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Document 62014CC0465

Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 4 de fevereiro de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:77

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 4 de fevereiro de 2016 ( 1 )

Processo C‑465/14

Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank

contra

F. Wieland

H. Rothwangl

[pedido de decisão prejudicial do Centrale Raad van Beroep (Tribunal Superior da Segurança Social, Países Baixos)]

«Segurança social — Artigos 18.° e 45.° TFUE — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigos 2.°, 3.° e 94.°, n.os 1 a 3 — Regulamento (CE) n.o 859/2003 — Artigo 2.o, n.os 1 a 3 — Prestações de velhice — Legislação nacional que exclui os antigos marítimos do seguro — Determinação dos direitos do requerente antes da adesão do Estado de que é nacional à União Europeia»

1. 

No presente pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do Regulamento n.o 1408/71 ( 2 ) e do Regulamento n.o 859/2003 ( 3 ), o Centrale Raad van Beroep (Tribunal Superior da Segurança Social, Países Baixos) pergunta se esses regulamentos se opõem a uma regulamentação neerlandesa que, na década de 1960, excluía os nacionais de países terceiros do seguro relativamente às prestações de velhice. O processo principal diz respeito a dois antigos marítimos que, durante o referido período, residiram e trabalharam a bordo de navios cujo porto de armamento se situava nos Países Baixos. Ambos os requerentes tinham, à data, nacionalidade austríaca (e, como tal, eram nacionais de um país terceiro) ( 4 ). Porém, quando apresentaram os respetivos pedidos de pensão às autoridades neerlandesas, em 2008, a Áustria tinha aderido à União Europeia. F. Wieland tinha adquirido entretanto nacionalidade americana, ao passo que H. Rothwangl mantinha a nacionalidade austríaca. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os dois antigos marítimos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da regulamentação da União em matéria de segurança social, se as disposições transitórias dessa regulamentação abrangem os seus pedidos de prestações de velhice e se a proibição de discriminação consagrada no artigo 18.o TFUE e o princípio da livre circulação dos trabalhadores garantida pelo artigo 45.o TFUE se opõem à regulamentação nacional que os excluía da cobertura do seguro relativamente às prestações de velhice na década de 1960.

Direito da União

Regulamento n.o 1408/71

2.

Antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 1408/71, as regras comunitárias aplicáveis à coordenação dos sistemas de segurança social dos Estados‑Membros em relação aos trabalhadores migrantes constavam do Regulamento n.o 3/58 ( 5 ). Porém, esse regulamento não era aplicável aos marítimos ( 6 ). O Regulamento n.o 47/67 ( 7 ) veio estabelecer regras especiais para os marítimos, aplicáveis a partir de 1 de abril de 1967. Regulava, inter alia, a determinação da lei aplicável e as prestações de velhice. Essas regras foram incluídas no Regulamento n.o 1408/71, pelo que os marítimos passaram a estar abrangidos por este último regulamento.

3.

O primeiro considerando do Regulamento n.o 1408/71 refere que as normas de coordenação das legislações nacionais sobre segurança social se inscrevem no âmbito das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas.

4.

São relevantes as seguintes definições que constam do artigo 1.o: um «trabalhador assalariado» é, designadamente, qualquer pessoa que esteja abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados ( 8 ); o termo «legislação» designa, em relação a cada Estado‑Membro, as leis, os regulamentos, as disposições estatuárias e quaisquer outras medidas de execução existentes ou futuras, respeitantes aos ramos e regimes de segurança social previstos no artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1408/71 ( 9 ); a expressão «períodos de seguro» designa os períodos de contribuições, de emprego ou de atividade não assalariada definidos ou considerados como períodos de seguro pela legislação ao abrigo da qual foram cumpridos, bem como quaisquer períodos equiparados na medida em que sejam considerados por essa legislação como equivalentes a períodos de seguro ( 10 ); e a expressão «períodos de residência» designa os períodos definidos ou considerados como tal pela legislação ao abrigo da qual foram cumpridos ou considerados como cumpridos ( 11 ).

5.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, o Regulamento n.o 1408/71 aplica‑se aos «[…] trabalhadores assalariados ou não assalariados e aos estudantes que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou vários Estados‑Membros e sejam nacionais de um dos Estados‑Membros, ou sejam apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados‑Membros, bem como aos membros e membros sobrevivos da sua família».

6.

O artigo 3.o, n.o 1, dispõe que as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado‑Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado.

7.

As prestações de invalidez e as prestações de velhice figuram entre os ramos de segurança social abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 [v., respetivamente, artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c)].

8.

Nos termos do artigo 13.o, n.o 2, alínea c), uma pessoa que exerça a sua atividade profissional a bordo de um navio com pavilhão de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado ( 12 ).

9.

As regras especiais relativas ao cálculo das pensões de velhice constam do capítulo 3 do título III. Nos termos do artigo 44.o, sempre que uma pessoa tenha estado sujeita à legislação de dois ou mais Estados‑Membros, os seus direitos a uma pensão de velhice são calculados por referência à legislação de cada um desses Estados. O artigo 45.o prevê que a instituição competente no Estado‑Membro do requerente tem em conta os períodos de seguro ou de residência cumpridos ao abrigo da legislação de outros Estados‑Membros. Nos casos em que a instituição competente seja obrigada a calcular as prestações por referência a períodos de seguro ou de residência totalizados nos termos das regras previstas no artigo 45.o, as prestações de velhice a conceder são calculadas em conformidade com o artigo 46.o, n.o 2.

10.

O artigo 94.o, tem a epígrafe «Disposições transitórias em relação aos trabalhadores assalariados». Dispõe, em especial:

«1.   O presente regulamento não confere qualquer direito em relação a um período anterior a 1 de outubro de 1972 ou à data da sua aplicação no território do Estado‑Membro em causa ou em parte do seu território.

2.   Qualquer período de seguro, bem como, se for caso disso, qualquer período de emprego ou de residência cumprido ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes de 1 de outubro de 1972 ou antes da data da aplicação do presente regulamento no território desse Estado‑Membro ou em parte do seu território será tido em consideração para a determinação do direito a prestações conferido nos termos do presente regulamento.

