe é dirigida e, em consequência, a verificar se esta preenche os requisitos enunciados no artigo 227.o TFUE.

90

Em contrapartida, no que respeita a uma petição em que o Parlamento considerou estarem preenchidos os requisitos enunciados no artigo 227.o TFUE, o Tribunal de Justiça entendeu, no n.o 24 do Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423), que o Parlamento dispunha de uma ampla margem de apreciação, de natureza política, quanto ao seguimento a dar a essa petição. O Tribunal de Justiça concluiu que uma decisão tomada a este respeito escapava à fiscalização jurisdicional e que pouco importava que, através de tal decisão, o Parlamento tivesse tomado ele próprio as medidas indicadas ou que tivesse considerado não estar em condições de o fazer e tivesse transmitido a petição à instituição ou ao serviço competente para que essa instituição ou esse serviço tomassem essas medidas.

91

Na audiência, a Comissão sustentou, em substância, que o raciocínio seguido no Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423), era transponível para o caso vertente, na medida em que, tal como o Parlamento, a Comissão dispunha de uma ampla margem de apreciação sobre o seguimento a dar a uma ICE. Além disso, alega que, contrariamente ao direito de petição, o direito de participar na vida democrática da União por intermédio de uma ICE não constituía um direito fundamental e que teria sido, por conseguinte, incoerente conferir‑lhe uma proteção jurisdicional «superior» à que é conferida ao direito de petição.

92

Tendo em conta no n.o 22 do Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423), importa apreciar se a recusa da Comissão de submeter ao legislador da União uma proposta de ato jurídico, formulada no âmbito de uma comunicação adotada com fundamento no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, é suscetível de afetar o direito dos cidadãos fundado no artigo 11.o, n.o 4, TUE.

93

A este propósito, recorde‑se que o direito dos cidadãos, fundado no artigo 11.o, n.o 4, TUE, é destinado a reforçado a cidadania europeia e a melhorar o funcionamento democrático da União (v. n.o 72, supra), dado que o objetivo último é encorajar a participação dos cidadãos na vida democrática e tornar a União mais acessível (v. considerando 2 do Regulamento n.o 211/2011). O facto de não sujeitar a uma fiscalização jurisdicional a recusa da Comissão de apresentar ao legislador da União uma proposta de ato jurídico, formulada na comunicação prevista pelo artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, comprometeria a realização desse objetivo, na medida em que o risco de arbitrariedade da parte da Comissão dissuadiria qualquer recurso ao mecanismo da ICE, atentos, igualmente, os procedimentos e condições exigentes a que este mecanismo está sujeito.

94

Por outro lado, de notar que o mecanismo de petição que foi objeto de exame no âmbito do Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423), e o mecanismo da ICE não são semelhantes.

95

Como resulta do Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423), uma petição é, primeiro, examinada para efeitos da apreciação da sua admissibilidade com base nos requisitos enunciados no artigo 227.o TFUE e, em seguida, é sujeita ao poder discricionário do Parlamento quanto ao seguimento a dar. Entre estas duas etapas, a petição não é sujeita a nenhuma condição e procedimento adicionais que afetem o peticionário e a sua situação jurídica.

96

Em contrapartida, uma ICE «admissível», no sentido de que é registada ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011 (primeira etapa do mecanismo da ICE), deve preencher requisitos adicionais a fim de ser submetida ao exame da Comissão efetuado no âmbito da comunicação apresentada por força do artigo 10.o do Regulamento n.o 211/2011 (segunda etapa do mecanismo da ICE). Estes requisitos adicionais, que recaem sobre os organizadores, dizem respeito, em substância, à recolha das declarações de apoio junto dos signatários, cujos pormenores são precisados pelo referido regulamento. É unicamente no seguimento do respeito destes requisitos que a ICE é submetida ao exame da Comissão.

97

Por outro lado, no que respeita ao procedimento posterior ao registo de uma proposta de ICE, o Regulamento n.o 211/2011 contém disposições que podem ser qualificadas de garantias processuais em favor dos organizadores que implicam, deste modo, que a comunicação apresentada por força do artigo 10.o do Regulamento n.o 211/2011 produz efeitos jurídicos vinculativos em relação a esses organizadores (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 12 de setembro de 2002, DuPont Teijin Films Luxembourg e o./Comissão, T‑113/00, EU:T:2002:214, n.os 47 a 55, e Despacho de 14 de dezembro de 2005, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03, EU:T:2005:458 n.os 72 e 82). Mais especificamente, em primeiro lugar, por força do artigo 9.o e do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, a Comissão recebe os organizadores «a um nível adequado», a fim de lhes permitir explicar detalhadamente as questões suscitadas pela ICE. Em segundo lugar, o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 prevê expressamente a obrigação da Comissão de apresentar as razões pelas quais tenciona tomar ou não medidas na sequência da ICE. Esta obrigação imposta à Comissão é objeto de maior precisão no considerando 20 do mesmo regulamento, que dispõe, designadamente, que a Comissão, a fim de provar que uma ICE é cuidadosamente examinada, deve expor, maneira clara, compreensível e circunstanciada as razões pelas quais tenciona tomar medidas e, do mesmo modo, as razões pelas quais pondera não tomar quaisquer medidas. Em terceiro lugar, o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011 prevê que a comunicação visada pelo artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento deve não só ser publicada, mas igualmente ser notificada, designadamente aos organizadores.

98

Em razão das condições suplementares que recaem sobre os organizadores e das garantias processuais em proveito destes, expostas nos n.os 96 e 97, supra, deve concluir‑se que a recusa da Comissão de submeter ao legislador da União uma proposta de ato jurídico, formulada na comunicação adotada ao abrigo do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, produz efeitos jurídicos vinculativos em relação a esses organizadores, na aceção da jurisprudência referida no n.o 68, supra.

