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Document 62012CC0209

Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 11 de Julho de 2013.
Walter Endress contra Allianz Lebensversicherungs AG.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
Reenvio prejudicial - Diretivas 90/619/CEE e 92/96/CEE - Seguro direto de vida - Direito de renúncia - Falta de informação sobre as condições de exercício deste direito - Termo do prazo do direito de renúncia um ano após o pagamento do primeiro prémio - Conformidade com as Diretivas 90/619/CEE e 92/96/CEE.
Processo C-209/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:472

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 11 de julho de 2013 ( 1 )

Processo C‑209/12

Walter Endress

contra

Allianz Lebensversicherungs‑AG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Seguro de vida — Direito de renúncia — Prazo de renúncia — Início de contagem do prazo e duração — Comunicação de informação»

1. 

De acordo com o direito da União Europeia, deve ser concedido ao tomador de um seguro de vida um prazo entre 14 e 30 dias a contar da notificação da celebração do seu contrato (a seguir «prazo de renúncia») ( 2 ) dentro do qual pode renunciar aos seus efeitos e, antes da celebração do contrato, ele deve ser informado das condições que regem o exercício desse direito de renúncia. O que acontece se não foi assim informado? Pode renunciar ao contrato? Em caso afirmativo, o direito da União Europeia opõe‑se a uma medida nacional de acordo com a qual esse direito caduca um ano após o pagamento do primeiro prémio e independentemente de ter sido disponibilizada ao tomador a informação obrigatória relativa ao direito de renúncia?

2. 

Estes são os principais aspetos a considerar na resposta à questão prejudicial submetida no presente processo.

Direito da União Europeia

Segunda Diretiva sobre o seguro de vida

3.

A Diretiva 90/619/CEE do Conselho (a seguir «Segunda Diretiva sobre o seguro de vida») ( 3 ) alterou e completou a Diretiva 79/267/CEE do Conselho (a seguir «Primeira Diretiva sobre o seguro de vida») ( 4 ), que abrangia os seguros do ramo «Vida», definido como «o que inclui, nomeadamente, o seguro em caso de vida, o seguro em caso de morte, o seguro misto, o seguro em caso de vida com contrasseguro, o seguro de nupcialidade, o seguro de natalidade» ( 5 ).

4.

A Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida visavam em primeiro lugar estabelecer um mercado interno em relação ao seguro de vida, incluindo a livre prestação de serviços de seguro de vida ( 6 ).

5.

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, a lei aplicável era em princípio a lei do Estado‑Membro do compromisso, todavia, sempre que a legislação desse Estado o permitisse, as partes podiam optar pela lei de outro país. O «Estado‑Membro do compromisso» era definido no artigo 2.o, alínea e), da mesma diretiva como «o Estado‑Membro onde o segurado reside habitualmente ou, caso se trate de pessoa coletiva, o Estado‑Membro onde está situado o estabelecimento da pessoa coletiva a que o contrato diz respeito».

6.

O artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, conforme alterado pelo artigo 30.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, tinha a seguinte redação:

«1.   Cada um dos Estados‑Membros deverá determinar que o segurando de um contrato individual de seguro de vida disponha de um prazo de 14 a 30 dias, a contar da data em que lhe tenha sido confirmada a celebração do mesmo, para renunciar aos efeitos de tal contrato.

A notificação da renúncia ao contrato por parte do segurando tem por efeito libertá‑lo, em relação ao futuro, de qualquer obrigação decorrente desse contrato.

Os restantes efeitos jurídicos e as condições da renúncia são regidos pela legislação aplicável ao contrato, tal como definida no artigo 4.o, nomeadamente no que diz respeito às modalidades segundo as quais o segurando é informado da celebração do contrato.

2.   Os Estados‑Membros podem não aplicar o disposto no n.o 1 aos contratos de duração igual ou inferior a seis meses ou quando, pela situação do titular da apólice ou pelas circunstâncias em que foi celebrado o contrato, o titular da apólice não tiver necessidade desta proteção especial. Os Estados‑Membros especificarão nas suas regras em que circunstâncias não é aplicável o n.o 1.»

Terceira Diretiva sobre o seguro de vida

7.

Em conformidade com o considerando 23 do preâmbulo da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida,

«[…] no âmbito de um mercado único dos seguros, o consumidor terá uma possibilidade de escolha dos contratos maior e mais diversificada; […] para beneficiar completamente dessa diversidade e de uma concorrência acrescida, deve ter ao seu dispor as informações necessárias para escolher o contrato que melhor se adapte às suas necessidades; […] esta necessidade de informações é tanto mais importante quanto maior for a duração dos compromissos, que poderá ser muito longa; […] por conseguinte, convém coordenar as disposições mínimas para que o consumidor receba uma informação clara e precisa sobre as características essenciais dos produtos que lhe são propostos, bem como as indicações relevantes relativas aos organismos competentes em matéria de reclamações dos tomadores, segurados ou beneficiários do contrato».

8.

O artigo 31.o estabeleceu a obrigação de comunicar a informação ao tomador antes da celebração do contrato:

«1.   Antes da celebração do contrato de seguro, devem ser comunicadas ao tomador pelo menos as informações enunciadas no ponto A do anexo II.

2.   Enquanto vigorar o contrato, o tomador deve ser informado de todas as alterações às informações enunciadas no ponto B do anexo II.