3.   Sem prejuízo do disposto no n.o 1, um direito é conferido por força do presente regulamento, mesmo que se refira a uma eventualidade ocorrida antes de 1 de outubro de 1972 ou da data da aplicação do presente regulamento no território do Estado‑Membro em causa ou em parte do seu território.

[…]»

Regulamento n.o 859/2003

11.

O artigo 1.o estabelece que as disposições do Regulamento n.o 1408/71 «[…] são aplicáveis aos nacionais de Estados terceiros que ainda não estejam abrangidos pelas suas disposições por razões exclusivas da sua nacionalidade, bem como aos seus familiares e sobreviventes, desde que residam legalmente num Estado‑Membro e se encontrem numa situação cujos elementos não envolvam apenas um único Estado‑Membro».

12.

O artigo 2.o prevê:

«1.   O presente regulamento não confere qualquer direito em relação ao período anterior a 1 de junho de 2003.

2.   Qualquer período de seguro, bem como, se for caso disso, qualquer período de emprego, de atividade não assalariada ou de residência cumprido ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes de 1 de junho de 2003 será tido em conta para a determinação dos direitos conferidos por força do presente regulamento.

3.   Sem prejuízo do n.o 1, um direito é adquirido por força do presente regulamento mesmo quando a data de ocorrência do risco for anterior a 1 de junho de 2003.

[…]»

Direito nacional

13.

A Algemene Ouderdomswet (Lei relativa ao regime geral das pensões de velhice; a seguir «AOW») cria um regime de pensões de velhice para as pessoas que tenham atingido os 65 anos de idade. Nos termos desse regime, é segurada qualquer pessoa residente nos Países Baixos com idade compreendida entre os 15 e os 65 anos de idade.

14.

De acordo com a versão da AOW em vigor no período de referência, os navios que tivessem o seu porto de armamento nos Países Baixos eram tratados como fazendo parte do território desse país ( 13 ). Não sendo possível determinar que os membros da tripulação residiam em terra, considerava‑se que residiam a bordo do navio. Nesses casos, considerava‑se que os membros da tripulação residiam nos Países Baixos.

15.

Todavia, para efeitos da AOW, um nacional de um país terceiro que fosse membro da tripulação de um navio de alto mar cujo porto de armamento se situasse nos Países Baixos não era considerado segurado se residisse a bordo desse navio para efeitos da AOW ( 14 ).

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

16.

F. Wieland nasceu na Áustria em 20 de março de 1943. Entre 11 de outubro de 1962 e 7 de março de 1966 trabalhou para a Holland‑Amerika Lijn (a seguir «HAL»). Em maio de 1966, mudou‑se para os Estados Unidos da América e, em 29 de agosto de 1969, adquiriu a nacionalidade americana, tendo consequentemente perdido a nacionalidade austríaca. Em abril de 2008, F. Wieland requereu uma pensão de velhice. Por decisão de 15 de abril de 2008, o conselho de administração do Banco dos Seguros Sociais (Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank, a seguir «RSvb») indeferiu o seu pedido. Em 3 de outubro de 2008, F. Wieland comunicou ao RSvb que tinha a sua residência principal na Áustria.

17.

H. Rothwangl nasceu em 7 de dezembro de 1943 e tem nacionalidade austríaca. Entre 6 de novembro de 1962 e 23 de abril de 1963, trabalhou para a HAL. Recebe uma pensão de invalidez austríaca (Erwerbsunfähigkeitspension) desde 1 de março de 1998 e uma pensão de invalidez suíça (Invalidenrente) desde 1 de setembro de 1998. Entre 29 de novembro de 1998 e 1 de dezembro de 2008, H. Rothwangl recebeu igualmente uma prestação de invalidez das autoridades neerlandesas ao abrigo da Lei relativa ao seguro de incapacidade para o trabalho (Wet op arbeidsongeschiktheidsverzekering). Em 12 de janeiro de 2009, requereu uma pensão de velhice com efeitos a partir de 1 de dezembro de 2008. Por decisão de 26 de maio de 2009, o RSvb indeferiu esse pedido.

18.

Tanto F. Wieland como H. Rothwangl recorreram das decisões do RSvb para o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão), que julgou procedentes os recursos. O RSvb recorreu dessas decisões para o órgão jurisdicional de reenvio.

19.

O Centrale Raad van Beroep (Tribunal Superior da Segurança Social) começa por afirmar no seu despacho de reenvio que teve em conta o acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «Tribunal de Estrasburgo») no processo Wessels‑Bergervoet c. Países Baixos ( 15 ) . Esse processo tinha por objeto um pedido deduzido ao abrigo do artigo 14.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH»), que proíbe a discriminação, em conjugação com o artigo 1.o do seu Protocolo n.o 1 (que protege o direito de propriedade). A recorrente no referido processo, que preenchia as condições para a atribuição de prestações de velhice ao abrigo da AOW, alegou que a decisão da instituição neerlandesa competente de reduzir a sua pensão constituía um ato de discriminação em razão do sexo, dado que se fundava no facto de, à data relevante, uma mulher casada só estar segurada durante o período em que o seu marido estivesse segurado, não existindo uma restrição equivalente para os homens casados. O órgão jurisdicional de reenvio explica que os órgãos jurisdicionais neerlandeses têm aplicado o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Estrasburgo naquele processo em outros processos relacionados com os direitos dos marítimos a pensões. No seu entender, a situação de F. Wieland e H. Rothwangl é diferente da situação em causa naqueles processos e a distinção aqui estabelecida em razão da nacionalidade é justificada para efeitos do artigo 14.o da CEDH. No entanto, questiona‑se sobre a possibilidade de poderem invocar o Regulamento n.o 1408/71, lido em conjugação com o Regulamento n.o 859/2003 e/ou com os artigos 18.° e 45.° TFUE.

20.

