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Document 62013CJ0112

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 11 de setembro de 2014.
A contra B e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Artigo 267.° TFUE – Constituição nacional – Pedido incidental de fiscalização de constitucionalidade obrigatório – Apreciação da conformidade de uma lei nacional quer com o direito da União quer com a Constituição nacional – Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial – Inexistência de domicílio ou de um local de residência conhecido do requerido no território de um Estado‑Membro – Extensão da competência em caso de comparência do requerido – Curador de ausentes.
Processo C‑112/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2195

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

11 de setembro de 2014 ( *1 )

«Artigo 267.o TFUE — Constituição nacional — Pedido incidental de fiscalização de constitucionalidade obrigatório — Apreciação da conformidade de uma lei nacional quer com o direito da União quer com a Constituição nacional — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Inexistência de domicílio ou de um local de residência conhecido do requerido no território de um Estado‑Membro — Extensão da competência em caso de comparência do requerido — Curador de ausentes»

No processo C‑112/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 17 de dezembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de março de 2013, no processo

A

contra

B e o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz (relator), presidente de secção, E. Juhász, A. Rosas, D. Šváby e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de fevereiro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A, por T. Frad, Rechtsanwalt,

em representação de B e o., por A. Egger, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues, D. Colas e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. D’Ascia, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por W. Bogensberger, H. Krämer e A.‑M. Rouchaud‑Joët, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de abril de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 267.° TFUE e 24.° do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A a B e o. relativamente a uma ação de indemnização que estes intentaram contra A nos tribunais austríacos.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2, 11 e 12 do Regulamento n.o 44/2001 enunciam:

«(2)

Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento.

[…]

(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

(12)

O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»

4

O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento enuncia:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

5

Nos termos do artigo 3.o do referido regulamento:

«1.   As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.

2.   Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do Anexo I.»

6

No capítulo II, secção 7, sob a epígrafe «Extensão de competência», o artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 prevê:

«Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.o»

7

O artigo 26.o deste mesmo regulamento, que figura na secção 8 desse capítulo, sob a epígrafe «Verificação da competência e da admissibilidade», enuncia:

«1.   Quando o requerido domiciliado no território de um Estado‑Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado‑Membro e não compareça, o juiz declarar‑se‑á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.

2.   O tribunal deve suspender a instância enquanto não se demonstrar que ao requerido foi dada a oportunidade de receber o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efetuadas todas as diligências.

[…]»

8

No capítulo III, sob a epígrafe «Reconhecimento e execução», o artigo 34.o do Regulamento n.o 44/2001 prevê, no seu n.o 2, que uma decisão não será reconhecida «[s]e o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

Direito austríaco

Constituição federal

9

Em conformidade como artigo 89.o, n.os 1 e 2, da Constituição federal (Bundes‑Verfassungsgesetz, a seguir «B‑VG»), os tribunais comuns não podem revogar as leis ordinárias com fundamento em inconstitucionalidade. O Oberster Gerichtshof e os tribunais de segunda instância estão obrigados, no caso de terem dúvidas quanto à constitucionalidade de uma lei ordinária, a requerer ao Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional) a revogação da lei ordinária em causa.

10

O artigo 92.o, n.o 1, da B‑VG dispõe que o Oberster Gerichtshof é a última instância em matéria civil e criminal (penal).

11

Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, da B‑VG, o Verfassungsgerichtshof é competente para se pronunciar sobre a constitucionalidade das leis ordinárias a pedido, nomeadamente, do Oberster Gerichtshof e dos tribunais de segunda instância. A decisão do Verfassungsgerichtshof que revoga uma lei ordinária por inconstitucionalidade tem, segundo o artigo 140.o, n.os 6 e 7, da B‑VG, força obrigatória geral e vincula todos os tribunais e autoridades administrativas.

Código de Processo Civil

12

O § 115 do Código de Processo Civil (Zivilprozessordnung, a seguir «ZPO») prevê, em princípio, que a citação das pessoas cujo endereço é desconhecido é feita mediante a publicação de um edital numa base de dados de editais («Ediktsdatei»).

13

Nos termos do § 116 do ZPO:

«Para as pessoas cuja citação só puder ser efetuada por edital por o seu local de residência ser desconhecido, o tribunal deve, oficiosamente ou a pedido da parte, nomear um curador de ausentes (§ 9 [do ZPO]) quando, na sequência da citação a efetuar, essas pessoas devam realizar um ato processual para garantir os seus direitos e, em especial, quando a citação se destinar a fazê‑las comparecer.»

