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Document 62013CJ0657

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 21 de maio de 2015.
Verder LabTec GmbH & Co. KG contra Finanzamt Hilden.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Liberdade de estabelecimento — Artigo 49.° TFUE — Restrições — Cobrança parcelada do imposto relativo às mais‑valias latentes — Preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros — Proporcionalidade.
Processo C-657/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:331

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

21 de maio de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Liberdade de estabelecimento — Artigo 49.o TFUE — Restrições — Cobrança parcelada do imposto relativo às mais‑valias latentes — Preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros — Proporcionalidade»

No processo C‑657/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht Düsseldorf (Alemanha), por decisão de 5 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de dezembro de 2013, no processo

Verder LabTec GmbH & Co. KG

contra

Finanzamt Hilden,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Verder LabTec GmbH & Co. KG, por O. Kress, Steuerberater,

em representação do Finanzamt Hilden, por U. Franz, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning e M. S. Wolff, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por L. Banciella Rodríguez‑Miñón, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por U. Persson e A. Falk, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Cordewener e W. Roels, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de fevereiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 49.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Verder LabTec GmbH & Co. KG, com sede na Alemanha (a seguir «Verder LabTec»), ao Finanzamt Hilden (a seguir «Finanzamt») a propósito da tributação das mais‑valias latentes referentes aos ativos dessa sociedade aquando da transferência dos mesmos para o seu estabelecimento estável situado em território neerlandês.

Quadro jurídico

3

Resulta dos autos apresentados no Tribunal de Justiça que a legislação alemã em matéria de tributação de mais‑valias latentes de ativos de uma sociedade com sede na Alemanha transferidos para um estabelecimento estável da mesma, situado fora do território nacional, assentava, num primeiro momento, na jurisprudência do Bundesfinanzhof (Tribunal Federal das Finanças).

4

Num acórdão de 16 de julho de 1969, este último tribunal havia estabelecido a «teoria da alienação final». Resulta da decisão de reenvio, no essencial, que esta teoria partia do princípio de que a República Federal da Alemanha, enquanto Estado de estabelecimento de uma sociedade, perdia o seu direito de tributação das mais‑valias latentes, referentes aos ativos dessa mesma sociedade gerados no território alemão, a partir do momento em que esses ativos eram transferidos para um estabelecimento estável situado no território de outro Estado, na medida em que a República Federal da Alemanha estava obrigada a isentar os lucros desse estabelecimento estável por força da convenção de prevenção da dupla tributação celebrada com o Estado em cujo território o referido estabelecimento estável se situava. A transferência de ativos de uma sociedade com sede na Alemanha para um estabelecimento estável situado no território de outro Estado era então considerada uma alienação, a avaliar de acordo com o valor dito «parcial», na aceção do § 4, n.o 1, segunda frase, da Lei do imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz, a seguir «EStG»).

5

Essa jurisprudência do Bundesfinanzhof tinha por efeito que o valor dos ativos considerados como tendo sido alienados do património de exploração da sociedade com sede na Alemanha devia ser avaliado especificamente no momento da alienação. A diferença entre este valor e o valor contabilístico desses ativos aparecia no balanço no momento da transferência. O montante das mais‑valias latentes reveladas referentes a estes ativos era então somado ao lucro anual corrente da sociedade em causa.

6

Com base nessa jurisprudência, a Administração Tributária alemã decidiu que esses ativos transferidos deveriam ser avaliados, no momento da transferência, ao preço de mercado, isto é, ao preço que teria sido acordado por terceiros independentes em condições idênticas ou semelhantes.

7

A Administração Tributária tinha igualmente decidido atenuar, por motivos de equidade, os efeitos da jurisprudência acima referida e não tributar o lucro ligado a esta alienação no seu todo, mas permitir à sociedade visada a criação de uma rubrica de compensação, de forma a neutralizar esse lucro. Essa rubrica devia, no caso dos bens económicos depreciáveis, ser amortizada de forma proporcional à duração da utilização residual dos ativos em causa ou, no máximo, ser levada a lucro dez anos após a alienação em causa.