99

Por outro lado, quanto ao argumento da Comissão, exposto no n.o 91 in fine, supra, relativo, em substância, ao facto de que, contrariamente ao direito de petição, o direito à ICE não constitui um direito fundamental e não deveria, consequentemente, beneficiar de uma proteção jurisdicional superior à conferida a esse primeiro direito, note‑se que, na medida em que o presente recurso preenche as condições impostas pelo artigo 263.o TFUE, este argumento da Comissão não pode pôr em causa a conclusão relativa à admissibilidade do referido recurso. De qualquer modo, note‑se que, embora o direito à ICE não esteja incluído na Carta dos Direitos Fundamentais, como é o caso do direito de petição, que está previsto no artigo 44.o da referida Carta, não deixa de ser certo que este direito está previsto no direito primário da União, ou seja, no artigo 11.o, n.o 4, TUE. Está, portanto, previsto num instrumento que dispõe do mesmo valor jurídico que o conferido à carta dos Direitos Fundamentais.

100

Daqui decorre que o argumento da Comissão segundo o qual o direito à ICE beneficia de uma proteção jurisdicional superior à conferida ao direito de petição deve, de qualquer modo, ser rejeitado.

101

Tendo em conta as considerações que precedem, o fundamento de inadmissibilidade suscitado pela Comissão deve ser julgado improcedente.

Quanto ao mérito

102

A argumentação dos recorrentes revela a existência de cinco fundamentos de anulação. O primeiro fundamento diz respeito à violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, pelo facto de a Comissão não ter apresentado uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida. O segundo fundamento, invocado com caráter subsidiário em relação ao primeiro, é relativo à violação do artigo 11.o, n.o 4, TUE, cometida por não ter sido apresentada uma proposta de ato jurídico. O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, cometida pelo facto de a Comissão não ter apresentado separadamente, na comunicação impugnada, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE controvertida. O quarto fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação. O quinto fundamento é relativo aos erros de apreciação cometidos pela Comissão.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, por não ter sido apresentada uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida

103

Os recorrentes sustentam que o direito da Comissão de não tomar qualquer medida na sequência de uma ICE deve ser interpretado da maneira restritiva. Com efeito, uma decisão nesse sentido só poderia ser adotada se se estivesse perante uma das três situações seguintes: em primeiro lugar, quando as medidas pedidas no âmbito da ICE já não forem necessárias, por terem sido adotadas quando a ICE estava ainda a decorrer ou porque o problema colocado por esta desapareceu ou foi resolvido de modo satisfatório de outro modo, em segundo lugar, quando a adoção das medidas pedidas no âmbito da ICE se tornou impossível na sequência do registo desta e, em terceiro lugar, quando a iniciativa de cidadania não contém proposta de ação específica, limitando‑se a assinalar a existência de um problema a resolver, deixando à Comissão o cuidado de determinar, se for caso disso, a medida que pode ser tomada. Fora destas três situações, a adoção da decisão de não tomar qualquer medida viola o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011. Segundo os recorrentes, nenhuma destas três situações se verifica no caso vertente.

104

A Comissão contesta a tese dos recorrentes.

105

Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, TUE, a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito.

106

Por força do artigo 17.o, n.o 2, TUE, os atos legislativos só podem ser adotados «sob proposta da Comissão», salvo disposição em contrário dos Tratados.

107

Do mesmo modo, o processo legislativo ordinário, que é referido pelo conjunto das propostas da ICE controvertida, consiste, nos termos do artigo 289.o TFUE, na adoção de um regulamento, de uma diretiva ou de uma decisão conjuntamente pelo Parlamento e pelo Conselho, «sob proposta da Comissão».

108

Por outro lado, o artigo 17.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE prevê, designadamente, que a Comissão exerce as suas responsabilidades com total independência e que os seus membros não solicitam nem aceitam instruções de nenhum governo, instituição, órgão ou organismo.

109

O poder de iniciativa legislativa reconhecido à Comissão pelo artigo 17.o, n.o 2, TUE e pelo artigo 289.o TFUE implica que cabe, em princípio, à Comissão decidir apresentar ou não uma proposta de ato legislativo e, se for caso disso, determinar o seu objeto, a finalidade e o conteúdo (Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 70 e 74).

110

Este quase monopólio da iniciativa legislativa conferido pelos Tratados à Comissão (Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2014:2470, n.o 43) explica‑se pela função desta, por força do artigo 17, n.o 1, TUE, que é promover o interesse geral da União, bem como pela independência de que esta goza, por força do artigo 17.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE, no exercício das suas responsabilidades.

111

O quase monopólio mencionado no n.o 110, supra, não é afetado pelo direito à ICE previsto pelo artigo 11.o, n.o 4, TUE. Esta disposição prevê o direito de um número mínimo de cidadãos, sob certas condições, de «convidar» a Comissão a submeter uma proposta adequada. Manifestamente, os termos desta disposição não corroboram uma interpretação segundo a qual a Comissão seria obrigada a submeter uma proposta de ato jurídico na sequência de uma ICE.

112

Por outro lado, como a Comissão acertadamente observa, esta conclusão resulta igualmente da estrutura do artigo 11.o TUE e do artigo 24.o TFUE, que inscrevem a ICE no âmbito de outros meios através dos quais os cidadãos podem chamar a atenção das instituições União para certas questões, consistindo esses meios, designadamente, em manter o diálogo com as associações representativas e a sociedade civil, o recurso a consultas das partes interessadas, o direito de petição e o recurso ao mediador.

113

A intenção do poder constituinte da União de não conferir um poder de iniciativa legislativa ao mecanismo da ICE encontra confirmação no considerando 1 do Regulamento n.o 211/2011, que equipara, em substância, o direito conferido à ICE ao conferido ao Parlamento, por força do artigo 225.o TFUE, e ao Conselho, por força do artigo 241.o TFUE. Ora, um pedido que emane do Parlamento ou do Conselho não obriga a Comissão a submeter uma proposta de ato jurídico (Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2014:2470, n.o 48; v., igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdão de 22 de maio de 1990, Parlamento/Conselho, C‑70/88, EU:C:1990:217, n.o 19).