14

Em conformidade como § 117 do ZPO, a nomeação do curador deve ser anunciada por edital na base de dados de editais.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

Em 12 de outubro de 2009, B e o. intentaram no Landesgericht Wien uma ação de indemnização contra A em que alegaram que este tinha raptado os respetivos maridos e pais no Cazaquistão.

16

No que respeita à competência dos tribunais austríacos, B e o. sustentaram que A tinha o seu domicílio habitual na circunscrição do tribunal em que a ação foi proposta.

17

O Landesgericht Wien fez várias tentativas de citação que revelaram que A já não tinha domicílio nas moradas indicadas para realizar a citação. Em 27 de agosto de 2010, esse tribunal nomeou, a pedido de B e o., um curador de ausentes («Abwesenheitskurator») em conformidade com o § 116 do ZPO.

18

Depois da notificação da petição inicial, o referido curador apresentou uma contestação em que pedia que a ação fosse julgada improcedente e suscitou numerosas objeções de mérito sem, no entanto, contestar a competência internacional dos tribunais austríacos.

19

Só posteriormente é que um escritório de advogados mandatado por A interveio em seu nome e alegou a incompetência internacional dos tribunais austríacos. A este respeito, alegou que a intervenção do curador de ausentes não podia fundamentar a competência internacional dos tribunais austríacos, uma vez que o referido curador de ausentes não tinha contactado com A e desconhecia as circunstâncias pertinentes existentes no Casaquistão. Quanto ao seu domícilio, A indicou ter deixado definitivamente a Áustria antes de ter sido intentada a ação contra si. Invocando a existência de risco para a sua vida, A não forneceu ao tribunal informações sobre o seu domicílio, mas solicitou que daí em diante todas as notificações fossem dirigidas ao escritório de advogados mandatado.

20

O Landesgericht Wien declarou‑se internacionalmente incompetente e julgou a ação improcedente. O referido tribunal considerou que A estava domiciliado no território da República de Malta e que a comparência do curador de ausentes não constituía comparência em juízo na aceção do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001.

21

O Oberlandesgericht Wien deu provimento ao recurso interposto por B e o. dessa sentença e julgou improcedente a exceção de incompetência internacional. Segundo esse tribunal, os tribunais nacionais só estão obrigados, nos termos do artigo 26.o do Regulamento n.o 44/2001, a verificar a sua competência internacional no caso de falta de comparência do requerido. Ora, no direito austríaco, os atos processuais do curador de ausentes, obrigado a defender os interesses desse requerido, produzem os mesmos efeitos jurídicos que os de um mandatário constituído.

22

A interpôs um recurso de «Revision» no Oberster Gerichtshof, alegando a violação dos seus direitos de defesa consagrados no artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Em contrapartida, B e o. sustentaram que essas disposições da CEDH e da Carta também garantem o seu direito fundamental de ação, o que implica a nomeação do curador de ausentes nos termos do § 116 do ZPO.

23

Segundo as indicações do Oberster Gerichtshof, quando a ação foi intentada, A dispunha de um domicílio em Malta. Na medida em que o curador de ausentes, nomeado para A, não alegou a incompetência internacional dos tribunais austríacos, coloca‑se a questão de saber se a contestação apresentada por esse curador era imputável a A e constituía uma «comparência em juízo» do mesmo na aceção do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001. A este respeito, o Oberster Gerichtshof afirma que o amplo poder de representação do curador de ausentes, nos termos do § 116 do ZPO, pode ser considerado necessário para garantir o direito fundamental de ação de B e o. mas também incompatível com o direito fundamental de ser ouvido de A.

24

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que seguindo a sua jurisprudência constante e em conformidade com o primado do direito da União, não aplica aos casos concretos as disposições legais contrárias ao direito da União. Ora, num acórdão de 14 de março de 2012, U 466/11, o Verfassungsgerichtshof afastou‑se dessa jurisprudência ao declarar que a fiscalização que faz da constitucionalidade das leis nacionais, no âmbito do procedimento de fiscalização geral das leis («Verfahren der generellen Normenkontrolle»), nos termos do artigo 140.o da B‑VG, devia estender‑se às disposições da Carta. Com efeito, no âmbito desse procedimento, os direitos garantidos pela CEDH podem ser nele invocados enquanto direitos de nível constitucional. Assim, segundo o Verfassungsgerichtshof, o princípio da equivalência, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, exige que essa fiscalização geral das leis incida também sobre os direitos garantidos pela Carta.