8

As situações de alienação de mais‑valias latentes referentes a ativos transferidos por uma sociedade com sede na Alemanha para um estabelecimento estável situado no território de outro Estado foram pela primeira vez objeto de disposições legislativas na Lei de 7 de dezembro de 2006 sobre as medidas fiscais de acompanhamento para a introdução da sociedade europeia e para a alteração de várias disposições fiscais (BGBl. 2006 I, p. 2782, a seguir «SEStEG»).

9

Esta lei tinha por objetivo, por um lado, adaptar algumas normas fiscais às exigências impostas pelo direito da União em matéria de direito fiscal e de direito societário e, por outro, garantir de forma consistente a proteção dos direitos de tributação da República Federal da Alemanha e permitir a tributação das mais‑valias latentes quando os ativos em causa eram subtraídos ao poder de tributação deste Estado‑Membro.

10

Para este efeito, foi inserida pela SEStEG uma nova terceira frase no § 4, n.o 1, da EStG, segundo a qual «[a] exclusão ou a restrição do direito de tributação da República Federal da Alemanha relativamente ao lucro resultante da cessão ou da utilização de um ativo equivale a uma alienação para fins alheios à atividade da sociedade». Resulta da exposição de motivos da SEStEG que o objetivo desta disposição é clarificar o direito aplicável.

11

A SEStEG introduziu também o § 4g na EStG. Nos termos desta disposição, nos casos em que um ativo se considera alienado, na sequência da sua afetação a um estabelecimento do mesmo sujeito passivo situado noutro Estado‑Membro, que não seja a República Federal da Alemanha, nos termos do § 4, n.o 1, terceira frase, da EStG, conforme alterado pela SEStEG, é constituída, a pedido do sujeito passivo, uma rubrica de compensação no montante correspondente à diferença entre o valor contabilístico do ativo e o valor de mercado do mesmo. Nos termos do n.o 2, primeira frase, do referido § 4g, essa rubrica de compensação é levada a lucro num montante equivalente a um quinto desse valor no exercício em que tiver sido criada e nos quatro exercícios seguintes, respetivamente.

12

Além disso, a SEStEG aditou ao § 52 da EStG um número 8b nos termos do qual o § 4, n.o 1, terceira frase, da EStG, conforme alterado pela SEStEG, é aplicável a partir do ano fiscal de 2006.

13

Por acórdão de 17 de julho de 2008, proferido num processo respeitante ao período de tributação de 1995, o Bundesfinanzhof abandonou a sua jurisprudência anterior sobre a «teoria da alienação final». O referido tribunal justificou este abandono afirmando que, por um lado, a EStG, na versão aplicável antes da entrada em vigor da SEStEG, não oferecia base suficiente para a sua jurisprudência anterior. Assim, o Bundesfinanzhof entendeu que a transferência de um ativo por uma sociedade com sede na Alemanha para um estabelecimento estável situado no território de outro Estado não constituía uma alienação.

14

Por outro lado, o Bundesfinanzhof justificou a evolução da sua posição considerando que não era necessário qualificar a transferência de um ativo de uma empresa com sede na Alemanha para um seu estabelecimento estável situado no território de outro Estado como uma situação de realização de lucro, na medida em que a isenção de tributação na Alemanha dos lucros do referido estabelecimento estável não afeta a posterior tributação das mais‑valias latentes geradas no território alemão.

15

Atendendo a esta inversão jurisprudencial, o legislador alemão decidiu adotar uma lei de não aplicação e precisar o conteúdo do § 4, n.o 1, terceira frase, da EStG, conforme alterado pela SEStEG.

16

Através da Lei fiscal relativa ao ano de 2010, de 8 de dezembro de 2010 (BGBl. 2010 I, p. 1768), o mesmo legislador introduziu, por um lado, uma quarta frase após a terceira frase do § 4, n.o 1, da EStG, conforme alterado pela SEStEG, clarificando o principal caso de aplicação do referido § 4, n.o 1, terceira frase. Esta quarta frase estabelece que «[o]corre nomeadamente exclusão ou restrição do direito a tributação relativamente ao lucro decorrente da cessão de um ativo afeto quando um ativo até esse momento afeto a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado no território nacional seja afeto a um estabelecimento permanente estrangeiro».