114

Esta intenção do poder constituinte encontra igualmente confirmação na própria redação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, o qual prevê, designadamente, que a Comissão apresente numa comunicação as medidas que tenciona tomar, «se for caso disso», na sequência de uma ICE e os motivos que a levam «a tomar ou não tomar» essas medidas. Esta redação deixa transparecer claramente o caráter não vinculativo que representa o facto, para a Comissão, de dar seguimento a uma ICE.

115

No caso vertente, a interpretação proposta pelos recorrentes do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 e exposta no n.o 103, supra, conduz, em substância, a privar a Comissão de qualquer poder de apreciação no âmbito do exercício do seu poder de iniciativa legislativa na sequência de uma ICE. Com efeito, se esta interpretação fosse validada, isso significaria que, em última análise, a Comissão era obrigada a tomar a medida «específica» (segundo o termo empregue pelos recorrentes e referido no n.o 103, supra) proposta pela ICE. Ora, essa interpretação é contrária ao quase monopólio da iniciativa legislativa conferido pelos Tratados à Comissão e ao poder importante de apreciação de que a Comissão beneficia no exercício dessa iniciativa (v. n.os 109 a 114, supra).

116

A conclusão que figura no n.o 115, supra, segundo a qual a Comissão não é obrigada a tomar a medida específica proposta pela ICE, não é posta em causa pela existência do procedimento de registo de uma proposta de ICE, prevista no artigo 4.o do Regulamento n.o 211/2011, como alegam, em substância, os recorrentes.

117

Com efeito, o registo é apenas um requisito prévio ao qual estão sujeitos os organizadores antes de dar início à recolha de declarações de apoio. Como as partes principais estão de acordo em declarar, o objetivo do processo de registo é evitar que os organizadores façam esforços inúteis por uma ICE que, à partida, não pode conduzir ao resultado desejado. No entanto, resulta dos critérios de recusa de registo previstos no artigo 4.o, n.o 2, alíneas b) a d), do Regulamento n.o 211/2011, no caso de a proposta de ICE estar manifestamente fora do quadro das atribuições da Comissão por força das quais esta pode apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos da aplicação dos Tratados ou no caso de esta ser manifestamente abusiva, fantasista ou vexatória, ou ainda no caso de esta ser manifestamente contrária aos valores da União, tal como enunciados no artigo 2.o TUE, que a decisão de registar ou não uma proposta de ICE implica uma primeira apreciação feita sobre esta no plano jurídico e não prejudica a apreciação feita pela Comissão no âmbito da comunicação adotada com fundamento de artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2016, Costantini e o./Comissão, T‑44/14, EU:T:2016:223, n.o 53).

118

Tendo em conta as duas considerações precedentes, há que concluir que a interpretação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 proposta pelos recorrentes padece de um erro de direito. Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, suscitado a título subsidiário, relativo à violação do artigo 11.o, n.o 4, TUE, cometida por não ter sido apresentada uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida

119

Os recorrentes sustentam que, na hipótese de a sua proposta de interpretação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 (v. n.o 103, supra) não ser acolhida, esta disposição é contrária ao artigo 11.o, n.o 4, TUE. Segundo os recorrentes, este último artigo deve ser interpretado de maneira que este proporcione um real valor acrescentado no que diz respeito à possibilidade de os cidadãos influenciarem as políticas da União e que tenha em conta o considerável esforço que apresenta a recolha de mais de um milhão de assinaturas.

120

Os recorrentes alegam igualmente que a Comissão, enquanto órgão administrativo, não tem legitimidade para adotar uma decisão que suplantaria uma proposta legislativa direta e expressamente aprovada por mais de um milhão de cidadãos. Esta possibilidade oferecida à Comissão é contrária às tradições constitucionais dos Estados‑Membros.

121

A Comissão contesta a argumentação dos recorrentes.

122

Recorde‑se que nem a redação do artigo 11.o, n.o 4, TUE nem o sistema dos Tratados, conforme apresentado nos n.os 105 a 112, supra, corroboram a tese dos recorrentes segundo a qual a Comissão é obrigada a tomar a medida específica proposta pela ICE.

123

Por outro lado, tendo em conta que os Tratados da União definem de maneira não equívoca o papel e os poderes conferidos à ICE e às instituições da União no âmbito do processo de adoção de um ato jurídico, a invocação, pelos recorrentes, em apoio da sua tese, dos sistemas constitucionais de alguns Estados‑Membros, que conferem um verdadeiro poder de iniciativa legislativa a iniciativas de cidadania organizadas a nível nacional, não é pertinente e não pode, consequentemente, ser acolhida.

124

Importa igualmente precisar que a rejeição da tese dos recorrentes não priva de efeito útil o mecanismo da ICE, como estes últimos alegam. Como já foi enunciado no n.o 76, supra, este mecanismo tem por objetivo convidar a Comissão, no âmbito das suas atribuições, a submeter uma proposta de ato (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2016, Costantini e o./Comissão, T‑44/14, EU:T:2016:223, n.o 31). O facto de permitir à Comissão dispor de um importante poder de apreciação no exercício do seu poder de iniciativa legislativa não põe em causa o referido objetivo.

125

Tendo em conta as considerações precedentes, o segundo fundamento de anulação suscitado pelos recorrentes deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, cometida pelo facto de a Comissão não ter apresentado separadamente, na comunicação impugnada, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE controvertida

126

Os recorrentes alegam que, por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, examinado à luz do considerando 20 do referido regulamento, a Comissão era obrigada a apresentar separadamente as suas conclusões jurídicas e políticas. Essa obrigação é de natureza formal. Ora, a comunicação impugnada não contém conclusões separadamente.

127

A Comissão contesta, designadamente, que essa obrigação lhe seja imposta pelo Regulamento n.o 211/2011.