3.   O Estado‑Membro do compromisso só pode exigir às empresas de seguros a prestação de informações suplementares em relação às enumeradas no anexo II se essas informações forem necessárias para a compreensão efetiva pelo tomador dos elementos essenciais do compromisso.

4.   As regras de execução do presente artigo e do anexo II serão adotadas pelo Estado‑Membro de compromisso.»

9.

O anexo II enunciou as «informações, que [deviam] ser comunicadas ao tomador, quer (A) antes da celebração do contrato quer (B) durante a sua vigência». Essas informações tinham de ser «formuladas, por escrito, de modo claro e preciso e prestadas na ou numa das línguas oficiais do Estado‑Membro do compromisso». O ponto A continha uma tabela: a coluna do lado esquerdo enumerava informações relativas às empresas de seguros e a coluna do lado direito informações relativas ao contrato propriamente dito. Nesta última, o ponto a.13 enunciava, na versão francesa, «modalités d’exercise du droit de renonciation» e, na versão inglesa, [a]rrangements for application of the cooling‑off period», isto é, o prazo durante o qual podia ser exercido o direito de renúncia ( 7 ). A versão em língua alemã, que contém a expressão «Ausübung des Widerrufs[‑] und Rücktritt[s]rechts», parecia referir‑se a diferentes aspetos do direito de renúncia.

Direito nacional

10.

O § 5a da Versicherungsvertragsgesetz (Lei dos contratos de seguro, a seguir «VVG»), na versão aplicável à data dos factos no processo principal (a seguir «versão original do § 5a da VVG»), dispunha:

«(1)   O contrato de seguro considera‑se válido, nos termos expressos na apólice, nas condições do seguro e nas restantes informações ao consumidor relevantes para o contrato, no caso de o segurador, no momento da apresentação da proposta do contrato, não ter dado conhecimento ao tomador das condições do seguro ou prestado uma informação ao consumidor, de acordo com o § 10a da Versicherungsaufsichtsgesetz ( 8 ), se o tomador não se opuser, por escrito, no prazo de catorze dias após entrega dos documentos. […]

(2)   O prazo apenas começa a correr após o tomador do seguro ter recebido, na totalidade, a apólice de seguro e os documentos referidos no n.o 1 e, com a receção da apólice, ter sido elucidado, por escrito, em letra de imprensa, e de forma clara, sobre o seu direito de oposição, e sobre o início e a duração do prazo. Cabe ao segurador o ónus de provar a entrega destes documentos. Para a observância do prazo basta o envio em tempo da oposição. Sem prejuízo do disposto na primeira frase, o direito de oposição apenas caduca, contudo, um ano após o pagamento do primeiro prémio.»

11.

Embora a versão original do § 5a da VVG tenha sido alterada com efeitos a partir de 31 de dezembro de 2007, aparentemente ainda se aplica a um número significativo de contratos de seguro de vida celebrados anteriormente a essa data.

12.

A versão original do § 5a da VVG utilizava os termos em alemão «widerspricht», «Widerspruchsrecht» e «Widerspruch». Estes termos são diferentes dos utilizados no artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida (que utilizava os termos «zurückzutreten», «zurücktritt» e «Rücktritts») e na frase «Ausübung des Widerrufs[‑] und Rücktritt[s]rechts» no anexo II da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida.

13.

Para efeitos destas conclusões, focar‑me‑ei nas explicações dadas neste processo sobre a aplicação da versão original do § 5a da VVG, em vez das eventuais nuances acerca do significado dos termos «widerspricht», «Widerspruchsrecht» e «Widerspruch» de acordo com a lei alemã ( 9 ).

Matéria de facto, tramitação e questão prejudicial

14.

W. Endress pretendia celebrar um contrato de seguro de vida com a Allianz Lebensversicherungs‑AG (a seguir «Allianz»), com efeitos a partir de 1 de dezembro de 1998.

15.

W. Endress só recebeu as condições gerais e uma nota informativa quando a Allianz lhe enviou a apólice de seguro. De acordo com as conclusões a que chegou o tribunal de recurso, as quais vinculam o Bundesgerichtshof (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»), mesmo quando aceitou a proposta de W. Endress, a Allianz não o informou devidamente dos seus direitos consagrados na versão original do § 5a da VVG ( 10 ).

16.

Em resultado, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que o prazo de 14 dias referido na versão original do § 5a da VVG não se iniciou.

17.

Nos termos do contrato, tinha de ser pago um prémio anual por um período de cinco anos. Em conformidade com as condições gerais aplicáveis ao contrato, o valor de resgate em caso de cessação do contrato estava limitado ao valor do seguro em caso de morte.

18.

W. Endress pagou os prémios de dezembro de 1998 até dezembro de 2002. Aparentemente, pagou um prémio adicional em 2004.

19.

Em 1 de junho de 2007, W. Endress procedeu à notificação da sua intenção de fazer cessar o contrato com efeitos a partir de 1 de setembro de 2007. Em setembro de 2007, a empresa de seguros pagou‑lhe o valor de resgate, o qual era inferior à soma dos prémios com juros.

20.

Por carta de 31 de março de 2008 (e, portanto, mais de um ano após o pagamento do primeiro prémio), W. Endress exerceu os seus direitos ao abrigo da versão original do § 5a da VVG. Alegou que o contrato não tinha sido validamente celebrado e pediu ao segurador que reembolsasse todos os prémios com juros (depois de estabelecer o valor de resgate). Não resulta de forma clara como e em que momento W. Endress veio a ter ou lhe foi dado conhecimento do seu direito nos termos da versão original do § 5a da VVG e das condições do seu exercício.