17

Por outro lado, o § 52, n.o 8b, da EStG, conforme alterado pela SEStEG, foi complementado por uma segunda e terceira frases, por força das quais o § 4, n.o 1, terceira e quarta frases, da EStG, conforme alterado pela Lei fiscal relativa ao ano de 2010, é igualmente aplicável ao exercício fiscal de 2005.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

18

A Verder LabTec é uma sociedade em comandita de direito alemão com sede na Alemanha. A partir do mês de maio de 2005, esta sociedade passou a ocupar‑se, de forma exclusiva, da gestão dos seus direitos sobre patentes, marcas e modelos. Através de um contrato de 25 de maio de 2005, transferiu esses direitos para o seu estabelecimento estável situado nos Países Baixos.

19

Aquando de uma inspeção fiscal, o Finanzamt considerou que a transferência dos referidos direitos devia ser acompanhada da revelação das mais‑valias latentes a eles referentes pelo seu valor de mercado no momento da transferência.

20

O Finanzamt entendeu todavia que estas mais‑valias latentes, cujo valor não foi contestado, não deviam ser imediatamente sujeitas a tributação pelo seu montante total. Por razões de equidade, o montante das mesmas devia, segundo o Finanzmamt, ser neutralizado por uma rubrica por memória no mesmo montante e, em seguida, ser levada a lucro, de forma linear, ao longo de um período de dez anos.

21

Com base no resultado da referida inspeção, o Finanzamt emitiu, em 17 de agosto de 2009, um parecer relativo ao cálculo separado e uniforme da base tributável para o ano fiscal de 2005. Calculou o lucro da Verder LabTec, somando ao lucro realizado a retoma proporcional da rubrica por memória para esse ano fiscal, no montante de um décimo do valor das mais‑valias latentes em causa, e subtraindo a quantia respeitante ao aumento da provisão relativa à taxa profissional a este referente.

22

Por decisão de 19 de setembro de 2011, o Finanzamt indeferiu a reclamação contra este parecer de 17 de agosto de 2009.

23

A Verder LabTec recorreu desta decisão para o Finanzgericht Düsseldorf, alegando, em síntese, que a legislação fiscal em causa violava a liberdade de estabelecimento garantida pelo artigo 49.o TFUE. Esta sociedade considera que a cobrança parcelada do imposto relativo às mais‑valias latentes referentes aos ativos transferidos, no momento da transferência desses ativos, é uma medida desproporcionada. A cobrança deste imposto no momento da realização dessas mais‑valias seria uma alternativa menos onerosa.

24

O Finanzamt conclui no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Alega que o regime fiscal em causa não é contrário aos princípios do direito da União e que uma eventual violação da liberdade de estabelecimento é justificada por razões imperiosas de interesse geral. Além disso, a legislação fiscal em causa é proporcionada, porquanto as mais‑valias latentes reveladas não seriam imediatamente tributadas na sua totalidade.

25

O Finanzgericht Düsseldorf sublinha que o § 4, n.o 1, terceira e quarta frases, da EStG, conforme alterado pela Lei fiscal relativa ao ano de 2010, é aplicável ao exercício fiscal controvertido, a saber, o exercício de 2005.

26

Esse órgão jurisdicional considera que a legislação nacional em causa em matéria de alienação é contrária à liberdade de estabelecimento. Além disso, considera, à luz do acórdão National Grid Indus (C‑371/10, EU:C:2011:785), que esta legislação não pode considerar‑se justificada pois, em virtude do princípio da territorialidade fiscal, a República Federal da Alemanha tem o direito de tributar as mais‑valias latentes geradas ao longo do período que antecedeu a transferência dos ativos em causa para um estabelecimento estável situado noutro Estado‑Membro. Ainda que fosse possível considerar que a determinação do montante das mais‑valias latentes no momento da transferência dos ativos em causa constitui uma medida proporcionada, a cobrança do imposto relativo a essas mais‑valias antes da sua realização, não obstante o parcelamento de tal cobrança por um período de cinco ou dez anos, não pode, segundo esse órgão jurisdicional, constituir uma medida proporcionada.

27

Nestas condições, o Finanzgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É compatível com a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.o [TFUE] que, no caso de uma empresa nacional transferir um ativo para um estabelecimento [permanente] da mesma empresa situado no estrangeiro, uma disposição nacional estabeleça que essa transferência constitui uma alienação de um ativo para fins alheios à atividade da empresa da qual resultam lucros decorrentes da [revelação das mais‑valias latentes], ao passo que outra disposição nacional prevê a possibilidade de [repartir] o referido lucro em partes iguais ao longo de cinco ou dez exercícios?»