128

Segundo jurisprudência consolidada, o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo e não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar estas disposições num sentido manifestamente contrário à sua redação (Acórdãos de 19 de novembro de 1998, Nilsson e o., C‑162/97, EU:C:1998:554, n.o 54; de 25 de novembro de 1998, Manfredi, C‑308/97, EU:C:1998:566, n.o 30; e de 24 de novembro de 2005, Deutsches Milch‑Kontor, C‑136/04, EU:C:2005:716, n.o 32).

129

No caso vertente, o considerando 20 do Regulamento n.o 211/2011 prevê, é certo, que a Comissão deve examinar uma ICE e apresentar as suas conclusões jurídicas e políticas «separadamente». Ora, esta obrigação de apresentação separada das conclusões jurídicas e políticas não está prevista no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento, o qual dispõe que a Comissão deve apresentar, através de uma comunicação, «as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a [ICE], as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas».

130

Tendo em conta a jurisprudência apresentada no n.o 128, supra, na medida em que a obrigação de apresentação separada das conclusões jurídicas e políticas, mencionada no considerando 20 do Regulamento n.o 211/2011, não é retomada no corpo do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento, é o conteúdo deste que deve primar. Daqui decorre que a Comissão não está sujeita a essa obrigação quando da redação da comunicação prevista por esta disposição.

131

De qualquer modo, supondo que a Comissão seja juridicamente obrigada a apresentar separadamente as conclusões jurídicas e políticas no âmbito da comunicação adotada por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, a violação desta obrigação, uma vez que se trata de uma obrigação de pura forma, não pode conduzir à anulação da referida comunicação (v., neste sentido, e por analogia, Acórdãos de 21 de abril de 1983, Ragusa/Comissão, 282/81, EU:C:1983:105, n.o 22, e de 5 de maio de 1983, Ditterich/Comissão, 207/81, EU:C:1983:123, n.o 19).

132

Atentas as considerações precedentes, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

133

Os recorrentes alegam que a Comissão, no âmbito do dever de fundamentação a que estava sujeita, era obrigada a demonstrar a existência de garantias éticas e jurídicas suficientes que tornassem a ICE controvertida supérflua. Ora, a Comissão não o fez.

134

Neste contexto, em primeiro lugar, os recorrentes alegam que a tese fundamental da ICE controvertida segundo a qual o embrião humano é um ser humano (através do uso da expressão «um de nós») dotado, por conseguinte, da dignidade humana foi deixada sem resposta na comunicação impugnada. Não se encontra, nesta comunicação, uma declaração clara, quer em sentido positivo quer negativo, no que diz respeito ao estatuto jurídico de que o embrião humano beneficia ou deveria beneficiar no direito da União. A Comissão subscreveu a posição dos signatários segundo a qual o embrião deveria beneficiar de proteção jurídica, mas, ao mesmo tempo, evitou retirar as consequências lógicas que daí decorrem.

135

Em segundo lugar, os recorrentes sustentam que o raciocínio ético da Comissão sobre a investigação sobre as CSEH padece de erros e que o sistema de «tripla segurança» apresentado na comunicação impugnada (v. n.o 18, supra) é deficiente e não constitui uma resposta adequada à preocupação ética expressa pela ICE controvertida.

136

Em terceiro lugar, os recorrentes alegam que a resposta da Comissão é igualmente inadequada no que respeita às questões ligadas à política da União relativa à ajuda ao desenvolvimento. A recusa de agir da Comissão na sequência da ICE controvertida não se deve ao objetivo relativo à redução da mortalidade materna, mas ao interesse institucional próprio da Comissão.

137

Em quarto lugar, os recorrentes sustentam que a recusa da Comissão de alterar o regulamento financeiro não está suficientemente fundamentada e não é procedente.

138

A Comissão contesta a argumentação dos recorrentes.

139

Neste contexto, a Comissão alega, designadamente, que a fundamentação da comunicação apresentada por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 deve permitir um eventual debate público a fim de que o Parlamento e, em última análise, os cidadãos possam exercer sobre ela um controlo político. É à luz deste objetivo que deveriam ser determinados o conteúdo exato e o alcance do dever de fundamentação da decisão de não submeter um proposta de ato jurídico. A Comissão sustenta igualmente que o caráter suficiente da fundamentação deve ser apreciado por referência ao objeto da ICE em causa, quer dizer, definitivamente, por referência ao objeto do ato jurídico visado por esta ICE. Segundo a Comissão, só em casos extremos de inexatidão manifesta das hipóteses factuais ou das interpretações jurídicas formuladas na comunicação em causa que se poderia supor que não cumpriu o seu dever de fundamentação por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011.

140

A Comissão sustenta que, no caso vertente, a fundamentação apresentada na comunicação impugnada torna possível um debate político e propõe, consequentemente, que o presente fundamento seja julgado improcedente.

141

Recorde‑se que o dever de fundamentação se deve aplicar a qualquer ato do qual possa ser interposto recurso de anulação (Acórdão de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 42). Daqui resulta que a comunicação impugnada, que encerra a decisão da Comissão de não submeter ao legislador da União uma proposta de ato jurídico na sequência da ICE controvertida, está sujeita a esse dever de fundamentação.

142

Segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar uma decisão individual, imposto pelo artigo 296.o TFUE, tem por finalidade fornecer ao interessado uma indicação suficiente para determinar se a decisão está fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade e permitir ao juiz da União fiscalizar a legalidade da decisão objeto de fiscalização (Acórdãos de 18 de setembro de 1995, Tiercé Ladbroke/Comissão, T‑471/93, EU:T:1995:167, n.o 29; de 27 de setembro de 2012, J/Parlamento, T‑160/10, não publicado, EU:T:2012:503, n.o 20; e de 19 de abril de 2016, Costantini e o./Comissão, T‑44/14, EU:T:2016:223, n.o 68).