25

Segundo o Oberster Gerichtshof, o referido acórdão tem como consequência que os tribunais austríacos não podem decidir não aplicar, por sua própria autoridade, uma lei contrária à Carta, mas estão obrigados, «sem prejuízo da possibilidade de submeterem um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça», a requerer ao Verfassungsgerichtshof a revogação dessa lei com força obrigatória geral. Além disso, este último declarou que, no caso de um direito garantido pela Constituição austríaca ter o mesmo âmbito de aplicação que um direito garantido pela Carta, não há que submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE. Neste caso, a interpretação da Carta não é relevante para a decisão de um pedido de revogação de uma lei com força obrigatória geral, decisão que pode ser proferida com base nos direitos garantidos pela Constituição austríaca.

26

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o princípio da equivalência exige estender o recurso incidental de inconstitucionalidade aos direitos garantidos pela Carta, na medida em que esse recurso prolongaria a duração do processo e aumentaria os seus custos. O objetivo de uma correção geral do direito ao revogar uma lei contrária à Carta também pode ser alcançado depois de o processo ter terminado. Além disso, o facto de um direito garantido pela Constituição austríaca e um direito baseado na Carta terem o mesmo âmbito de aplicação não pode isentar da obrigação de um reenvio prejudicial. Não se pode excluir que a interpretação desse direito fundamental pelo Verfassungsgerichtshof se afaste da efetuada pelo Tribunal de Justiça e, consequentemente, que a decisão do mesmo afete as obrigações decorrentes do Regulamento n.o 44/2001.

27

Nestas condições, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode inferir‑se do ‘princípio da equivalência’ na implementação do direito da União […], consagrado no direito da União, a um regime processual no qual os tribunais comuns, apesar de também deverem apreciar a inconstitucionalidade de leis, estão impedidos de revogar leis com força obrigatória geral, sendo tal competência reservada a um tribunal constitucional organizado de forma especial, que os tribunais comuns, caso uma lei viole o artigo 47.o da [Carta], devem, no decurso da instância, remeter a questão ao Tribunal Constitucional para que este revogue a lei com força obrigatória geral, não podendo limitar‑se a não aplicar a lei no caso concreto?

2)

Deve o artigo 47.o da Carta ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito processual segundo a qual um tribunal internacionalmente incompetente pode nomear um curador de ausentes a uma parte cujo paradeiro é desconhecido, podendo o curador, subsequentemente, ao ‘comparecer em juízo’, aceitar a sua competência internacional com efeitos vinculativos?

3)

Deve o artigo 24.o do Regulamento [n.o 44/2001] ser interpretado no sentido de que a ‘comparência do requerido’ na aceção desta disposição só ocorre se o ato processual em causa for realizado pelo próprio requerido ou por um mandatário a quem o mesmo tenha concedido poderes para o efeito, ou tal também se aplica, sem qualquer limitação, a um curador de ausentes nomeado nos termos do direito do respetivo Estado‑Membro?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

28

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o direito da União e, nomeadamente, o artigo 267.o TFUE pode ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual os tribunais comuns quando decidem em sede de recurso ou em última instância devem, quando considerem que uma lei nacional viola o artigo 47.o da Carta, submeter, no âmbito do processo que corre perante os mesmos, a questão ao Tribunal Constitucional para que este revogue a lei com força obrigatória geral, em vez de se limitarem a não a aplicar no caso concreto.

29

Embora o órgão jurisdicional de reenvio se refira, na primeira questão, unicamente ao princípio da equivalência em função da jurisprudência do Verfassungsgerichtshof que baseia nesse princípio a obrigação de lhe ser submetido um pedido de revogação, com força obrigatória geral, de qualquer lei contrária à Carta, a fundamentação da decisão de reenvio revela que o referido órgão jurisdicional se interroga, mais concretamente, sobre a questão da conformidade dessa jurisprudência à luz das obrigações dos tribunais comuns nos termos do artigo 267.o TFUE e do princípio do primado do direito da União.