Quanto à questão prejudicial

28

A Verder LabTec alega que a questão prejudicial é inadmissível devido ao seu caráter hipotético, uma vez que, segundo esta sociedade, ao exercício fiscal em causa, a saber, o ano de 2005, não era aplicável nenhum período de cinco ou dez anos para a cobrança do imposto mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio. O Finanzamt e o Governo alemão consideram que a questão prejudicial é hipotética, no que respeita à cobrança parcelada em cinco anuidades, dado que o parcelamento ao longo de um período de cinco anos não era aplicável ao exercício fiscal de 2005. A Comissão Europeia entende igualmente que, no que respeita à cobrança parcelada em cinco anuidades. a questão prejudicial é, ou pode ser, hipotética. A este respeito, indica que, tendo em conta que a decisão do Finanzamt de 19 de setembro de 2011 se refere a uma cobrança parcelada em dez anuidades, é possível que o Finanzmamt esteja impedido de modificar, posteriormente, esse período para cinco anos.

29

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (acórdão Stanley International Betting e Stanleybet Malta, C‑463/13, EU:C:2015:25, n.o 26 e jurisprudência referida).

30

No caso, constata‑se que resulta claramente da decisão de reenvio que o aviso de liquidação de 17 de agosto de 2009, cuja reclamação deu lugar à decisão do Finanzamt de 19 de setembro de 2011, se refere à cobrança parcelada do imposto em dez anuidades e não em cinco. Resulta, pois, de forma manifesta que o problema da cobrança parcelada deste imposto em cinco anuidades tem natureza hipotética. Assim, como assinalou o advogado‑geral no n.o 18 das suas conclusões, a questão prejudicial deve ser considerada inadmissível no que diz respeito a tal cobrança.

31

Daqui resulta que a questão deve ser entendida como visando saber se o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, no caso da transferência de ativos de uma sociedade situada no território de um Estado‑Membro para um estabelecimento estável dessa mesma sociedade situado no território de outro Estado‑Membro, prevê a revelação das mais‑valias latentes referentes a esses ativos que foram geradas no território desse primeiro Estado‑Membro, a tributação dessas mais‑valias e a cobrança parcelada do imposto a estas relativo em dez anuidades.

32

Importa recordar que o artigo 49.o TFUE determina a supressão das restrições à liberdade de estabelecimento. Esta liberdade comporta, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e cuja sede social, administração central ou principal estabelecimento se situe no interior da União Europeia, o direito de exercer a sua atividade noutros Estados‑Membros através de uma filial, sucursal ou agência (acórdão Comissão/Alemanha, C‑591/13, EU:C:2015:230, n.o 54 e jurisprudência referida).

33

Ainda que, segundo a sua redação, as disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento visem assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, estas opõem‑se também a que o Estado‑Membro de origem coloque entraves ao estabelecimento noutro Estado‑Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (acórdão Comissão/Alemanha, C‑591/13, EU:C:2015:230, n.o 56 e jurisprudência referida).

34

É, além disso, jurisprudência constante que devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, dificultem, ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (acórdão Comissão/Alemanha, C‑591/13, EU:C:2015:230, n.o 56 e jurisprudência referida).

35

A este respeito, a liberdade de estabelecimento é aplicável às transferências de atividades de uma sociedade do território de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro, independentemente da questão de saber se a sociedade em questão transfere a sua sede estatutária e a sua direção efetiva para fora desse território ou se transfere ativos de um estabelecimento estável situado nesse território para um outro Estado‑Membro (acórdão Comissão/Dinamarca, C‑261/11, EU:C:2013:480, n.o 28 e jurisprudência referida).

36

No que diz respeito à tributação de mais‑valias latentes, geradas no quadro da competência fiscal de um Estado‑Membro, referentes aos ativos transferidos para um estabelecimento estável situado noutro Estado‑Membro, caso esse primeiro Estado‑Membro perca o seu direito de tributar os rendimentos gerados por esses ativos aquando dessa transferência, resulta, em síntese, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma legislação fiscal de um Estado‑Membro que tenha como consequência a tributação imediata das referidas mais‑valias caso tal transferência ocorra, ao passo que as mesmas não são tributadas aquando de uma transferência similar no interior do território nacional, é de natureza a desencorajar uma sociedade estabelecida no primeiro Estado‑Membro a transferir os seus ativos do território do mesmo para outro Estado‑Membro e, portanto, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento (v., neste sentido, acórdão Comissão/Dinamarca, C‑261/11, EU:C:2013:480, n.os 29 a 31 e jurisprudência referida).