Nestas circunstâncias, o Centrale Raad van Beroep (Tribunal Superior da Segurança Social) submete as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 3.° e 94.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1408/71 ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja parcialmente indeferido o pedido de uma pensão de velhice (parcial) de um antigo marítimo que fazia parte da tripulação de um navio registado num porto de um Estado‑Membro, que não tinha residência em terra e que não era nacional de um Estado‑Membro, depois de o Estado da nacionalidade do marítimo ter aderido à (antecessora da) União ou de o Regulamento n.o 1408/71 se ter tornado aplicável a esse Estado, com o fundamento exclusivo de que este antigo marítimo não tinha a nacionalidade do (primeiro) Estado‑Membro no período do (alegado) seguro?

2)

Devem os artigos 18.° e 45.° TFUE ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro com base na qual um marítimo que fazia parte da tripulação de um navio registado num porto deste Estado‑Membro, que não tinha residência em terra e que não é nacional de um Estado‑Membro, é excluído do seguro de pensão de velhice quando, nos termos desta legislação, um marítimo nacional do Estado‑Membro do porto de registo do navio e que se encontra, quanto ao mais, nas mesmas circunstâncias é segurado, se entretanto, à data da determinação da pensão, o Estado de que é nacional o primeiro marítimo […] tiver aderido à (antecessora da) União ou se o Regulamento n.o 1408/71 se tiver tornado aplicável a esse Estado?

3)

Devem as questões 1 e 2 ser respondidas da mesma forma no caso de um (antigo) marítimo que, à data do exercício do seu trabalho, tinha a nacionalidade de um Estado que aderiu num momento posterior à (antecessora da) União, mas que, à data dessa adesão ou da entrada em vigor do Regulamento n.o 1408/71 nesse Estado e à data em que foi invocado o direito a uma pensão de velhice, deixou de ser nacional de um Estado‑Membro, embora aquele regulamento lhe seja aplicável, nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 859/2003?»

21.

Foram apresentadas observações escritas pelo Rsvb, pelo Governo neerlandês e pela Comissão Europeia. As três partes apresentaram observações orais na audiência realizada em 16 de setembro de 2015, bem como o Reino de Espanha. F. Wieland e H. Rothwangl não apresentaram observações escritas nem observações orais no presente processo.

Apreciação

Observações preliminares

22.

À data em que F. Wieland e H. Rothwangl trabalhavam para a HAL nos Países Baixos, os marítimos estavam excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 3/58 ( 16 ). Essa exclusão não era incompatível com as normas internacionais então aplicáveis às pensões dos marítimos ( 17 ). Consequentemente, a inscrição dos marítimos em regimes de segurança social era regulada exclusivamente por normas nacionais.

23.

Em 2008, quando F. Wieland e H. Rothwangl apresentaram os respetivos pedidos de pensão de velhice, aplicava‑se o Regulamento n.o 1408/71. Este regulamento não tem por objetivo substituir os diferentes sistemas nacionais de segurança social ( 18 ). O seu principal objetivo consiste antes em coordenar os sistemas nacionais, a fim de concretizar o princípio da livre circulação de pessoas no território daquela que é atualmente a União Europeia ( 19 ). Nos termos dessas disposições, a instituição austríaca competente é obrigada a coordenar a sua atuação com a da sua homóloga neerlandesa, a fim de determinar se os direitos dos requerentes a uma pensão devem ser totalizados em conformidade com o capítulo 3 do título II desse regulamento.

24.

Embora os Estados‑Membros conservem a sua competência para organizar as condições de inscrição nos seus sistemas de segurança social, devem, no entanto, no exercício dessa competência, respeitar o direito da União e, em particular, as disposições do Tratado relativas à livre circulação de trabalhadores. Consequentemente, essas condições não podem ter por efeito excluir do âmbito de aplicação de uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, as pessoas às quais essa legislação se aplica por força do Regulamento n.o 1408/71; e os regimes obrigatórios de segurança social devem ser compatíveis com as disposições dos artigos 18.° TFUE e 45.° TFUE ( 20 ). As questões submetidas a título prejudicial devem ser analisadas nesse contexto.

Quanto à primeira questão

25.

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é lícito recusar uma pensão a um marítimo austríaco aposentado, que era nacional de um país terceiro na época em que trabalhava a bordo de um navio registado nos Países Baixos, depois de o Estado de que é nacional ter aderido à União Europeia. O Regulamento n.o 1408/71 opõe‑se à regulamentação neerlandesa que, à data em que H. Rothwangl exercia uma atividade assalariada, o excluía do seguro relativo às prestações de velhice ao abrigo do sistema neerlandês de segurança social com fundamento na sua nacionalidade?

26.

O RSvb alega que a situação de H. Rothwangl não está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71. Segundo o Governo neerlandês, o artigo 3.o do Regulamento n.o 1408/71 não se aplica porque H. Rothwangl não preenche as condições estabelecidas no artigo 2.o Em contrapartida, o Governo espanhol alega que a situação de H. Rothwangl deve ser apreciada por referência a 1 de dezembro de 2008, quando este apresentou o seu pedido de pensão. Nessa data, estava abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 e, por conseguinte, o artigo 3.o opõe‑se à regulamentação nacional em questão.

27.

A Comissão alega que a questão decisiva é a aplicabilidade do artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 ao período em que H. Rothwangl trabalhou para a HAL. A questão de saber se H. Rothwangl cumpriu ou não um período de seguro deve ser apreciada no quadro do direito nacional. Quando H. Rothwangl trabalhava para a HAL, era considerado residente nos Países Baixos, nos termos da regulamentação nacional. Esse facto gera um vínculo suficientemente estreito com os Países Baixos para que o período em questão seja qualificado como período de seguro ao abrigo da regulamentação em causa. Além disso, as regras relativas aos marítimos previstas no artigo 13.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71 não regulam apenas a determinação da legislação aplicável, mas também o direito de uma pessoa abrangida por esse regulamento a prestações de segurança social.

28.

Discordo da interpretação do artigo 2.o do Regulamento n.o 1408/71 que é proposta pelo Rsvb e pelo Governo neerlandês.

29.