143

A obrigação da Comissão de expor, na comunicação adotada por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, as razões que ela tem para tomar medidas ou para não tomar quaisquer medidas na sequência de uma ICE constitui a expressão específica do dever de fundamentação imposto no âmbito da referida disposição.

144

Segundo jurisprudência igualmente constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca a argumentação da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões da medida tomada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o ato diga direta e individualmente respeito possam ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada não só à luz do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 88 e jurisprudência referida).

145

Por outro lado, importa notar que o respeito do dever de fundamentação e dos restantes condicionalismos formais e processuais aos quais a adoção do ato em causa está sujeita reveste uma importância ainda mais fundamental nos casos em que as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação. Só assim é que o juiz da União pode verificar se foram reunidos os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e de 13 de dezembro de 2007, Angelidis/Parlamento, T‑113/05, EU:T:2007:386, n.o 61). No caso vertente, como resulta dos n.os 109 a 115, supra, e como será igualmente constatado no n.o 169, infra, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para decidir tomar ou não tomar uma medida na sequência de uma ICE.

146

Além disso, é necessário distinguir o dever de fundamentação enquanto formalidade essencial, que pode ser suscitado no âmbito de um fundamento que põe em causa a insuficiência de fundamentação, ou mesmo a falta de fundamentação de uma decisão, da fiscalização da procedência dos fundamentos, que está abrangido pela fiscalização da legalidade do mérito do ato e pressupõe que o juiz verifique se os fundamentos nos quais o ato assenta si padecem ou não de erros. Com efeito, trata‑se de duas fiscalizações de natureza diferente que dão lugar a apreciações distintas do Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.os 66 a 68).

147

É à luz destes elementos que se deve apreciar se a Comissão respeitou, no caso vertente, o seu dever de fundamentação. Além disso, estes elementos demonstram que a tese da Comissão segundo a qual o objetivo da fundamentação da comunicação prevista no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 é unicamente permitir um eventual debate público (v. n.o 139, supra) padece de erro de direito no que diz respeito ao processo no caso vertente, no âmbito do qual a comunicação impugnada constitui um ato suscetível de recurso de anulação. Com efeito, na medida em que a comunicação impugnada constitui um ato desse tipo, está sujeita ao dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE e deve, consequentemente, permitir aos recorrentes determinar se a mesma padece de vícios e ao juiz da União exercer a sua fiscalização. A Comissão devia, designadamente, expor as razões jurídicas, políticas ou outras que a tinham levado a decidir não dar seguimento às três propostas de alteração de atos jurídicos submetidas pela ICE controvertida.

148

Recorde‑se que a comunicação impugnada foi adotada na sequência da ICE controvertida, através da qual se pretendia que a União proibisse e pusesse termo ao financiamento de atividades que impliquem a destruição de embriões humanos, em especial nos domínios da investigação, da ajuda ao desenvolvimento e da saúde pública, para respeitar a dignidade e a integridade humanas (v. n.o 3, supra). Para este fim, a ICE controvertida propôs três alterações de atos da União, a saber, a alteração do regulamento financeiro, a alteração da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Horizonte 2020 — Programa‑Quadro de Investigação e Inovação (2014‑2020) [COM(2011) 809 final] e a alteração do Regulamento n.o 1905/2006 (v. n.os 5 a 8, supra).

149

Através da comunicação impugnada, a Comissão, em substância, recusou‑se a tomar a medida pedida na ICE controvertida.

150

Quanto à proposta de alteração do regulamento financeiro, a Comissão fundamentou a sua recusa nos n.os 3.1 e 4.1 da comunicação impugnada. Observou que, em conformidade com o artigo 87.o do regulamento financeiro, todas as despesas da União deviam ser conformes com os Tratados da União e com a Carta dos Direitos Fundamentais. Por conseguinte, segundo a Comissão, o regulamento financeiro já garantia que todas as despesas da União, incluindo as efetuadas nos domínios da investigação, da cooperação para o desenvolvimento e da saúde pública, respeitavam a dignidade humana, o direito à vida e o direito à integridade da pessoa. A Comissão acrescentava que o regulamento financeiro tinha por objetivo prever regras financeiras, formuladas não para um domínio particular da política da União, mas em termos gerais, e relativas, designadamente, ao estabelecimento e à execução do orçamento da União. Com fundamento nestas duas considerações, a Comissão concluiu que não via necessidade de apresentar uma proposta para alteração do regulamento financeiro.

151

Quanto à proposta de alteração da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Horizonte 2020 — Programa‑Quadro de Investigação e Inovação (2014‑2020) [COM(2011) 809 final], a Comissão fundamentou a sua recusa nos n.os 3.2 e 4.2 da comunicação impugnada. A Comissão fez referência ao sistema de «tripla segurança» formado pelas disposições do programa Horizonte 2020, adotado pelo legislador da União, e considerou que estas disposições já respondiam a vários pedidos importantes dos organizadores, designadamente de que a União não financiasse a destruição de embriões humanos e de que instituísse controlos adaptados. A Comissão considerava, no entanto, que não podia ser satisfeito o pedido dos organizadores de que a União não financiasse a investigação posterior para o estabelecimento das linhagens de CSEH. A Comissão justificou esta conclusão alegando que, no quadro da formulação da sua proposta de regulamento, tinha tido em conta as considerações éticas, as vantagens potenciais para a saúde e o valor acrescentado do apoio da União, para todos os tipos de investigação sobre as células estaminais. A Comissão sustentou, em substância, que a sua proposta de regulamento era fruto da ponderação de várias considerações. Por outro lado, a Comissão indicou que os colegisladores (o Parlamento e o Conselho) adotaram a sua proposta com fundamento num acordo obtido democraticamente por ocasião de negociações interinstitucionais.