37

No caso vertente, importa constatar que a legislação fiscal em causa no processo principal tem como consequência a revelação e tributação das mais‑valias latentes referentes aos ativos transferidos para um estabelecimento estável situado num Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha por ocasião dessa transferência. Ora, tal revelação e tributação não teriam tido lugar aquando de uma transferência semelhante dentro do território nacional, na medida em que as mais‑valias latentes apenas são tributadas quando efetivamente realizadas. Esta diferença de tratamento é suscetível de acarretar uma desvantagem de tesouraria para uma sociedade que deseje transferir ativos para um estabelecimento estável situado no território de outro Estado‑Membro. Assim, a referida diferença de tratamento no que diz respeito à revelação e tributação das mais‑valias em causa é suscetível de desencorajar uma sociedade de direito alemão a transferir os seus ativos para outro Estado‑Membro.

38

Tal diferença de tratamento não se explica por uma diferença de situação objetiva. Com efeito, à luz de uma regulamentação de um Estado‑Membro que visa tributar as mais‑valias geradas no seu território, a situação de uma sociedade que transfere ativos para um estabelecimento estável situado no território de um Estado‑Membro é semelhante, no que respeita à tributação das mais‑valias sobre os ativos transferidos que foram geradas no primeiro Estado‑Membro anteriormente à transferência, à de uma sociedade que faz uma transferência semelhante para um estabelecimento estável situado no território desse Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Comissão/Alemanha, C‑591/13, EU:C:2015:230, n.o 60).

39

Daqui resulta que a diferença de tratamento, no quadro da legislação em causa no processo principal, à qual está sujeita uma sociedade situada no território da República Federal da Alemanha em caso de transferência de ativos para um estabelecimento estável dessa mesma sociedade situado no território de outro Estado‑Membro constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.o TFUE.

40

Importa, contudo, determinar se essa restrição pode ser objetivamente justificada por razões imperiosas de interesse geral reconhecidas pelo direito da União. Impõe‑se igualmente, nessa hipótese, que a mesma não vá para além daquilo que é necessário para atingir esse objetivo.

41

Segundo o Governo alemão, a restrição à liberdade de estabelecimento pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral ligadas à preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros. O órgão jurisdicional de reenvio tem, no entanto, dúvidas a este respeito.

42

A este propósito, importa recordar, por um lado, que a preservação da repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros constitui um objetivo legítimo reconhecido pelo Tribunal de Justiça e que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização adotadas pela União, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário, de modo a eliminarem as duplas tributações (acórdão Comissão/Alemanha, C‑591/13, EU:C:2015:230, n.o 64 e jurisprudência referida).

43

Por outro lado, de acordo com o princípio da territorialidade fiscal, um Estado‑Membro tem, em caso de transferência de ativos para um estabelecimento estável situado noutro Estado‑Membro, o direito de tributar, no momento da transferência, as mais‑valias geradas no seu território anteriormente à referida transferência. Semelhante medida visa, com efeito, prevenir situações suscetíveis de comprometer o direito do Estado‑Membro de origem de exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, acórdão National Grid Indus, C‑371/10, EU:C:2011:785, n.os 45, 46 e jurisprudência referida).

44

Assim, a transferência dos ativos em causa no processo principal da República Federal da Alemanha para outro Estado‑Membro não significa que esse primeiro Estado deva renunciar ao seu direito de tributar as mais‑valias geradas no quadro da sua competência fiscal anteriormente à transferência das mesmas para fora do seu território.

45

Por outro lado, uma vez que têm o direito de tributar as mais‑valias geradas quando os ativos em causa se encontravam no seu território, os Estados‑Membros têm o poder de prever, para essa tributação, um outro facto gerador diferente da realização efetiva dessas mais‑valias, a fim de garantir a tributação desses ativos (acórdão DMC, C‑164/12, EU:C:2014:20, n.o 53 e jurisprudência referida).