21.

O tribunal de primeira instância julgou improcedente o pedido de W. Endress relativo ao pagamento de um montante suplementar pelo segurador. O órgão jurisdicional de recurso negou provimento ao recurso interposto dessa decisão.

22.

W. Endress interpôs então um recurso de «Revision» para o Bundesgerichtshof, o qual considera que o resultado do recurso depende de saber se a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida se opunham à norma de acordo com a qual o direito do tomador, nos termos da versão original do § 5a, n.o 2, da VVG, caducou um ano após o pagamento do primeiro prémio (a seguir «regra de um ano»). Neste contexto, esse órgão jurisdicional suspendeu a instância e submeteu a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 15.o, n.o 1, primeiro período, da [Segunda Diretiva sobre o seguro de vida], atendendo ao artigo 31.o, n.o 1, da [Terceira Diretiva sobre o seguro de vida] ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime como o previsto no § 5a, n.o 2, quarto período, da [VVG], nos termos do qual o direito de renúncia ou de oposição caduca o mais tardar um ano após o pagamento do primeiro prémio de seguro, mesmo quando o tomador do seguro não tenha sido informado do direito de renúncia ou de oposição?»

23.

W. Endress, a Allianz, o Governo alemão e a Comissão apresentaram observações escritas e fizeram alegações orais na audiência realizada em 24 de janeiro de 2013.

Apreciação

Observações preliminares

24.

Parece decorrer do pedido de decisão prejudicial que, perante os tribunais alemães, W. Endress defendeu que a regra de um ano é contrária à Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida.

25.

Por conseguinte, analisarei se a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida se opunham a uma disposição como a versão original do § 5a da VVG, a qual continha a regra de um ano e, se não for esse o caso, retirarei então as consequências dessa conclusão para o presente processo.

26.

Embora a versão original do § 5a da VVG já não esteja em vigor ( 11 ), um número considerável de contratos de seguro de vida continua sujeito a essa disposição. A decisão do Tribunal de Justiça no presente processo é, portanto, suscetível de afetar outros tomadores para além de W. Endress ( 12 ). Pode também ser relevante para tomadores que tenham assinado contratos de seguro de vida com base numa disposição diversa da versão original do § 5a da VVG, na medida em que o direito de renunciar aos mesmos esteja sujeito à mesma regra de um ano (ou a uma regra semelhante).

27.

Os argumentos apresentados neste processo ofereceram apenas uma descrição fragmentada da lei alemã sobre o seguro de vida e das características particulares da formação dos contratos de seguro de vida do tipo descrito na versão original do § 5a da VVG e da renúncia aos mesmos.

28.

De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, essa disposição aplicava‑se aos contratos formados em conformidade com aquilo que designarei por «modelo de apólice». Segundo esta abordagem, o pedido de seguro de vida apresentado por um requerente constituía uma proposta contratual e a aceitação dessa proposta pelo segurador produzia efeitos com o envio ao requerente da apólice de seguro, das condições gerais de seguro e de uma nota informativa. Parece que o contrato apenas se considerava celebrado decorrido um prazo de 14 dias a contar do envio destes documentos e desde que, nesse prazo, o requerente não tivesse manifestado intenção de não ficar vinculado pelo contrato. Durante esse prazo, o contrato estava assim, nos termos da lei alemã, privado provisoriamente de validade. Se o requerente não reagisse dentro desse prazo, o contrato considerava‑se celebrado na data de recebimento pelo requerente da apólice de seguro, das condições gerais e da nota informativa. Se o segurador não fornecesse devidamente esses documentos ao futuro tomador, não se iniciava a contagem do prazo de 14 dias. Contudo, decorrido um ano a contar do pagamento do primeiro prémio, o requerente já não podia manifestar a sua intenção de não ficar vinculado pelo contrato.

29.

A questão do órgão jurisdicional de reenvio respeita em especial ao quarto período do § 5a, n.o 2, da VVG, de acordo com o qual o requerente já não podia manifestar a sua intenção de não ficar vinculado pelo contrato decorrido o prazo de um ano após o pagamento do primeiro prémio — mesmo que, como assinala o órgão jurisdicional de reenvio, o segurador nunca tivesse comunicado a informação relevante (inclusive em relação ao direito do requerente de manifestar a sua intenção de não ficar vinculado pelo contrato) e, por conseguinte, nunca se tivesse iniciado a contagem do prazo de 14 dias.

30.

O órgão jurisdicional de reenvio examina a regra de um ano à luz das disposições da Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida, as quais se referiam, respetivamente, ao direito de renúncia após a notificação da celebração do contrato e à obrigação de comunicar determinada informação ao requerente (isto é, ao futuro tomador) antes da celebração do contrato.

31.

Tenho dúvidas se a lei nacional pertinente deve ser entendida como referindo‑se ao direito de renúncia no sentido do artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida ou a um direito diferente conferido ao requerente que deseje evitar a celebração do contrato de seguro de vida e que não está consagrado nesta disposição.

32.