É evidente que, quando H. Rothwangl requereu uma pensão em 1 de dezembro de 2008, era nacional de um Estado‑Membro. Estava inscrito no sistema austríaco para efeitos de prestações de velhice, que estão abrangidas pelo âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 1408/71 ( 21 ). H. Rothwangl requereu à instituição neerlandesa competente prestações calculadas proporcionalmente com base no período em que trabalhou para a HAL e em que esteve sujeito, nos Países Baixos, à regulamentação em causa. Por conseguinte, está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1.

30.

Com efeito, considero a posição do RSvb e do Governo neerlandês deixa‑me desconcertante, na medida em que H. Rothwangl recebeu uma pensão de invalidez das autoridades neerlandesas. A referida prestação está abrangida pelo âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 1408/71 ( 22 ). Creio que existe aqui uma incoerência, dado que H. Rothwangl foi considerado abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do referido regulamento para efeitos do pedido de pensão de invalidez, mas estará alegadamente excluído para efeitos do pedido de pensão de velhice.

31.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta especificamente se a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 2.o do Regulamento n.o 1408/71, em especial o acórdão Belbouab ( 23 ), ajuda a esclarecer a questão.

32.

T. Belbouab era um cidadão francês, nascido na Argélia em 1924. Trabalhou como mineiro em França, tendo depois emigrado para a Alemanha e aí exercido a mesma atividade. Durante o período de emprego em ambos os países, pagou as necessárias quotizações. T. Belbouab perdeu a nacionalidade francesa em 1962, quando da independência da Argélia. Em 1964, apresentou um pedido de pensão de mineiro, que foi indeferido pelas autoridades alemãs. O Tribunal de Justiça declarou que as questões do órgão jurisdicional nacional sobre a interpretação do artigo 2.o do Regulamento n.o 1408/71 assentavam na premissa de que T. Belbouab tinha de ser nacional de um Estado‑Membro à data da apresentação do pedido. Essa premissa era incompatível com o princípio da segurança jurídica. O Tribunal de Justiça declarou que a condição de possuir a nacionalidade de um dos Estados‑Membros deve estar preenchida na altura do exercício do trabalho, do pagamento das quotizações relativas aos períodos de inscrição e da aquisição dos direitos correspondentes ( 24 ).

33.

No presente caso, é ponto assente que H. Rothwangl era nacional de um Estado‑Membro em 1 de dezembro de 2008, data em que requereu uma pensão de velhice neerlandesa, mas não durante o período de referência. Terá, ainda assim, adquirido direitos durante o período de referência? Essa questão não foi analisada no acórdão Belbouab. T. Belbouab tinha pago as necessárias quotizações e tinha adquirido direitos durante o período relevante. Por conseguinte, não creio que o acórdão Belbouab possa ser útil para a decisão do presente litígio.

34.

O órgão jurisdicional de reenvio também pergunta se o acórdão Buhari Haji ( 25 ) é relevante. Esse processo dizia respeito a um nacional nigeriano, que possuiu nacionalidade britânica até à independência da Nigéria em 1960. Entre 1937 e 1986, I. Buhari Haji tinha trabalhado no Congo belga (que, em 1 de julho de 1960, passou a designar‑se Zaire), e pagou quotizações para o regime de segurança social belga antes da independência do Zaire. O Tribunal de Justiça declarou que a situação dos trabalhadores que tinham possuído em tempos a nacionalidade de um dos Estados que mais tarde se tornaram membros da (então) Comunidade Europeia, mas que a perderam da adesão desses Estados, era estranha à realização da livre circulação dos trabalhadores assalariados ou não assalariados no interior da Comunidade. Apenas assim não era para aqueles de entre eles que tivessem mantido a nacionalidade do Estado em questão após esse Estado se ter tornado membro da Comunidade, e cujos direitos eram reconhecidos e protegidos, no âmbito da regulamentação comunitária sobre a segurança social, pelas disposições transitórias dos artigos 94.° e 95.° do Regulamento n.o 1408/71, que permitem tomar em consideração qualquer período de seguro, de emprego ou de residência cumprido anteriormente à adesão para determinação dos direitos a prestações conferidos nos termos das disposições desse regulamento.

35.

A situação de H. Rothwangl é muito diferente da de I. Buhari Haji, uma vez que não pagou quotizações e não estava segurado ao abrigo da regulamentação neerlandesa em vigor no período de referência. Terá, ainda assim, adquirido direitos ao abrigo do artigo 94.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1408/71 que devam ser totalizados com outras prestações de velhice a que tenha direito na Áustria?

36.

O artigo 94.o, n.o 1, estabelece que o Regulamento n.o 1408/71 não confere quaisquer direitos em relação ao período anterior à sua entrada em vigor no território do Estado‑Membro em causa ( 26 ).

37.

Para permitir a aplicação do Regulamento n.o 1408/71 aos efeitos futuros de situações passadas, o artigo 94.o, n.o 2, prevê a obrigação de tomar em consideração, para a determinação dos direitos à prestação, qualquer período de seguro, emprego ou residência cumprido ao abrigo da legislação de qualquer Estado‑Membro antes de 1 de outubro de 1972 ou antes da data da sua aplicação no território desse Estado‑Membro. Desta disposição decorre, pois, que um Estado‑Membro não tem o direito de se recusar a tomar em conta períodos de seguro cumpridos no território de outro Estado‑Membro, com vista à constituição da pensão de reforma do requerente, pela razão exclusiva de terem sido cumpridos antes da entrada em vigor do referido regulamento ( 27 ).

38.

Um requerente deve estar em condições de indicar um período de seguro e, se for caso disso, períodos de emprego ou de residência cumpridos ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes de 1 de outubro de 1972 ( 28 ) para poder legitimamente invocar o artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71.

39.

Creio que essas condições não são invariavelmente cumulativas. A expressão «bem como, se for caso disso» sugere que nem sempre é necessário demonstrar que as três condições estão preenchidas. Importa não esquecer que o artigo 94.o, n.o 2, é aplicável a todas as prestações de segurança social abrangidas pelo âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 1408/71. As condições que o requerente deve preencher poderão variar consoante os Estados‑Membros e/ou o tipo de prestação em causa. O regime neerlandês não exige (segundo percebi) que o requerente também demonstre que cumpriu um período de residência ou de emprego, embora seja ponto assente que H. Rothwangl cumpre ambas as condições. Porém, o requerente deve poder indicar um período de seguro cumprido ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro.