30

A este respeito, decorre da decisão de reenvio que, segundo a jurisprudência do Verfassungsgerichtshof referida no n.o 24 do presente acórdão, os tribunais comuns que decidem em sede de recurso ou em última instância devem submeter uma questão a esse órgão jurisdicional quando considerem que uma lei é contrária à Carta, nos termos do processo de revogação da lei com força obrigatória geral nos termos dos artigos 89.o e 140.o da B‑VG. Uma vez que esse pedido de revogação com força obrigatória geral deve ter lugar no âmbito do processo em curso nos tribunais comuns, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os referidos tribunais não podem decidir imediatamente o litígio que lhes é submetido, deixando inaplicada uma lei que consideram contrária à Carta.

31

Além disso, no que respeita às consequências dessa jurisprudência constitucional sobre as obrigações decorrentes do artigo 267.o TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio limita‑se a indicar que a obrigação de submeter à apreciação do Verfassungsgerichtshof qualquer lei contrária à Carta não afeta a faculdade de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça sem, no entanto, precisar se essa faculdade está sujeita a condições.

32

Contudo, resulta dos documentos de que o Tribunal de Justiça dispõe, nos quais figura a decisão do Verfassungsgerichtshof referida no n.o 24 do presente acórdão, que a obrigação de lhe ser submetido esse pedido de revogação da lei com força obrigatória geral não afeta a faculdade dos tribunais comuns submeterem ao Tribunal de Justiça, segundo a fórmula do Verfassungsgerichtshof retirada da jurisprudência do Tribunal de Justiça no acórdão Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 57), em qualquer momento do processo que considerem adequado, e mesmo depois de concluído o procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade, qualquer questão prejudicial que entendam ser necessária, adotarem qualquer medida necessária, a fim de assegurar a tutela jurisdicional provisória e não aplicarem, concluído esse procedimento incidental, uma disposição legislativa contrária ao direito da União. A este respeito, o Verfassungsgerichtshof considera importante, como decorre do n.o 42 da sua decisão, que o Tribunal de Justiça não seja privado da possibilidade de proceder à fiscalização da validade do direito derivado da União em relação ao direito primário e à Carta.

33

É à luz destas circunstâncias que há que responder à primeira questão.

34

A este respeito, cabe recordar que o artigo 267.o TFUE confere competência ao Tribunal de Justiça para decidir, a título prejudicial, quer sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União quer sobre a validade desses atos. Esse artigo dispõe, no seu segundo parágrafo, que um órgão jurisdicional nacional pode submeter tais questões ao Tribunal de Justiça, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, e, no seu terceiro parágrafo, que é obrigado a fazê‑lo se as suas decisões não forem suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno.

35

Daqui resulta, em primeiro lugar, que, embora possa ser vantajoso, segundo as circunstâncias, que os factos do processo estejam determinados e que os problemas de puro direito nacional estejam resolvidos no momento do reenvio ao Tribunal de Justiça (v. acórdãos Irish Creamery Milk Suppliers Association e o., 36/80 e 71/80, EU:C:1981:62, n.o 6; Meilicke, C‑83/91, EU:C:1992:332, n.o 26; e JämO, C‑236/98, EU:C:2000:173, n.o 31), os órgãos jurisdicionais nacionais dispõem da mais ampla faculdade para recorrer ao Tribunal de Justiça se considerarem que um processo neles pendente suscita questões sobre as quais têm de decidir e que implicam uma interpretação ou uma apreciação da validade de disposições do direito da União (v., designadamente, acórdãos Rheinmühlen‑Düsseldorf, 166/73, EU:C:1974:3, n.o 3; Mecanarte, C‑348/89, EU:C:1991:278, n.o 44; Cartesio, C‑210/06, EU:C:2008:723, n.o 88; e Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 41).

36

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça já declarou que o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas normas, não aplicando, se necessário e no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., designadamente, acórdãos Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.os 21 e 24; Filipiak, C‑314/08, EU:C:2009:719, n.o 81; Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 43 e jurisprudência referida; e Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 45).

37

Com efeito, seria incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito da União qualquer disposição de uma ordem jurídica nacional ou qualquer prática, legislativa, administrativa ou judicial, que tivesse como efeito diminuir a eficácia do direito da União pelo facto de recusar ao juiz competente para aplicar esse direito o poder de fazer, no momento exato dessa aplicação, tudo o que é necessário para afastar as disposições legislativas nacionais que eventualmente constituam um obstáculo à plena eficácia das normas da União (v. acórdãos Simmenthal, EU:C:1978:49, n.o 22; Factortame e o., C‑213/89, EU:C:1990:257, n.o 20; e Åkerberg Fransson, EU:C:2013:105, n.o 46 e jurisprudência referida). Seria esse o caso se, na hipótese de uma disposição do direito da União ser contrária a uma lei nacional, a solução desse conflito fosse reservada a uma autoridade diferente do juiz chamado a assegurar a aplicação do direito da União, investida de um poder de apreciação próprio, mesmo que o obstáculo daí resultante para a plena eficácia desse direito fosse apenas temporário (v. acórdãos Simmenthal, EU:C:1978:49, n.o 23, e Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 44).