O texto da versão original do § 5a da VVG sugere que o seu objeto era o «Widerspruchsrecht», ao passo que a versão em alemão do artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida descreve as circunstâncias em que o tomador «zurücktritt» («renuncia») e a versão em alemão do anexo II da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida define a informação que deve ser comunicada antes da celebração do contrato como incluindo o «Ausübung des Widerrufs[‑] und Rücktritt[s]rechts». Pelo contrário, na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede a este Tribunal de Justiça que tenha em consideração a expressão «Rücktritts‑ oder Widerspruchsrecht» que parecia referir‑se tanto ao (a uma parte do) direito abrangido pela Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida como ao direito objeto da versão original do § 5a da VVG.

33.

Consequentemente, por forma a auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio, embora evitando tomar uma posição definitiva sobre o sentido da lei alemã, abordarei as duas questões seguintes de forma separada: i) a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida opunham‑se a uma regra de acordo com a qual o direito de renúncia já não podia ser exercido decorrido mais de um ano após o pagamento do primeiro prémio, independentemente de ter sido disponibilizada ao tomador a informação exigida relativa ao direito de renúncia; e (ii) abstraindo do direito de renúncia no sentido do artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida opunham‑se à formação de contratos de seguro de vida com base nos termos descritos numa disposição como a versão original do § 5a da VVG? A primeira questão assenta na premissa de que essa disposição de direito nacional se referia ao direito de renúncia no sentido da Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida; a segunda questão parte do pressuposto de que não era esse o caso.

Partindo do pressuposto de que a versão original do § 5a da VVG se referia ao direito de renúncia: a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida opunham‑se à regra de um ano?

34.

Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, o prazo de renúncia iniciava‑se com a notificação ao tomador da celebração do contrato. Este ponto de partida assentava em duas premissas: em primeiro lugar, apenas se pode renunciar a um contrato que já foi celebrado e, em segundo lugar, o tomador só pode exercer o seu direito de renúncia se tiver sido devida e atempadamente informado do mesmo. Assim, o artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida exigia que a informação relevante, conforme definida no anexo II dessa diretiva, fosse comunicada ao requerente antes da celebração do contrato.

35.

No entanto, o artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida não previa as consequências da falta de notificação adequada dessa informação antes da celebração do contrato, a qual incluía as condições relativas ao direito de renúncia.

36.

O artigo 31.o, n.o 1, da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida também não definia essas consequências nem estabelecia se estas deviam ser determinadas em conformidade com a lei do Estado‑Membro em causa. O artigo 31.o, n.o 4, estabelecia apenas que as regras de execução do mesmo artigo e do anexo II seriam adotadas pelo Estado‑Membro de compromisso.

37.

Neste contexto, a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida opunham‑se a que um Estado‑Membro estabelecesse que o direito de renúncia apenas podia ser exercido no prazo máximo de um ano após o pagamento do primeiro prémio, no caso de a informação relevante, incluindo a informação relativa ao direito de renúncia, não ter sido (devidamente) comunicada ao tomador?

38.

Penso que não compete ao Tribunal de Justiça estabelecer exaustivamente quais as consequências da falta de comunicação da informação exigida. Pelo contrário, cabe aos Estados‑Membros transpor a Terceira Diretiva sobre o seguro de vida (especificamente, o artigo 31.o) em conformidade com o direito da União Europeia, e em especial com os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da eficácia.

39.

No meu ponto de vista, os Estados‑Membros não podem simplesmente não atribuir nenhuma consequência à falta de comunicação da informação. Isso não só desincentivaria o segurador de cumprir a obrigação de comunicar a informação como deixaria de proteger o potencial adquirente de um seguro de vida. Ao mesmo tempo, não considero que a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida obrigassem os Estados‑Membros a estabelecer que o contrato seria inválido sempre que a obrigação de comunicar a informação antes da celebração do contrato não tivesse sido respeitada. Tal sanção pode não ser sempre uma solução proporcional e eficaz.

40.

Assim, por exemplo, o segurador pode não ter comunicado toda ou uma parte substancial da informação enunciada no ponto A do anexo II da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida. Nesse caso, afigura‑se difícil imaginar como é que poderia existir um contrato: uma das partes não teria toda, ou uma parte considerável, da informação essencial relativa a esse contrato.

41.

Ou pode dar‑se o caso de apenas não terem sido comunicadas as informações relativas ao direito de renúncia e às condições do seu exercício e de o potencial adquirente ter sido devidamente informado em relação aos outros aspetos. Nestas circunstâncias, o adquirente apenas não teria tomado conhecimento da proteção mais ampla que esse direito de renúncia lhe conferia. Não parece provável que uma pessoa que decidiu celebrar um contrato de seguro de vida fosse dissuadida de celebrar esse contrato por saber que tinha uma proteção mais ampla conferida pelo direito de renúncia. Um Estado‑Membro pode decidir que a solução adequada nessas circunstâncias é conceder ao tomador um período de tempo imediatamente a seguir ao momento em que foi devidamente informado do seu direito de renúncia para exercer esse direito. Em alternativa, um Estado‑Membro pode decidir conferir uma maior proteção ao tomador ou ter em conta se o tomador queria que o contrato fosse declarado inválido ( 13 ).

42.