40.

H. Rothwangl satisfaz essa condição?

41.

A regulamentação nacional em causa constitui legislação para efeitos do artigo 1.o, alínea j), do Regulamento n.o 1408/71. Nos termos do artigo 1.o, alínea r), os períodos de seguro são períodos de contribuições, de emprego ou de atividade não assalariada definidos ou considerados como períodos de seguro pela legislação ao abrigo da qual foram cumpridos ou considerados cumpridos. Esta remissão para a legislação interna demonstra claramente que o Regulamento n.o 1408/71 remete, designadamente para efeitos de totalização dos períodos de seguro, para as condições a que o direito interno condiciona o reconhecimento de determinado período como equivalente aos períodos de seguro propriamente ditos ( 29 ).

42.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, nos termos da regulamentação nacional em vigor durante o período de referência, H. Rothwangl não se encontrava segurado, dado que os nacionais de países terceiros que fossem membros da tripulação de um navio de alto mar e que residissem a bordo desse navio estavam excluídos do seguro relativamente às prestações de velhice. Afirma também inequivocamente que a regulamentação nacional em causa discriminava em razão da nacionalidade ( 30 ). Essa discriminação é proibida pelo artigo 3.o do Regulamento n.o 1408/71? Em caso afirmativo, H. Rothwangl poderia alegar que deveria ser tratado como se tivesse cumprido um período de seguro nos Países Baixos, embora, na verdade, não satisfaça essa componente essencial do artigo 94.o, n.o 2.

43.

O Tribunal de Justiça analisou questões semelhantes nos acórdãos Kauer e Duchon.

44.

L. Kauer, uma nacional austríaca, requereu uma pensão de velhice na Áustria, tendo trabalhado e cumprido períodos de seguro obrigatório no âmbito da legislação austríaca. Na determinação dos períodos de carência para efeitos do seguro de velhice, a instituição competente teve em conta o período passado na Áustria em que L. Kauer não tinha trabalhado, mas que tinha consagrado à educação dos seus filhos. Esses períodos foram contabilizados como «períodos equiparados». Porém, os períodos equivalentes dedicados à educação dos filhos na Bélgica não foram contabilizados. Os períodos dedicados à educação dos filhos (tanto na Áustria como na Bélgica) ocorreram antes da adesão da Áustria à (então) Comunidade Europeia. O órgão jurisdicional de reenvio pretendia saber se o artigo 94.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1408/71 se opunha a uma legislação nacional que excluía o tempo consagrado à educação dos filhos na Bélgica do tratamento como período equiparado para efeitos de cálculo das prestações de velhice de L. Kauer.

45.

J. F. Duchon era um nacional austríaco que trabalhara na Alemanha antes da adesão da Áustria à Comunidade. Durante esse período, sofreu um acidente de trabalho. Nessa conformidade, foi‑lhe concedida uma pensão por acidente de trabalho pelas autoridades alemãs. J. F. Duchon apresentou às autoridades austríacas um pedido de pensão por incapacidade para o trabalho com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1998, que foi indeferido com o fundamento de que: (i) não tinha cumprido o período de carência e (ii) uma vez que os factos relacionados com o acidente tinham ocorrido na Alemanha antes da adesão da Áustria, não lhe era lícito invocar o princípio da livre circulação de trabalhadores.

46.

Em ambos os processos, o Tribunal de Justiça decidiu que os requerentes podiam invocar as disposições transitórias do artigo 94.o do Regulamento n.o 1408/71 e que a regulamentação austríaca aplicável a L. Kauer e a J. F. Duchon era incompatível com o princípio da não discriminação. É possível identificar certos princípios comuns a partir dos acórdãos proferidos.

47.

O Tribunal de Justiça declarou que, para dar cumprimento às disposições transitórias do artigo 94.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1408/71, é necessário ter em conta os períodos de seguro cumpridos antes da entrada em vigor desse regulamento ( 31 ). Em ambos os processos, os requerentes tinham estado segurados ao abrigo da regulamentação nacional aplicável. As medidas nacionais em causa deviam então ser apreciadas à luz da regulamentação comunitária aplicável após a adesão da Áustria ( 32 ). Por conseguinte, a instituição competente devia aplicar os princípios relativos à livre circulação de trabalhadores e as disposições transitórias do artigo 94.o, n.os 1 a 3 ( 33 ).

48.

Resulta claramente dos acórdãos Kauer e Duchon que a situação de H. Rothwangl deveria ser examinada por referência ao direito da União após a adesão da Áustria à União Europeia. Qual é a consequência desta análise?

49.

Creio que (infelizmente) existem duas importantes diferenças entre a situação de H. Rothwangl e a situação dos requerentes nos dois processos acima referidos.

50.

Em primeiro lugar, a proibição de discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado ( 34 ). No acórdão Kauer, o Tribunal de Justiça concluiu que a regulamentação nacional em causa introduzia efetivamente uma diferença de tratamento, na medida em que tomava automaticamente em consideração os períodos de educação cumpridos na Áustria, mas condicionava a relevância dos períodos de educação cumpridos noutro Estado parte no acordo EEE à receção de subsídios pecuniários de maternidade ou de subsídios equivalentes por força da legislação federal austríaca. Quando aplicadas, após a adesão da Áustria à União Europeia, aos períodos de educação cumpridos tanto na Áustria como noutro Estado‑Membro, essas regras diferenciadas eram suscetíveis de desfavorecer os nacionais comunitários que residiram ou trabalharam na Áustria, tendo depois exercido o seu direito de livre circulação ( 35 ) . No acórdão Duchon, o Tribunal de Justiça identificou uma clara diferença de tratamento que desfavorecia os trabalhadores austríacos que exerciam o seu direito de livre circulação, uma vez que a possibilidade de cumprirem a regulamentação nacional em causa e de preencherem as condições de concessão de prestações era menor do que a dos trabalhadores que permaneciam na Áustria ( 36 ).

51.