38

Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça declarou que um órgão jurisdicional nacional ao qual tenha sido submetido um litígio relativo ao direito da União, que considere que uma disposição nacional é não só contrária ao direito da União mas padece igualmente de vícios de inconstitucionalidade, não fica privado da faculdade ou dispensado da obrigação, previstas no artigo 267.o TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a interpretação ou a validade do direito da União pelo facto de a declaração da inconstitucionalidade de uma regra de direito interno estar sujeita a recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional. Com efeito, a eficácia do direito da União ficaria ameaçada se a existência de um recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional pudesse impedir o juiz nacional, chamado a pronunciar‑se sobre um litígio regido pelo direito da União, de exercer a faculdade, que lhe é atribuída pelo artigo 267.o TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a interpretação ou a validade do direito da União, a fim de lhe permitir decidir se uma norma nacional é ou não compatível com este (acórdão Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 45 e jurisprudência referida).

39

À luz da jurisprudência recordada nos n.os 35 a 38 do presente acórdão, o funcionamento do sistema de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituído pelo artigo 267.o TFUE e o princípio do primado do direito da União requer que o juiz nacional possa livremente, em qualquer momento do processo que considere adequado, e mesmo depois de concluído um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade, submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão prejudicial que entenda ser necessária (v., neste sentido, acórdão Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.os 51 e 52).

40

Além disso, quando o direito nacional prevê a obrigação de desencadear um procedimento constitucional incidental de fiscalização geral das leis, o funcionamento do sistema instituído pelo artigo 267.o TFUE exige que o juiz nacional tenha a liberdade, por um lado, para adotar qualquer medida necessária a fim de assegurar a tutela jurisdicional provisória dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União e, por outro, para não aplicar, concluído esse procedimento incidental, uma disposição legislativa nacional, se entender que é contrária ao direito da União (v. acórdão Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 53).

41

Por último, no que respeita à aplicabilidade em paralelo dos direitos fundamentais garantidos por uma Constituição nacional e os garantidos pela Carta a uma legislação nacional que aplica o direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da mesma, há que salientar que o caráter prioritário de um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade de uma lei nacional cujo conteúdo se limita a transpor as disposições imperativas de uma diretiva da União não pode prejudicar a competência exclusiva do Tribunal de Justiça de declarar a invalidade de um ato da União, designadamente de uma diretiva, competência que tem por objeto garantir a segurança jurídica, preservando a aplicação uniforme do direito da União (v., neste sentido, acórdãos Foto‑Frost, 314/85, EU:C:1987:452, n.os 15 a 20; IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 27; Lucchini, C‑119/05, EU:C:2007:434, n.o 53; e Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 54).

42

Com efeito, na medida em que o caráter prioritário de um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade conduza à revogação de uma lei nacional, que se limita a transpor as disposições imperativas de uma diretiva da União, pelo facto de essa lei ser contrária à Constituição nacional, o Tribunal de Justiça pode, na prática, ficar privado da possibilidade de proceder, a pedido dos órgãos jurisdicionais de mérito do Estado‑Membro em causa, à fiscalização da validade da referida diretiva com base nos mesmos motivos inerentes às exigências do direito primário, designadamente dos direitos reconhecidos pela Carta, à qual o artigo 6.o TUE confere o mesmo valor jurídico que é reconhecido aos Tratados (acórdão Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 55).

43

Antes de poder efetuar a fiscalização incidental da constitucionalidade de uma lei cujo conteúdo se limita a transpor as disposições imperativas de uma diretiva da União, com base nos mesmos motivos que põem em causa a validade dessa diretiva, os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno são, em princípio, por força do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, obrigados a interrogar o Tribunal de Justiça sobre a validade dessa diretiva e, em seguida, a inferir as consequências que decorrem do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça a título prejudicial, a menos que o órgão jurisdicional que tenha desencadeado a fiscalização incidental da constitucionalidade tenha, ele próprio, submetido ao Tribunal de Justiça esta questão com base no segundo parágrafo do referido artigo. Com efeito, tratando‑se de uma lei nacional de transposição com tal conteúdo, a questão de saber se a diretiva é válida reveste caráter prévio, tendo em conta a obrigação de transposição desta (acórdão Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.o 56).