152

Quanto à proposta de alteração do Regulamento n.o 1905/2006, a Comissão fundamentou a sua recusa nos n.os 3.3 e 4.3 da comunicação impugnada. A Comissão alegou, em substância, que o apoio dado pela União ao setor da saúde nos países em desenvolvimento parceiros contribuía fortemente para reduzir o número de abortos (redução que, segundo a Comissão, era o objetivo subjacente da ICE controvertida) na medida em que melhorava o acesso a serviços seguros e eficazes, entre os quais figurava a planificação familiar de qualidade, uma gama vasta de métodos contracetivos, a contraceção de emergência e uma educação sexual global. A Comissão indicava igualmente que não era favorável à afetação do apoio unicamente a certos serviços porque isso afetaria a exaustividade e a eficácia do apoio às estratégias em matéria de saúde. A Comissão precisava, por fim, que uma proibição de financiamento do aborto praticado nos países em desenvolvimento colocaria entraves à capacidade da União para alcançar os objetivos fixados nos OMD, designadamente o relativo à saúde materna, e no programa de ação da CIPD, objetivos recentemente confirmados à escala simultaneamente internacional e europeia.

153

As explicações supramencionadas permitem aos recorrentes determinar se a recusa da Comissão de submeter uma proposta de alteração de certos atos da União, como solicitado pela ICE controvertida, é fundada ou se padece de vícios. Por outro lado, estas explicações permitem ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a legalidade da comunicação impugnada. Há que concluir, portanto, que essa decisão está suficientemente fundamentada.

154

Esta conclusão não é posta em causa pelas alegações dos recorrentes.

155

Precise‑se desde já que, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 146, supra, apenas as alegações formuladas nos n.os 134 e 137, supra, estão sujeitas à fiscalização da fundamentação da comunicação impugnada. As restantes alegações estão sujeitas à fiscalização da procedência dos fundamentos e são examinadas no âmbito do exame do quinto fundamento, relativo a erros de apreciação da Comissão.

156

Quanto à alegação, apresentada no n.o 134, supra, relativa à falta de clarificação do estatuto jurídico do embrião humano na comunicação impugnada, refira‑se, à semelhança da Comissão, que não era necessário que esta procedesse a essa definição ou clarificação a fim de rejeitar de modo suficientemente fundamentado, no âmbito da comunicação impugnada, as três propostas de alteração de atos jurídicos submetidas pela ICE controvertida. Com efeito, basta recordar que o caráter suficiente da fundamentação deve ser apreciado por referência ao objetivo da ICE controvertida e que esse objetivo não era a definição ou a clarificação do estatuto jurídico do embrião humano, mas a submissão pela Comissão destas três propostas ao legislador da União (v. n.o 147, supra). Daqui resulta que a alegação acima mencionada deve ser afastada por ser inoperante.

157

Quanto à alegação apresentada no n.o 137, supra, relativa à brevidade das explicações relativas à recusa de alteração do regulamento financeiro, os desenvolvimentos que figuram no n.o 150, supra, demonstram a existência de uma fundamentação suficiente. Consequentemente, o fundamento da recorrente deve ser julgado improcedente.

158

Tendo em conta as considerações precedentes, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros de apreciação da Comissão

159

Os recorrentes invocam um certo número de erros de apreciação que figuram na comunicação impugnada.

160

Em primeiro lugar, os recorrentes censuram à Comissão o facto de esta ter considerado, na comunicação impugnada, que o Acórdão de 18 de outubro 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), carecia de pertinência quanto à questão que é objeto da ICE controvertida. Neste contexto, alegam que a Comissão, ao sugerir que a União deveria financiar projetos de investigação não patenteáveis, em aplicação do artigo 6.o da diretiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 1998 relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas (JO 1998, L 213, p. 13), viola o princípio do dever de coerência consagrado no artigo 7.o TFUE.

161

Em segundo lugar, os recorrentes formulam uma série de alegações relativamente às considerações da Comissão relativas à investigação sobre as CSEH (apresentadas sucintamente no n.o 135, supra).

162

Por um lado, os recorrentes alegam que o raciocínio ético da Comissão relativo à investigação sobre as CSEH padece de erros. Contestam, designadamente, a consideração da Comissão segundo a qual a investigação sobre as CSEH é moralmente aceitável, porque é prometedora em termos novas terapias «para numerosas doenças» e sustentam, invocando em apoio da sua posição um documento redigido pela ICE controvertida e uma fundação, que a investigação sobre as CSEH não é necessária e que existem soluções de substituição bem mais prometedoras. Os recorrentes censuram igualmente à Comissão a abordagem utilitarista subjacente à sua decisão ao sugerir que o progresso científico justifica a destruição de embriões humanos.

163

Por outro lado, os recorrentes sustentam que o sistema de «tripla segurança» ao qual a comunicação impugnada faz referência (v. n.o 18, supra) é deficiente e não constitui uma resposta adequada à preocupação ética exprimida pela ICE controvertida. O seu primeiro elemento, a saber, o compromisso relativo ao respeito da legislação nacional, não fixa normas éticas, garantindo unicamente que as leis nacionais devem ser respeitadas independentemente do seu conteúdo. O seu segundo elemento, a saber, o exame inter pares do projeto de investigação em causa, também não tem por objeto a aplicação de normas éticas, antes servindo unicamente para demonstrar que uma experiência é feita em conformidade com princípios científicos reconhecidos, o que não responde à questão colocada pela ICE controvertida. O seu terceiro elemento, a saber, o compromisso de que os fundos da União não podem ser utilizados para novas linhagens de células estaminais nem para investigações que impliquem a destruição de embriões humanos, incluindo para o abastecimento em células estaminais, mesmo quando implique um envolvimento ético, não vai suficientemente longe, porque não diz respeito ao financiamento dos projetos de investigação que pressupõem a destruição de embriões humanos.