Foi decisivo, em ambos os processos, o facto de o Tribunal de Justiça estar implicitamente disposto a considerar que os requerentes tinham exercido direitos de livre circulação consagrados no direito da União, apesar de a «circulação» em causa ter ocorrido antes da adesão da Áustria à UE. Assim, embora a Bélgica pudesse legitimamente considerar que L. Kauer era nacional de um país terceiro, do ponto de vista do direito da União, durante o período, de 1970 a 1975, consagrado à educação dos seus filhos nesse país, e a Alemanha também pudesse legitimamente considerar que J. F. Duchon era nacional de um país terceiro quando sofreu o acidente de trabalho enquanto aí trabalhava em 1968, depois da adesão da Áustria à UE, a Áustria tinha de considerar os períodos passados «no estrangeiro» como tendo sido passados noutro Estado‑Membro da UE no exercício de direitos de livre circulação.

52.

Daqui decorre que, no presente caso, a Áustria deve considerar que, mesmo antes da sua adesão à União Europeia, H. Rothwangl exerceu direitos de livre circulação quando trabalhou para a HAL em navios cujo porto de armamento se situava nos Países Baixos. Porém, por si só, isso não é suficiente para garantir o acesso de H. Rothwangl a uma majoração «neerlandesa» da sua pensão. Ao contrário de L. Kauer e J. F. Duchon, a dificuldade com que H. Rothwangl se depara não reside exclusivamente (nem mesmo primordialmente) na regulamentação austríaca. Reside na regulamentação neerlandesa que o excluía da cobertura durante o período de emprego na HAL por ser nacional de um país terceiro. E essa exclusão, embora seja claramente discriminatória em razão da nacionalidade, era, àquela data, totalmente admissível ao abrigo do direito da União porque a Áustria ainda não era um Estado‑Membro da União Europeia.

53.

Em segundo lugar, nos acórdãos Kauer e Duchon era matéria assente que os requerentes estavam inscritos no sistema nacional de segurança social em causa (ambos os processos diziam respeito ao regime austríaco). Em termos gerais, a questão que se colocava era a de saber se os períodos passados fora da Áustria deveriam ser tomados em consideração pelas autoridades austríacas competentes no cálculo das prestações a que os requerentes tinham direito ( 37 ) . Diferentemente, o Tribunal de Justiça não sabe se H. Rothwangl estava inscrito no sistema austríaco de segurança social durante o período de referência; no entanto, é certo que não adquiriu quaisquer direitos ao abrigo da regulamentação neerlandesa aplicável durante o período de referência quando trabalhava para a HAL. Simplesmente, não existem, portanto, direitos adquiridos a que as disposições transitórias do artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 se possam aplicar. Além disso, conferir retroativamente esses direitos seria incompatível com o princípio da segurança jurídica e com a letra do artigo 94.o, n.o 1.

54.

Diferentemente do defendido pela Comissão, não considero que a existência de um vínculo suficientemente estreito entre H. Rothwangl e os Países Baixos durante o período de referência seja um critério relevante. Essa condição não encontra expressão na letra do artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71. Tão‑pouco creio que o artigo 13.o, n.o 2, alínea c), seja relevante. Essa disposição tem como único objetivo determinar a legislação aplicável às pessoas que exercem uma atividade assalariada a bordo de um navio com pavilhão de um Estado‑Membro. Enquanto tal, o artigo 13.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71 não tem por objeto determinar as condições da existência do direito ou da obrigação de se inscrever num regime de segurança social ou neste ou naquele ramo de tal regime. Cabe à legislação de cada Estado‑Membro estabelecer essas condições ( 38 ). No caso em apreço, é pacífico que H. Rothwangl estava sujeito à regulamentação neerlandesa quando trabalhava para a HAL e que não estava segurado ao abrigo dessa regulamentação. Consequentemente, não cumpriu um período de seguro para efeitos do artigo 94.o, n.o 2.

55.

Por conseguinte, concluo que o requerente de uma pensão de velhice que não era nacional de um Estado‑Membro durante o período com base no qual requer essa pensão não adquire direitos na aceção das disposições transitórias estabelecidas no artigo 94.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1408/71, nos casos em que não tenha cumprido um período de seguro ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes da adesão do Estado de que é nacional à União Europeia, dado que o período em questão não constitui um período de seguro à luz da legislação desse Estado‑Membro. Esta conclusão é válida mesmo nos casos em que, durante esse período, o requerente tenha residido e trabalhado no Estado‑Membro competente para determinar o seu direito a prestações em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 1408/71. O artigo 3.o deste regulamento não se opõe a uma regulamentação nacional que excluía esse requerente da cobertura do regime de segurança social do Estado‑Membro em causa durante o seu período de residência e de emprego.

Quanto à segunda questão

56.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, nos termos do artigo 18.o TFUE (proibição de discriminação) e do artigo 45.o TFUE (garantia da livre circulação dos trabalhadores), as autoridades neerlandesas estão obrigadas, no cálculo da pensão de H. Rothwangl, a desaplicar a regulamentação nacional em causa, que excluía os marítimos nacionais de países terceiros do seguro relativamente às prestações de velhice durante o período de referência.

57.

No meu entender, a resposta a essa pergunta é negativa.

58.

O artigo 2.o do Ato relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia (a seguir «Ato de Adesão») prevê que, a partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originais são vinculativas para os novos Estados‑Membros e aplicam‑se nesses Estados nas condições previstas nesses Tratados e no Ato de Adesão. O Ato de Adesão não contém disposições transitórias relativamente à aplicação dos atuais artigos 18.° TFUE e 45.° TFUE, pelo que essas disposições devem ser consideradas imediatamente aplicáveis e vinculativas para a Áustria a partir da data da sua adesão, ou seja, 1 de janeiro de 1995. Daqui resulta que, a partir dessa data, os outros Estados‑Membros devem tratar os nacionais austríacos como cidadãos da União.

59.