Relembro que, em relação ao direito de renúncia nos termos da diretiva relativa às vendas ao domicílio ( 14 ), o Tribunal de Justiça assinalou no acórdão Heininger que «[…] o consumidor, não tendo conhecimento da existência de um direito de rescisão, […] encontra[‑se] na impossibilidade de o exercer» ( 15 ). Esse processo envolvia uma lei alemã nos termos da qual um consumidor que não tivesse recebido a informação exigida podia exercer o direito de rescisão até que ambas as partes tivessem cumprido as suas obrigações decorrentes do contrato, mas não o podia fazer passado um ano a contar da data em que tinha declarado a sua intenção de celebrar o contrato. O Tribunal de Justiça considerou ainda que razões de segurança jurídica não podem justificar a limitação do prazo durante o qual o direito de rescisão pode ser exercido, na medida em que implica uma restrição dos direitos expressamente concedidos aos consumidores com o objetivo de protegê‑los dos riscos inerentes ao facto de as instituições de crédito terem optado por celebrar contratos fora dos seus estabelecimentos comerciais ( 16 ).

43.

Existem diferenças significativas entre a diretiva relativa às vendas ao domicílio e a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida. Dito isto, corroboro a posição do Tribunal de Justiça no acórdão Heininger no sentido de que os direitos dos consumidores não devem ser enfraquecidos tendo em vista oferecer segurança jurídica a um vendedor que não comunicou, adequada e atempadamente, ao consumidor a informação que teria permitido a este último exercer o seu direito de renúncia dentro do prazo definido pelo legislador da União Europeia ( 17 ).

44.

Na minha opinião, as mesmas considerações devem aplicar‑se em relação à Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida.

45.

Tal como o consumidor num contrato de venda ao domicílio, o tomador é a parte mais fraca na relação contratual com o segurador. Devia ser informado das implicações desse contrato, por forma a fazer uma escolha informada em relação tanto ao segurador como ao contrato, antes de ficar juridicamente vinculado pelo contrato. À semelhança da diretiva relativa às vendas ao domicílio, a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida colocavam o ónus de comunicar a informação necessária sobre o segurador ( 18 ). Esta parte contratante não devia poder invocar a segurança jurídica para reparar uma situação causada pela sua própria inobservância de uma exigência do direito da União Europeia de comunicar uma lista de informação definida ( 19 ).

46.

Acrescento que o pagamento do primeiro prémio pode ser considerado uma prova de que o tomador pretendeu ficar vinculado pelo contrato tendo por base a informação relativa àquele contrato que lhe foi comunicada antes ou naquele momento. Contudo, devido à omissão do segurador, não lhe foi fornecida toda a informação que o direito da União Europeia considera relevante para a celebração do contrato.

47.

Um tomador que não tenha sido informado do seu direito de renúncia pelo segurador pode bem vir a ter conhecimento do mesmo por outra via, mas o segurador continua a não cumprir o dever imposto pela Terceira Diretiva sobre o seguro de vida e aplicado através do direito nacional. Não se pode permitir que o segurador se baseie nesse incumprimento (presumindo que podia provar em que momento o tomador teve conhecimento do direito de renúncia) para argumentar que o prazo de renúncia já terminou. Só se o segurador puder provar que comunicou toda a informação necessária é que há certeza jurídica suficiente para que o prazo de renúncia corra e chegue ao seu termo.

48.

Porém, tal não significa que o tomador não possa renunciar antes de o segurador lhe comunicar a informação, se tiver ou vier a ter conhecimento do seu direito de renúncia por outros meios. Tal equivaleria, novamente, a permitir que o segurador beneficiasse da sua própria omissão de comunicação para negar ao tomador o seu direito.

49.

Por estes motivos, concluo que o artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida e o artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida opunham‑se a que um Estado‑Membro estabelecesse que o direito de renúncia já não pode ser exercido decorrido um ano após o pagamento do primeiro prémio, independentemente de o segurador ter informado o tomador desse direito de forma devida e atempada. À luz de uma tal norma, o prazo de renúncia expira em resultado do cumprimento pelo tomador das suas obrigações contratuais (mediante o pagamento do prémio devido) e apesar do incumprimento pelo segurador da sua obrigação legal de comunicar a informação ao tomador. Tal resultado seria perverso.

50.

Esta conclusão pode ser suficiente para auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo. Não obstante, examinarei também, de forma sumária, se o artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida se opunha ou não a que um Estado‑Membro estabelecesse um prazo de renúncia mais longo do que os 14 a 30 dias após a notificação da celebração do contrato.

51.

No meu entendimento, o artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida tornou claro que o prazo de renúncia não podia ser inferior a 14 dias a contar do momento em que foi notificada a celebração do contrato. Esse prazo podia ser entre 14 e 30 dias. Portanto o artigo 15.o, n.o 1, estabelecia tanto um limite inferior como um limite superior para o prazo de renúncia que os Estados‑Membros podiam fixar na sua legislação. O limite inferior visava, obviamente, fornecer um nível mínimo de proteção ao tomador. O limite superior parecia, logicamente, visar a garantia da segurança jurídica tanto para o tomador como para o segurador.

52.

E se o contrato de seguro de vida não foi celebrado em conformidade com as exigências da Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida? Em particular, e se a informação descrita no artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida só foi comunicada mais tarde ao tomador?

53.

Nesse caso, pelos motivos que já enunciei, o tomador deve poder renunciar ao contrato num prazo que se inicia após a comunicação da informação relevante.

54.

Tinha então de se dar ao tomador um prazo de renúncia mais longo do que o limite superior estabelecido no artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida?

55.

Penso que não.

56.

Embora o artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida tenha especificado o ponto de partida da contagem do prazo de renúncia nessas circunstâncias ( 20 ), não considero que o direito nacional possa estabelecer que o tomador tem o direito de renunciar ao seu contrato após o termo de um prazo que é mais longo do que o limite superior expressamente fixado nessa disposição.