44

Por outro lado, quando o direito da União confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação no âmbito da execução de um ato do direito da União, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem assegurar o respeito dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição nacional, desde que a aplicação dos padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais não comprometa o nível de proteção previsto pela Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União (v., neste sentido, acórdão Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 60).

45

No que respeita ao princípio da equivalência a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, há que salientar que, segundo esse princípio, as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de direito interno (acórdãos Transportes Urbanos y Servicios Generales, C‑118/08, EU:C:2010:39, n.o 33, e Agrokonsulting‑04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 36 e jurisprudência referida). Ora, o recurso ao princípio da equivalência não pode ter por efeito dispensar os órgãos jurisdicionais nacionais, quando da aplicação das modalidades processuais nacionais, do estrito respeito das exigências decorrentes do artigo 267.o TFUE.

46

Em face das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o direito da União, nomeadamente o artigo 267.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal segundo a qual os tribunais comuns que decidem em sede de recurso ou em última instância devem, quando considerarem que uma lei nacional viola o artigo 47.o da Carta, submeter ao Tribunal Constitucional, no decurso da instância, um pedido de revogação da lei com força obrigatória geral em vez de se limitarem a não a aplicar ao caso concreto, desde que o caráter prioritário desse procedimento tenha como consequência impedir, quer antes da apresentação desse pedido ao órgão jurisdicional nacional competente para exercer a fiscalização da constitucionalidade das leis quer, sendo caso disso, depois da decisão desse órgão jurisdicional sobre o referido pedido, esses tribunais comuns de exercerem a sua faculdade ou cumprirem a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais. Em contrapartida, o direito da União, nomeadamente o artigo 267.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a essa legislação nacional, desde que os referidos tribunais comuns possam:

em qualquer momento do processo que considerem adequado, mesmo depois de concluído o procedimento incidental de fiscalização geral das leis, submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão prejudicial que entendam ser necessária;

adotar qualquer medida necessária a fim de assegurar a tutela jurisdicional provisória dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União; e

não aplicar, concluído esse procedimento incidental, a disposição legislativa nacional em causa se a considerarem contrária ao direito da União.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a legislação nacional pode ser interpretada em conformidade com estas exigências do direito da União.

Quanto à segunda e terceira questões

47

Com a segunda e terceira questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional nomeia um curador de ausentes para um requerido que não foi notificado da petição inicial por falta de residência conhecida, em conformidade com a legislação nacional, a comparência desse curador equivale à comparência em juízo desse requerido na aceção do artigo 24.o desse regulamento que determina a competência internacional desse órgão jurisdicional.

48

A título preliminar, há que observar que, segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, quando o processo principal foi intentado nos tribunais austríacos, A já não estava domiciliado nesse Estado‑Membro. Além disso, esse litígio tem por objeto uma ação de indemnização pelo rapto de pessoas ocorrido no Cazaquistão e não na Áustria. Assim, há que declarar que a competência internacional dos tribunais austríacos não resulta do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001. Além disso, não se afigura que o litígio no processo principal tenha qualquer conexão com o território austríaco que possa determinar a sua competência ao abrigo das disposições desse regulamento, a menos que A tenha comparecido perante o tribunal onde foi intentada a ação na aceção do artigo 24.o do mesmo regulamento.

49

A este respeito, decorre dos documentos submetidos ao Tribunal de Justiça que um curador de ausentes nomeado nos termos do § 116 do ZPO dispõe de um amplo poder de representação, que inclui o poder de comparecer em vez do requerido ausente.

50

Ora, segundo jurisprudência constante, as disposições do Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretadas de maneira autónoma, com referência principalmente ao seu sistema e aos seus objetivos (v., neste sentido, acórdãos Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions Assurance, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 32 e jurisprudência referida, e Hi Hotel HCF, C‑387/12, EU:C:2014:215, n.o 24).