Todavia, nenhuma disposição do Ato de Adesão exige que os antigos Estados‑Membros tratem os nacionais austríacos da mesma forma que tratavam os nacionais de outros Estados‑Membros antes da adesão ( 39 ). H. Rothwangl só poderia exigir que os Países Baixos o tratassem como se tivesse estado segurado relativamente a prestações de velhice se, durante o período de referência, lhe tivessem assistido direitos decorrentes das disposições que regem a livre circulação de trabalhadores ( 40 ). Porém, não era o caso. Os direitos conferidos pelo direito da União não podem ser adquiridos antes da adesão e, consequentemente, não podem ser reconhecidos após a adesão quando as condições da sua aquisição ou da sua existência não estejam preenchidas ( 41 ).

60.

Por conseguinte, concluo que, no contexto da adesão da Áustria à União Europeia, os artigos 18.° TFUE e 45.° TFUE não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no caso de H. Rothwangl.

Quanto à terceira questão

61.

A terceira questão diz essencialmente respeito a F. Wieland. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se um requerente que seja nacional de um Estado terceiro à data em que requer uma pensão, mas que, durante o período de referência, era nacional de um Estado que aderiu à União Europeia depois de ter cumprido um período de residência e de emprego num Estado‑Membro, pode invocar em seu benefício o Regulamento n.o 1408/71, por estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o do Regulamento n.o 859/2003 e por poder satisfazer as condições previstas nas disposições transitórias do artigo 2.o, n.os 1 a 3, desse regulamento.

62.

Tendo em conta a linha de raciocínio que desenvolvi em relação ao caso de H. Rothwangl, considero que a resposta é negativa.

63.

F. Wieland cumpre as condições previstas no artigo 1.o do Regulamento n.o 859/2003, na medida em que é um nacional dos Estados Unidos que reside legalmente na Áustria, que as circunstâncias do seu pedido não estão circunscritas a um único Estado‑Membro e que ainda não está abrangido por essas disposições exclusivamente em razão da sua nacionalidade. Por conseguinte, está abrangido pelo âmbito de aplicação desse regulamento.

64.

O artigo 2.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 859/2003 reproduz a redação do artigo 94.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1408/71. Embora F. Wieland residisse nos Países Baixos durante o período de referência, não estava — tal como sucedia com H. Rothwangl — segurado relativamente a prestações de velhice ao abrigo da regulamentação neerlandesa. Como tal, não preenchia a primeira condição estabelecida no artigo 2.o, n.o 2 e não adquiriu direitos na aceção dessa disposição. Por conseguinte, o seu pedido deve ser indeferido pelos motivos que já apontei nos n.os 35 a 55, supra, relativamente a H. Rothwangl.

65.

Consequentemente, cabe responder à terceira questão que uma pessoa que esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o do Regulamento n.o 859/2003 e que requeira uma pensão de velhice com base num período anterior a 1 de junho de 2003, não pode invocar as disposições transitórias do artigo 2.o, n.os 1 a 3, desse regulamento se o período em causa não constituir um período de seguro à luz da legislação de um Estado‑Membro, ainda que, durante o referido período, tenha residido e trabalhado no Estado‑Membro competente para determinar o seu direito a prestações em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 1408/71.

Conclusão

66.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Centrale Raad van Beroep (Países Baixos) do seguinte modo:

O requerente de uma pensão de velhice que não era nacional de um Estado‑Membro durante o período com base no qual requer essa pensão não adquire direitos na aceção das disposições transitórias estabelecidas no artigo 94.o, n.os 1 a 3, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, nos casos em que não tenha cumprido um período de seguro ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes da adesão do Estado de que é nacional à União Europeia, dado que o período em questão não constitui um período de seguro à luz da legislação desse Estado‑Membro. Esta conclusão é válida mesmo nos casos em que, durante esse período, o requerente tenha residido e trabalhado no Estado‑Membro competente para determinar o seu direito a prestações em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 1408/71. O artigo 3.o deste regulamento não se opõe a uma regulamentação nacional que excluía esse requerente da cobertura do regime de segurança social do Estado‑Membro em causa durante o seu período de residência e de emprego.

No contexto da adesão da Áustria à União Europeia, os artigos 18.° TFUE e 45.° TFUE não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

Uma pessoa que esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 859/2003 do Conselho, de 14 de maio de 2003, que torna extensivas as disposições do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 e (CEE) n.o 574/72 aos nacionais de Estados terceiros que ainda não estão abrangidos por estas disposições por razões exclusivas de nacionalidade, e que requeira uma pensão de velhice com base num período anterior a 1 de junho de 2003, não pode invocar as disposições transitórias do artigo 2.o, n.os 1 a 3, desse regulamento se o período em causa não constituir um período de seguro à luz da legislação de um Estado‑Membro, ainda que, durante o referido período, tenha residido e trabalhado no Estado‑Membro competente para determinar o seu direito a prestações em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 1408/71.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (Versão consolidada — JO 1997, L 28, p. 1). Esse regulamento foi alterado muitas vezes; a versão em vigor à data em que F. Wieland e H. Rothwangl apresentaram os seus pedidos tinha a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 392, p. 1). O Regulamento n.o 1408/71 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1), com efeitos a partir de 1 de maio de 2010.

( 3 ) Regulamento (CE) n.o 859/2003 do Conselho, de 14 de maio de 2003, que torna extensivas as disposições do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 e (CEE) n.o 574/72 aos nacionais de Estados terceiros que ainda não estão abrangidos por estas disposições por razões exclusivas de nacionalidade (JO 2003, L 124, p. 1).

( 4 ) A seguir «período de referência»; v. ainda n.os 16 e 17, infra.

( 5 ) Règlement n.o 3 concernant la sécurité sociale des travailleurs migrants, du 25 septembre 1958 (Journal officiel des communautés européennes 1958, p. 561). Não existe versão portuguesa desse regulamento.

( 6 ) Artigo 4.o, n.o 6, do Regulamento n.o 3/58.

( 7 ) Règlement n.o 47/67/CEE du Conseil, du 7 mars 1967, modifiant et complétant certaines dispositions des règlements n.o 3 et 4 concernant la sécurité sociale des travailleurs migrants (gens de mer) (JO 44, p. 641). Mais uma vez, não existe versão portuguesa desse regulamento.