Partindo do pressuposto de que a versão original do § 5a da VVG não se referia ao direito de renúncia: a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida opunham‑se à formação de um contrato de seguro de vida com base nessa disposição?

57.

Caso o órgão jurisdicional de reenvio decida que o direito descrito na versão original do § 5a da VVG era distinto do direito de renúncia identificado no artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, torna‑se relevante examinar se a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida se opunham a que um Estado‑Membro adotasse um modelo tal como o modelo de apólice para a formação de um contrato de seguro de vida. Se a resposta for «não», então a questão objeto do reenvio prejudicial é na realidade hipotética.

58.

Ambas as diretivas ( 21 ) se aplicavam à formação de e à renúncia a um contrato de seguro de vida. As suas disposições relevantes referiam‑se a cinco fases diferentes: i) a formação do contrato; ii) a sua celebração; iii) a notificação da sua celebração ao tomador; iv) o início da contagem de um prazo de renúncia após essa notificação; e v) a eventual renúncia aos seus efeitos nesse prazo.

59.

Em relação à fase i), o artigo 31.o, n.o 1, da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida dispunha que as informações enunciadas no ponto A do anexo II dessa diretiva tinham de ser comunicadas ao potencial adquirente antes da celebração do contrato. Em especial, considero que o tomador tinha de ser informado nesses termos antes da sua opção por um determinado segurador e contrato, por forma a permitir‑lhe tomar uma decisão informada. O objetivo dessa obrigação de comunicar a informação era permitir ao potencial adquirente escolher o contrato mais adequado às suas necessidades e fornecer‑lhe «uma informação clara e precisa sobre as características essenciais dos produtos que lhe são propostos, bem como as indicações relevantes relativas aos organismos competentes em matéria de reclamações dos tomadores, segurados ou beneficiários do contrato» ( 22 ). Essa comunicação tinha também que incluir informação relativa às condições de renúncia ao contrato ( 23 ).

60.

Em relação às fases ii) a v), o artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida prescrevia que, após a celebração do contrato e a notificação desse facto, o tomador podia renunciar ao contrato num prazo de renúncia limitado. Em relação a um contrato ainda não celebrado, em que não houve proposta e aceitação que se traduzam num acordo entre as partes de ficarem vinculadas pelos termos específicos do contrato, é evidente que não se pode renunciar ao mesmo.

61.

Daqui resulta que a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida, lidas conjuntamente, exigiam que determinada informação fosse comunicada ao (futuro) tomador antes da celebração do contrato e que lhe fosse concedido um prazo de renúncia entre 14 e 30 dias após a notificação dessa celebração. Estas diretivas opunham‑se por isso às disposições nacionais que não respeitassem essas exigências.

62.

Afigura‑se que uma lei nacional que permitisse que a formação do contrato de seguro de vida fosse concebida de um modo que excluísse a comunicação da informação relevante de forma adequada e atempada, conforme exigido pelo artigo 31.o, n.o 1, da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, seria contrária à mesma diretiva. A obrigação de comunicar a informação ficaria prejudicada se essa informação fosse apresentada apenas após o tomador ter feito a sua proposta e ter portanto escolhido um segurador e um contrato.

63.

Se a lei de um Estado‑Membro previsse um prazo durante o qual o requerente podia opor‑se à celebração do contrato e estabelecesse que durante aquele prazo o contrato ainda não tinha sido celebrado, então, evidentemente, esse prazo não seria um prazo de renúncia, no sentido do artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, e este direito de oposição faria parte da fase i) (formação do contrato) e não de qualquer fase posterior.

64.

Nessas circunstâncias, a lei do Estado‑Membro em causa deveria prever que, após o decurso do prazo durante o qual o requerente podia manifestar a sua intenção de não ficar vinculado pelo contrato [fase ii)], o tomador tinha de ser notificado da celebração do contrato [fase iii)] e de que tinha o direito de renunciar ao contrato num prazo após a sua celebração [fases iv) e v)], que era distinto do prazo durante o qual podia opor‑se à celebração do contrato [fase ii)]. De outro modo, poderia parecer que o prazo de renúncia já tinha decorrido no momento em que o contrato foi celebrado.

Consequências

65.

O direito aplicável ao litígio no processo principal entre W. Endress e a Allianz — ambos particulares — é o direito alemão. Esse direito deve ser interpretado pelo órgão jurisdicional de reenvio de forma a assegurar a conformidade com o direito da União Europeia, em especial com a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida, que se aplicavam quando o contrato foi celebrado. Porém, num litígio entre dois particulares, é jurisprudência assente que as diretivas não podem, por si só, criar obrigações para um particular e não podem portanto ser invocadas, enquanto tal, contra um particular ( 24 ).

66.

Cheguei à conclusão de que o artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida e o artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida devem ser interpretados no sentido de que se opõem i) a que um Estado‑Membro estabeleça que o direito de renúncia já não pode ser exercido um ano após o pagamento do primeiro prémio, independentemente de o segurador ter informado o tomador desse direito de forma adequada e atempada e ii) a que um Estado‑Membro exclua que determinada informação obrigatória deva ser comunicada ao (futuro) tomador antes da celebração do contrato e que lhe seja concedido um prazo de renúncia entre 14 e 30 dias após a notificação dessa celebração.

67.