164

Em terceiro lugar, os recorrentes formulam uma série de alegações quanto às considerações da Comissão relativas à cooperação para o desenvolvimento. A este propósito, os recorrentes alegam que não há consenso internacional a propósito do conteúdo dos termos «saúde sexual e reprodutiva» aos quais a Comissão faz referência na comunicação impugnada e que não há consenso sobre o facto de estes termos incluírem também o recurso ao aborto. Segundo os recorrentes, o direito internacional não contém nenhuma obrigação que imponha aos estados que autorizem o aborto. Os recorrentes sustentam também que os ODM e o programa de ação da CIPD não constituem compromissos juridicamente vinculativos, mas objetivos políticos. O objetivo de redução da mortalidade materna fixado nestes instrumentos é legítimo e louvável, mas não justifica o recurso ao aborto. Além disso, a comunicação impugnada não demonstra em que é que o financiamento de abortos através de fundos da União contribui para a redução da mortalidade materna. Segundo os recorrentes, outras medidas, menos controversas, poderiam ser tomadas para reduzir a mortalidade materna. Os recorrentes concluem que a consideração da Comissão segundo a qual uma proibição de financiamento colocaria entraves à capacidade da União para alcançar os objetivos fixados nos ODM se afigura injustificada e que a recusa da Comissão de tomar a medida proposta pela ICE controvertida é justificada sobretudo pelo interesse institucional que é próprio desta.

165

Em quarto lugar, os recorrentes contestam a conclusão da Comissão, na comunicação impugnada, segundo a qual uma proposta de alteração do regulamento financeiro não é necessária. Segundo os recorrentes, as referências à dignidade humana e aos direitos do homem que figuram no direito primário da União não fazem desaparecer a necessidade de incluir no regulamento financeiro uma disposição expressa, concreta e precisa, que proíba o financiamento das atividades que se afigurem contrárias a esses valores.

166

A Comissão contesta, em substância, que possa ter lugar uma fiscalização de mérito da comunicação adotada por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011. Neste contexto, alega que a circunstância segundo a qual uma outra instituição, ou até mesmo os organizadores ou os signatários da ICE em questão, não partilharem as suas hipóteses factuais ou as suas interpretações jurídicas ou ainda a sua apreciação política na qual assenta a sua escolha de não submeter uma proposta de ato jurídico é desprovida de pertinência para efeito de apreciar se respeita a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011. A questão de saber se tais hipóteses factuais, interpretações jurídicas ou apreciações políticas são convincentes constitui antes um dos elementos que virá, se for caso disso, alimentar o debate político depois da apresentação de uma comunicação em aplicação da disposição supramencionada.

167

Tendo em conta estas considerações, a Comissão propõe que sejam rejeitadas todas as alegações dos recorrentes por serem desprovidas de pertinência, na medida em que tais alegações consistem na contestação das hipóteses factuais, das interpretações jurídicas, das apreciações políticas e dos juízos de valor por ela formulados na comunicação impugnada.

168

A apreciação do presente fundamento pressupõe a definição da intensidade da fiscalização jurisdicional do conteúdo da comunicação impugnada.

169

A este propósito, note‑se que, no âmbito do exercício do seu poder de iniciativa legislativa, a Comissão deve beneficiar de um amplo poder de apreciação, na medida em que, através desse exercício, é chamada, por força do artigo 17.o, n.o 1, TUE, a promover o interesse geral da União procedendo, eventualmente, a arbitragens difíceis entre interesses divergentes. Daqui decorre que a Comissão deve beneficiar de um amplo poder de apreciação para efeito de decidir tomar ou não uma medida na sequência de uma ICE.

170

Resulta das considerações precedentes que a comunicação impugnada, que encerra a decisão definitiva da Comissão de não submeter nenhuma proposta de ato jurídico ao legislador da União, deve ser objeto de fiscalização restrita da parte do Tribunal Geral, com vista a verificar, para além da suficiência da sua fundamentação, a existência, designadamente, de erros manifestos de apreciação que viciem a referida decisão (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de julho de 2005, Rica Foods/Comissão, C‑40/03 P, EU:C:2005:455, n.os 53 a 55 e jurisprudência referida).

171

É com base nestas considerações que devem ser examinadas as alegações dos recorrentes formuladas no âmbito do presente fundamento.

172

Em primeiro lugar, no que respeita à alegação relativa à interpretação, pela Comissão, do Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669) (v. n.o 160, supra), note‑se que, neste acórdão, proferido sobre um reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça era chamado a interpretar o artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44, que previa como não patenteáveis as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais.

173

É certo que, como sustentam os recorrentes, no n.o 35 do Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), o Tribunal de Justiça afirmou que qualquer óvulo humano deve, desde a fase da sua fecundação, ser considerado um «embrião humano» na aceção e para aplicação do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44, quando essa fecundação for suscetível de despoletar o processo de desenvolvimento de um ser humano. Ao mesmo tempo, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 40 do Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), que a Diretiva 98/44 não tinha por objeto regulamentar a utilização dos embriões humanos no âmbito de investigações científicas e que o seu objeto se limitava à patenteabilidade das invenções biotecnológicas. Daqui resulta que a conclusão da Comissão, no ponto 2.1 in fine da comunicação impugnada, segundo a qual o Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), não abordava a questão de saber se este tipo de investigação podia ser conduzida e financiada, não padece de erro manifesto de apreciação. Consequentemente, foi sem cometer tal erro que a Comissão considerou, em substância, que o Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), não era pertinente para efeito de apreciar a ICE controvertida, que visava, através da segunda proposta de alteração de ato da União, a proibição do financiamento das atividades de investigação que impliquem ou pressuponham a destruição de embriões humanos.

174

Por outro lado, contrariamente às alegações dos recorrentes, o raciocínio da Comissão não é caracterizado por nenhuma incoerência, atendendo a que a questão de saber de uma investigação científica que implique a utilização (e a destruição) de embriões humanos pode ser financiado por fundos da União é claramente distinta da questão, abordada na Diretiva 98/44 e no Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), de saber se uma invenção biotecnológica que implique essa utilização é patenteável ou não.