46

No caso vertente, resulta da decisão de reenvio que a legislação fiscal em causa no processo principal visa o caso da transferência de ativos para um estabelecimento estável situado no território de um Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha, cujos rendimentos estão isentos de imposto neste último Estado‑Membro.

47

Assim, a revelação das mais‑valias latentes referentes a esses ativos transferidos, gerados anteriormente a essa transferência, no quadro da competência fiscal da República Federal da Alemanha, bem como a tributação das mesmas, visam garantir a tributação dessas mais‑valias não realizadas, geradas no quadro da competência fiscal desse Estado‑Membro. A tributação dos rendimentos referentes aos mencionados ativos gerados em momento posterior a essa transferência cabe ao outro Estado‑Membro, em cujo território esse estabelecimento estável se situa. Assim, uma legislação fiscal como a que está em causa no processo principal é adequada a garantir a preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros em causa.

48

Quanto à proporcionalidade da legislação em causa no processo principal, importa desde já recordar que é proporcionado que, para efeitos de salvaguarda do exercício da sua competência fiscal, um Estado‑Membro determine o montante do imposto devido sobre as mais‑valias latentes geradas no seu território e referentes aos ativos transferidos para fora do seu território no momento em que o seu poder de tributação relativamente aos ativos em causa deixa de existir, no caso vertente, no momento da transferência dos ativos em causa para fora do território desse Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Espanha, C‑64/11, EU:C:2013:264, n.o 31, e DMC, C‑164/12, EU:C:2014:20, n.o 60 e jurisprudência referida).

49

No que respeita à cobrança deste imposto, o Tribunal de Justiça considerou que devia deixar‑se ao sujeito passivo a escolha entre, por um lado, o pagamento imediato do montante desse imposto e, por outro, o pagamento diferido do montante do referido imposto, acrescido, sendo caso disso, de juros, segundo a regulamentação nacional aplicável (acórdão Comissão/Alemanha, C‑591/13, EU:C:2015:230, n.o 67 e jurisprudência referida).

50

Neste contexto, o Tribunal de Justiça decidiu, além disso, que há que ter igualmente em conta o risco de o imposto não ser cobrado, que aumenta em função do decurso do tempo, o qual pode ser levado em conta pelo Estado‑Membro em causa, no âmbito da sua legislação nacional aplicável ao pagamento diferido das dívidas fiscais (v., neste sentido, acórdão National Grid Indus, C‑371/10, EU:C:2011:785, n.o 74).

51

No caso vertente, coloca‑se pois a questão de saber se uma cobrança parcelada do montante do imposto em causa em dez anuidades pode constituir uma medida proporcionada para realizar o objetivo de preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

52

A este propósito, basta constatar que uma cobrança parcelada do imposto relativo às mais‑valias latentes em cinco anuidades, em vez de uma cobrança imediata, foi considerada uma medida proporcionada para realizar esse objetivo (acórdão DMC, C‑164/12, EU:C:2014:20, n.o 64). Uma cobrança parcelada do imposto sobre as mais‑valias latentes em dez anuidades, como a que está em causa no processo principal, só pode, por conseguinte, ser considerada como uma medida proporcionada para atingir o referido objetivo, como salientou o advogado‑geral nos n.os 72 e 73 das suas conclusões.

53

Tendo em conta o exposto, deve responder‑se à questão submetida que o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, no caso da transferência de ativos de uma sociedade situada no território de um Estado‑Membro para um estabelecimento estável dessa sociedade situado no território de outro Estado‑Membro, prevê a revelação das mais‑valias latentes referentes a esses ativos que foram geradas no território desse primeiro Estado‑Membro, a tributação dessas mais‑valias e a cobrança parcelada do imposto relativo às mesmas em dez anuidades.

Quanto às despesas

54

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, no caso da transferência de ativos de uma sociedade situada no território de um Estado‑Membro para um estabelecimento estável dessa mesma sociedade situado no território de outro Estado‑Membro, prevê a revelação das mais‑valias latentes referentes a esses ativos que foram geradas no território desse primeiro Estado‑Membro, a tributação dessas mais‑valias e a cobrança parcelada do imposto relativo às mesmas em dez anuidades.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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