Qualquer das conclusões pode ter implicações consideráveis para a posição de W. Endress e a do segurador no processo principal.

68.

Quais são essas implicações dependerá em especial de saber até que ponto o órgão jurisdicional de reenvio seja capaz de interpretar o direito alemão em conformidade com a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida. A este respeito, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, exige‑se que o órgão jurisdicional de reenvio «tome em consideração todo o direito nacional para apreciar em que medida este pode ser objeto de uma interpretação que não conduza a um resultado contrário ao pretendido pela diretiva» ( 25 ). Isto significa que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a aplicar aqueles métodos de interpretação reconhecidos pelo direito nacional que permitem, em determinadas circunstâncias, que uma disposição da ordem jurídica interna seja interpretada de forma a evitar um conflito com outra norma de direito nacional ou, para esse efeito, reduzir o seu alcance, aplicando‑a somente na medida em que seja compatível com aquela norma ( 26 ). Ao mesmo tempo, a obrigação de tomar como referência o conteúdo de uma diretiva ao interpretar e aplicar o direito nacional «é limitada pelos princípios gerais de direito, designadamente os da segurança jurídica e da não retroatividade» e «não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional» ( 27 ).

69.

Se o resultado pretendido pelas diretivas em questão não puder ser alcançado dessa forma, é também jurisprudência assente que pode ser necessário não aplicar o direito nacional ( 28 ) e que, existindo dano e devendo‑se este a uma violação por um Estado‑Membro dos deveres a que estava sujeito, compete ao órgão jurisdicional de reenvio «assegurar a realização do direito a reparação dos consumidores lesados, no âmbito do direito nacional da responsabilidade» ( 29 ).

Efeitos da decisão do Tribunal de Justiça no tempo

70.

A Allianz pediu que, na medida em que o Tribunal de Justiça considere que a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida se opunham a uma legislação nacional como a regra de um ano, o Tribunal de Justiça limite no tempo os efeitos da sua decisão ( 30 ). Neste contexto, a Allianz afirma que podem ser afetados pela decisão mais de 108 milhões de contratos celebrados entre 1995 e 2007, ao abrigo dos quais foram pagos prémios que totalizam cerca de 400 mil milhões de euros ( 31 ). A Allianz informa que só ela própria celebrou cerca de 9 milhões de contratos desse tipo, durante esse período, tendo recebido prémios de cerca de 62 mil milhões de euros.

71.

Limitar no tempo os efeitos de uma decisão é uma medida excecional a que o Tribunal de Justiça só recorreu quando i) «existia um risco de repercussões económicas graves devidas, em particular, ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa‑fé com base na regulamentação que se considerou estar validamente em vigor» e ii) «se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com o direito da União em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições do direito da União, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adotados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão Europeia» ( 32 ). As consequências financeiras não justificam, em si mesmas, esta ação excecional ( 33 ).

72.

No presente processo, considero que não existem elementos suficientes para justificar a limitação no tempo dos efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça. Não há evidência perante o Tribunal de Justiça quanto à probabilidade de os contratos de seguro de vida que podem ser afetados pela sua decisão virem a ser objeto de renúncia, quanto ao custo económico daí resultante para os seguradores ou quanto à extensão do risco de repercussões económicas graves. Nem estou convencida de que a «incerteza objetiva e importante» em relação às disposições de direito da União Europeia em questão tenha levado, pelo menos, as autoridades nacionais a manter o modelo de apólice ou a utilizar o pagamento do primeiro prémio como o ponto de partida para o cômputo do prazo aplicável de acordo com a regra de um ano.

Conclusão

73.

À luz do acima exposto, sugiro que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pelo Bundesgerichtshof, do seguinte modo:

O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 90/619/CEE do Conselho, de 8 de novembro de 1990, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto de vida, que fixa as disposições destinadas a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços e altera a Diretiva 79/267/CEE, conjugado com o artigo 31.o da Diretiva 92/96/CEE do Conselho, de 10 de novembro de 1992, que estabelece a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao seguro direto vida e que altera as Diretivas 79/267/CEE e 90/619/CEE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional nos termos da qual o direito de renunciar a um contrato de seguro de vida caduca, o mais tardar, um ano após o pagamento do primeiro prémio, independentemente do tomador ter sido informado desse direito de forma adequada e atempada.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Nota não pertinente para a versão portuguesa.

( 3 ) Diretiva do Conselho, de 8 de novembro de 1990, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto de vida, que fixa as disposições destinadas a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços e altera a Diretiva 79/267/CEE (JO L 330, p. 50). A Segunda Diretiva sobre o seguro de vida foi alterada pela Diretiva 92/96/CEE do Conselho, de 10 de novembro de 1992, que estabelece a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao seguro direto vida e que altera as Diretivas 79/267/CEE e 90/619/CEE (Terceira Diretiva sobre o seguro de vida) (JO L 360, p. 1) (a seguir «Terceira Diretiva sobre o seguro de vida»). Esta diretiva, por seu turno, foi também alterada por diversas vezes. A Segunda Diretiva sobre o seguro de vida foi revogada pela Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida (JO L 345, p. 1) (a seguir «Diretiva 2002/83»), a qual, por sua vez, foi revogada pela Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (JO L 335, p. 1). Os artigos 35.° e 36.° da Diretiva 2002/83 dizem respeito, respetivamente, ao direito de renúncia e à obrigação de comunicar determinada informação aos tomadores. Os seus termos são similares àqueles em questão no presente processo. Nestas conclusões, referir‑me‑ei à Segunda Diretiva sobre o seguro de vida e à Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, em conjunto, como a «Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida». Dado que ambas as diretivas já foram revogadas, refiro‑me a elas no pretérito.