51

Além disso, as disposições do direito da União, como as do Regulamento n.o 44/2001, devem ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais que, segundo jurisprudência constante, são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça e que estão atualmente consagrados na Carta (v., neste sentido, acórdão Google Spain e Google, C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 68 e jurisprudência referida). A este respeito, há que observar que todas as disposições do Regulamento n.o 44/2001 exprimem a intenção de zelar por que, no quadro dos objetivos deste, os processos conducentes à adoção de decisões judiciais se desenrolem no respeito dos direitos de defesa consagrados no artigo 47.o da Carta (v. acórdãos Hypoteční banka, C‑327/10, EU:C:2011:745, n.os 48 e 49, e G, C‑292/10, EU:C:2012:142, n.os 47, 48 e jurisprudência referida).

52

É à luz destas considerações que há que examinar se a comparência do curador de ausentes equivale à comparência em juízo do requerido na aceção do artigo 24.o do referido regulamento.

53

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que esse artigo 24.o faz parte do capítulo II, secção 7, do Regulamento n.o 44/2001, sob a epígrafe «Extensão de competência». O referido artigo 24.o, primeiro período, estabelece uma regra de competência assente na comparência do requerido, aplicável a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a ação não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também aos casos em que a ação foi intentada em violação das disposições do referido regulamento e implica que a comparência do requerido possa ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação e, portanto, uma extensão da sua competência (v. acórdãos ČPP Vienna Insurance Group, C‑111/09, EU:C:2010:290, n.o 21, e Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions Assurance, EU:C:2014:109, n.o 34).

54

Assim, como afirmou o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, a extensão tácita da competência nos termos do artigo 24.o, primeiro período, do Regulamento n.o 44/2001 baseia‑se numa escolha deliberada das partes no litígio relativa a essa competência, o que pressupõe que requerido tem conhecimento do processo iniciado contra si. Pelo contrário, não se pode considerar que um requerido ausente a quem não foi notificada a petição inicial e que ignora o processo iniciado contra si aceita tacitamente a competência do juiz chamado a pronunciar‑se.

55

Além disso, um requerido ausente que ignora a ação intentada contra si e a nomeação do curador de ausentes não pode fornecer a esse curador todas as informações necessárias para apreciar a competência internacional do órgão jurisdicional que conhece do processo e permitir‑lhe contestar efetivamente essa competência ou aceitá‑la com perfeito conhecimento de causa. Nestas circunstâncias, também não se pode considerar que a comparência do referido curador de ausentes constitua uma aceitação tácita por parte desse requerido.

56

Em segundo lugar, cabe observar que, no âmbito do Regulamento n.o 44/2001, a competência internacional do tribunal chamado a pronunciar‑se só é objeto de fiscalização jurisdicional oficiosa ou com base na ação desse requerido, como resulta dos artigos 26.° e 34.°, n.o 2, desse regulamento, se o mesmo for considerado revel. Nessas circunstâncias, o respeito dos direitos de defesa exige que um representante legal só possa validamente comparecer em representação do requerido na aceção do Regulamento n.o 44/2001 se estiver efetivamente em condições de garantir a defesa do requerido ausente. Ora, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 27.o, n.o 2, da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas Convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção, e da jurisprudência relativa ao artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001, um requerido que ignora o processo iniciado contra si e em representação do qual comparece um advogado ou um «tutor» que não foi mandatado encontra‑se na impossibilidade absoluta de se defender e deve, portanto, ser considerado revel na aceção dessa disposição, mesmo que o processo tenha adquirido um caráter contraditório (v., neste sentido, no que respeita à interpretação da referida Convenção de 27 de setembro de 1968, conforme alterada, acórdãos Hendrikman e Feyen, C‑78/95, EU:C:1996:380, n.o 18, e Hypoteční banka, EU:C:2011:745, n.os 53 e 54).

57

Em terceiro lugar, uma interpretação do artigo 24.o desse regulamento segundo a qual um curador de ausentes pode comparecer em nome deste não seria conforme com os objetivos das regras de competência estabelecidas no referido regulamento que devem, como decorre do considerando 11, apresentar um elevado grau de certeza jurídica e articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Com efeito, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que a petição inicial não foi notificada a A, que estava domiciliado num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro a que pertence o tribunal onde foi submetido o processo, a determinação da competência internacional dos tribunais austríacos devido à comparência de um curador de ausentes, nomeado para A, não se pode considerar que tenha caráter jurídico.