( 8 ) Artigo 1.o, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71.

( 9 ) Artigo 1.o, alínea j), do Regulamento n.o 1408/71.

( 10 ) Artigo 1.o, alínea r), do Regulamento n.o 1408/71.

( 11 ) Artigo 1.o, alínea sa), do Regulamento n.o 1408/71.

( 12 ) Em 1981, o artigo 14.o‑B do Regulamento n.o 1408/71, introduzido pelo Regulamento (CEE) n.o 1390/81 do Conselho, de 12 de maio de 1981, que torna o Regulamento n.o 1408/71 extensivo aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família (JO 1981, L 143, p. 1; não existe versão portuguesa), estabeleceu regras especiais para determinar a legislação aplicável aos marítimos. Essas regras, que preveem exceções ao artigo 13.o, n.o 2, alínea c), em certas circunstâncias, não são relevantes para o presente caso.

( 13 ) O Regulamento n.o 1408/71 remete para a legislação do Estado do pavilhão como o critério relevante para a determinação da legislação aplicável. O Estado do pavilhão de um navio mercante é o Estado da legislação ao abrigo da qual o navio está registado ou matriculado. No entanto, o artigo 3.o, n.o 3, da AOW menciona o «porto de armamento do navio», que, no meu entender, corresponde ao porto onde o navio tem a sua base. Este poderá não ser necessariamente o porto onde o navio está registado.

( 14 ) Nos termos da Decisão relativa à extensão e à limitação do número de beneficiários do regime geral da segurança social (Besluit uitbreiding en beperking kring verzekerden volksverzekeringen; a seguir «BUB»), que foi alterada em várias ocasiões entre 1959 e 1968. Designarei coletivamente essas regras e a AOW (na versão em vigor no período de referência) por «legislação nacional em causa». As disposições relevantes da BUB foram revogadas com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1999.

( 15 ) TEDH, processo n.o 34462/97, Coletânea de acórdãos e decisões 2002‑IV.

( 16 ) V. n.o 2, supra.

( 17 ) Importa referir aqui a Convenção n.o 71 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa às pensões dos marítimos, de 1946, que entrou em vigor em 10 de outubro de 1962. Os Países Baixos ratificaram essa convenção em 27 de agosto de 1957. Nos termos do artigo 1.o, cada país membro da OIT está sujeito à obrigação de estabelecer ou de assegurar o estabelecimento de regimes de pensões para os marítimos, em conformidade com as leis ou regulamentos nacionais. No entanto, os não residentes e as pessoas que não forem nacionais do país em causa poderão ser excluídas desses regimes.

( 18 ) V. Proposta de Regulamento (CE) do Conselho relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, apresentada pela Comissão, COM(1998) 779 final, p. 1.

( 19 ) V. primeiro considerando do Regulamento n.o 1408/71.

( 20 ) Acórdão Salemink, C‑347/10, EU:C:2012:17, n.os 39 e 40.

( 21 ) Artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71.

( 22 ) Artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71.

( 23 ) 10/78, EU:C:1978:181.

( 24 ) Acórdão Belbouab, 10/78, EU:C:1978:181, n.o 7.

( 25 ) C‑105/89, EU:C:1990:402 (a seguir «acórdão Buhari Haji»).

( 26 ) Acórdão Duchon, C‑290/00, EU:C:2002:234, n.o 22.

( 27 ) Acordão Duchon, n.o 23 e jurisprudência referida. V. também acórdão Somova, C‑103/13, EU:C:2014:2334, n.os 52 a 54.

( 28 ) Para os Estados‑Membros que aderiram à União Europeia depois da adoção do Regulamento n.o 1408/71, o momento relevante não é 1 de outubro de 1972, mas o período anterior à data de entrada em vigor do regulamento no Estado‑Membro em causa. No que respeita à Áustria, essa data é 1 de janeiro de 1995.

( 29 ) Acórdão Kauer, C‑28/00, EU:C:2002:82, n.o 26 e jurisprudência referida.

( 30 ) V. n.o 15, supra.

( 31 ) Acórdão Duchon, n.o 23. No acórdão Kauer, o Tribunal de Justiça declarou que era à luz do direito austríaco que cabia verificar se os períodos consagrados à educação dos filhos na Bélgica deviam ser qualificados como períodos de seguro para efeitos do seguro de velhice (n.os 33 e 34 do acórdão). A restrição estabelecida nessa regulamentação que obstava a que o referido período fosse considerado um período de seguro (ao contrário do período equivalente consagrado ao mesmo fim na Áustria) era incompatível com o Regulamento n.o 1408/71 (n.os 42 a 45 do acórdão).

( 32 ) Acórdão Duchon, n.o 28.

( 33 ) Acórdão Duchon, n.o 32. V. também acórdão Kauer, n.os 45 e 50.

( 34 ) V., entre muitas expressões deste princípio, acórdão Eman e Sevinger, C‑300/04, EU:C:2006:545, n.o 57.

( 35 ) Acórdão Kauer, n.os 43 e 44.

( 36 ) Acórdão Duchon, n.o 29.

( 37 ) V. n.os 44 a 47, supra.

( 38 ) Acórdão Bakker, C‑106/11, EU:C:2012:328, n.o 32 e jurisprudência referida.

( 39 ) V., por analogia, acórdãos Tsiotras, C‑171/91, EU:C:1993:215, n.o 12, e Andersson e Wåkerås‑Andersson, C‑321/97, EU:C:1999:307, n.o 46.

( 40 ) Na audiência, o Governo neerlandês e o RSvb confirmaram que, durante o período de referência, os marítimos que fossem nacionais de outros Estados‑Membros da Comunidade, como a Itália, estavam segurados relativamente a prestações de velhice porque beneficiavam das disposições do Tratado sobre livre circulação.

( 41 ) V. também conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Österreichischer Gewerkschaftsbund, C‑195/98, EU:C:2000:50, n.os 148 e 149, primeiro período, remetendo para os acórdãos Tsiotras, C‑171/91, EU:C:1993:215, e Andersson e Wåkerås‑Andersson, C‑321/97, EU:C:1999:307.

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