( 4 ) Primeira Diretiva 79/267/CEE do Conselho, de 5 de março de 1979, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes ao acesso à atividade de seguro direto de vida e ao seu exercício (JO L 63, p. 1; EE 06 F2 p. 62), conforme alterada (revogada subsequentemente pela Diretiva 2002/83).

( 5 ) Artigo 1.o, ponto 1, alínea a), da Primeira Diretiva sobre o seguro de vida.

( 6 ) V., por exemplo, considerando 19 do preâmbulo da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida.

( 7 ) V. também, por exemplo, o texto em neerlandês («[w]ijze van uitoefening van het recht van opzegging») e o texto em espanhol («[m]odalidades de ejercicio del derecho de renuncia»).

( 8 ) Lei sobre a supervisão da atividade seguradora.

( 9 ) V. n.os 28 a 32, infra.

( 10 ) V. n.o 10, supra.

( 11 ) V. n.o 11, supra.

( 12 ) De facto, estão atualmente pendentes perante o Tribunal de Justiça vários processos semelhantes: processo C‑439/12, Gawelczyk, processo C‑459/12, Krieger, processo C‑529/12, Lange, e processo C‑590/12, Merten.

( 13 ) No contexto da Diretiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31) (a seguir «diretiva relativa às vendas ao domicílio»), comparar, por exemplo, com o acórdão de 17 de dezembro de 2009, Martín Martín (C-227/08, Colet., p. I-11939, n.os 34 e 35). [Esta diretiva será revogada a partir de 13 de junho de 2014 pela Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304, p. 64).]

( 14 ) V. nota 13, supra. Observo que, nestas diferentes diretivas, o legislador não adotou uma abordagem uniforme em relação à obrigação de comunicar a informação antes da celebração do contrato e ao direito de renúncia; nem a divisão de competências entre a União Europeia e os Estados‑Membros é descrita em termos uniformes. A jurisprudência do Tribunal de Justiça que envolve a diretiva relativa às vendas ao domicílio não pode, por isso, ser transposta automaticamente para a Segunda e Terceira Diretivas sobre o seguro de vida: devem distinguir‑se os elementos específicos de uma determinada diretiva em causa dos elementos que se aplicam genericamente.

( 15 ) Acórdão de 13 de dezembro de 2001 (C-481/99, Colet., p. I-9945, n.o 45); v. também o n.o 60 das conclusões do advogado‑geral P. Léger nesse processo e os acórdãos de 10 de abril de 2008, Hamilton (C-412/06, Colet., p. I-2383, n.o 33), e Martín Martín, referido na nota 13, supra, n.os 25 e 26.

( 16 ) Acórdão Heininger, referido na nota 15, supra, n.o 47.

( 17 ) O Tribunal de Justiça adotou um raciocínio semelhante noutro processo envolvendo a diretiva relativa às vendas ao domicílio, a respeito das consequências da falta de informação ao consumidor do seu direito de rescisão: v., por exemplo, acórdão de 25 de outubro de 2005, Schulte (C-350/03, Colet., p. I-9215, n.os 100 e 101).

( 18 ) V. n.o 8, supra.

( 19 ) Em resposta a uma questão que lhe foi colocada na audiência, o Governo alemão admitiu que o modelo de apólice favorecia o segurador.

( 20 ) V. n.os 34 a 49, supra.

( 21 ) Artigo 15.o da Segunda Diretiva sobre o seguro de vida, conforme alterado pela Terceira Diretiva sobre o seguro de vida, e artigo 31.o da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida.

( 22 ) Considerando 23 do preâmbulo da Terceira Diretiva sobre o seguro de vida.

( 23 ) V. n.o 9, supra.

( 24 ) V. Acórdão de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C-397/01 a C-403/01, Colet., p. I-8835, n.o 108 e jurisprudência referida).

( 25 ) Acórdão Pfeiffer e o., referido na nota 24, supra, n.o 115 e jurisprudência referida.

( 26 ) Acórdão Pfeiffer e o., referido na nota 24, supra, n.o 116.

( 27 ) Acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o. (C-212/04, Colet., p. I-6057, n.o 110 e jurisprudência referida).

( 28 ) Acórdão de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C-555/07, Colet., p. I-365, n.o 51 e jurisprudência referida).

( 29 ) Acórdão de 14 de julho de 1994, Faccini Dori/Recreb (C-91/92, Colet., p. I-3325, n.o 29), e ver também, mais recentemente, por exemplo, acórdão Adeneler e o., referido na nota 27, supra, n.o 112 e jurisprudência referida.

( 30 ) v., por exemplo, os argumentos semelhantes apresentados pelo banco no processo Heininger, referido na nota 15, supra, n.o 49.

( 31 ) Considerando que a população da Alemanha se estimava em 82 milhões em 2010, tenho alguma dificuldade em aceitar a afirmação de que foram celebrados mais de 108 milhões de contratos de seguro de vida durante o período de 1995‑2007.

( 32 ) Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact (C‑465/11, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 33 ) Acórdão Forposta e ABC Direct Contact, referido na nota 32, supra, n.o 47 e jurisprudência referida.

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