175

Daqui decorre que a alegação dos recorrentes relativa à interpretação pela Comissão do Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), deve ser rejeitada.

176

Em segundo lugar, no que diz respeito às alegações sobre as considerações da Comissão relativas à investigação sobre as CSEH (v. n.os 161 a 163, supra), observe‑se que, através da sua argumentação, os recorrentes contestam, em substância, a abordagem ética da Comissão. A abordagem ética da ICE controvertida é aquela segundo a qual o embrião humano é um ser humano que deve beneficiar da dignidade humana e do direito à vida, ao passo que a abordagem ética da Comissão, tal como esta resulta da comunicação impugnada, tem em conta o direito à vida e a dignidade humana dos embriões humanos, mas, ao mesmo tempo, tem também em conta as necessidades de investigação sobre as CSEH, que podem servir para o tratamento de doenças atualmente incuráveis ou potencialmente mortais, como a doença de Parkinson, a diabetes, as doenças coronárias e a cegueira (v. n.o 2.2.1, primeiro parágrafo, da comunicação impugnada). Portanto, não se afigura que a abordagem técnica seguida pela Comissão padeça de um erro manifesto de apreciação sobre este ponto e os argumentos dos recorrentes, os quais assentam numa abordagem ética diferente, não demonstram a existência desse erro.

177

Quanto à alegação específica dos recorrentes, corroborada por um documento redigido por eles próprios e por uma fundação, segundo a qual a investigação sobre os CSEH não é necessária e existem soluções de substituição mais prometedoras (v. n.o 162, supra), importa observar que esta alegação não está suficientemente desenvolvida. Por outro lado, os recorrentes limitam‑se a uma simples remissão para o documento supramencionado, sem explicar em que é que este, que é de natureza técnica, corrobora a sua alegação. Daqui resulta que esta alegação não preenche as exigências impostas pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991 e deve, consequentemente, ser rejeitada.

178

Resulta do que precede que as alegações dos recorrentes sobre as considerações da Comissão relativas à investigação sobre as CSEH devem ser rejeitadas.

179

Em terceiro lugar, no que respeita às alegações dos recorrentes sobre as considerações da Comissão relativas à cooperação para o desenvolvimento (v. n.o 164, supra), observe‑se, em primeiro lugar, que os recorrentes não contestam a existência do objetivo de redução da mortalidade materna prosseguido pela União através da sua ação nem o seu caráter legítimo e louvável.

180

Observe‑se, seguidamente, que a Comissão explicou, no n.o 3.3 da comunicação impugnada, baseando‑se numa publicação da Organização Mundial de Saúde de 2012, que uma das causas de mortalidade materna era a prática do aborto em condições perigosas e que o apoio geral e não focalizado a certos serviços dado unicamente pela União contribuía para reduzir o número de abortos, porque melhorava o acesso a serviços seguros e eficazes, entre os quais figuravam uma planificação familiar de qualidade, uma vasta gama de métodos contracetivos, contraceção de emergência e educação sexual global. Segundo esta mesma publicação da Organização Mundial de Saúde, invocada ainda pela Comissão, a melhoria da segurança dos serviços ligados ao aborto contribui para a redução da mortalidade e das doenças maternas. Tendo em conta a ligação, demonstrada pela Comissão, entre os abortos feitos em condições perigosas e a mortalidade materna, a conclusão da Comissão, no n.o 4.3 da comunicação impugnada, segundo a qual a proibição de financiamento do aborto colocaria entraves à capacidade da União de alcançar o objetivo relativo à redução da mortalidade materna não se afigura padecer de erro manifesto de apreciação e os argumentos dos recorrentes, apresentados no n.o 164, supra, não demonstram a existência desse erro.

181

Daqui resulta que as alegações dos recorrentes sobre as considerações da Comissão relativas à cooperação para o desenvolvimento devem ser julgadas improcedentes.

182

Em quarto lugar, há que notar que a argumentação dos recorrentes relativa à conclusão da Comissão sobre a proposta de alteração do Regulamento Financeiro (v. n.o 165, supra) que põe em causa, em substância, a oportunidade da escolha da Comissão de não apresentar essa proposta ao legislador da União na sequência da ICE controvertida também não permite considerar que a apreciação desta última padeça de erro manifesto.

183

Tendo em conta as considerações que precedem, deve ser rejeitado o quinto fundamento de anulação suscitado pelos recorrentes e, portanto, o recurso na íntegra.

Quanto às despesas

184

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, suportará as suas próprias despesas, assim como as despesas do Reino de Espanha, em conformidade com os pedidos deste.

185

Em aplicação do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no litígio suportam as suas próprias despesas. Daqui se conclui que a República da Polónia, o Conselho e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção Alargada)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

European Citizens’ Initiative One of Us e os restantes recorrentes cujos nomes figuram em anexo suportarão as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

3)

A República da Polónia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas.

 

Prek

Buttigieg

Schalin

Berke

Costeira

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de abril de 2018.

Assinaturas

Índice

 

Antecedentes do litígio

 

Processo relativo à iniciativa de cidadania europeia intitulada «Uno di noi»

 

Conteúdo da comunicação impugnada

 

Tramitação processual e pedidos das partes

 

Questão de direito

 

Quanto à admissibilidade

 

Quanto à admissibilidade do recurso na parte em que é interposto pela entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us»

 

Quanto ao caráter impugnável da comunicação impugnada na aceção do artigo 263.o TFUE

 

Quanto ao mérito

 

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, por não ter sido apresentada uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida

 

Quanto ao segundo fundamento, suscitado a título subsidiário, relativo à violação do artigo 11.o, n.o 4, TUE, cometida por não ter sido apresentada uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida

 

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, cometida pelo facto de a Comissão não ter apresentado separadamente, na comunicação impugnada, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE controvertida

 

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

 

Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros de apreciação da Comissão

 

Quanto às despesas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) A lista dos outros recorrentes é anexada apenas à versão participada às partes.

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