58

Por último, o direito de ação do demandante garantido pelo artigo 47.o da Carta, que deve ser aplicado respeitando simultaneamente os direitos de defesa do requerido no âmbito do Regulamento n.o 44/2001 (v., neste sentido, acórdãos Hypoteční banka, EU:C:2011:745, n.os 48 e 49, e G, EU:C:2012:142, n.os 47 e 48), não exige uma interpretação diferente do artigo 24.o desse regulamento, contrariamente ao que sustentam B e o. nas suas observações que apresentaram ao Tribunal de Justiça.

59

A este respeito, B e o. salientam que, no âmbito do litígio no processo principal, A ainda não revelou o seu domicílio atual, impedindo assim a determinação do tribunal competente e o exercício do seu direito de ação. Nesta situação, para evitar uma situação de denegação de justiça e para garantir um justo equilíbrio entre os direitos do demandante e do requerido, em conformidade com a jurisprudência referida no número anterior, há que reconhecer que um curador de ausentes pode comparecer em representação do requerido na aceção do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/20014.

60

Ora, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado, nas circunstâncias especiais dos processos que deram origem aos acórdãos Hypoteční banka (EU:C:2011:745) e G (EU:C:2012:142), que o Regulamento n.o 44/2001, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, não se opõe a um processo contra um requerido ausente em que este tenha sido privado da faculdade de se defender de forma eficaz, esse mesmo tribunal sublinhou o facto de esse requerido ter a possibilidade de fazer respeitar os direitos de defesa opondo‑se, nos termos do artigo 34.o, n.o 2, desse regulamento, ao reconhecimento da sentença contra si proferida (v., neste sentido, acórdãos Hypoteční banka, EU:C:2011:745, n.os 54 e 55, e G, C‑292/10, EU:C:2012:142, n.os 57 e 58). Esta possibilidade de recurso com base no artigo 34.o, n.o 2, do referido regulamento pressupõe, contudo, como declarado no n.o 56 do presente acórdão, a revelia do requerido e que os atos processuais levados a cabo pelo tutor ou pelo curador do ausente não equivalham à comparência deste último na aceção do mesmo regulamento. Em contrapartida, no caso em apreço, os atos processuais levados a cabo pelo curador de ausentes nos termos do § 116 do ZPO têm por efeito que se deve considerar que A compareceu no tribunal a que foi submetido o processo ao abrigo da legislação nacional. Ora uma interpretação do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 segundo a qual o tutor ou o curador de ausentes pode comparecer em representação desse requerido na aceção do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 não estabelece um justo equilíbrio entre o direito de ação e o direito de defesa.

61

Consequentemente, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional nomeia um curador de ausentes para um requerido que não foi notificado da petição inicial por falta de residência conhecida, em conformidade com a legislação nacional, a comparência desse curador não equivale à comparência em juízo desse requerido na aceção do artigo 24.o desse regulamento que determina a competência internacional desse órgão jurisdicional.

Quanto às despesas

62

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O direito da União, nomeadamente o artigo 267.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal segundo a qual os tribunais comuns que decidem em sede de recurso ou em última instância devem, quando considerarem que uma lei nacional viola o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, submeter ao Tribunal Constitucional, no decurso da instância, um pedido de revogação da lei com força obrigatória geral em vez de se limitarem a não a aplicar ao caso concreto, desde que o caráter prioritário desse procedimento tenha como consequência impedir, quer antes da apresentação desse pedido ao órgão jurisdicional nacional competente para exercer a fiscalização da constitucionalidade das leis quer, sendo caso disso, depois da decisão desse órgão jurisdicional sobre o referido pedido, esses tribunais comuns de exercerem a sua faculdade ou cumprirem a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais. Em contrapartida, o direito da União, nomeadamente o artigo 267.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a essa legislação nacional, desde que os referidos tribunais comuns possam:

em qualquer momento do processo que considerem adequado, mesmo depois de concluído o procedimento incidental de fiscalização geral das leis, submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão prejudicial que entendam ser necessária;

adotar qualquer medida necessária a fim de assegurar a tutela jurisdicional provisória dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União; e

não aplicar, concluído esse procedimento incidental, a disposição legislativa nacional em causa se a considerarem contrária ao direito da União.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a legislação nacional pode ser interpretada em conformidade com estas exigências do direito da União.

 

2)

O artigo 24.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional nomeia um curador de ausentes para um requerido que não foi notificado da petição inicial por falta de residência conhecida, em conformidade com a legislação nacional, a comparência desse curador não equivale à comparência em juízo desse requerido na aceção do artigo 24.o desse regulamento que determina a competência internacional desse órgão jurisdicional.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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